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Arquivos Brasileiros de Psicologia

 ISSN 1809-5267

     

https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i3p.23-35 

DOSSIÊ: ESPECIAL 70 ANOS DE ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOLOGIA
ARTIGOS

 

Modelos de saúde mental e doença mental: Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (1949-1968)

 

Models on Mental Health and Mental Illness: Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (1949-1968)

 

Modelos de salud mental y enfermedad mental: Archivos Brasileños de Psicotecnia (1949-1968)

 

 

Ana Maria Del Grossi Ferreira MotaI; André VerasII; André VarellaIII; Rodrigo MirandaIV

IDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP). Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Campo Grande. Estado do Mato Grosso do Sul. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde (PPGPS). Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Campo Grande. Estado do Mato Grosso do Sul. Brasil
IIIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP). Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Campo Grande. Estado do Mato Grosso do Sul. Brasil
IVDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP). Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Campo Grande. Estado do Mato Grosso do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo objetivou descrever e analisar conhecimentos e práticas que influenciavam o modelo de compreensão de saúde mental e de doença mental, no período de 1949-1968, com a finalidade de esclarecer a definição da expressão "problemas de ajustamento", como foco da atividade do psicólogo, no Brasil. Para tanto, utilizando-se a história quantitativa e a história digital, foram analisados artigos publicados, no referido período, nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica. Os resultados sugerem controvérsias sobre os modelos de compreensão de saúde mental e doença mental. Foram identificados embates entre dois modelos psiquiátricos: a "nova psiquiatria", que estaria em construção, e uma "psiquiatria tradicional". Tais modelos de compreensão produziam diferentes práticas terapêuticas. Finalmente, "problemas de ajustamento" poderiam ter relação com as práticas terapêuticas, como a reabilitação, uma vez que remeteriam a uma visão de mundo em que indivíduo e coletividade seriam inseparáveis.

Palavras-chave: História da Psicologia; História Digital da Psicologia; Arquivos Brasileiros de Psicotécnica.


ABSTRACT

This article aims to describe and to analyze ideas and practices that impacted on an understanding model of mental health and mental illness in the period 1949-1968. This analysis helps to clarify the definition of the term "adjustment problems" as a legal object of the psychologist's activities in Brazil. This is a historical investigation based on quantitative history and digital history of Psychology in which articles published in the Arquivos Brasileiros de Psicotécnica during such period are analyzed. Results suggest controversies over the models of understanding mental health and mental illness that promoted different therapeutic practices. There were clashes between two psychiatric models: the "new psychiatry" - under construction - and a "traditional psychiatry". In this scenario, a framework established that individual and collectivity would be inseparable and "adjustment problems" would be related to therapeutic practices, such as rehabilitation.

Keywords: History of Psychology; Digital History of Psychology; Arquivos Brasileiros de Psicotécnica


RESUMEN

Este artículo tuvo como objetivo describir y analizar el conocimiento y las prácticas que influyeron en el modelo de comprensión de la salud mental y la enfermedad mental, en el período 1949-1968, con el fin de aclarar la definición de la expresión "problemas de ajuste", como un enfoque de la actividad del psicólogo, en Brasil. Por lo tanto, utilizando la historia cuantitativa y la historia digital, se analizaron los artículos publicados en el período mencionado en los Archivos Brasileños de Psicotecnia. Los resultados sugieren controversias sobre los modelos de comprensión de la salud mental y la enfermedad mental. Se identificaron enfrentamientos entre dos modelos psiquiátricos: la "nueva psiquiatría", que estaría en construcción y una "psiquiatría tradicional". Tales modelos de comprensión produjeron diferentes prácticas terapéuticas. Finalmente, los "problemas de ajuste" podrían estar relacionados con las prácticas terapéuticas, como la rehabilitación, ya que se referirían a una visión del mundo en la que individuo y colectividad serían inseparables.

Palabras clave: Historia de la Psicología; Historia Digital de la Psicología; Archivos Brasileños de Psicotecnia.


 

 

A Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, dispõe sobre a formação em Psicologia e o exercício profissional do psicólogo. Dentre as atividades privativas do psicólogo situam-se o uso de métodos e técnicas psicológicas para o diagnóstico e a solução de problemas de ajustamento. Por legitimar um campo de atuação do profissional de Psicologia, o conceito de ajustamento se torna relevante no contexto da regulamentação da prática do psicólogo, no Brasil. Ao procurarmos definições para esses problemas, deparamo-nos, na década de 1980, com um dicionário de Psicologia, que apresentou a seguinte definição: "ajustamento - operação de relacionamento do indivíduo com o ambiente. Relações entre o indivíduo e o meio social durante as atividades que visam a satisfação dos seus motivos" (Dorin, 1980, p. 12). Entretanto, somente no ano de 2007 o Concelho Federal de Psicologia (CFP) esclareceu, na Resolução CFP nº 3/2007 (pp. 2-3), que

solução de problemas de ajustamento - é o processo que propicia condições de auto-realização, de convivência e de desempenho para o indivíduo, o grupo, a instituição e a comunidade, mediante métodos psicológicos preventivos, psicoterápicos e de reabilitação.

Dessa forma, a literatura nos mostra que, no contexto da criação da Lei que regulamentava a profissão da Psicologia, a ideia daquilo que poderia ser "ajustado" e de como se "ajustar o desajustado" parecia não estar suficientemente clara.

No início dos anos 1980, houve a proposição de um modelo de saúde diverso daquele que a conceberia apenas como a ausência de doenças (Engel, 1980). Até o final da década de 1970, houve uma expansão de conhecimentos e práticas que concebiam a saúde como um estado determinado por variáveis biológicas, sociais e psicológicas (Ribeiro, 2011). Assim, a compreensão de saúde mental e de doença mental, nesse período, parecia se organizar por meio de diferentes visões de mundo. Engel (1980) aponta, ainda, que a noção de saúde e doença influenciavam na organização desses modelos. Por conseguinte, analisar as possíveis noções de saúde e doença, dentro do período que compreende o contexto da regulamentação da profissão de Psicologia e os anos iniciais de sua prática, contribuiria para a identificação do que "caberia" ser "ajustado", auxiliando a clarificar a ausência de informações em torno dos "problemas de ajustamentos".

Assim, o objetivo deste artigo é descrever e analisar conhecimentos e práticas que influenciavam o modelo de compreensão de saúde mental e de doença mental, no período 1949-1968. Utilizou-se a história quantitativa da Psicologia (Brožek,1998; Antunes, 2002), bem como da história digital da Psicologia (Green, 2016), na análise de artigos publicados nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (ABP), um dos primeiros periódicos brasileiros de Psicologia, em circulação no período em torno da regulamentação da profissão de psicólogo e disponível, na íntegra, de forma online. As fontes foram acessadas na biblioteca digital da Faculdade Getulio Vargas (FGV). A disponibilidade de acesso online, aos exemplares dos ABP, permitiu um acesso rápido e prático às fontes. O recorte temporal analisado se estende de 1949 a 1968, período de circulação do periódico. Os textos publicados, nesse período, foram capturados da plataforma digital e tabulados no Microsoft Excel. Isso permitiu a admissão de diferentes formas de arranjos e combinações para trabalhar as fontes primárias. Os artigos capturados foram, ainda, organizados de acordo com sua tipologia, atribuída pelo próprio periódico. Para essa pesquisa, selecionamos apenas os textos categorizados pelo periódico como artigos originais e, como critério de inclusão, analisamos somente aqueles pertencentes à categoria Saúde Mental1. Com isso, pudemos observar elementos dos modelos de compreensão de saúde mental e doença mental sobre os quais, à época, não havia consenso entre os autores, o que permitiu identificar um possível embate entre eles, bem como que os "problemas de ajustamento" poderiam ter relação com as práticas terapêuticas, como a reabilitação.

 

Arquivos Brasileiros de Psicotécnica: "espaço" de divulgação e promoção de conhecimento

Por volta de 1940, o processo de industrialização passou a ditar um tom de modernidade para o Brasil. Resolver os problemas da produtividade, para que esta alcançasse os mais altos objetivos econômicos e sociais, passou a ser uma preocupação recorrente, no país (Fausto, 2001). Na direção de atender a essa nova demanda, vinda do setor industrial, as empresas e o governo identificaram a necessidade de investir na preparação dos departamentos administrativos, no que se referia ao processo de seleção, orientação e de candidatos das esferas públicas e privadas. Cite-se como exemplo o projeto de lei, do então Ministro do Trabalho, João Carlos Vital, em 1938, que criava o Instituto Nacional de Seleção e Orientação Profissional (INSOP), no intuito de preparar um material de seleção de candidatos para o setor público (Seminério, 1973). No entanto, a criação efetiva do Instituto aconteceu apenas em 1947, quando o serviço de orientação e seleção profissional se tornou anexo ao Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Segundo Freitas (1973), a vinculação do projeto ao DASP limitaria o campo de suas atividades ao funcionalismo público, razão pela qual foi transferido para a FGV, com o nome de Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP).

O ISOP teria por objetivo capacitar técnicos na utilização dos métodos e recursos do campo de atuação da Psicologia aplicada ao trabalho. De acordo com Freitas (1973, p. 8), o ISOP atenderia ao objetivo de "formar psicotécnicos capacitados a realizarem seleção, orientação e readaptação profissional". Tais técnicos, ou psicotécnicos, seriam profissionais médicos, professores, agrônomos, técnicos de educação e outros profissionais, que se apropriariam dos conhecimentos da Psicologia aplicada, como se depreende da fala de Freitas (1973, p. 9):

que a partir de então, iriam imprimir a seus trabalhos profissionais uma nova diretriz e seriam os pioneiros da conscientização que se operou no País, quanto ao valor dos princípios psicológicos aplicados ao trabalho e às situações de vida do homem brasileiro.

Outro aspecto do ISOP seria oferecer serviços da prática psicológica à sociedade, com o objetivo de alcançar o maior número de pessoas, as quais se beneficiariam das aplicações práticas da Psicologia aplicada ao trabalho. Segundo Seminério (1973, p. 112),

Não havia qualquer tipo de serviço destinado ao público para ministrar as técnicas essenciais da psicologia aplicada ao trabalho: a orientação e a seleção profissional. [...] Coube ao ISOP implantar de forma sistemática essas técnicas, que abriria ao público, um tipo de atendimento que podia se considerar realmente novo naquela época em nossa comunidade.

No intuito de divulgar a produção científica da Psicologia aplicada, o ISOP criou e colocou em circulação os ABP, em 1949. Por constituírem um dos primeiros periódicos brasileiros de Psicologia, os ABP transformaram-se em um instrumento de intercâmbio cultural com outros Institutos, dentro e fora do país. A saber, a revista vem circulando de forma ininterrupta até os dias de hoje. No entanto, seu nome sofreu três modificações, desde a sua criação: ABP, veiculada de 1949 a 1968; Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada (ABPA), veiculada de 1969 a 1978 e Arquivos Brasileiros de Psicologia, em circulação desde 1979 e disponível online, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em 1969, os ABPA publicaram um artigo denominado "Índice Remissivo da Matéria Publicada nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, 1949-1968", categorizando as publicações do período, por assunto. Esta divisão resultou em 1 artigos, sob a rubrica "Saúde Mental", os quais compõem as fontes primárias desta pesquisa e estão organizados no Quadro.

De acordo com o Quadro podemos afirmar que os 11 artigos nos permitem desvelar possíveis modelos de compreensão de saúde mental e doença mental, apontando embates entre aqueles atores que atuavam no campo Psi. Além do mais, apontam distintas visões de mundo e controvérsias entre, pelo menos, dois modelos psiquiátricos, os quais abririam, à época, possibilidades de "novas terapêuticas", como prevenção, tratamento e reabilitação.

 

Por um sujeito total: indivíduo e coletividade

O modelo de compreensão de saúde e doença, que circulava nos ABP, depreendia de certas visões de mundo produzidas por aqueles sujeitos históricos. Tais visões de mundo nos auxiliam a compreender como conhecimentos e práticas vinculadas a tal modelo eram pensados. Nas fontes pesquisadas, Arruda2 foi o autor que mais circulou sobre saúde mental e doença mental (1959, 1962, 1966, 1968). Em sua análise, os seres humanos, ao mesmo tempo em que nascem com certas potencialidades, adquirem outras ao longo da vida. Tais potencialidades são realizadas quando os sujeitos alcançam seus propósitos e aspirações. Isso ocorre a partir da expressão adequada e total de suas potencialidades. Diante do exposto, parece haver, pelo menos na fala de Arruda, uma compreensão de que algo é apriorístico no humano: as potencialidades com as quais nascemos. Outras serão produto da interação em cultura: aquelas que adquirimos. Nos dois casos, parece haver uma pressuposição de que tais potencialidades deveriam ser expressas para a completa realização do sujeito.

Um ponto central em tais visões de mundo era a relação entre indivíduo e coletividade. Arruda (1968, p. 35), ao definir o primeiro termo desta díade, afirma: "o Homem [...] é a integração de múltiplos parâmetros de um contexto bio-psico-animico-existencial, ligado ao mundo, histórico e culturalmente compreendido". A coletividade, por sua vez, apresentaria modelos de comportamentos, além de valores morais e éticos. O sujeito nela inserido passaria a produzir laços histórico-culturais que parecem ser os responsáveis pelo desenvolvimento das potencialidades humanas.

Um primeiro ponto que nos chama a atenção é o fato do ser humano estar sendo compreendido como multideterminado, "bio-psico-animico-existencial". Em segundo lugar, este sujeito está conectado a uma coletividade histórica e cultural. Estas concepções ajudarão aqueles autores a refletir sobre as relações entre saúde e doença no campo mental, em particular. Nas palavras de Arruda (1968, p. 35): "a normalidade do individuo, como personalidade integrada em seu ambiente, de um lado, e a normalidade da vida humana, coletivamente apreciada, de outro, constituem uma unidade, dada a inseparabilidade de uma e outra". Fica patente, no trecho apresentado, um ponto nevrálgico da discussão indivíduo-coletividade: a "normalidade".

O que nos chama a atenção, entretanto, é o fato de que a "normalidade" do indivíduo dependia, necessariamente, da "normalidade" da coletividade. Nesta direção, no mesmo texto, ele irá afirmar: "o homem estrutura sua personalidade em termos de coletividade" (p. 36). Dessa forma, a noção de saúde mental estaria expressa na capacidade do ser humano estar habilitado para a vida e nas variadas formas de se relacionar e interagir com o meio e seus semelhantes, de forma harmoniosa. Ao coletivo, nesse cenário, poderia caber o papel de adoecer a personalidade humana: "Personalidade sofre quando se suprime, se desarmoniza ou perde a unidade de todo conjunto" (Arruda, 1959, p. 61). Nessa direção, a condição de saúde/doença estaria associada a aspectos múltiplos de um ser humano adaptado socialmente, ou seja, mentalmente sadio em equilíbrio interno, com seus semelhantes, suas aspirações e os propósitos de sua personalidade (Arruda, 1968). Podemos inferir, então, que a relação saúde/doença é entendida por meio da compreensão da totalidade humana, quando vivenciada em harmonia consigo e o meio sociocultural.

Nesta mesma direção, Augras (1961, p. 21) enfatizava a relação do sujeito com o meio em que vivia, enfatizando o aspecto sociocultural para o estudo da Psicopatologia, a saber, "seria patológico, um comportamento que se desviasse de uma certa norma estabelecida pela sociedade, podendo naturalmente variar os critérios de estimação de acordo com as diversas culturas". Todavia, apesar de haver uma relação entre o indivíduo e a sociedade, a autora parecia responsabilizar o sujeito, uma vez que, em sua análise, o adoecimento mental era uma "alteração individual". Assim, o sujeito, nesta interação, adoeceria quando se desviasse de uma norma estabelecida culturalmente.

Novamente, o critério de "normalidade" parece estar em evidência. Apesar da aparente responsabilização do indivíduo no adoecimento mental, ela indica que a Psicopatologia deveria ver o "o homem total em situação". Isto posto, apesar das aparentes controvérsias entre os modelos de compreensão das relações sujeito e coletividade, o sujeito aparecia como composto por "múltiplos parâmetros". Inclusive, parecia causar um certo desconforto, em alguns autores, quando o conceito não operava em torno do indivíduo-coletivo, como mostra a fala de Arruda (1968, p. 35), "a psicologia e a psiquiatria se limitavam a apresentação elementarística das chamadas funções ou atividades mentais e de seus distúrbios, ao caracterizarem a saúde e a doença mental", ou ainda, "o conceito de saúde mental, obviamente não poderia ser pura e simples negação ou ausência da saúde mental" (p. 37). O desconforto parecia estar na direção desta visão de mundo, que se limitava a olhar a apenas um aspecto da alteração das atividades ou funções mentais.

Mais de um autor expressou tal insatisfação. Na análise de Escardó e Gibertti (1961, p. 5), "o Comitê de Expertos da [Organização Mundial de Saúde] OMS limita-se [...] Diz ser pouco satisfatório definí-la [saúde] negativamente como um estado no qual o indivíduo não sofre nenhum transtorno psiquiátrico evidente". Esta visão não parecia fazer muito sentido, por não abarcar outros aspectos, ou seja, a relação desse indivíduo com o contexto social. Por exemplo, das falas de Arruda (1968, p. 35) depreende-se que "a psicologia e a psiquiatria não cuidavam do homem como pessoa, ou como totalidade, integrada e indissoluvelmente ligada ao seu ambiente" ou, ainda, uma certa noção de doença mental: "o núcleo bio-psico-animico-existencial da personalidade se desagrega ou deteriora, surgindo anfermidade e o sofrimento anímico" (Arruda, 1968, p. 37), entendendo uma personalidade em sofrimento quando ela se desarmoniza e se desadapta (desajusta) socialmente. Consequentemente, parece-nos que, nas fontes analisadas, a saúde mental era compreendia na expressão completa do "aspecto bio-psico-animico-exeistencial" do indivíduo, em recíproca harmonia indivíduo-coletivo (sociocultural).

 

Por uma nova Psiquiatria: Psiquiatria dinâmica

Analisar tais visões de mundo nos permitiu desvelar práticas terapêuticas que se apoiavam nos modelos de compreensão de saúde e doença mental, em circulação nos ABP, à época. Gerscovich (1966) identificou três fases pelas quais o conceito de saúde/doença difundiu-se, ao longo da história, sobretudo nos Estados Unidos da América (EUA). São elas: (1) o paciente era visto como objeto e o foco de interesse era biológico; (2) o paciente foi compreendido como um indivíduo com valorização da economia psicodinâmica e (3) o paciente era visto como uma unidade integrada na vida social, produto de um ambiente e parcialmente capaz de se adaptar. Na análise do aludido autor, as práticas médicas, nos EUA, estariam apoiadas em modelos psiquiátricos que, ao longo do tempo, valorizavam três aspectos, separadamente: biológico, psicológico e social. A partir de tal análise, ele sugere a existência de, pelo menos, dois modelos de Psiquiatria, nos EUA, naquele momento histórico: "Ao contrário do que ocorreu na Europa, não houve, na América, sério conflito entre a psicanálise e a psiquiatria tradicional. Em consequência, a psiquiatria descritiva de Kraepaelin, foi transformada na psiquiatria moderna, de caráter descritivo e dinâmico" (p. 88). Assim, entendemos que Gerscovich supõe existir um modelo de Psiquiatria, o qual denominou de "psiquiatria tradicional", que estaria a serviço de tratar a conduta anormal dos sujeitos, baseado na psiquiatria de Kraepelin. Em oposição a este modelo de Psiquiatria e devido a transformações na visão de mundo que passariam a valorizar o aspecto social, um modelo psiquiátrico começava a ser intitulado de "moderno". Alardeado pelo autor, este modelo se prestaria à investigação da psicodinâmica da normalidade do sujeito inserido social e culturalmente. Diferentes nomes, inclusive, foram dados ao modelo, tais como "nova Psiquiatria" (Arruda, 1968, p. 38), "Psiquiatria moderna" (Gerscovich, 1966, p. 38) ou "Psiquiatria atual" (Gerscovich, 1966, p. 39).

De acordo com a sua história e a partir de 1940, a Psiquiatria proposta por Gerscovich (1966) passaria a tomar novos rumos, devido à influência de certos conhecimentos teóricos, em especial o das propostas psicodinâmicas, como a teoria psicanalítica. Em suas palavras:

Quanto maiores conhecimentos de psiquiatria dinâmica tiver o clínico geral tanto melhor poderá tratar o paciente e melhor decidir sobre a conveniência de envia-lo a um especialista. Não há como negar que a psicanálise, como teoria, abriu um mundo novo dentro da medicina através da psiquiatria dinâmica. Seus conceitos e postulados têm sido aplicados com real sucesso, dentro da maioria das especialidades médicas (Gerscovich, 1966, p. 92).

Ainda na direção de influências psicodinâmicas, na "nova Psiquiatria", Velloso (1967, p. 91) descreveu sua experiência de estágio em Psicologia Clínica, em algumas clínicas nos EUA. A esse respeito, relatou o uso da teoria psicanalítica nas práticas estadunidenses, "dentre as quais nos pareceu predominar, de maneira decisiva, a corrente psicanalítica de Anna Freud". Nessa perspectiva, a "nova psiquiatria" propiciaria respostas às doenças mentais e seus tratamentos que a "psiquiatria tradicional" não poderia fornecer, porque estaria concentrada em "dar nome a uma determinada desordem ou afecção" (Gerscovich, 1966, p. 89). O tom de modernidade às respostas da "nova psiquiatria" se caracterizava pela influência do pensamento psicanalítico, oferecendo um suporte necessário à Psiquiatria, no que tangia a dar um caráter interpretativo e dinâmico na compreensão da conduta do paciente, em termos de adaptação e motivação. Isso implicava em transformar aquilo que seria estático - o nome da desordem - em um aspecto dinâmico - a economia psíquica (Arruda, 1968; Gerscovich, 1966). Consoante a isso, segundo Gerscovich (1966, p. 88),

[...] o pensamento analítico transformou o estático em dinâmico, o incompreensível em compreensível. Sua aceitação tem sido enorme, pois, desde os problemas diários de pequena monta, possuidores porém de maior ou menor carga emocional, até os maiores ou menores desajustes ou mais graves afecções mentais, a orientação psiquiátrica dinâmica oferece o suporte necessário, a fim de reajustar o já desajustado, e mais ainda, o indivíduo normal ameaçado, dando realce aos problemas reeducativos e reconstrutivos de personalidade.

As fontes pesquisadas nos sugerem que a Psicanálise, ao influenciar esta "nova Psiquiatria", transformava-a em uma "Psiquiatria dinâmica". Esse modelo abriria novas possibilidades terapêuticas. Na citação anterior, observamos que havia "desajustes" e "afecções mentais" que poderiam ser reajustados graças à orientação da "Psiquiatria dinâmica". O reajuste remete-nos à discussão de um modelo de mundo em que indivíduo e coletividade são inseparáveis, sendo que o adoecimento do meio produziria o adoecimento do sujeito. Assim, caberia o reajuste à norma social, como forma de reduzir, ou sanar, o adoecimento individual. Além disso, se tais práticas da "Psiquiatria dinâmica" estivessem conectadas a tal modelo, o psiquiatra poderia lidar com o "sujeito normal ameaçado" por um meio em adoecimento. Isso poderia ocorrer a partir de práticas reeducativas. Nessa direção, Arruda (1968, p. 38) nos diz: "pela nova orientação, prevenir e tratar a doença mental e reabilitar o doente mental, são objetivos máximos da nova psiquiatria". A partir desta fonte, poderíamos entender que a "Psiquiatria dinâmica" teria incentivado práticas terapêuticas, como, por exemplo: (i) a produção de um diagnóstico baseado em uma visão de "sujeito total" que poderia ser reajustado, sendo que o reajuste estaria ligado à coletividade e (ii) o desenvolvimento de tratamentos na direção de prevenção, promoção e reabilitação do doente mental. Tais tratamentos estariam baseados na compreensão de uma assistência aos pacientes, prestada dentro da comunidade e apoiada em uma hierarquia de serviços que satisfizessem as necessidades desta comunidade. Este modelo parecia estar em desenvolvimento, à época, nacional e internacionalmente, resultando em um assunto discutido por psiquiatras, na sua maioria.

 

Por um novo espaço de atendimento: hospitalização e comunidade

As várias discussões, elencadas e descritas, estavam ocorrendo em campo brasileiro (Arruda, 1968) mas, também, em outros países, como os EUA (Kennedy, 1963; Gerscovich, 1966; Velloso, 1967) e a Venezuela (Arruda, 1966). O que teria de significativo nesse aspecto? No mínimo, poderíamos apontar um possível intercâmbio de conhecimentos, experiências e práticas, no âmbito da saúde e da doença mental, circulando nas Américas do Sul e do Norte. Esse intercâmbio se expressou nas autorias dos textos analisados, uma vez que foram escritos por brasileiros que tiveram experiências e/ou vivências fora do país ou, ainda, por alguém de naturalidade estrangeira que teve seu texto publicado nos ABP. Dois exemplos poderiam ser apontados: (1) a mensagem enviada ao Comitê de Comércios Interestadual e Exterior do presidente estadunidense John F. Kennedy, traduzido e publicado nos ABP, relativa a um novo plano de ação referente à doença mental e ao retardamento mental, nos EUA e (2) um texto de Arruda sobre sua expedição à Venezuela, em função de organizar uma Cátedra de Psicologia Médica e Psiquiatria da Escuela de Medicina da Universidad de Oriente.

Kennedy (1963), nos diz

Já é tempo de se adotar nova e corajosa atitude. Dispomos agora de novos recursos médicos, científicos e sociais e de uma nova compreensão. Uma série de extensos estudos iniciados pelo Congresso, pelo sector executivo e por grupos particulares interessados foi completado e todos indicam o mesmo caminho [...] proponho um novo plano de ação, com relação a doença mental e ao retardamento mental [...] (pp. 68-69).

Esses novos "recursos médicos, científicos e sociais" permitiam a promulgação de um "novo plano de ação". Embora o "velho modelo" não seja abordado diretamente, o "novo plano" previa

[...] primordialmente o uso de recursos federais para estimular a ação estadual, municipal e particular. Quando levado a efeito, fará com que a piedade fria do isolamento dos sanatórios seja suplantada pelo calor acolhedor do interesse e da capacidade da comunidade. Um maior empenho na prevenção, no tratamento e na reabilitação substituirá o interesse não muito humano de confinar os pacientes em sanatórios para se irem aos poucos consumindo (p. 69).

O "novo plano" contaria com financiamentos do governo federal para tratar, prevenir e reabilitar o doente mental dentro da própria comunidade, diferentemente do "velho modelo" de isolamento do doente mental, ao ser tratado dentro de sanatórios.

Ainda se referindo a discussões alhures, Arruda (1968, p. 39) promulgava que se deveria

estimular a criação de setores psiquiátricos (enfermarias e ambulatórios) nos hospitais gerais; mais do que isso, propugna-se que a maioria dos casos psiquiátricos agudos podem e devem ser tratados em hospitais gerais comuns (Experiência nesse sentido tivemos oportunidade de levar a têrmo, com êxito, no Hospital Geral Ruiz y Paz de Ciudad Bolivar, Venezuela, quando lá estivemos, com a missão de organizar a Cátedra de Psicologia Médica e Psiquiatria da Escuela de Medicina da Universidad de Oriente).

Dessa forma, pensar sobre esse intercâmbio entre países e, consequentemente, entre os autores, sugere-nos que alguns aspectos sociais, culturais e históricos poderiam levar a um posicionamento a esse respeito, permitindo que a problemática sobre saúde e doença mental fosse refletida, questionada e rearticulada, no âmbito das Américas, do Sul e Norte.

Além de potenciais influências vindas do exterior, entre os brasileiros circulava a compreensão de novos modelos de assistência à saúde mental, que produziam discursos sobre a necessidade de desenvolvimento de modelos de atendimento ao doente mental, para fora dos hospitais psiquiátricos. Nas palavras de Arruda (1968, p. 39),

há necessidade de desenvolvimento de serviços de reabilitação, hospitalares, para-hospitalares, extra-hospitalares ou autônomos; que é necessária a difusão da mentalidade psico-higiênica e reabilitadora entre os médicos gerais e a comunidade (esta deve participar da luta preventiva e das tarefas terapêutica e reabilitadora do doente); e que a tarefa de assistência psiquiátrica deve estar centralizada na comunidade, pois o hospital deixou de ser o centro da atuação psiquiátrica e a hospitalização é até considerada procedimento contra-reabilitador.

Para tal feito, a ideia central desse modelo de assistência à saúde girava em torno da criação de centros de saúde mental de assistência completa, na comunidade, os quais disponibilizariam serviços de diagnósticos e avaliação, unidades psiquiátricas de emergência, atendimento a pacientes não internados, atendimento a pacientes internados, assistência diurna e noturna, abrigo, reabilitação e educação sobre saúde mental. Este modelo, um "novo plano de ação", seria promulgado a partir de determinadas representações de assistência à saúde.

Kennedy (1963) traz indícios de um modelo de tratamento, já existente, baseado no isolamento do paciente em sanatórios. Escardó e Gibeti (1961) indicam a existência de um modelo asilar que demandaria substituição: "urge regulamentação e vigilância adequadas. Corresponde proclamar, em nome da saúde mental, a urgente caducidade de todo o sistema de asilo e sua rápida e total substituição pelos métodos de colocação familiar" (p. 13). Ainda nesta direção, Gerscovich (1966) considerava pertencerem ao passado as formas de tratamento em hospícios e já comemorava a presença de uma assistência dentro das comunidades,

o conceito de tratamento em hospício, com isolamento absoluto do doente mental, já começa, felizmente, a pertencer ao passado. Hoje, procura-se prevenir a perturbação emocional e tratar dela, sempre que possivel, dentro da comunidade a que pertença o indivíduo (1966, p. 90).

Arruda (1968, p. 39) aponta a existência de um modelo de serviço fechado, que deveria ser abolido, cedendo lugar a um outro modelo, como se depreende de sua fala: "que os serviços fechados devem ceder lugar aos serviços abertos, para aumentar as facilidades aos pacientes externos, considerada a influência perniciosa dos serviços de custódia no prognóstico dos doentes mentais". Ele ainda propõe

que se deve abolir tôda forma de coação física ou de coerção da liberdade individual (sob a forma de isolamento em quartos fortes, celas com grades, camisas de fôrça, etc.), de rejeição (pela indefinida reclusão em estabelecimentos hospitalares ou asilares), estigmatização (pelo uso de qualificativos depreciativos), ou opressão (pelo uso da violência física, psíquica ou moral, sem que sejam dados a oportunidade e os meios da mesma o doente se livrar) (p. 39).

Assim, dois modelos de assistência a saúde foram citados, para os quais os autores sugerem ter um modelo que não deveria continuar em vigor, chegando a expressar o desejo de fechamento de tais instituições, chamadas de asilos ou sanatórios. Isso ocorria em favor de um outro modelo, que visaria a uma assistência na comunidade, bem como a prevenção, o tratamento e a reabilitação das doenças mentais, uma vez que o adoecimento estaria relacionado a um desajustamento, um desequilíbrio do sujeito com seu meio e reabilitá-lo permitiria uma interação harmoniosa com o meio e seus semelhantes.

Para alguns autores - Arruda (1968), Gerscovich (1966) e Kennedy (1963) -, articular sobre uma "nova psiquiatria" ensejou um prisma de inquietações referentes a aspectos de diagnósticos, terapêuticas e modelos de assistência à saúde. Este prisma se refletia na responsabilização da coletividade, tanto na saúde quanto no adoecimento mental e parecia incidir em uma questão pública de saúde. Dando a palavra a Arruda (1968, p. 37):

os problemas de saúde mental são problemas de saúde mental das coletividades, problema de saúde pública, motivo porque a OMS procura fomentar a promoção da saúde mental e o combate a doença mental incorporando-os aos programas de saúde pública.

Nesta mesma direção, Gerscovich (1966, p. 89) diz: "a psiquiatria atual possui uma função importantíssima na Saúde Pública, preventiva e curativa". Esses aspectos se aproximavam da ideia higienista que defendia a saúde mental, nos diferentes setores da atividade humana, visando à adaptação do sujeito ao meio onde estaria inserido. Os autores sugeriam o desenvolvimento de uma psiquiatria preventiva, ou seja, serviços de higiene e profilaxia, assistência e reabilitação do indivíduo que teve sua saúde mental comprometida. Ademais, parece que os autores discutiam, também, um novo espaço de atendimento, pensado para além dos asilos e sanatórios: a comunidade. Este espaço permitiria a reabilitação do sujeito que se encontrasse desajustado socialmente, prevenindo a doença mental por meio da profilaxia, já que o ambiente doente adoeceria o sujeito.

 

Considerações finais

Os resultados sugerem que as discussões sobre saúde e doença mental, bem como os serviços que deveriam ser prestados a quem deles necessitasse apresentavam-se em um momento temporal, às voltas com a regulamentação da profissão do psicólogo. Este debate influenciaria a compreensão de possíveis "problemas de ajustamento" dos sujeitos. Um indivíduo saudável se mostra ajustado, adaptado e em harmonia consigo mesmo e com o ambiente sociocultural. Consequentemente, aquele adoecido estaria desajustado socialmente, incluindo-se na ordem dos "problemas de ajustamento". Tais "problemas de ajustamento" poderiam, ainda, ter relação com as práticas terapêuticas como a reabilitação, uma vez que remetem a um modelo de mundo em que o indivíduo e a coletividade são inseparáveis. Portanto, um meio adoecido produziria o adoecimento do sujeito. Assim, caberia ao psicólogo, por meio de seus conjuntos de métodos e técnicas, ajustar esse indivíduo à norma social, como forma de reduzir, ou sanar, o adoecimento individual.

Ao analisarmos práticas e conhecimentos discutidos pelos autores, podemos identificar alguns aspectos que influenciavam, à época, o modelo de compreensão de saúde e de doença mental. As discussões sobre normalidade pareciam girar em torno de dois eixos controversos. Os autores que pareciam compreender saúde mental de forma multideterminada, "bio-psico-anímica-existencial", valorizavam a relação indivíduo/coletividade. Ora responsabilizavam o sujeito pelo adoecimento - logo, o sujeito desadaptado, ou desajustado, que se desviasse da norma estabelecida socialmente entraria em sofrimento -, ora responsabilizam o coletivo, responsável pelas normas e valores morais - logo, uma sociedade doente adoeceria o sujeito. Os autores que pareciam não considerar os aspectos socioculturais, no adoecimento, estariam preocupados, apenas, com as alterações das atividades mentais. Dessa forma, os resultados sugerem que modelos de compreensão de saúde mental e doença mental constituíam tema de controvérsias.

Os resultados sugerem, ainda, discussões em torno de, pelo menos, dois diferentes modelos de psiquiatria, à época. Um modelo psiquiátrico, chamado de "nova psiquiatria", estaria em construção, apoiado no pensamento psicanalítico de compreensão do funcionamento psicodinâmico da normalidade do sujeito, permitindo "novas" práticas terapêuticas. Estas seriam mais eficientes do que o outro modelo, denominado "psiquiatria tradicional", interessado em nominar as doenças e apoiado, portanto, em práticas terapêuticas que se debruçavam sobre a conduta anormal do sujeito o qual, por sua vez, seria considerado, entre tais autores, um "inimigo" a ser eliminado. Esse embate resultaria, para os autores que propunham uma "nova psiquiatria", em uma criação de "novos" espaços de atendimento. Enfatize-se, aqui, ser a comunidade um espaço que permitiria pensar em reabilitar, prevenir e tratar o doente mental, uma vez que reabilitar o sujeito que se desviara das normas sociais seria papel da Saúde Pública. Asilos e sanatórios seriam considerados, por conseguinte, um espaço de atendimento "opressor" e "não muito humano". Enfim, tais discussões se apresentariam no âmbito das Américas, Norte e Sul, ou em pelo menos três países delas: Brasil, EUA e Venezuela.

Por fim, sabemos que este estudo apresenta algumas limitações. As análises realizadas foram executadas a partir da seleção de apenas um único periódico, como fonte. A fonte selecionada se constituiu como sendo de especial importância para uma área específica do saber (a Psicologia) e apresentou um recorte temporal de dezenove anos. Contudo, o presente estudo permite levantar algumas questões relevantes. Por que discussões sobre a influência de modelos de saúde e doença, à luz da psiquiatria, estariam em um periódico de circulação entre os psicólogos? Quais aspectos poderiam estar postos, à época, que permitiram que modelos de saúde e doença pudessem ser pensados e discutidos no âmbito das Américas? Os textos não deixam claro o que se denominaria "tratar" o doente mental: Seria curar? Seria reajustar? Estariam discutindo um tratamento fundamentado nas medidas de higiene, uma vez que um ambiente normal poderia, também, produzir um sujeito normal e/ou um ambiente anormal produziria um sujeito anormal - ou desajustado, ou em desequilíbrio -, que precisaria ser tratado, ou "curado"? Estudos futuros poderão abordar tais questões, de modo a contribuir para a compreensão sobre como os modelos de saúde mental e doença mental se relacionariam com o conceito de ajustamento e com a legitimação de práticas profissionais do campo Psi.

 

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Endereço para correspondência:
Ana Maria Del Grossi Ferreira Mota
amdelgrossi@gmail.com

André Veras
barcielaveras@hotmail.com

André Varella
andreabvarella@gmail.com

Rodrigo Miranda
rlmiranda@ucdb.br

Submetido em: 26/12/2017
Revisto em: 25/09/2018
Aceito em: 08/11/2018

 

 

1 Os ABP, a partir de 1969, passaram a se chamar Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada (ABPA). No ano de 1969, o periódico publicou um artigo intitulado "Índice Remissivo da Matéria Publicada nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, 1949-1968", categorizando as publicações do período, por assunto (ABPA, 1969).
2 Elso Arruda (1916-1995), brasileiro, psiquiatra formado pela Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, atuou como médico, supervisor psiquiátrico e psicólogo no ISOP, da FGV, por 27 anos. Para mais informações, sugere-se a leitura de Campos (2001).

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