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Arquivos Brasileiros de Psicologia

 ISSN 1809-5267

     

https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i3p.88-104 

ARTIGOS

 

Andarilhas de estrada e questões de gênero

 

Road walkers and gender issues

 

Andariegas del camino y cuestiones de género

 

 

Jose Sterza JustoI; Cledione Jacinto de FreitasII; Jlia Esteves Bicalho de AlmeidaIII

IDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Estadual Paulista. Assis. Estado de São Paulo. Brasil
IIDoutorando. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Estadual Paulista. Assis. Estado de São Paulo. Brasil
IIIGraduanda em Psicologia. Universidade Estadual Paulista. Assis. Estado de São Paulo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A mobilidade geográfica e psicossocial é uma das condições imperativas no mundo atual e afeta significativamente a produção de subjetividade. Partindo dessa constatação, a presente pesquisa analisa e discute o acesso à mobilidade geográfica e psicossocial como elemento central nas relações de gênero, examinando o do caso de mulheres "trecheiras", que vivem transitando de cidade em cidade, sem residência fixa, e de andarilhas, que vivem caminhando pelos acostamentos das rodovias. Mediante entrevistas realizadas com uma mulher "trecheira" e outra andarilha, analisadas sistematicamente, foi possível observar que a deserção para uma vida de perambulação de cidade em cidade ou pelos acostamentos das rodovias decorre de buscas de experiências de autonomia, independência e liberdade contra um sedentarismo desvitalizador que aprisiona a mulher em posições de subalternidade no espaço doméstico.

Palavras-chave: Andarilhas; Gênero; Mulheres.


ABSTRACT

Geographic and psychosocial mobility is one of the imperative conditions in today's world and significantly affects the production of subjectivity. Based on this observation, the present study analyzes and discusses access to geographic and psychosocial mobility as a central element in gender relations, examining the case of "trecheiras", women who live from city to city, with no fixed residence, and of women who are walkers on the road, who live walking along the shoulders of the highways. Through the systematic analysis of interviews with a "trecheira" and with another woman who is a walker in the road, , it was possible to observe that the desertion to a life of wandering from city to city or by the shoulders of the highways, stems from searches of experiences of autonomy, independence and freedom against a sedentary lifestyle that devitalizes and imprisons the woman in positions of subalternity in the domestic space.

Keywords: Walking; Genre; Women.


RESUMEN

La movilidad geográfica y psicosocial es una de las condiciones imperativas en el mundo actual y afecta significativamente la producción de subjetividad. A partir de esa constatación, la presente investigación analiza y discute el acceso a la movilidad geográfica y psicosocial como elemento central en las relaciones de género, examinando el del caso de mujeres "zanjadoras", que viven transitando de ciudad en ciudad, sin residencia fija, y de andariegas, que viven caminando por el lado de las carreteras. . A través de entrevistas con una mujer "zanjadora" y otra andariega, analizadas sistemáticamente, fue posible observar que la deserción por una vida de vagar de ciudad en ciudad o por el lado de las carreteras se deriva de la búsqueda de experiencias de autonomía, independencia y libertad en contra de un estilo de vida sedentario que desvitaliza e aprisiona a mujeres en posiciones subordinadas en el espacio doméstico.

Palabras clave: Andariegas; Género; Mujeres.


 

 

Introdução

A mobilidade geográfica e psicossocial não deixou de acompanhar a história e de se acelerar e se expandir, sobretudo, a partir da modernidade, modificando substancialmente a produção de subjetividade, as relações sociais, o cenário urbano, o cotidiano, as culturas, as identidades e os modos de viver. Tais mudanças foram tão acentuadas que alguns autores passaram a criar denominações para caracterizar esse mundo e essa vida cada vez mais marcados pelo movimento ou pela presença da experiência do nomadismo e até mesmo da errância. Um mundo e modos de viver nos quais os estacionamentos e permanências em tempo e espaços determinados passam a dar lugar a vidas desenraizadas, em trânsito e em movimento. Bauman (1998) chama esse mundo cinético de Sociedade Líquida; Augè o chama de "Supermodernidade"; Virilio (1996) o nomeia de mundo "Dromológico"; Harvey (1998) prefere chamá-lo de "Pós-Moderno" e, assim, foram criadas tantas outras denominações.

Importa destacar que o mundo atual não apenas implementou mobilidades, trânsitos, deslocamentos geográficos e psicossociais, mas, sobretudo, fez das mobilidades e trânsitos uma forma de existência. Espaços antes criados e utilizados para o deslocamento de um lugar a outro foram transformados em espaços habitados (Augé, 1994, pp. 73-74). Rodoviárias, aeroportos, estradas, ruas, calçadas, corredores de shoppings e supermercados, hotéis, carros, metrôs, ônibus, infovias e outros espaços de passagem passaram a fazer parte da vida diária e a ocupar uma boa parcela do tempo das pessoas. A vida em movimento, em trânsito ou produzida em deslocamentos de um lugar a outro, dentre outros processos de subjetivação, é marcada pelo individualismo e por relacionamentos efêmeros, transitórios, mantidos à distância e com vinculações afetivas flexíveis.

A preferência por estar só, a acentuação do individualismo, é uma das características do contemporâneo, que se remonta aos primórdios da modernidade ou até mesmo antes dela com o surgimento da noção de indivíduo (Velho, 2008, p. 24). Dentre as várias expressões do individualismo, na atualidade, é possível tal como ser observado o aumento das moradias individuais (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2011). A acentuação do individualismo acompanha o avanço do neoliberalismo e dos ideários de progresso baseados na lógica da competição (Mancebo, 2002).

Os casos dos trecheiros e dos andarilhos de estrada são paradigmáticos dessa vida em movimento ou da habitação de espaços de trânsito, mais individualista e solitária. Os trecheiros, como eles mesmos se autodenominam, são pessoas em permanente trânsito, de cidade em cidade, sobrevivendo de pequenos bicos, do "achaque" ou "mangueio"1 ou da ajuda dos serviços de assistência social dos municípios. Andarilhos são pessoas que dificilmente adentram o espaço urbano. Vivem caminhado pelos acostamentos das rodovias, carregando todos seus pertences num saco às costas ou num carrinho de mão (Justo, 2011).

O modo errante de viver dos andarilhos e dos trecheiros não configura exceções à norma ou situações de exclusão, mas se inscreve nas atuais condições de intensa mobilidade, diferentemente de outros tempos nos quais predominava uma vida mais estacionária e sedentária. Contudo, as condições e experiências de vida em trânsito, da atualidade, são bastantes distintas. Alguns transitam utilizando tecnologias avançadas de transporte e gozam de bastante comodidade e conforto tal como turistas, altos executivos de multinacionais ou aventureiros endinheirados que vivem em viagem pelo mundo, enquanto outros, tais como os andarilhos andam a pé, sob chuva ou sol, carregando num saco às costas todos seus parcos pertences. Além disso, os motivos e sentidos das movimentações são igualmente díspares. Em alguns casos, a obrigação de se deslocar, conforme ocorre com muitos migrantes, retirantes e refugiados, representa sofrimento e opressão. Em outros casos, representa um privilégio, deleite, expansão da vida e das experiências pessoais como é o caso de muitos turistas, viajantes ou de profissionais e estudantes que buscam intercâmbios com outras culturas. Para uns, tem o sentido geral de liberdade, para outros o de aprisionamento e isso vale tanto para as experiências de nomadismo, quanto para as experiências de sedentarismo (Justo, 2011, pp. 204-213). Tudo depende do sentido que uma forma ou outra de vida assume para o sujeito e do grau de sua autonomia para vivê-las.

As diferenças de gênero e o caso particular das mulheres merecem uma consideração especial. O acesso à mobilidade, principalmente aquela que possibilita romper com amarras do sedentarismo psicossocial que aprisiona o sujeito em determinados espaços sociais e padrões identitários, não é facultado à mulher da mesma forma que é para os homens, a despeito de mudanças que vem acontecendo, conforme se observa em relação à imigração (Lisboa, 2006).

A construção dos papéis sexuais e dos estereótipos de gênero, parte do processo de socialização, contribuem ativamente para um maior sedentarismo feminino. No interior da família, já nos primeiros contatos da criança com o mundo, os papéis sexuais e as representações de gênero se constroem, em parte, em relação a espaços estacionários e espaços de circulação, conforme constatou Ribeiro (2016) em estudo realizado com a população de uma comunidade praiana na Bahia. Nesse estudo foi observado que a casa, considerada como um local de domínio feminino, é um espaço onde os homens devem permanecer o menor tempo possível. Observou-se, ainda, que meninos cujos hábitos eram mais caseiros sofriam certa hostilização por parte de amigos e até por parte dos próprios pais, sendo chamados de "mulherzinhas". Foi constatada, ainda, a conhecida e enraizada divisão e dicotomias das tarefas entre gêneros, que é instituída desde a tenra idade tanto pela educação formal quanto pela informal. Por um lado, as meninas costumam receber a função de ajudar nas tarefas domésticas, como lavar a louça e varrer a casa, por outro, os meninos eram incumbidos de tarefas como levar recados e objetos da casa dos pais até a casa de parentes que moravam nas proximidades, sair para fazer pequenas compras, entre outros afazeres exteriores ao lar.

O brincar, na infância, contribui significativamente para a diferenciação de papeis e de espaços entre meninos e meninas. A clássica divisão entre o brincar com bonecas ou casinhas e com carrinhos é o grande exemplo da diferenciação entre gêneros relacionado a espaços fechados e espaços abertos, a espaços públicos e privados e ao acesso à mobilidade. Em pesquisa realizada com crianças e cuidadoras Santos, Babato e Delmondez (2018) demonstraram como crianças pequenas, antes dos três anos, são afetadas pelo binarismo de gênero e distribuição de papéis que acompanham as atividades lúdicas nas quais são envolvidas em escolas infantis. Dessa forma, mediantes ações, gestos, manipulação de objetos e relacionamentos produzidos em torno do brincar na infância são construídas performances inscritas na discursividade que dicotomiza o feminino e o masculino, instituindo uma identidade rígida de gênero.

Sobre performance de gêneros, Rodrigues (2012) escreve, comentando Judith Butler:

O gênero não deve ser construído como uma identidade estável ou um lócus de ação do qual decorrem vários atos; em vez disso, o gênero é uma identidade tenuemente constituída no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição estilizada de atos. O efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e deve ser entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual os gestos, movimentos e estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão de um eu permanentemente marcado pelo gênero (p. 150).

As performances de gênero ocorrem necessariamente dentro de uma cena discursiva, conforme acentua Borba (2014), e nessa cena que operam os efeitos de discursos de verdade proferidos em nossa sociedade sobre as diferenças de gênero.

Segundo Foucault (1998), os discursos de verdade são discursos proferidos como verdades absolutas, capturando quem os ouve ao inscrever linhas duras em seus corpos (Deleuze & Parnet, 1998). As linhas duras, dependem de máquinas binárias para serem inscritas: "Máquinas binárias de classes sociais, de sexos, homem-mulher, de idades, criança-adulto, de raças, branco-negro, de setores, público-privado, de subjetivações, em nossa casa-fora de casa" (Deleuze & Parnet, 1998, p. 149).

A máquina binária homem-mulher faz com que a socialização feminina seja atravessada, o tempo todo, por discursos de verdade que ditam o "lugar da mulher" como sendo o de dentro de casa, enquanto o do homem é o do meio social, ou então, que mulher tem que ser contida, calma, enquanto o homem deve mostrar-se ativo e agressivo, dentre tantos outros discursos que enfatizam a imobilidade da mulher e a mobilidade do homem. O discurso de verdade que naturaliza a interioridade e a casa como espaços da mulher e a exterioridade e a rua como lugares do homem se desdobra em outro que situa o homem no espaço público e a mulher no espaço privado.

Aboim (2012), sob a perspectiva de gênero, realiza uma ampla discussão sobre a constituição do espaço público e do privado na modernidade e sobre os conceitos que surgiram para a apreensão desse fenômeno e para a compreensão da relação entre eles. Como principais conclusões aponta que persistiu por muito tempo, ao longo do processo de modernização, a clássica dicotomia entre o público-privado na qual o espaço público abrangendo o mundo político era dominado pelos homens enquanto as mulheres eram destinadas ao espaço privado no qual prevalecia o poder patriarcal, a lógica da escravização e da subjugação, herdadas do feudalismo. Contudo, a ebulição de movimentos sociais diversos ligados ao segmento dos operários, dos negros, das mulheres, dos homossexuais, dentre outros, foram aproximando ambos os espaços e modificando a lógica do poder de cada um, com isso, ampliando o acesso da mulher à cidadania e abrindo caminho para sua presença e participação na esfera pública, sobretudo, na política. Na mesma linha de análise, Bandeira (2014) assinala os constantes reposicionamentos da mulher nas relações sociais, no bojo do processo de modernização da sociedade brasileira. Tais reposicionamentos ampliaram a presença das mulheres nos espaços públicos e na política, alterando relações de poder, inclusive, colocando em xeque a privatização da violência praticada contra ela e modificando estigmas e preconceitos, historicamente construídos que, segundo Collins (2004), retratavam pejorativamente a presença da mulher fora do recato do lar como uma presença indesejada e fora de lugar, a não ser no caso de prostitutas e outras mulheres tidas como desregradas ou devassas.

Ramon (2008) menciona algumas participações pioneiras de mulheres, raras tais como a das andarilhas e trecheiras, em viagens de aventura e de exploração de territórios estrangeiros, no período áureo do colonialismo europeu que invadiu as Américas a África e outros continentes. Segundo ela, as viagens de mulheres por terras desconhecidas trouxeram outro olhar para as culturas de povos distantes da Europa, sobretudo, manifestando em suas narrativas uma postura menos racista e eurocêntrica, crítica ao projeto colonial. Na mesma linha de pesquisa, Gonzalo e Lopez (2015) destacam a participação da mulher nas geografias que se desenham no mundo globalizado, citando as experiências de mulheres latino-americanas que habitam espaços de fronteiras internacionais e as experiências de mulheres migrantes.

Os reposicionamentos da mulher nos espaços geográficos, políticos e psicossociais decorrentes de mudanças nas relações de gênero podem ser compreendidos, dentro de uma perspectiva deleuzeana, como movimentações da subjetividade produzidas por jogos de forças produtores de segmentações dos corpos divididos por fronteiras traçadas por linhas rígidas ou por linhas mais flexíveis e permeáveis ou até mesmo por linhas que fogem completamente de uma configuração preestabelecida. As linhas duras circunscrevem o sujeito desejante a espaços fechados e estáveis, produzindo padrões de conduta, formas estereotipadas, identidades fixas e resistentes a mudanças. São próprias da construção de vidas sedentárias, repetitivas e estacionárias.

As linhas flexíveis, quando inscritas nos corpos, traçam pequenas modificações, fazem desvios, delineiam escapes ou impulsos (Deleuze & Parnet, 1998, p. 145), ou seja, elas podem ajudar a romper parcialmente com alguns discursos de verdade. Entretanto, um tipo de segmentação ainda mais disruptivo é aquele que se configura como uma linha de fuga. Esta pode ser entendida como a linha responsável por rupturas com discursos de verdade. Ela surge na marca de um limiar de tolerância a opressões, ou seja, ela é inscrita quando já não se suporta o que se suportava antes, quando o desejo se insurge contra as tentativas de contenção. As linhas de fuga rompem as fronteiras de espacialidades fechadas, implementam o movimento e deslocamentos geográficos e psicossociais. Possuem um caráter nômade ou errante, possibilitando a expansão das trajetórias do desejo por espaços abertos e não preenchidos. Trata-se de um movimento constante no qual as linhas duras que demarcam subjetividades rígidas e estacionárias são rompidas e dão origem a outras configurações da subjetividade, contudo, passíveis de serem capturadas, no jogo do poder, por forças de estacionamento que criam novos enrijecimentos e assim por diante.

Tais reflexões permitem, por um lado, focalizar questões de gênero a partir das linhas de fuga e rupturas com discursos de verdade que as mulheres são capazes de produzir ao escaparem de amarras que as aprisionam a uma identidade feminina vinculada a uma vida sedentarizada no espaço doméstico e em funções de cuidado de filhos, da casa e do marido ou companheiro, mesmo quando ainda é, adicionalmente, trancafiada num vínculo de trabalho externo. Por outro lado, permitem percorrer processos de captura capazes de prolongarem, ainda que em parte, performatividades ligadas a padrões identitários anteriores ou de criarem outros padrões igualmente rígidos e estanques.

 

Objetivos e método

O presente trabalho visou, precisamente, discutir questões de gênero relacionadas à mobilidade psicossocial tomando como referência a presença e o modo de viver da mulher entre os andarilhos de estrada e trecheiros. Buscou-se saber como vivem as mulheres-andarilhas e como conseguem o mínimo para a sobrevivência, além dos motivos que as levaram a abandonar a vida sedentária e viver de forma nômade. Além disso, procurou-se mapear as capturas e as linhas de fuga presentes na subjetividade da mulher andarilha-trecheira em relação às linhas duras que circunscrevem a mulher na vida doméstica, sedentária e estacionária.

Para tanto, foram realizadas entrevistas em uma instituição de acolhimento à população de rua da cidade de uma cidade de porte médio da Região Oeste do estado de São Paulo, a qual as(os) andarilhas(os) -trecheiras(os) costumam recorrer para passar a noite ou obter algum outro tipo de ajuda. A pesquisa foi conduzida pela perspectiva da pesquisa qualitativa fundamentada na premissa de que os conhecimentos sobre os indivíduos só são possíveis com a descrição da experiência humana, tal como ela é vivida e tal como ela é definida pelos seus próprios atores (Richardson, 2010).

O roteiro de entrevista semiestruturada abordou temas como tempo de trecho, rotas percorridas e lugares pelos quais já passou ou pretende passar; breve história da família, acontecimentos principais da infância, adolescência e vida adulta; experiências de vida familiar e conjugal antes da deserção para o nomadismo; momento da ruptura (acontecimentos, crises e conflitos que deflagraram a deserção); dificuldades, desafios, descobertas, surpresas agradáveis e desagradáveis vividas no trecho; cotidiano no trecho (como sobrevive diariamente); aspectos positivos e negativos da vida no trecho; tratamento específico que percebe por ser mulher vivendo como andarilha, tanto da parte de outros andarilhos como da população em geral com a qual tem contato; dificuldades e vantagens da mulher na estrada e principais mudanças em sua vida depois de passar a viver na estrada; ideários de vida (como seria uma vida ideal) e perspectivas de futuro.

Foram selecionados dois casos de mulheres: uma trecheira e outra andarilha. A primeira foi entrevistada em uma instituição de acolhimento à população de rua, trecheiros e andarilhos, de uma cidade média do interior do Estado de São Paulo, e a segunda foi entrevistada no acostamento de uma rodovia, nas imediações da mesma cidade. Essa pesquisa é um recorte de uma pesquisa maior que tem como foco andarilhos e trecheiros. Esses dois casos foram escolhidos, dentre outros, porque eram casos paradigmáticos, ou seja, concentravam um conjunto de informações sobre a vida de mulheres andarilhas e trecheiras que apareciam dispersas em outros.

Cabe esclarecer que não existem informações sobre o número ou estimativas da quantidade de mulheres trecheiras e andarilhas. Trata-se de uma população bastante invisível sob o olhar da sociedade, da ciência ou das políticas públicas (Freitas, 2014; Justo, 2011). Quando são mencionados em alguma estatística, os trecheiros e trecheiras, sem discriminação de gênero, são englobados na população de rua. Andarilhos e andarilhas nunca são mencionados em quaisquer estatísticas.

 

Resultados e discussões

A trecheira, que será chamada pelo codinome de Mari, relatou que, antes de "cair no trecho", morava com sua mãe e seus três filhos. Além disso, afirmou estar vivendo como trecheira há mais de três anos e, há mais de um mês atrás, iniciou um relacionamento com o homem com quem ela havia chegado à casa de acolhimento e, desde que o conhecera, passou a percorrer o trecho em sua companhia.

Ao ser questionada sobre como ela avaliava sua vida na estrada, deu a seguinte resposta:

Ah, tem hora que eu quero voltar pra casa, mas tem hora assim que eu fico pensando no que eu já passei dentro da minha casa, nas humilhação que eu já passei... as coisas que eu já passei dentro da minha casa... e se eu for voltar pra minha casa a minha mãe fica lá falando as coisas. Hoje, eu vejo no trecho que tem coisas que a gente passa melhor estando no trecho do que dentro da sua própria casa. E tem mais, no trecho você não tem horas pra dormir... é liberdade total, e outra, só a gente se esquiva um pouco da droga, da droga a gente se esquiva, mas vou dizer, às vezes, a gente bebe, às vezes a gente passa da hora de dormir, mas, assim, tem vezes que a gente consegue viver um pouco feliz...

Apesar de dizer que às vezes pensa em abandonar o trecho e voltar para a casa, para vida anterior, enfatiza as dificuldades, problemas e sofrimentos vividos como mulher no ambiente de confinamento doméstico e na convivência com a mãe. Ao mesmo tempo ressalta a sensação de liberdade "total" vivendo como trecheira, sem rotinas fixas, dentre elas, o horário para dormir.

Mari continua sua fala sobre os motivos que a levaram para o trecho, acrescentando como outro incômodo do aprisionamento doméstico e familiar a convivência com seus próprios filhos que considera uma convivência perturbadora.

Ah, porque eu não se dou com a minha mãe. Eu não consigo ficar dentro de casa. Eu vou ficar lá num apartamento... olha só: minha mãe ela tem dinheiro, tem carro, eu vou ficar no apartamento que o quarto é mais ou menos desse tamanho aqui, ficar com aquele monte de criança fazendo "pê pê pê pê pê", mamãe, mamãe, papai, papai... que eu tenho três filho... aí fica mãe daqui mãe dali, aí eu falo: ôoôoo meu pai do céu, para cêis dois, para cêis três... para, para, Rebeca, para Luis Fernando... não... não tem jeito não.

Além dos desentendimentos com a mãe, acrescentou como outro sufocamento do espaço familiar a perturbadora presença dos seus três filhos que, segundo ela, solicitavam sua atenção o tempo todo tornando sua vida insuportável. Seus filhos, segundo ela própria relatou, encontram-se atualmente com 19, 12 e 11 anos de idade, portanto, quando abandou sua casa e passou a viver no trecho eles tinham respectivamente 16, 9 e 8 anos. Conforme ela mesma diz, chegou um momento em que não conseguiu mais tolerar os conflitos com a mãe e a presença perturbadora dos filhos no exíguo espaço de um apartamento que significava uma constrição e limitação de sua vida.

Ao desertar para o trecho, Mari rompeu com alguns discursos de verdade direcionados a pessoas do sexo feminino, desde a infância, que confinam as mulheres em espaços fechados e privados, principalmente no ambiente doméstico, e nas funções de maternidade e cuidado da família. O conjunto de funções e afazeres destinados à mulher dentro das táticas de confinamento é completado por Mari quando se refere aos encargos de limpeza da casa.

Às vezes você não precisa andar muito no trecho. Às vezes você vai até algum canto, senta em algum lugar... Posso falar a verdade? Eu gosto dessa vida mesmo! Já acostumei. Já viciei também, não paro não. Já acostumei já. Eu não me vejo dentro da minha casa, eu não me vejo dentro de uma casa lavando louça, lavando roupa... não, lavar roupa às vezes tem que lavar mesmo no trecho. Mas, assim, a gente não se vê fazendo esse tipo de atividade. Olha minha mão é lisinha, mão de princesa. Então não me vejo mais nessa vida aí não.

Para ela, não é era uma ou outra coisa que a perturbava na vida sedentária. Era o cotidiano típico de uma mulher comum cuja vida se restringia a cuidar dos filhos e da casa, vida essa que passou a sentir como opressora e entediante. Sua deserção para o trecho pode ser entendida como uma linha de fuga, uma vez que ela surge em um momento em que já não se suporta ou já não se deseja mais algo que antes era suportado ou desejado e esse não mais suportar dispara uma ação radical de abandonar o que está dado e de buscar outro rumo, outra forma de viver.

A segunda participante da pesquisa era uma mulher andarilha e foi entrevistada à beira da estrada, próxima à cidade de Paranaíba (MS). Da. G., como será chamada essa senhora, declarou ter 62 anos de idade e disse estar no trecho há oito anos. Ela contou que nasceu em Feira de Santana, na Bahia, e que seu destino é o retorno para a Bahia, mas que irá para Brasília antes, pois lá "é do lado da Bahia".

Da. G. é um caso curioso. Primeiramente deve-se ressaltar que ela se encaixa mais no perfil de andarilha do que no de trecheira, por declarar sua preferência por andar a pé nas rodovias em vez de entrar nas cidades e fazer uso das passagens concedidas pela assistência social para se locomover de um ponto ao outro.

Apesar disso, quando perguntada se prefere a vida doméstica em vez da vida no trecho, a andarilha declarou que preferia viver na estrada, pois não gostava de ficar "em casa fechada". Em seguida, ela nos deu a seguinte declaração:

Da. G: Prefiro tá no mundo. O mundo tá melhor pra mim.

Pesquisadora: Tá melhor [na estrada]? Tem mais possibilidade?

Da. G: Tem mais inteligência, porque dentro de casa você não tem inteligência pra nada não, você fica escravizado. Na rua você tá liberto pra tudo, pra qualquer coisa você tá liberto. Dentro de casa a gente não tá liberto pra nada não.

Essa fala traz um elemento importante para a reflexão sobre o enfraquecimento ou destituição da mulher, enquanto sujeito, trancafiada no ambiente doméstico sedentário. Segundo Da. G., a vida como andarilha na estrada traz mais inteligência do que "dentro de casa", quando se permanece "escravizado". Com efeito, segundo Badinter (1985), algumas teóricas feministas apontam a maternidade como sendo o lugar de alienação da mulher, o lugar para o qual deve-se treinar as mulheres para melhor aprisioná-las depois. Nessa linha de pensamento, pode-se dizer o mesmo da vida familiar de modo geral e do trabalho doméstico, uma vez que é interessante ao sistema patriarcal que mulheres sejam socializadas de forma a estarem sempre ligadas ao cuidado da família e da casa permanecendo, assim, alienadas do mundo, realizando repetidamente uma rotina de trabalho que não exige que se pense ou que se questione qualquer coisa.

Há mulheres que, de alguma forma, criam linhas de fuga, escapando de alguns efeitos dessa socialização, sendo Da. G. um exemplo disso. A andarilha relatou que antes de ir para a estrada trabalhava vendendo roupas na feira e aparentemente tinha uma rotina de trabalho bastante pesada. Quando perguntada sobre o que fez com que ela abandonasse tudo para viver como andarilha, ela nos deu a seguinte resposta:

Aaah, desgostei da minha casa. Desgostei de tudo, da família, das roupas, ficava lavando roupa, dobrando roupa, aquele monte de roupa... aí ficou tudo pra lá. Eu mesma dei um jeito e se virei... eu mesma se virei no mundo.

O aparente cansaço de Da. G. em relação à sua rotina de trabalho, misturado a problemas familiares pode ter sido o gatilho que precisava para desertar. Como no caso de Mari, sua deserção apresenta traços característicos do surgimento de uma linha de fuga: o aumento da exigência de escape e a diminuição do limiar daquilo que se suporta. Certo dia, Da. G. já não suportou mais uma rotina de trabalho que tolerou por anos a fio, "desgostou" daquela vida opressiva e entediante e resolveu "cair no mundo". Porém, toda linha de fuga traz consigo o surgimento de uma nova angústia, o que é possível observar na fala de Da. G. quando ela afirma que a vida no trecho é feita de sofrimento e cansaço. Entretanto, em sua fala transparece o surgimento de uma nova serenidade e de um sentimento de liberdade, em especial nos momentos em que ela afirma estar melhor vivendo como andarilha.

Ah, viver no trecho é difícil, é cansaço, é cansativo... difícil pra viver. Mas quem tem uma força de vontade pra viver, vive. E quem não tem fica em casa, corre pra casa, pra família, é outra coisa [...] Aaah sei lá, o trecho é aberto, né, o trecho é aberto...vai quem tem vontade de ir, ninguém é obrigado a ir né, mas vai quem tem vontade de ir. É sofrido, né, é muito mesmo sofrido [...].

É possível depreender dessa fala, somada às anteriores, que a deserção para o trecho depende, por um lado, de um forte sentimento de saturação da vida familiar-doméstica-sedentária, tal como é vivida pela mulher, e de um forte sentimento de "desgosto" e inconformismo para que ocorra uma insurgência radical. Por outro lado, é preciso, igualmente, uma forte atração pela vida errante no trecho ou uma grande vontade de viver assim, apesar dos desafios que não são poucos. A fuga ou deserção para o trecho exige uma dupla decisão bastante difícil, sobretudo, para uma mulher: abandonar o comodismo da vida doméstica e familiar e enfrentar os desafios de uma vida marcada pela imprevisibilidade, pela ausência de segurança e proteção mínimas e pela exigência de luta constante pela vida. Porém, uma vez no trecho, é difícil sair dele. O trecho "vicia", como disse Mari, traz "inteligência", é "aberto" e livre ("vai quem quer"). Sobretudo para aquelas mulheres que se sentem trancafiadas em casa e presas a uma rotina de tarefas domiciliares, o trecho pode representar, apesar das agruras, uma conquista de maior liberdade. As sensações de liberdade, independência e de autonomia são também apontadas por Justo (2011) em suas pesquisas com homens andarilhos.

As experiências de uma vida que migra dos espaços fechados e estáveis para espaços abertos e instáveis ou conectados em rede, sentidas como mais expansivas da vida, ainda que cansativas, são típicas da atualidade marcada por uma tendência à produção de espaços abertos (Deleuze, 1992) ou de não lugares (Augè, 1994). Ainda conforme enfatizam esses autores, os espaços abertos ou não identitários - os não lugares - não significam necessariamente espaços de maior liberdade ou de autonomia. Podem muito bem ser portadores de poderes e controles mais refinados que impedem a possibilidade de qualquer autonomia. Dessa forma, não se pode generalizar as experiências de Mari e de Da. G. ou de tantas outras mulheres que abandonam espaços fechados e rumam para espaços abertos como sendo experiências de fuga e de conquista de liberdade. Bem pode acontecer uma liberação dos grilhões do sedentarismo e a captura por amarrações mais elásticas e flexíveis, porém, tão ou mais capazes de controlar e gerenciar a vida, vigiando e controlando suas movimentações, acompanhando-a em todos os recantos, sem deixar refúgios.

No caso das mulheres andarilhas-trecheiras, participantes desta pesquisa, observa-se que, apesar de elas apresentarem um forte rompimento com alguns dos discursos de verdade proferidos no decorrer do processo de socialização, apresentam algumas capturas muito fortes as quais são compartilhadas por várias outras mulheres da atualidade.

Uma dessas capturas, claramente observada no caso de Mari, está diretamente ligada aos discursos de verdade responsáveis naturalizar algumas características impostas aos corpos femininos. São discursos ligados diretamente à performance de feminilidade. A fala a seguir, retirada da entrevista com Mari, ilustra a presença de uma dessas capturas:

"Por que a gente não pode ficar sem as coisas, assim, sem um aparelho de se depilar, um sabonete, um detergente pra tomar banho, um sabonete, um shampoo, um creme pra passar no corpo, entendeu?".

Tal declaração, dada à pesquisadora como resposta à questão sobre o que levava consigo no dia a dia estradeiro, denuncia a preocupação com algumas dessas performances de feminilidade como, por exemplo, a depilação.

Dessa forma, pode-se dizer que a depilação, por exemplo, é um desses efeitos do gênero produzido pela estilização do corpo feminino como um corpo obrigatoriamente sem pelos. Além da preocupação com a depilação, que aparentemente faz parte das preocupações diárias da trecheira tanto quanto de grande parte das mulheres subjetivadas na nossa sociedade, Mari demonstrou outra que geralmente não é compartilhada pelos trecheiros do sexo masculino: a preocupação com o banho e com um sabonete, um shampoo e um "creme" que procura sempre carregar consigo. Na maioria dos casos, os andarilhos-trecheiros homens relatam levar, no máximo, um sabonete entre pertences desse tipo. Shampoo é um produto raro em suas bagagens e creme "pra passar no corpo" ou para se barbear jamais foi relatado por algum dos muitos entrevistados. É fácil observar na nossa cultura os discursos de verdade responsáveis por essa maior preocupação das mulheres com a higiene pessoal. Desde a infância é tolerado um maior contato de garotos com a sujeira, seja nas brincadeiras ou em outras ocasiões, enquanto às garotas são ensinados certos hábitos de limpeza e coibidas brincadeiras que envolvem contato direto com a "sujeira", tidas como coisas que "não são de mocinhas".

Outra questão que, aparentemente, abrange tanto as mulheres que vivem na estrada quanto as mulheres de vida sedentária é a questão dos relacionamentos abusivos e da violência contra a mulher. Ao ser perguntada sobre seus relacionamentos no trecho, Mari contou que antes de conhecer seu atual companheiro tivera um relacionamento de um ano e meio com outro trecheiro que a agredia e chegou a lhe desferir "uma facada e duas pauladas na cabeça", conforme disse numa das entrevistas. Ela expôs da seguinte maneira suas desavenças com esse companheiro:

Pesquisadora: Mas o que que tava acontecendo quando ele te deu a facada? Vocês estavam discutindo?

Mari: É, discutindo. Quase todo dia nois tava discutindo. Às vezes, eu deitava uma hora dessas mais ou menos... que hora é agora?

Pesquisadora: Umas dez e meia...

Mari: Então, aí eu deitava uma hora dessas e aí no outro dia tinha que levantar sete horas da manhã, e eu odeio levantar sete horas da manhã, eu detesto levantar sete horas da manhã. Aí, olha só, sete horas da manhã... aí ele vinha e começava: vamo Mari! vamo, vamo que cê tem que escovar os dentes, lavar o rosto, lavar os pés... aí eu falava: mas eu não quero, eu tô cansada, ontem fui dormir onze horas da noite. Porque tem vez que a gente fica até tarde né, tem vez que por você estar no trecho você tem que caçar um mocó pra você dormir, uma panela pra você comer, pra você fazer alguma coisa pra você comer. Porque tem gente que você bate na porta das pessoas e tem gente que não quer dar nada pra você, não quer dar comida pra você. Aí ele ficava lá né: vamo Mari! vamo! Aí eu falava: "Mas eu não quero, mineiro!". Aí ele ficava: mas você vai!" E eu: "não vou!". Aí ele me xingava, ficava falando: filha duma peste! Filha do capeta!" sabe? Aí eu falava: mas pra quê você tá me xingando assim? E ele lá: Vamo, vamo logo.

A fala de Mari revela um relacionamento cujo modo de operação em nada difere dos relacionamentos abusivos que culminam em episódios de violência doméstica dos quais muitas mulheres são vítimas (Sá & Werlang, 2013, p. 108).

A relação descrita por Mari apresenta ao menos duas das características comuns aos tipos de violência doméstica: a violência física e a violência psicológica. A física se deu quando o antigo companheiro a agrediu com pauladas e uma facada, sendo esse primeiro tipo muito mais visível e fácil de ser notado, tanto no caso da trecheira quanto nos casos de violência doméstica em geral. Já a violência psicológica é mais sutil e difícil de ser identificada em um primeiro momento, entretanto, com um olhar mais cuidadoso, é possível percebê-la na fala de Mari quando ela relata as constantes discussões e xingamentos proferidos pelo namorado, os quais a intimidavam e a desvalorizavam.

O atual relacionamento de Mari apresenta algumas características de violência psicológica. Ela relatou os problemas do companheiro com o uso abusivo de bebidas alcoólica, cujos episódios de embriaguez sempre são seguidos de acessos de raiva repletos de xingamentos direcionados a ela. Um desses episódios, inclusive, aconteceu no mesmo dia em que foi realizada a primeira entrevista, na porta da casa de acolhimento e sob os olhares dos funcionários do local. Relatou esse problema específico de seu relacionamento quando perguntada sobre o uso de bebidas alcóolicas no trecho:

Pesquisadora: E você tinha comentado também da bebida alcóolica no trecho, né? Você usa bastante ou só às vezes?

Mari: Não, eu tô dando uma maneirada, viu. Ultimamente eu tô maneirando. Tô maneirando por causa dele, do meu namorado, senão ele não tem controle.

Pesquisadora: Tá maneirando mais por causa dele então?

Mari: É, porque ele bebe e fica violento se deixar.

Pesquisadora: Ele já te agrediu?

Mari: Não. Ele fica mais violento de gritar, dar escândalo.

Ainda sobre seu atual relacionamento, Mari deu uma declaração importante para se pensar não apenas a questão do relacionamento abusivo na estrada, mas também questões a respeito do ser mulher trecheira:

Mari: É, mas sei que minha vida tá um "angu".

Pesquisadora: Por quê?

Mari: Por causa dessa "benção" aí.

Pesquisadora: Ah, o seu marido? Foi ele que complicou sua vida agora, então?

Mari: Sim, complicou mais. Era mais fácil antes de eu começar a andar com ele.

Pesquisadora: É mesmo? Mas, e a questão de proteção? Pelo fato de você estar andando com um homem não fica menos perigoso algumas coisas?

Mari: Ah, pra andar no trecho é menos perigoso, mas, pra outras coisas, é difícil.

Pesquisadora: Pra quê, por exemplo?

Mari: Pra ganhar dinheiro. A mulher sozinha ganha mais dinheiro do que um homem ou uma mulher acompanhada.

Pesquisadora: Então quer dizer que as pessoas te veem andando aí com ele a acham que você não tá passando falta de nada pelo fato de estar com um homem?

Mari: É, eles pensam: "Essa daí não precisa, não".

O primeiro pensamento da maioria das pessoas, quando se trata de mulheres andarilhas-trecheiras, é imaginar que tais mulheres preferem andar na companhia de um homem com o intuito de se protegerem dos perigos aos quais possam estar sujeitas na estrada. Entretanto, as falas de Mari nos fazem refletir que, se por um lado andar acompanhada de um homem é uma "proteção", por outro, não há medida protetiva que essa mulher possa tomar para se proteger do homem que a acompanha. Se ter um companheiro do sexo masculino confere à mulher trecheira maior segurança sob alguns aspectos, sob outros, é possível afirmar que a presença de tal companheiro acrescenta um risco à vida delas: o risco do relacionamento abusivo e da violência física e psicológica.

Há, ainda, a questão da sobrevivência no trecho que, segundo Mari, é mais fácil sem um homem ao seu lado uma vez que as pessoas se solidarizam muito mais com uma mulher caminhando desacompanhada. Tal fato pode ser interpretado como uma das consequências dos discursos de verdade que apontam a mulher como um ser frágil que precisa de cuidados e o homem como o provedor, cuja função é sustentar a companheira e a família.

A entrevista com Da. G. confirmou as declarações de Mari sobre a maior facilidade para conseguir aquilo de que necessita para sobreviver no trecho, estando desacompanhada. Deve-se observar que Da. G. tem ainda outra vantagem que Mari desconhece: a idade. Por ser uma idosa caminhando sozinha, certamente obtém ajuda mais facilmente do que andarilhas ou trecheiras mais jovens. De fato, ela relatou que consegue comida quase todos os dias, havendo, inclusive, dias em que pessoas param para lhe dar o que comer, enquanto Mari relatou que, algumas vezes, encontra pessoas que se negam a lhe dar alguma coisa.

Ainda a respeito das similaridades entre a vida na atualidade e a vida dos(as) andarilhos(as)-trecheiros(as), outro fragmento da entrevista chama a atenção, relativamente ao individualismo:

Pesquisadora: E você já sofreu algum tipo de agressão ou abuso no trecho? De outros trecheiros ou até de, sei lá, de alguém que passou... nunca aconteceu?

Mari: Não. Eu não ando assim... eu não gosto de maloca. Se for pra eu andar eu prefiro ir sozinha...

Pesquisadora: Aí ninguém mexe com você, então?

Mari: Não. Porque se for pra eu fazer meus negócios eu também faço sozinha, quando vou beber eu bebo sozinha, eu compro a minha bebida, deixo lá: é minha, é minha. Cada um com a sua. E se eu tô lá no rala também é pra mim o dinheiro, não é pros outros, entendeu?

A preferência por caminhar e realizar suas atividades cotidianas individualmente na estrada não é exclusividade de Mari ou da população trecheira do sexo feminino. Em estudos conduzidos por Justo (2011; 2012) vários homens andarilhos-trecheiros afirmaram a mesma preferência pela solidão, havendo, inclusive, relatos de desavenças entre eles quando são obrigados a conviverem juntos nas casas de acolhimento ou em outros espaços compartilhados. É possível relacionar esse modo de vida solitário e em trânsito de andarilhos(as) e trecheiros(as) com a tendência ao individualismo, à moradia individual, aos relacionamentos efêmeros, menos vinculares e a distância, conforme tem sido discutido por autores mencionados anteriormente. Nesse sentido, expressam, à sua maneira, tendências de um tempo.

Da. G., tal como Mari, mostra traços característicos de uma subjetivação mais individualizada. Várias vezes durante a entrevista ela afirmou preferir fazer tudo sozinha, falando inclusive com muito orgulho que ela "sabe se virar no mundo", como mostra a fala a seguir:

É... tô se virando aí, graças a deus, também tô me levantando, eu mesma tenho a força de vontade pra me levantar, graças a deus, ninguém me levanta não... Eu mesma levanto, pego minhas coisas, sumo e dou um jeito. Mas eu me cuido, sei lá. Quem sabe se virar, sabe e eu sei me virar no mundo.

Nisso Da. G. se assemelha não apenas à Mari, mas aos andarilhos e trecheiros de forma geral que sempre declaram a preferência por caminhar e realizar suas tarefas diárias sozinhos. Quando questionada se não enfrentava nenhum problema para caminhar sozinha e se conseguia fazê-lo tranquilamente, a andarilha deu a seguinte resposta: "Consigo, ando sempre sozinha. É melhor sozinha. [Mas e a solidão?] Não ligo não. Solidão não tem mais. Solidão acabou". Os homens andarilhos, igualmente, afirmam que a solidão é um dos maiores desafios para eles e que conviver com ela ou superá-la é essencial para se viver caminhando só pelas estradas (Justo, 2011, p. 72).

Outro aspecto da vivência de Da. G. que a diferencia de Mari é que ela não tem um percurso mais ou menos programado para seguir no trecho. Enquanto Mari disse seguir sempre para a direção do estado do Mato Grosso e, em seguida, fazer o caminho de volta, Da. G. afirmou "ir onde o asfalto vai", embora, na ocasião da entrevista declarou que, dessa vez, estivesse com um traçado definido. Seguiria para Brasília (DF) e depois para o estado da Bahia.

Ao comparar as entrevistas concedidas por Mari e por Da. G., é possível perceber outra vantagem em ser uma mulher já com idade avançada, percorrendo o trecho. As mulheres idosas recebem um tratamento mais cordial e gentil, inclusive da polícia, do que as mulheres mais jovens que vivem na mesma condição de itinerância. Quando perguntada se já havia sido abordada pela polícia, Da. G. respondeu: "Não, não... eles perguntam se eu quero água, se eu quero um salgado, entendeu? Mas me chamar pra alguma coisa assim não tem nada a ver, não faço não".

E declarações de Mari a respeito dessas mesmas figuras:

Polícia, pra mim, é verme. É verme. Apesar que, de vez em quando, eles dão uma socorrida na gente, mas tem hora que não serve pra nada. Não serve pra nada. Ó, eles dormem a noite inteira. Não, mas deixa eu te falar, eles só dormem a noite inteira, sabe que horas que eles acham de passar? Pra poder fazer a guarita de cuidar de uma vila, de uma rua? Cinco da manhã. Na hora que tá acontecendo as coisas eles somem. A última passada deles é dez hora da noite, depois ó, eles ó vão lá e dorme. Cê pode morrer de ligar pra eles que eles tá lá roncando. E se acontece alguma coisa com a mulher no trecho eles ainda xinga a gente de vagabunda!

Pesquisadora: Sério? Já aconteceu alguma coisa assim com você?

Mari: Sério! Já aconteceu sim. Já levei até "borrachada" uma vez. Uma na canela.

Pesquisadora: E por quê? O que que aconteceu?

Mari: Ah, tava eu e outro cara... nois não chegou a brigar, aí chegou a polícia... não sei que que nois tava batendo boca lá, aí eles chegaram e falaram: Ah, cêis vão parar de bater boca seus filhos duma puta. [...] e pá na minha canela e pá na costela do outro que tava brigando comigo. Ele fez de propósito, aquele policial... eu fiquei uns par de dia sem andar.

Ao comparar esses trechos, percebe-se claramente a diferença de experiências dessas mulheres com figuras de policiais. Essa diferença de tratamento pode estar relacionada a várias especificidades do modo como habitam o trecho, porém, a idade deve ter um peso importante, ainda mais quando associada à figura feminina. É possível conjecturar que o tratamento ríspido ou até violento relatado por Mari e o tratamento amistoso que Da. G. declara receber dos homens e, particularmente, da polícia, tenha um fundo da cultura machista. Viver na rua, transitando de cidade em cidade ou perambulando pelos acostamentos de rodovias é algo inaceitável em nossa cultura, conforme destacam Justo (2012) e Freitas (2014), até mesmo quando se trata de homens, socialmente educados para a habitarem espaços abertos. Uma vida assim para as mulheres soa como uma aberração ainda maior. O caso de Mari, nesse sentido, é emblemático. Conforme ela mesma disse, é destratada, agredida, achincalhada e sujeita a tantos tratamentos ofensivos e humilhantes por ser uma mulher trecheira, desgarrada dos estereótipos do feminino, sobretudo, daqueles que vinculam a feminilidade a espaços de sedentarização, espaços fechados, espaços de reclusão e de confinamento. Pela mesma razão, embora com sentimentos de compaixão e atitudes de benevolência, Da. G. goza de um tratamento condescendente por ser uma mulher andarilha idosa. Nessa condição é vista duplamente como uma pessoa carente de uma proteção masculina e de um amparo familiar, sob os estigmas que retratam a mulher como ser frágil e os idosos como dependentes.

Mari e Da. G. expõem com bastante clareza importantes marcadores de gênero cinéticos: a mobilidade, o trânsito, a circulação, a errância e o nomadismo. Ambas contrariam a antiga crença de que o lugar da mulher é em casa, enquanto o do homem é a rua, ou então, a crença de que a mulher deve ater-se aos espaços privados, à esfera da intimidade, enquanto ao homem cabe o domínio do espaço público.

 

Considerações Finais

O mundo e a vida de homens e mulheres, na atualidade, são marcados por forças e embates que confrontam o sedentarismo, o estacionamento, o enraizamento e outras forças centrífugas com o nomadismo, a errância, o desenraizamento e outras forças centrípetas ou de mobilidade. A despeito da vida ainda manter traços e processos de sedentarização que vinculam o ser humano a determinados espaços (lugares) e a temporalidades segmentadas, a tendência, cada vez mais forte, é no sentido da nomadização, da movimentação, da transumância, do trânsito e da celeridade ou da experiência do tempo contínuo.

No entanto, o quantum de sedentarismo e de nomadismo da vida, bem como o tipo de experiência de um ou de outro não são equivalentes ou distribuídos equitativamente. A idade, a classe social, a condição econômica, a nacionalidade de origem, raça e tantos outros divisores são utilizados para segmentar, controlar e constituir poderes que têm a mobilidade como dispositivo central. Dentre tais divisores se destaca o gênero. Homens e mulheres são diferenciados e hierarquizados por enquadramentos socioculturais e psicológicos distintos baseados em condições de vida polarizadas entre o nomadismo e o sedentarismo que configuram modos de vida que se estendem de estacionamentos e enraizamentos extremos em determinados lugares a deambulações, errâncias e movimentações contínuas por não lugares.

Trecheiros e andarilhos de estrada constituem um desses modos situados no extremo do nomadismo ou da errância. A maioria deles é constituída por homens. No entanto, mesmo que em escala bem menor, são encontradas mulheres que, à semelhança dos homens, desertaram da vida sedentária e passaram a viver como andarilhas e trecheiras. Essas mulheres desertoras, por um lado, denunciam em suas falas o sedentarismo opressor que as confinava no ambiente doméstico, produtor de uma vida limitada, entediante, restritiva e de sujeição a afazeres simples e rotineiros, relacionados a cuidados da casa e dos filhos. Por outro lado, exaltam a vida trecheira e andarilha como uma vida mais exigente e de maior liberdade, de realizações e de fortalecimento de si como sujeitos. No entanto, é preciso considerar que, embora as deserções para a vida de trecheira ou de andarilha possam trazer o sentido de empoderamento e de liberdade, conforme foi possível verificar nos dois casos analisados, carregam consigo especificidades decorrentes das diferenças entre o modo de viver como trecheira (transitando de cidade em cidade) ou como andarilha (perambulando pelos acostamentos das rodovias) e de tantas outras diferenças tais como a idade, conforme foi possível constatar no caso de Da. G. Além disso, apesar de a deserção para o trecho significar uma grande ruptura com a vida sedentarizada e um grande salto para o polo oposto, principalmente para as mulheres, mesmo assim algumas marcas podem permanecer como no caso de Mari que continuou no trecho mantendo hábitos da vida anterior, sobretudo, a convivência e submissão à figura masculina.

Outra importante consideração a se fazer diz respeito à amplitude das pesquisas com mulheres trecheiras e andarilhas. A despeito de andarilhas e trecheiras representarem uma verdadeira revolução nas relações de gênero, relativamente ao acesso e apropriação da mobilidade geográfica e psicossocial, tanto esse modo de vida quanto o papel da mobilidade na constituição da feminilidade não têm sido devidamente considerados na produção científica.

O estudo dessas mulheres é importante não apenas para se ampliar o conhecimento sobre esse modo de vida, mas, sobretudo, para se conhecer processos de confinamento e de constrição cinética incrustrados na demarcação de gênero, portanto, que dizem respeito não somente à história de vida das andarilhas e trecheiras, mas à de todas as mulheres. Os casos das trecheiras e andarilhas permitem ampliar, consideravelmente, o reconhecimento de marcadores de gênero para além daqueles tradicionalmente conhecidos, tais como o da sexualidade, o da maternidade, do trabalho e funções domésticas, dentre outros. Junto aos marcadores tradicionais se desponta, indubitavelmente, esse outro igualmente importante na atualidade: o marcador relativo ao acesso e domínio dos meios e das condições para uma plena e autônoma movimentação psicossocial. Portanto, trata-se um campo de estudo bastante promissor e inovador, que demanda muitas pesquisas.

 

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Endereço para correspondência:
Jose Sterza Justo
sterzajusto@yahoo.com.br

Cledione Jacinto de Freitas
cledionefreitas@hotmail.com

Jlia Esteves Bicalho de Almeida
juliaestevesb@hotmail.com

Submetido em: 23/10/2018
Revisto em: 27/04/2019
Aceito em: 31/05/2019

 

 

1 Essas duas palavras são utilizadas por andarilhos e trecheiros como sinônimos para designar o ato de pedir ajuda aos outros com astúcia, esperteza e habilidade. Segundo eles, essa forma de pedir é menos humilhante do que aquela conhecida como mendicância.

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