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Arquivos Brasileiros de Psicologia

 ISSN 1809-5267

     

https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i2p.68-83 

ARTIGOS

 

Desenvolvimento na carreira de bolsistas produtividade: uma análise de gênero

 

Career development of teaching researchers in Brazil: a gender analysis

 

Desarrollo en la carrera de becarios productividad: un análisis de género

 

 

Suzane Carvalho da Vitória BarrosI; Luciana Mourão Cerqueira e SilvaII

IPsicóloga. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) e Associação Internacional de Educação Continuada (AIEC). Niterói. Estado do Rio de Janeiro. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Historicamente os homens detêm maior número de bolsas produtividade em pesquisa. Este estudo discute diferenças de gênero no desenvolvimento da carreira acadêmica e as práticas sociais de naturalização dessas disparidades. Participaram bolsistas do nível inicial (n = 620) e final da carreira (n = 616). Foram analisados currículos Lattes e aplicados questionários sobre estado civil, presença de filhos, idade ao se tornar pesquisador etc. Os resultados apontaram que as mulheres se titulam mais tarde, demoram mais para ingressar no sistema de bolsas e seus filhos mais velhos têm média de idade maior. Além disso, na medida em que a carreira científica avança, o número de mulheres no sistema de bolsas decresce. Os resultados permitem discutir a influência dos estereótipos de gênero no desequilíbrio na divisão das responsabilidades familiares, além de trazer implicações para as estratégias de planejamento do desenvolvimento profissional dos pesquisadores e para a definição de políticas científicas que considerem tais desigualdades.

Palavras-chave: Desenvolvimento Profissional; Gênero; Pesquisador; Produtividade.


ABSTRACT

Historically, men have held the highest number of research productivity scholarships. This study discusses gender differences in the development of the academic career and social practices of naturalization of those disparities. Fellows from the initial level (n = 620) and the end of the career (n = 616) from different areas took part in this study. The research included analysis of Lattes curriculum vitae and questionnaires about marital status, presence of children, age to become a researcher, etc. The results showed that women graduate later, take longer to join the system of scholarships and their older children have a higher average age. Moreover, to the extent that the scientific career progresses, the number of women in the system of grants decreases. The results allow to discuss the influence of gender stereotypes on the imbalance in the division of family responsibilities, in addition to bringing implications for planning strategies of the professional development of researchers and the definition of scientific policies that consider such inequalities.

Keywords: Professional Development; Gender; Researcher; Productivity.


RESUMEN

Históricamente los hombres tienen mayor número de becas de productividad en investigación. Este estudio discute diferencias de género en el desarrollo de la carrera académica y las prácticas sociales de naturalización de esas disparidades. Participaron becarios del nivel inicial (n = 620) y final de carrera (n = 616). Se analizaron currículos Lattes y se aplicaron cuestionarios sobre estado civil, presencia de hijos, edad al convertirse en investigador, etc. Los resultados apuntaron que las mujeres se titulan más tarde, tardan más para ingresar en el sistema de becas y sus hijos mayores tienen promedio de edad mayor.. Además, en la medida en que la carrera científica avanza, el número de mujeres en el sistema de becas decrece. Los resultados permiten discutir la influencia de los estereotipos de género en el desequilibrio en la división de las responsabilidades familiares, además de traer implicaciones para las estrategias de planificación del desarrollo profesional de los investigadores y para la definición de políticas científicas que consideren tales desigualdades.

Palabras clave: Desarrollo Profesional; Género; Investigador; Productividad.


 

 

Introdução

Desde as últimas décadas tem crescido o número de brasileiros com os níveis mais elevados da educação superior. No período compreendido entre os anos de 1996 a 2015, o incremento no número de doutores no país foi de 401% (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos em Ciência, Tecnologia e Inovação - CGEE, 2016; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, 2017), revelando maior interesse de mulheres e homens pela carreira científica, além do crescimento na demanda por investimentos governamentais e financiamentos de projetos de pesquisa (Leta, 2011).

Os investimentos em pesquisa científica, em geral, envolvem a concessão de bolsas de incentivo e outros insumos necessários para a manutenção de laboratórios, custeio de viagens, despesas com participação em eventos e outros itens destinados ao desenvolvimento de trabalhos científicos. Tais recursos são quase sempre disputados a partir da avaliação de pares e pela análise do que é produzido, inclusive em termos de qualidade e relevância (Droescher, & Silva, 2014).

No Brasil, a bolsa produtividade em pesquisa (PQ) ofertada pelo governo federal, por meio do CNPq, é um dos mais relevantes fomentos aos cientistas do país (Weber et al., 2015). Tal bolsa é destinada aos pesquisadores que se destacam na produção científica de suas áreas de atuação, sendo distribuídos em cinco níveis de acordo com a progressão na carreira (denominados de PQ2, PQ1D, PQ1C, PQ1B e PQ1A). O pesquisador bolsista inicia sua carreira no nível PQ2 e tem quatro outros estágios para ascender, embora a limitação quantitativa de bolsas resulte em um quadro que não permite a contemplação da totalidade de pesquisadores que se destacam em suas respectivas áreas. Assim, são estabelecidos critérios rigorosos para a concessão da bolsa PQ para a sua progressão em termos de níveis, tais como: quantidade e qualidade da produção científica, internacionalização da produção, formação de novos pesquisadores, envolvimento com atividades de gestão, organização de eventos de divulgação científica e colaboração com órgãos de fomento à pesquisa (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, 2019a).

O pesquisador interessado em receber a bolsa precisa apresentar um projeto de pesquisa, que será avaliado pelos pares, assim como será feito com a sua produção, considerando os critérios descritos. Embora os critérios para a obtenção da bolsa produtividade sejam claros e a concessão, baseada em uma análise comparativa dos pares, um olhar mais atento na distribuição de bolsistas evidencia um desequilíbrio entre mulheres e homens bolsistas PQ. Os homens predominam em todos os níveis de bolsa, sendo maior a diferença à medida que ocorrem as mudanças de níveis na carreira e aumenta o prestígio do pesquisador. Em 2017, as estatísticas mostravam que, no primeiro nível da carreira (PQ2), os homens correspondem a 62% dos 30.368 bolsistas produtividade, sendo que, no último nível (PQ1A), o percentual masculino chega a 77% dos 4.896 bolsistas (CAPES, 2018).

Além dessa distribuição de gênero já ser preocupante, uma análise dos últimos 10 anos evidencia um quadro de manutenção desses percentuais. Em uma década, o percentual das pesquisadoras no nível mais elevado da carreira (PQ1A) aumentou apenas 1% e, no nível inicial (PQ2), continuou o mesmo. Tais dados revelam baixa evolução em relação à equidade entre homens e mulheres na carreira de pesquisador, sinalizando para a manutenção de uma maior dificuldade feminina para ingressar no sistema de bolsas do CNPq, bem como para progredir na carreira (Weber et al., 2015).

Entre as possibilidades para analisar tal fenômeno está a idade em que a pessoa se torna pesquisador, bem como a idade em que obtém sua primeira bolsa produtividade, já que a entrada mais jovem no sistema de bolsas pode permitir a chegada ao topo da carreira já que é um processo de demanda tempo (Lima, Braga, & Tavares, 2015). Além disso, também é pertinente analisar aspectos relacionados aos momentos da vida pessoal, como a idade em que as pesquisadoras e pesquisadores se casam e têm filhos, uma vez que a literatura sobre gênero aponta maior número de horas de dedicação feminina às tarefas domésticas, quando comparado aos homens e, assim, menos horas dedicadas às tarefas relacionadas à carreira. Enquanto um homem ocupado dispensa 10 horas por semana às demandas familiares e domésticas, uma mulher também ocupada, dedica mais de 24 horas (Barros, & Mourão, 2018; United Nations Development Programme, 2017).

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo é investigar as disparidades de gênero no desenvolvimento na carreira de pesquisadores brasileiros, considerando as características de vida pessoal, trazendo discussões em torno das práticas sociais que as naturalizam. Será considerada em tal análise a idade em que homens e mulheres se titulam, a idade em que ingressam no sistema de bolsas produtividade, bem como a idade em que se casam e têm filhos, a fim de considerar possíveis interferências de demandas domésticas e familiares na progressão na carreira científica.

Acerca do objetivo apresentado, cumpre esclarecer que, embora haja abundância de estudos sobre distribuição de gênero entre os pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento (Leta, 2011; Lima, 2013; Lima, & Costa, 2016; Prado, & Fleith, 2012; Rodrigues, & Guimarães, 2016; Weber et al., 2015), não foram encontradas, no Brasil, pesquisas com dados relativos à vida pessoal dos pesquisadores (como estado civil, presença e idades dos filhos). Assim, o estudo aqui proposto permite ampliar a visão que se tem do fenômeno e das questões de gênero que o circundam, como evidenciam estudos realizados em outros países (Andersen, 2001; Bornmann, & Endres, 2004; Ginther & Kahn, 2006). Nesse sentido, um estudo considerando as relações pessoais e familiares dos bolsistas produtividade permite discutir possíveis atravessamentos entre questões de gênero e progressão na carreira científica no Brasil.

 

Atravessamentos de gênero na carreira científica

A construção do campo de pesquisa sobre carreira científica e gênero tem início com o questionamento em torno da sub-representatividade feminina nas ciências e expande-se para o questionamento sobre a própria estrutura científica e o impacto da ausência de mulheres em cargos de decisão na academia (Hayashi, & Guimarães, 2016; Lima, & Costa, 2016). No Brasil, muitos são os aspectos que refletem questões de gênero na carreira científica. Além da predominância masculina entre os bolsistas produtividade, inexiste equidade na distribuição por gênero nas diferentes áreas do conhecimento: enquanto as mulheres predominam como bolsistas produtividade nas áreas humanas e da saúde, os homens prevalecem nas engenharias e ciências exatas (Barros, & Mourão, 2018; CNPq, 2019b). Tal fenômeno é conhecido como exclusão horizontal na ciência, que considera a menor participação feminina em algumas áreas do conhecimento de maior prestígio e médias salariais (Hayashi, & Guimarães, 2016; Lima; 2013; Schiebinger, 2001).

As discrepâncias de gênero na carreira científica chamam a atenção por vários motivos. Um deles é que a participação feminina na formação para a ciência no Brasil já superou a disparidade histórica, pois atualmente titulam-se mais doutoras que doutores (Barros, & Mourão, 2018; CGEE, 2016). Além disso, o percentual de mulheres que publicam trabalhos científicos no Brasil cresceu 11% em duas décadas e elas já respondem por 49% de todos os trabalhos produzidos no país - mesmo patamar de Portugal. Ambos foram os países com mais autoras de trabalhos científicos no ano de 2016 (Elsevier, 2017).

Diante desses dados, esperava-se que, ao menos no nível inicial da carreira de bolsistas (PQ2), o predomínio masculino na distribuição de bolsas apresentasse tendência decrescente - o que não foi confirmado nas estatísticas do sistema de concessão de bolsas produtividade. Ao contrário, a distribuição de homens e mulheres manteve-se estável nos cinco níveis de bolsa, demonstrando que as diferenças de gênero ainda persistem no meio científico.

Outro motivo que chama a atenção na desigual distribuição de mulheres e homens bolsistas é que a qualidade dos artigos produzidos pelas mulheres brasileiras é semelhante à dos homens. Em 2016, foi praticamente inexistente a diferença de impacto dos trabalhos publicados pelas pesquisadoras (0,74) e pelos pesquisadores (0,81) brasileiros, sendo eles, ainda, ligeiramente mais citados que as mulheres (Elsevier, 2017). Essa semelhança na qualidade dos artigos publicados por homens e mulheres é também observada em países em que a publicação masculina é muito superior à feminina - como o Japão, onde as mulheres são responsáveis por apenas 20% da produção científica e o impacto das publicações é praticamente o mesmo (0,94 para as pesquisadoras e 0,96 para os pesquisadores).

Assim, confirma-se que, em termos de distribuição por gênero, há - além da discrepância horizontal relativa às áreas do conhecimento - uma discrepância vertical na carreira científica. Quanto mais avançado o nível da bolsa produtividade, maior a concentração masculina. Nos estudos de gênero ao redor do mundo, esse fenômeno é conhecido como "teto de vidro" (glass ceiling), em analogia a algo sutil que facilmente pode se tornar invisível, mas cuja presença é capaz de produzir efeitos de modo a dificultar ou impedir que as mulheres alcancem cargos de maior prestígio nas organizações e na ciência (Aguinis, Ji, & Joo, 2018; Davidson, & Cooper, 1992; Lima, 2013; Olinto, 2011; Schiebinger, 2001).

No Brasil, um estudo sobre as trajetórias das cientistas na física aborda essa dificuldade de ascensão feminina a partir da metáfora do labirinto de cristal, que indica haver uma sucessão de dificuldades, muitas vezes abstratas e socialmente pouco explícitas, com as quais as mulheres precisam lidar (Lima, 2013). Essa metáfora diverge da noção de teto de vidro, por considerar que não existe uma barreira que impeça as mulheres de alcançar os mais diversos cargos na ciência, mas sim nuances ao longo da trajetória profissional que dificulta a progressão. Nesse sentido, há convergência na literatura estrangeira e nacional acerca das práticas, visíveis ou não, que dificultam os avanços das mulheres na carreira científica. Assim, este é um fenômeno complexo que tem muitas raízes, desde a suposição de que cabe às mulheres os cuidados com a casa e a família até aspectos socialmente mais amplos, que envolvem uma percepção da capacidade feminina para determinadas áreas e atividades, com ampla ancoragem nos estereótipos de gênero.

Duas são as possíveis explicações para essas discrepâncias (horizontais e verticais). Por um lado, o menor número de mulheres bolsistas produtividade pode ser atribuído à histórica exclusão das mulheres na produção científica, não só no Brasil (Aguinis et al., 2018; Guedes, 2016; Guedes, Azevedo, & Ferreira, 2015; Grossi, Borja, Lopes, & Andalécio, 2016; Lima, 2013; Lima, & Costa, 2016), mas no contexto global (Andersen, 2001; Bornmann, & Endres, 2004; Ginther, & Kahn, 2006). Por outro lado, a concentração feminina e masculina em determinadas áreas do conhecimento pode ser explicada pela tradicional divisão sexual do trabalho, haja vista as diferenças de gênero que, por séculos, permearam e naturalizaram as relações e práticas sociais (Bernardi, 2017; Guedes, 2016; Koenig, & Eagly, 2014; Roos, & Gatta, 2009).

Assim, estudos realizados em diversos países vêm demonstrando que o gênero é capaz de influenciar a trajetória e o desenvolvimento profissional de mulheres e homens pesquisadores e docentes, fornecendo informações importantes sobre o estado da arte da atividade científica realizada por eles, bem como as razões para a menor participação feminina na ciência. Não pretendemos esgotar essa discussão, mas é importante apresentar alguns dos principais achados sobre a temática, inclusive para contextualizar a realidade brasileira. Citamos, por exemplo, o estudo de Martinez et al. (2007) que concluíram que, nos Estados Unidos, as mulheres desistem, em maior proporção, das pesquisas e da formação acadêmica no período compreendido entre o término do pós-doutorado e a busca da carreira científica como profissão. Os autores atribuem esse fenômeno aos compromissos familiares, especialmente à presença de filhos, devido ao tempo gasto com eles ou com outros membros da família.

Estudo feito na Noruega revelou que, ao contrário dos homens, existe uma relação negativa entre a produção científica das mulheres e as condições domésticas, pois as mulheres com filhos pequenos apresentavam menor produção científica do que seus colegas do sexo masculino nas mesmas condições (Kyvik, & Teigen, 1996). Outro estudo apontou que a relação entre casamento e produção científica variou entre as mulheres, dependendo do tipo de casamento e da ocupação do marido (Fox, 2005). As mulheres de segundo casamento, principalmente as casadas com pessoas do meio científico - alunos, professores ou colegas -, eram mais produtivas do que aquelas que estavam no primeiro casamento. Ao investigar as estruturas familiares, o estudo revelou que mulheres com filhos pequenos ou crianças em idade pré-escolar eram mais produtivas que as que não tinham crianças ou com crianças na idade escolar. Possivelmente esse fenômeno está relacionado ao fato de a mulher gozar a licença-maternidade de maior duração nesse país (315 dias), permitindo conciliar as demandas familiares e um tempo para dedicar-se à produção científica, ainda que no âmbito doméstico.

Outros estudos constatam a relação entre o gênero e os níveis de atividade acadêmica e a atividade científica como profissão, levando em conta a variável relações familiares. Villaroya et al. (2008) investigaram a igualdade de gênero em diferentes períodos durante a realização de teses de doutorado e não encontraram diferença no percentual de mulheres e homens quanto à obtenção dos títulos, tal qual acontece atualmente no Brasil. No entanto, o estudo evidenciou a desigualdade de gênero que favorece os homens entre os orientadores das teses e os membros de bancas examinadoras.

Há ainda estudos que confirmam o efeito de gênero e de fatores sociais na conquista da carreira científica como profissão após a obtenção do título de doutor. Assim, Andersen (2001) encontrou uma distribuição de gênero desequilibrada entre os pesquisadores da Dinamarca. Bornmann e Endres (2004), por sua vez, confirmaram o efeito do gênero e os fatores sociais na busca de empregos adequados à formação após a obtenção do título de doutor, sendo o gênero um fator determinante. Além disso, Ginther e Kahn (2006) identificaram que as mulheres estão em menor número entre os docentes e são menos promovidas quando conseguem ingressar no cargo, revelando a permanência de estereótipos de gênero. Essas autoras analisam que a gravidez e o parto impedem as mulheres de alcançarem níveis de estudos mais elevados, enquanto casar e ter filhos ajuda os homens no seu progresso científico.

No Brasil, a realidade não é diferente. Dados oficiais da Capes (2017) mostram que as mulheres são minoria no total de docentes inseridos na pós-graduação (42%), quer seja como professor colaborador, quer seja como permanente. No caso de professor visitante, a discrepância é ainda maior, pois elas totalizam apenas 35% do universo total nessa função. Tais resultados ensejam reflexões acerca de estereótipos de gênero no campo científico. Por um lado, é preciso considerar que o fato de as mulheres representarem, historicamente, um menor número de doutoras contribui para explicar essa diferença de percentuais do corpo docente da pós-graduação brasileira. Por outro lado, a ascensão do percentual de mulheres que se titulam em cursos de doutorado não tem sido suficiente para promover uma maior igualdade de gênero na carreira científica.

Corroborando esses dados, estudo com pesquisadoras brasileiras aponta que, para elas, a conciliação das atividades de pesquisa com as tarefas familiares é uma das maiores dificuldades encontradas na carreira (Prado, & Fleith, 2012). Os achados desse estudo evidenciam que os estereótipos de gênero interferem negativamente em toda a trajetória acadêmica e que a estrutura e as condições do trabalho científico no Brasil configuram-se como barreiras para o desenvolvimento profissional das mulheres.

Numa linha um pouco distinta, Guedes et al. (2015), embora considerem que as instituições e ambientes de trabalho na academia não funcionem de modo neutro, concluem que a razão para a discrepância de gênero no mundo científico vai além das questões familiares. O estudo mostrou que mulheres solteiras e sem filhos também não estão no topo da carreira científica, e que grande parte das que alcançam os postos mais elevados tem filhos e são casadas. Nesse sentido, a disparidade entre os gêneros na ciência vai além de aspectos familiares e está possivelmente associada a práticas sociais que percebem essas diferenças como "naturais", como também aponta o trabalho de Roos e Gatta (2009).

Uma análise mais global da literatura sobre o tema permite identificar que, no Brasil e em outros países, há a percepção de discrepâncias entre mulheres e homens no meio científico. Boa parte desses estudos dedica atenção para a relação existente entre atividade de pesquisa e questões relacionadas às demandas familiares. No presente estudo, a proposta é investigar as disparidades de gênero no desenvolvimento na carreira de pesquisadores brasileiros, considerando as características de vida pessoal dos mesmos, trazendo discussões em torno das práticas sociais que as naturalizam.

 

Método

Este estudo foi realizado em duas fases de coleta de dados. Na primeira foi feita uma análise direta nos currículos Lattes com o objetivo de comparar as médias de produção entres os pesquisadores. Na segunda fase foi aplicado um questionário com os pesquisadores que aceitaram participar da pesquisa. Foram seguidos os preceitos éticos de informação do objetivo, disponibilidade de acesso futuro aos resultados da pesquisa e preservação do sigilo das informações individuais, tendo sido o projeto aprovado previamente por um Comitê de Ética em Pesquisa.

Participantes e critérios de seleção

O estudo teve como público-alvo os bolsistas PQ do nível inicial (PQ2) e do nível final da carreira (PQ1A). Foram utilizados três critérios para inclusão na amostra: (i) nacionalidade brasileira; (ii) obtenção do título de doutor nos últimos 30 anos (período equivalente a duas gerações, considerando que este é um fenômeno com alterações ao longo do tempo); e (iii) ter os currículos atualizados na plataforma Lattes nos últimos 12 meses, uma vez que as análises baseiam-se na produção de pesquisadores atuantes em suas funções.

Assim, foi feito um censo dos pesquisadores 1A (616 bolsistas). Nesse nível de bolsistas não foi possível obter uma distribuição de gênero equitativa porque a pesquisa foi censitária e há um percentual maior de pesquisadores do sexo masculino (73,9%). Em relação aos bolsistas PQ2, em função do número elevado de bolsistas nesse nível, realizou-se uma amostra aleatória sistemática, com o tamanho pré-definido de 620 casos para que ficasse semelhante ao tamanho da amostra de pesquisadores PQ1A.

Dessa forma, totalizamos 1.236 pesquisadores com currículos analisados. Após essa etapa, fizemos a segunda coleta de dados, por meio de um convite para responder ao questionário sociodemográfico. O convite para a pesquisa foi enviado por e-mail e obteve-se um retorno de 437 doutores (taxa de retorno de 35,4%) sendo a metade de cada um dos níveis (PQ1A e PQ2). As mulheres totalizaram 45% da amostra se considerados os dois níveis de bolsa, sendo menor a participação dentre os bolsistas do nível mais elevado (PQ1A - 39,4%), em função da maior discrepância de gênero observada nesse nível. Os dados amostrais evidenciam que a maioria dos respondentes é casada (79,6%) e tem dois filhos (41,4%), com menor frequência para casos de filho único (23,1%) ou ausência de filhos (18,0%).

A distribuição amostral total aponta que os pesquisadores de ambos os níveis possuem, em média, mais de dez anos de formação (93,6% da amostra), evidenciando a existência de uma trajetória para a consolidação da carreira. Em relação às grandes áreas de atuação, há uma predominância dos pesquisadores nas Ciências Biológicas (29,1%), seguida das Ciências Exatas e da Terra (22,8%), Ciências da Saúde (20,5%), Ciências Agrárias (17,2%), Ciências Humanas (16,7%) e Engenharias (14,6%). As grandes áreas com menor concentração de bolsas são Ciências Sociais Aplicadas (7,4%) e Linguística, Letras e Artes (4,0%). Cabe salientar que esses percentuais se referem ao total de casos e não de sujeitos já que 31,5% dos pesquisadores relatam estar em mais de uma grande área.

A distribuição da amostra total evidencia a conhecida tendência à segregação de mulheres e homens por área de atuação. Por um lado, mulheres predominam em Linguística, Letras e Artes (61,5%), nas Ciências Humanas (60,3%) e nas Ciências da Saúde (53,3%). Por outro, os homens predominam nas Engenharias (71,1%), nas Ciências Exatas e da Terra (69,0%) e nas Ciências Agrárias (62,0%).

Instrumentos de coleta de dados

Para levantamento dos dados na Plataforma Lattes, utilizamos um protocolo de coleta com as seguintes informações a serem extraídas dos currículos: sexo, área de atuação, ano de doutoramento, quantitativo das produções acadêmicas, participação em congressos e parcerias em trabalhos científicos (autoria e coautoria). Na coleta de dados direta, utilizamos um questionário contendo seis perguntas com o objetivo de identificar eventos marcantes na vida pessoal que pudesse afetar a produção científica, a saber: Qual seu ano de nascimento?; Em que ano tornou-se bolsista produtividade do CNPq?; Qual seu estado civil?; Em que ano se casou e/ou divorciou?; Você tem filhos?/Quantos?; e Qual(is) o(s) ano(s) de nascimento dele(s)?

Procedimentos de coleta de dados

Os dados dos pesquisadores PQ1A e PQ2 foram extraídos diretamente dos currículos Lattes sem prévia autorização já que são dados abertos ao público em geral. Para identificação dos pesquisadores a serem incluídos na amostra do nível inicial da carreira de pesquisador foi gerada uma lista na Plataforma Lattes, a partir dos seguintes filtros: nível de bolsa e nacionalidade. Da lista gerada pela plataforma, foi definido o intervalo amostral (13) e sorteado o número inicial entre 1 e 13 que foi o primeiro pesquisado. Os demais participantes foram definidos a partir do somatório sucessivo do intervalo amostral. Para que houvesse uma proporção semelhante de homens e mulheres, após atingir o número máximo de homens, a cada vez que a amostra sistemática indicava na lista um pesquisador do sexo masculino este era substituído pela primeira pesquisadora subsequente.

No segundo momento de coleta de dados, o questionário foi enviado, pela plataforma do CNPq, para todos os pesquisadores cujos currículos foram analisados. Como padrão, adotamos o procedimento de uma primeira tentativa de contato diretamente pelo e-mail fornecido na plataforma Lattes e, no caso de ausência de retorno, duas novas tentativas eram feitas a partir da busca do e-mail pessoal ou institucional do pesquisador na internet.

Procedimentos de análise de dados

A tabulação e a análise dos dados quantitativos foram realizadas com o auxílio do Software Statistical Package for Social Science- SPSS, versão 21.0. Foram realizadas análises descritivas e testes t (com teste de Levene) com o objetivo de comparar dados de pesquisadores e pesquisadoras que recebam bolsa produtividade no Brasil.

 

Resultados

Como o presente estudo foi realizado com bolsistas produtividade eram esperadas semelhanças nas médias de produção científica feminina e masculina, uma vez que os critérios para concessão das bolsas são rigorosos. Portanto, a expectativa era de mais diferenças de produção por estágio na carreira (PQ1A e PQ2) do que por gênero. Os testes t com medidas independentes que foram realizados confirmaram tais resultados, pois uma vez controlado o estágio na carreira, não houve diferença na produção feminina e masculina no que diz respeito a ser primeiro autor ou único autor, no número de livros ou capítulos publicados/organizados, tampouco no tamanho da rede de colaboração (número de coautores).

A única variável para a qual houve diferença por sexo, foi a participação em eventos/congressos, em que as mulheres PQ1 apresentam uma média de 110,48 (DP = 94,98), enquanto a média masculina é de 73,92 (DP = 106,55), (t(215) = 2,58; p = 0,01). Entre os bolsistas PQ2 essa diferença na participação em eventos científicos também permanece (t(118) = 2,90; p = 0,01), tendo as mulheres uma participação média (M = 67,86; DP = 70,29) superior à dos homens (M = 45,36; DP = 40,33).

Em relação às variáveis que relacionam aspectos da carreira com dados sociodemográficos oriundas do segundo momento de coleta de dados, que são: (i) idade, (ii) idade que se tornaram bolsistas PQ; (iii) estado civil; (iv) idade ao casar e/ou divorciar; (v) presença de filhos; e (vi) idade dos filhos, bem como os resultados comparativos dos grupos apresentam diferenças por sexo. A Tabela 1 detalha os resultados obtidos nessa segunda etapa da coleta de dados, em que foi possível identificar diferenças de acordo com o sexo, estatisticamente significativas, nas médias de: idade, idade ao titular, idade em que se tornou bolsista PQ, e em outras variáveis relacionadas à vida pessoal, exceto o número de filhos, a idade ao se casar e a idade ao tornar-se mãe/pai.

Considerando o conjunto dos bolsistas pesquisados, as mulheres têm uma idade média (M = 55,66; DP = 9,70) superior à dos homens (M = 52,53; DP = 9,10), com uma diferença significativa entre eles (t(435) = 3,48; p = 0,01). A pesquisa apontou também que as mulheres recebem o título de doutora com maior média de idade (M = 35,25; DP = 6,71) que os homens (M = 32,51; DP = 5,15), sendo essa diferença significativa (t(435) = 4,82; p = 0,01) e mantida para o alcance da bolsa produtividade, que as mulheres recebem em média com 48,83 anos (DP = 9,31), enquanto a média masculina é de 44,91 anos (DP = 7,78), (t(435) = 4,79; p = 0,01).

Nos aspectos da vida pessoal, há diferença significativa (t(359) = 5,32; p = 0,01) na idade média do primeiro filho, sendo o das pesquisadoras mais velhos (M = 25,68; DP = 11,94) que os dos pesquisadores (M = 19,41; DP = 10,35). A mesma diferença (t(256) = 3,27; p = 0,01) permanece na idade do último filho, sendo que a idade média desses filhos das pesquisadoras é de 19,65 (DP = 14,06), enquanto o dos pesquisadores tem idade média 14,94 (DP = 10,60). E, embora não haja uma diferença significativa na idade média ao ter o primeiro filho, esta diferença aparece na idade em que os pesquisadores tiveram o último filho, sendo a média masculina (M = 38,25; DP = 6,78), ligeiramente superior à feminina (M = 34,62; DP = 5,80), (t(256) = 4,61; p = 0,01).

Outra análise realizada diz respeito à produção anual dos bolsistas nos cinco anos subsequentes ao nascimento dos filhos. Uma análise considerando apenas as diferenças de gênero mostra diferenças significativas, favoráveis aos homens que teriam uma produção muito superior à das mulheres, quer seja após o nascimento do primeiro filho, quer seja após o nascimento do último filho. Contudo, quando se faz uma separação por nível de bolsa, essa diferença permanece apenas para o estrato mais elevado da carreira, onde essa diferença era bem expressiva.

Assim, dentre os bolsistas PQ1, a média anual de produção feminina após o nascimento do primeiro filho era de 1,50 (DP = 1,55), enquanto a média masculina era de 4,11 (DP = 5,42) (t(169) = 4,10; p = 0,01). Após o nascimento do último filho, essa discrepância também se mantém, com média anual feminina de 2,31 (DP = 3,95), e média anual masculina de 5,32 (DP = 7,42) (t(169) = 3,09; p = 0,02), conforme pode ser visto na Tabela 2.

As possíveis razões que explicam as diferenças entre os sexos são discutidas na seção que se segue tendo em conta as regras de distribuição de bolsas produtividade, bem como outras evidências da manutenção de diferenças de gênero no mundo da pesquisa. Nesse sentido, os resultados são também confrontados com pesquisas que investigaram questões de gênero entre pesquisadores.

 

Discussão

O presente estudo se propôs a investigar as disparidades de gênero no desenvolvimento na carreira de pesquisadores brasileiros, trazendo discussões em torno das práticas sociais que naturalizam essas diferenças. A razão para a proposição desta pesquisa deriva de uma dissintonia observada entre os avanços femininos em todos os níveis educacionais, inclusive no doutorado (Barros, & Mourão, 2018), e os percentuais mais baixos de pesquisadoras com bolsa produtividade. O fato de as mulheres terem permanecido distantes, tanto dos cargos acadêmicos, quanto dos cargos políticos com poder decisório, colaborou para a questão de a presença feminina na ciência ter demorado a aparecer nas agendas de estudos de gênero, como apontam Prado e Fleith (2012). Hoje, o debate é deslocado para os processos de inserção e, principalmente, progressão na carreira dentro de um campo masculino.

Assim, os achados deste estudo ensejam discussões em torno de tais processos, já que existem evidências de que o problema não está mais na impossibilidade formal de as mulheres alcançarem os altos cargos na academia, como sugerido pela analogia do glass ceiling (Davidson, & Cooper, 1992; Lima, 2013), que considera a existência de uma barreira invisível que não permitiria a ascensão das mulheres na ciência. A verdade é que muitas mulheres já ocupam os níveis mais elevados da carreira, embora ainda permaneçam em menor proporção em relação aos homens. No entanto, as discrepâncias de gênero ainda existentes apontam para a presença de um conjunto de obstáculos ao longo da trajetória feminina para chegar ao topo, trazendo a noção do labirinto de cristal (Lima, 2013), que indica não mais a existência de uma barreira rígida para se ocupar determinados níveis hierárquicos, mas uma sucessão de dificuldades respaldadas por práticas sociais pouco explícitas, com as quais as mulheres precisam lidar (Koenig, & Eagly, 2014; Roos, & Gatta, 2009).

Portanto, há que se enfrentar questões importantes capazes de influenciar a relação gênero e ciência já evidenciadas por Lima et al. (2015), e Lima e Costa (2015). Como também apontam os achados de Prado e Fleith (2012), os resultados do presente estudo sugerem que a presença de filhos e os custos adicionais da maternidade, tais como o período de dedicação antes da consolidação na carreira, podem ser alguns exemplos dos fatores que dificultam o desenvolvimento profissional das pesquisadoras brasileiras. Contudo, tal conclusão não pode ser feita antes de uma investigação mais profunda que possibilite compreender em quais circunstâncias tal fenômeno acontece, haja vista os achados de Guedes et al. (2015), que mostram que, se por um lado, até mesmo as mulheres solteiras e sem filhos não estão no topo da carreira científica, por outro lado, muitas que estão nos postos mais elevados são casadas e têm filhos. Portanto, as questões familiares e as questões relacionadas à maternidade devem ser relativizadas.

Ademais, os resultados relacionados à vida pessoal dos bolsistas produtividade parecem corroborar os achados de Ginther e Kall (2006) ao evidenciar que as mulheres gastam mais tempo com assuntos relacionados à maternidade antes de investirem na carreira já que, a média de idade dos filhos das bolsistas PQ é maior que a média de idade dos filhos dos bolsistas homens. A análise conjunta deste resultado com a evidência de que as mulheres se titulam doutoras com maior média de idade, bem como ingressam no sistema de bolsa produtividade do CNPq também com média de idade maior que seus colegas, nos permite inferir sobre a persistência da influência do gênero no meio científico, afinal, as bolsistas produtividade parecem adiar, não só sua formação, mas também diminuir o ritmo de produção durante o período reprodutivo.

Enquanto os homens se titulam doutor e ingressam no sistema de bolsa produtividade mais jovens que as mulheres, tendo mais tempo para investir em suas produções científicas e progredir até o nível 1A - chegando a 74% dos que estão nesse nível - as mulheres demoram mais para ingressar e se estabelecer no sistema de bolsas do CNPq. Portanto, a baixa representatividade feminina nos extratos mais elevados da carreira de bolsista PQ pode estar associada a esse fenômeno e torne razoável a justificativa para a permanência das mulheres nos níveis iniciais. Esses achados apontam para as peculiaridades na trajetória feminina para alcançar cargos de maior nível hierárquico, levando aos questionamentos das práticas sociais que as naturalizam.

Contudo, essa não parece ser uma característica exclusivamente brasileira, haja vista os achados de Martinez et al. (2007) que perceberam que as mulheres norte-americanas desistem das pesquisas e da formação acadêmica no período entre o término do pós-doutorado e a consolidação da carreira de pesquisadora, atribuindo tal fenômeno ao tempo dedicado aos filhos ou outros membros da família. Também vale lembrar os achados de Kyvik e Teigen (1996), que estabeleceram relação negativa entre produção científica das mulheres e condições domésticas e nascimento de filhos, na Noruega. Embora os resultados do presente trabalho não possam extrapolar para tal conclusão, vale considerar os achados de Fox (2005) que estabeleceu relação entre o tipo de casamento e a produção científica das mulheres. Se o cônjuge fosse também cientista ou docente, as mulheres apresentavam maior produtividade que outras com cônjuges de ocupações diversas. Talvez tal fenômeno possa estar relacionado ao acolhimento e compreensão daqueles que também estão engajados no sistema científico e conhecerem as exigências peculiares da carreira de pesquisador.

Outra importante discussão que os resultados desta pesquisa ensejam é a aparente mudança de geração evidenciada na comparação das médias de produção científica de homens e mulheres, por nível da carreira, durante os primeiros cinco anos seguidos a maternidade ou paternidade. Seja no caso do primeiro ou no caso do último filho, a média de artigos publicados por homens dobra se comparada à média feminina entre os bolsistas PQ1A. Entretanto, tal diferença não se mantém entre mulheres e homens bolsistas PQ no nível inicial da carreira (PQ2). No nível de bolsa PQ2 estão os pesquisadores mais jovens, se comparados aos bolsistas dos níveis seguintes, e que parecem já dividir os custos adicionais relacionados à maternidade, uma vez que as mulheres não tiveram suas produções científicas afetadas pela gestação nos primeiros cinco anos após o nascimento dos filhos. Esse resultado corrobora os achados de Bernardi (2017) que evidenciaram o maior engajamento dos homens na criação dos filhos, especialmente em relação às atividades lúdicas. Assim, podemos inferir que os bolsistas no nível inicial já vivenciam mudanças no meio científico que se tornarão mais evidentes dentro de algumas décadas.

Em relação aos dados relacionados à produção, a única diferença encontrada foi a média de participação em eventos científicos, que é maior entre as mulheres. Possivelmente, o grupo feminino adota mais essa estratégia como forma de manter-se atualizada e de estreitar as redes de parceria do que os homens, além de poder reforçar o imaginário do perfil feminino como inclinado para a aproximação com a sociedade (Hayashi, & Guimarães, 2016), Por ser um importante veículo de divulgação científica, a participação em eventos científicos também se torna atrativa para aqueles que desejam verificar sua aceitabilidade e das suas pesquisas pelos pares. Como salientam Hayashi e Guimarães (2016), em última instância, tais eventos funcionam como importante recurso para endossar rede de colaboração em pesquisa, tornando-as mais rica inclusive em termos culturais e nos modos de fazer ciência. Salientamos que como este estudo contou com a participação de bolsistas produtividade brasileiros, que, para o alcance e a manutenção da carreira devem atender a critérios rigorosos estabelecidos pelo CNPq, esses resultados já eram esperados, já que não abre espaço para influências do gênero, uma vez que, para estar no mesmo nível, homens e mulheres precisam atender aos mesmos requisitos.

Assim, diante do exposto, há implicações acerca da construção social da ciência e os estereótipos de gênero que podem estar influenciando o desenvolvimento na carreira de pesquisador no país. É evidente que as entregas científicas e tecnológicas continuam a assumir um papel relevante sobre a economia e a sociedade, mas as relações culturais, em especial as de gênero, passam a incorporar as discussões no campo científico.

São inegáveis as conquistas das mulheres em diversos âmbitos da vida pública, entretanto, elas continuam marcadas pelos tradicionais estereótipos atribuídos aos papéis femininos. Portanto, ignorar as desigualdades entre homens e mulheres e as diferenças nas suas trajetórias, naturaliza a ideia da ciência como um campo masculino. Embora muito importante, os processos de avaliação e promoção mais justos e transparentes não são suficientes. Mais que isso, é necessário que ocorra uma forte mudança cultural no sentido de se questionar as práticas sociais ainda enraizadas, para que homens e mulheres tenham as mesmas chances na produção de ciência e tecnologia, afinal, o sucesso na carreira implica dedicação quase que integral e bastante competição.

Portanto, os resultados desse trabalho podem trazer implicações para as estratégias de planejamento do desenvolvimento profissional dos pesquisadores, bem como a definição de políticas públicas que considerem as desigualdades de gênero no contexto científico. Além disso, pretendemos fomentar discussões acerca da influência dos estereótipos de gênero no que diz respeito ao possível desequilíbrio na divisão das responsabilidades familiares entre mulheres e homens até mesmo em grupos da mais alta formação acadêmica.

A despeito das discussões que este estudo permitiu, algumas limitações do mesmo precisam ser registradas. A primeira reside no fato de que não foi possível realizar um senso dos bolsistas em estágio inicial da carreira, devido ao grande número de pesquisadores nessa categoria. Uma segunda limitação refere-se ao fato de o presente estudo não explorar as outras categorias de bolsa produtividade relativas aos estágios intermediários da carreira. O fato de o recorte amostral contemplar exclusivamente pesquisadoras e pesquisadores que se destacam em suas áreas de atuação também pode ser entendido com uma limitação, uma vez que não foram pesquisadas diferenças de homens e mulheres que ainda não ingressaram no sistema nacional de bolsas produtividade.

Diante das limitações apresentadas, sugerimos novos estudos que se proponham a analisar e discutir os critérios e parâmetros utilizados, tanto para a concessão da bolsa PQ, quanto para a progressão nas diferentes categorias e níveis. Tais critérios são claros e academicamente justificáveis, contudo, a dessemelhança na distribuição de gênero convida a uma discussão mais ampla dos processos de progressão na carreira científica. Também são indicados estudos voltados para a interface trabalho-família, identificando como pesquisadoras e pesquisadores percebem possíveis conflitos e enriquecimentos advindos dessa díade. Estudos futuros comparando estratégias de desenvolvimento profissional na carreira científica também podem ser úteis para evidenciar os mecanismos que ainda mantêm as desigualdades de gênero no mundo acadêmico. Tais estudos, além de sinalizar para a persistência dos estereótipos de gênero, podem contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre o tema e permitir uma discussão que fomente planos de ação estratégicos em termos sociais e econômicos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Suzane Carvalho da Vitória Barros
suzanecarv@gmail.com

Luciana Mourão Cerqueira e Silva
mourao.luciana@gmail.com

Submetido em: 18/05/2018
Revisto em: 05/10/2018
Aceito em: 25/10/2018

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