Arquivos Brasileiros de Psicologia
ISSN 1809-5267
https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.187-203
ARTIGOS
Desenvolvimento social Adolescenteadolescente: Pesquisa pesquisa e Intervenção intervenção no Programa programa Música Viva*
Adolescent social development: Research and intervention in the programa Música Viva
Desarrollo Social Adolescente: Investigación e Intervención en el Programa Música Viva
Gleidson Jordan dos SantosI; Larissa Medeiros Marinho dos SantosII
IMestre. Universidade Federal de São João del-Rei. São João del-Rei. Estado de Minas Gerais. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de São João del-Rei. São João del-Rei. Estado de Minas Gerais. Brasil
RESUMO
Este artigo apresenta o resultado de um estudo realizado com adolescentes em situação de vulnerabilidade social, em Santa Cruz de Minas, Minas Gerais, participantes de atividades em grupo em uma orquestra jovem que atua como uma rede de apoio social. Toma-se como base a interlocução entre o Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner e a Psicomúsica de Moreno, relacionando os campos de estudo da Música e da Psicologia. As informações foram coletadas a partir de observação participante e entrevistas com 12 participantes analisadas com base na Teoria Fundamentada. Foi possível notar efeitos positivos no desenvolvimento social dos envolvidos, com relatos de melhora nas relações entre pares dentro e fora da orquestra. Os resultados permitiram uma discussão com os referenciais teóricos e embasar para realização de atividades com grupos musicais, para fins terapêuticos, sociais ou para a prática musical. Com base na Psicomúsica apresenta-se sugestões de intervenção.
Palavras-chave: Desenvolvimento humano; Psicomúsica; Educação musical; Relações grupais.
ABSTRACT
This paper presents the results of a study carried out with adolescents, in a situation of social vulnerability in Santa Cruz, Minas Gerais, who participate in group activities in a youth orchestra that works as a social support network. It is based on the interlocution between the Bronfenbrenner's Bioecological Model of Human Development and Moreno's Psychomusic, seeking to correlate the fields of study of Music and Psychology. The information was collected from participant observation and interviews with twelve participants and analyzed based on the Grounded Theory. It was possible to notice positive effects in the social development of those involved, by reports of improvement in the relationships between pairs inside and outside the orchestra. The results allowed a discussion with the theoretical references and support to carry out activities with musical groups, for therapeutic, social or for musical practice. Based on the Psychomusic, suggestions for intervention are presented.
Keywords: Human development; Psychomusic; Musical education; Group relationships.
RESUMEN
Este artículo presenta el resultado de un estudio realizado con adolescentes socialmente vulnerables en Santa Cruz de Minas, Minas Gerais, Brasil, que participan en actividades grupales en una joven orquesta que actúa como una red de apoyo social. Se basa en la interlocución entre el Modelo Bioecológico de Desarrollo Humano de Bronfenbrenner y la Psicomúsica de Moreno, que relaciona los campos de estudio de la Música y la Psicología.. La información se recopiló de la observación de los participantes y las entrevistas con doce participantes y se analizó en base a la Teoría Fundamentada. Fue posible notar efectos positivos en el desarrollo social de los involucrados, con informes de mejora en las relaciones entre pares dentro y fuera de la orquesta. Los resultados permitieron una discusión con los marcos teóricos y el apoyo para realizar actividades con grupos musicales, con fines terapéuticos, sociales o para la práctica musical. Basado en Psicomúsica, se presentan sugerencias para la intervención.
Palabras clave: Desarrollo humano; Psicomúsica; Educación Musical; Relaciones Grupales.
Introdução
As práticas musicais, seja cantar ou tocar um instrumento, exigem alto nível de concentração e requerem diversas funcionalidades do corpo humano. Isso permite ao músico a capacidade de centrar-se em seu mundo interior e, ao exprimir o conteúdo musical construído internamente, também a de estabelecer uma conexão com o mundo externo (Rodrigues & Rosin, 2011). Executar um instrumento, além de contribuir de forma significativa para o desenvolvimento humano, causa um impacto tanto intelectual quanto emocional (Mattos, 2014). Quando acontece o contato com esse meio musical, o sujeito pode se concentrar em algo bom que consegue extrair de si mesmo, encontrando um suporte para o desenvolvimento de suas características positivas. Abre-se, então, para possibilidades, não se concentrando apenas naquilo que há de ruim em seu contexto (Araújo & Andrade, 2011; Ávila, 2009).
Pesquisas, tanto no campo da Psicologia quanto da Música, têm apontado para as contribuições e interlocuções entre essas áreas de conhecimento. São trabalhos que vão desde as neurociências (Muszkat, Correia, & Campos, 2000; Muszkat, 2012; Casarotto, Vargas, & Mello-Carpes, 2017), relacionados a aspectos do desenvolvimento cognitivo-afetivo-social, desde o desenvolvimento de bebês (Ilari, 2002; 2003), até intervenções com idosos institucionalizadas (Araújo, Santos, Amaral, Cardoso, & Negreiros, 2016), com Alzheimer (Barbosa & Cotta, 2017), com Parkinson (Santos & Coronago, 2017) e em aspectos do desenvolvimento grupal, incluindo identitárias (Coelho, Silva, & Mata Machado, 2017), além de trabalhos semelhantes a esta proposta, mas focados na questão identitária (Alves, Oliveira, & Chaves, 2016; Teixeira & Oliveira, 2017).
Neste trabalho, a música é vista como uma forma de ampliar o conhecimento cultural das crianças e de jovens em idade escolar, como um despertador da sensibilidade musical, do desenvolvimento cognitivo e do afetivo e promotora de relações interpessoais. A música torna-se instrumento de relacionamento pessoal e de valorização do sujeito, possibilitando a expressão de suas emoções e organizando melhor seus pensamentos. Considera-se que, por meio do contato com a música em grupos musicais, o sujeito aprende a conviver com o outro, estabelecendo um diálogo mais harmonioso, o que contribui para o êxito das relações interpessoais e, consequentemente, para o convívio em sociedade (Rodrigues & Rosin, 2011).
A partir dessa visão sobre a música e sobre as relações que podem se desenvolver nos grupos musicais, o objetivo desta pesquisa foi compreender a influência do trabalho musical no desenvolvimento de um grupo de adolescentes, em situação de vulnerabilidade social, que participa de um projeto de musicalização caracterizado como rede de apoio. Uma das particularidades deste estudo é a escolha teórica que parte da perspectiva do Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano proposto por Bronfenbrenner (2011; Bronfenbrenner & Morris, 2006) e da possibilidade de interlocução com a Psicomúsica proposta por Moreno (2006), correlacionando os campos de estudo de Psicologia e Música e sugerindo intervenções a partir da discussão dos resultados.
O Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano
Conforme Bronfenbrenner (1979), Bronfenbrenner e Crouter (1983), Bronfenbrenner e Morris (1998, 2006), o Modelo Bioecológico é uma evolução do sistema teórico para o estudo do desenvolvimento humano. O conceito de desenvolvimento implica em considerar esse desenvolvimento como um fenômeno de continuidade e de mudança das características biopsicológicas dos seres humanos, durante todo o seu curso de vida. O autor deu inicialmente, em seu trabalho, uma forte ênfase na importância da mudança social, não apenas como uma espécie de chave para a compreensão das origens dos padrões contemporâneos de desenvolvimento, mas também como uma contribuição para a política e para a ação social (Bronfenbrenner, 1995a). No Modelo, a experiência ou a vivência da pessoa é condição para o seu desenvolvimento. No contexto onde essa pessoa está inserida, tanto as condições objetivas (do contexto) quanto as subjetivas (ou como as condições são experienciadas) são elementos que direcionam o percurso do desenvolvimento, portanto é necessário compreender a natureza de cada uma dessas forças, iniciando pela força fenomenológica ou experiencial.
A força fenomenológica está mais relacionada ao ambiente e à maneira como o indivíduo percebe e o modifica durante as fases de sua vida, da infância à velhice (Bronfenbrenner, 2001a). Já o termo experiência se refere à esfera subjetiva dos sentimentos, que podem ser relacionados ao self ou aos outros, principalmente às pessoas mais próximas. Pode também ser vinculado a atividades nas quais um sujeito se engaje (Bronfenbrenner, 2001b). Nesse sentido, pode-se pensar em atividades em grupo com um objetivo significativo para o indivíduo, o que pode facilmente acontecer em grupos musicais, uma vez que permitem a vinculação emocional e a motivação.
A Psicomúsica proposta por Moreno
Moreno (1889-1975), insatisfeito com os métodos aplicados pela Psiquiatria de sua época, propôs uma terapia em grupo que não se focava apenas no tratamento de patologias psicológicas, mas abrange outras questões sociais de forma lúdica e universal. Como o conceito de Socionomia abordado por ele era muito amplo, abarcando diversas áreas, desenvolveu teorias próprias para estudá-lo de formas mais específicas. É o caso do Psicodrama que busca o desenvolvimento da espontaneidade, da criatividade, a formação, habilidades lúdicas e vários outros aspectos nos quais a psicopatologia não é uma prioridade (Calvente, 2014).
Moreno (2006) propôs as etapas clássicas do processo psicodramático: o aquecimento, a dramatização e o compartilhar. No aquecimento, busca-se situar o grupo ou o paciente na sessão, focando sua atenção em si mesmo e no processo que está acontecendo naquele momento, despistando as suas resistências. É o momento quando há a preparação da dramatização propriamente dita. Um outro caso é o da Psicomúsica, que se baseia nas mesmas etapas e ideias do Psicodrama, nesta os participantes precisam realizar inicialmente um trabalho de musicalização e sensibilização musical que podem se beneficiar da forma orgânica. Em suma, ambas as formas podem servir como base para as intervenções no grupo pesquisado.
Outra questão abordada por Moreno (2006) refere-se à posição do músico dentro do grupo, mais especificamente como integrante de uma orquestra, na qual ele e seu instrumento passam a fazer parte de um grande todo. Nesse contexto, existe a posição simbólica atribuída ao instrumento pelo próprio compositor da música a ser executada, na qual dificilmente há espaço para a criação, uma vez que há uma interdependência com os demais instrumentos, definida no processo de composição. A essa inter-relação entre os instrumentos o autor denomina de tele (transferência) musical, e ela interfere nos processos grupais. O maestro dirige e essa interação coletiva produz o universo musical. Existe também a posição real do músico enquanto sujeito e como artista membro da orquestra.
A Psicomúsica e o Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano são referenciais que se complementam no que diz respeito a criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento positivo, permitindo o estudo da relação da atividade musical e o desenvolvimento das pessoas nela envolvidas. Santos e Santos (2017) relatam as investigações de Bronfenbrenner a respeito da Sociometria de Moreno, que auxiliou no processo de desenvolvimento do Modelo Bioecológico. Os autores articulam também a questão interacional e do afeto possíveis de serem exploradas nas atividades da Psicomúsica e são essenciais para o desenvolvimento da pessoa nas diferentes etapas da vida.
É importante destacar, conforme apontam Brito e Koller (1999), que uma das mais importantes dimensões do desenvolvimento humano e bem-estar é o apoio social e afetivo, por ser uma interface entre a pessoa e o contexto do qual ela faz parte, influenciando diretamente no seu desenvolvimento. A rede de apoio social, aqui caracterizada pelo grupo musical, é definida pelas autoras como o conjunto de sistemas e de pessoas significativas que compõem os elos de relacionamento recebidos e percebidos do sujeito. A compreensão dessa rede exige uma complexa e constante avaliação do contexto ambiental onde a pessoa se desenvolve, o que incluiu sua história, seu momento atual e das pessoas que a ela se vincula, além das características individuais de todas elas.
Não se deve deixar de lado a influência do contexto e do tempo histórico no fazer musical, uma vez que a música é criada por indivíduos distintos, social e historicamente, e que ela é a expressão de sentimentos e o reflexo de acontecimentos que os geraram. Nesse sentido, pode-se notar mais um vínculo entre o estudo da música e o Modelo Bioecológico, já que, para a compreensão do sentido de uma performance musical, é necessário entender a pessoa ou o grupo que a criou, o processo de criação, o seu contexto social e o tempo aos quais ela pertence ou pertenceu.
O contexto e o método de investigação
A pesquisa foi realizada com os participantes da Orquestra Jovem de Cordas uma das ações do programa de extensão universitária Música Viva da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Conforme relato oral dos envolvidos, a maioria dos participantes da orquestra pesquisada estariam dentro de um ambiente instável e vulnerável (Brito & Koller, 1999), o que pode interferir significativamente no seu desenvolvimento e na sua participação efetiva no grupo. Dentre as variáveis que foram citadas pelos participantes, para a caracterização da vulnerabilidade do ambiente, estão a baixa renda, a baixa escolaridade dos familiares, a ausência dos pais, o convívio com tráfico e com usuários de entorpecentes e a violência intrafamiliar.
A partir do objetivo proposto nesta pesquisa, buscou-se inicialmente conhecer os participantes e compreender os aspectos presentes no grupo, as atividades desenvolvidas e as relações criadas com a música. Para isso, o método escolhido foi o Estudo de Caso (Ventura, 2007), que se iniciou com um processo de observação participante, seguida de entrevistas semiestruturadas.
Foi por meio da observação participante, com a manutenção de um diário de campo, que o pesquisador conheceu e começou a se introduzir no grupo, buscando identificar suas características, que incluíram demandas explícitas e implícitas. O processo de observação foi realizado semanalmente, no decorrer de todo o período da pesquisa, e ocorreu durante as atividades grupais desenvolvidas com todos os alunos da Orquestra Jovem de Cordas. Os encontros aconteciam uma vez por semana e, ocasionalmente, em apresentações realizadas pelo grupo.
A pesquisa foi realizada entre os meses de abril de 2015 a outubro de 2016. Por se tratar de uma pesquisa envolvendo adolescentes, após a devida aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da UFSJ, foi solicitada a autorização dos responsáveis por meio do termo de consentimento livre e esclarecido e a concordância dos adolescentes interessados em participar da pesquisa a partir do termo de assentimento. O principal critério para a participação foi o interesse e a assinatura dos termos. Nos termos foram esclarecidas todas as etapas da pesquisa e esses foram lidos com os responsáveis e participantes que puderam esclarecer suas dúvidas.
Para as entrevistas semiestruturadas, foram selecionados nove participantes da orquestra e três educadores, que também assinaram os termos de consentimento. Os jovens tinham entre 12 e 18 anos de idade, quatro eram meninos e cinco meninas. Desses, oito moram na cidade e uma mora em um bairro bem próximo, pertencente à cidade vizinha. Todos são alunos de escola pública, cinco estudam na própria cidade e os demais, na cidade vizinha. Três dos entrevistados eram novatos quando responderam a primeira entrevista, tendo ingressado na Orquestra há três semanas, um há um ano e meio e os demais participam desde o início das atividades, em 2014. Para fins de apresentação deste trabalho, de acordo com os preceitos éticos, todos os nomes dos participantes são fictícios.
Entre os três educadores entrevistados, uma foi a primeira professora regente e coordenadora da Orquestra Jovem de Cordas (Maria), professora universitária, com experiência anterior em orquestra comunitária. Outra, foi a atual professora regente do grupo (Daiana) que realizava trabalhos com o Coral, que sempre participou das atividades administrativas do Programa, seja como uma das idealizadoras ou como organizadora desde sua graduação. E a terceira, uma professora bolsista graduanda do curso de Música (Joana), que esteve sempre presente, colaborando nos ensaios e nas atividades coletivas.
As análises dos diários e das entrevistas foram realizadas com base na proposta da teoria fundamentada (grounded theory) (Glaser & Strauss, 1967). Além do diário do pesquisador, foi possível contar com os relatos do diário de campo de uma bolsista de extensão e, posteriormente, de iniciação científica que observou o grupo em 2015.
De acordo com a teoria fundamentada (Glaser & Strauss, 1967), os dados coletados durante a pesquisa devem ser codificados, relacionando-os à teoria ou gerando uma teoria a partir deles. Ou seja, os dados servem tanto para comprovação de uma teoria quanto para complementá-la. Nesta pesquisa, as fases de análise incluíram a atribuição de conceitos para os fenômenos de interesse, de forma a reduzir o conteúdo e focar nos aspectos que estariam relacionados com os objetivos do estudo. Em seguida, foi necessário relacionar as informações obtidas com a fundamentação teórica apresentada. Por último, buscou-se focar em um aspecto principal dentro dos objetivos da pesquisa, que será o ponto central para o desenvolvimento da teoria.
Resultados e Discussão
Para a apresentação dos resultados obtidos, foram identificados os tópicos de análise e sua abordagem realizada combinado a discussão, em consonância com a teoria fundamentada.
A cidade como contexto
Santa Cruz de Minas tem sido conhecida enquanto uma cidade com um alto índice de violência em relação à sua pequena área territorial, fator que pode ser considerado como uma das características de vulnerabilidade social, pois propicia situações de risco para a população, principalmente para os adolescentes (Anônimo, 2008). Todavia, conforme observado durante o período desta pesquisa, há um constante trabalho para a ressignificação dos valores dos jovens, por meio de investimentos na Educação e na Cultura local. O município tem apoiado não só os trabalhos em parceria com a UFSJ, mas também outros projetos como a Corporação Musical São Sebastião (Banda de Música do Município), os congados e demais representações culturais da cidade.
Na percepção dos participantes, a cidade tem melhorado nos últimos anos. Segundo eles, o contato com a cultura por meio de projetos sociais como a Orquestra Jovem de Cordas, possibilitou aos adolescentes uma opção de ressignificação da cidadania, ao mesmo tempo em que desenvolveu na comunidade uma valorização maior da Cultura e Educação. Os moradores estão mais conscientes e a comunidade acolhe os projetos socioeducativos com mais facilidade, reconhecendo seu potencial de mudança no sentido de oportunizar ações futuras, indo além do que era tido como realidade no passado. Os índices de homicídio e violência da década passada denotavam perspectivas negativas quanto ao desenvolvimento da população jovem, porém os participantes responderam com otimismo que a cidade só tem melhorado. Acreditam no poder eficaz de uma mudança exercida em decorrência de projetos como o Programa Música Viva.
Durante as entrevistas, quando questionados sobre a cidade, seis dos nove entrevistados associam a sua melhoria ao apoio dado pela senhora prefeita municipal no que se tange às atividades da Orquestra. Para um deles: "a orquestra não existiria sem o apoio da prefeita, o trabalho dela ajudou muito na nossa valorização... parece que Santa Cruz de Minas tem mais cultura agora..." (Ana). Nota-se a ausência de índices e dados estatísticos em publicações nos órgãos oficiais que comprovem essa mudança, todavia é possível notar nas falas das pessoas que o contexto é visto com outros olhos. As notícias recentes veiculadas na mídia são positivas, enfatizando principalmente os trabalhos concernentes à Cultura e à Educação, desenvolvidos nos últimos anos.
As famílias dos alunos como contexto
Metade dos alunos entrevistados ingressaram na Orquestra por intermédio de seus cuidadores, que acreditavam que isso poderia ajudá-los no desempenho escolar. Durante o trabalho, enquanto alguns pais e tutores apoiavam a participação dos alunos, outros optaram por desencorajar a participação dos filhos na Orquestra. Em contrapartida, outros membros das famílias (parentes) intervieram para incentivar essa participação.
Essa relação com a família resulta no orgulho de alguns e na descrença de outros. Enquanto uma metade faz parte da Orquestra, incentivados por seus responsáveis, a outra parte usa a Orquestra como refúgio do convívio dentro de suas casas. Vale ressaltar que nem todos moram com os progenitores, sendo que alguns dos pais estão cumprindo pena em regime penitenciário. Fatores como este ou outros como doença na família e casos de violência física e psicológica, acabam interferindo na frequência dos alunos em algumas ocasiões, bem como dividem o foco no estudo do instrumento. O cansaço físico e mental está, muitas vezes, associado às cobranças de seus cuidadores, à necessidade de cuidar de irmãos mais novos ou de parentes doentes, bem como ao excesso de atividades extras que assumem por lazer, ou mesmo em busca de oportunidades.
Apesar de tudo, os alunos se mantêm otimistas sobre dias melhores para suas vidas futuras e para a de seus entes queridos, fazem o possível para que esses problemas não interfiram em suas atividades com a Orquestra. Enquanto alguns constatam que a Orquestra tornou possível o sentimento de que foram reconhecidos e se tornaram motivo de orgulho, outros ainda estão à espera de que alcançarão essa mesma condição.
Para Brito e Koller (1999), a família é uma importante rede de apoio social e afetivo, e os pais possuem forte influência no senso de cooperação e reciprocidade dos filhos. É possível confirmar a afirmação de Joly e Joly (2011) que apontam a família como núcleo motivador do estudo musical. Contudo, mesmo quando há ausência dessa motivação, o grupo enquanto espaço comunitário, permeado de afeto, é capaz de incentivar o fazer musical. Num dos relatos de participantes foi apresentado a queixa de familiares que se sentiam incomodados com o som emitido pelo instrumento em casa, enquanto outro relatou que não podia tocar em determinados momentos nos quais havia uma criança pequena ou um idoso dormindo, sendo difícil conciliar o horário de estudo com outras tarefas. Apesar das dificuldades, ambos afirmaram se esforçar para encontrar brechas para estudo e que eram incentivados pelos colegas e professores da orquestra.
Conforme dito por Brito e Koller (1999), as famílias e os amigos intercalam papéis relevantes na vida dos jovens, sendo as experiências de risco capacitadoras de estratégias adaptativas. Assim, essas estratégias muito se relacionam ao conceito de resiliência apontado por Bronfenbrenner (2011), quando indica que as pessoas conseguem desenvolver-se mesmo em situações adversas.
A Orquestra Jovem de Cordas como contexto
Como dito por Bronfenbrenner (1995b; 2011), o desenvolvimento é uma função comum da pessoa e do ambiente, por isso é essencial conhecer o local (contexto) onde o processo de desenvolvimento ocorre. É importante relembrar que, assim como Bronfenbrenner (2011) levou em consideração os contextos como fortes influenciadores do desenvolvimento humano, Moreno (2006) levou em consideração a influência desses contextos na prática e na produção musical.
A Orquestra Jovem de Cordas faz parte do Núcleo Música para Santa Cruz do programa de extensão universitária denominado Música Viva, oficialmente constituído em 2015 em uma parceria entre os cursos de Música e Psicologia da UFSJ, que tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento positivo dos participantes por meio da educação musical e das vivências em grupo. Na prática, as atividades da orquestra começaram experimentalmente um ano antes, em 2014, com apoio da Prefeitura Municipal de Santa Cruz de Minas. Seus integrantes abrangiam a faixa etária entre nove e 18 anos, sendo a maioria menor de 16 anos. Durante os ensaios, além das regentes, havia a participação de uma bolsista do curso de música que lecionava aulas de violoncelo e auxiliava na realização das atividades. Os ensaios aconteciam uma vez por semana, em dia fixo no turno noturno.
Durante os ensaios eram trabalhados trechos das músicas anteriormente estudadas, nas aulas individuais. O trabalho de escuta do outro foi enfatizado pelos participantes e o respeito mútuo entre os envolvidos, valorizado. Havia momentos de descontração, porém, se esses atrapalhassem o rendimento do ensaio, a regente repreendia as brincadeiras. Os trabalhos desenvolvidos apresentavam uma variação entre a aprendizagem da técnica e a vivência do momento, facilitando assim a superação da conserva cultural apontada por Moreno (2006) como fator inibidor da espontaneidade e da criatividade dos jovens.
Os alunos entrevistados afirmaram que inicialmente a orquestra representava algo pouco acessível e os instrumentos pareciam muito difíceis, além de apresentar um repertório distante do conhecimento da maioria. Seis dos alunos entrevistados ficaram sabendo da criação da Orquestra por intermédio de uma professora que divulgou nas escolas, os outros três ficaram sabendo por de seus cuidadores (pais, avós, tutores), por meio de seus colegas ou após o início das atividades, assistindo a alguma apresentação. Apenas uma participante disse conhecer e gostar de orquestras desde o início: "Quando eu via na televisão eu ficava: nossa que máximo, como que pode tanta perfeição tocando juntinho... e agora continua o mesmo, um pouquinho mais difícil do que vê na televisão, mas eu gosto..." (Ana). Os demais disseram que conheciam pouco ou nada e quando viam alguma orquestra na televisão, achavam algo de difícil acesso ou até mesmo chato e complicado, algo elitizado. É possível citar falas como: "A orquestra achava que era aquele negócio grande, que era meio complicado, era difícil de entrar na orquestra, era muito difícil achar instrumento. Mas aí depois que eu entrei assim, que eu formei amizade, parece que é uma coisa tão fácil, quem olha assim acha que é complicado, mas não é..." (Tereza) e "Eu achava que era uma coisa fechada... Pensei que não era tão grande assim que era uma coisa tipo dois, três alunos, coisa assim bem pouco mas quando eu vi entrei aqui, vi que tinha aula de música mesmo..." (Fred).
Após a introdução e o aprendizado dos respectivos instrumentos, a Orquestra tornou-se algo importante em suas vidas; puderam ter novas experiências e criar vínculos: "Descobrir novas músicas, descobrir... é… quem fez aquelas músicas, o que que tá relacionado com aquela música, o que que tá significando aquela música, qual sentido que ela traz..." (Fred). Todos afirmaram que as amizades auxiliaram muito nesse processo de imersão, e que hoje a orquestra é: "Bom, pra mim é família porque aqui é tipo uma segunda casa pra mim, porque eu venho, eles me ajuda e me apoia…" (Pedro) e
Um símbolo de união, porque tá todo mundo junto, se um toca errado ai a regente para pra começar tudo de novo, porque não adianta você tentar tocar na frente de todo mundo, correr na frente de todo mundo, porque não vai adiantar nada, porque você vai tá sabendo enquanto os outros que querem saber não vão conseguir… (Tereza).
Quando questionados sobre o que mudariam na orquestra, com exceção de uma entrevistada, todos disseram que gostariam que houvesse mais dias de atividades e maior duração, sendo identificada como uma opção de refúgio para seus problemas externos.
Ao serem questionados sobre o que diferenciava a Orquestra de outros grupos de que participavam, apontaram que o grande diferencial está relacionado ao tratamento que recebem dos professores e dos colegas. Segundo os participantes, há um ambiente no qual todos se respeitam; independentemente de suas particularidades, sentem-se acolhidos e pertencentes ao grupo. Em outros locais, disseram que não há tantos vínculos, como por exemplo, em grupos da escola e da igreja, mencionados como obrigação. Na orquestra, eles escolhem estar. Conforme uma das participantes "é essencial a sintonia entre eles para que a música feita por eles fique bonita" (Scheila).
Quando a música faz parte de um determinado grupo, isso já é um diferencial em relação a outros, uma vez que todos afirmaram ter uma relação de afeto muito grande por ela. Desde as letras, que afirmam ser motivadoras para a realização de alguma atividade ou na transmissão de uma mensagem relevante que os ajude na superação de momentos tristes, até as diferentes melodias, que os fazem esquecer dos problemas, acalmando e aliviando do estresse em dias cansativos. Para eles, a música é parte de suas vidas e, mesmo que no futuro não sigam a carreira musical, nunca a deixarão de lado. Por meio do repertório da Orquestra puderam conhecer a música erudita e, apesar de não a apreciarem no início, o convívio e o conhecimento mais aprofundado possibilitaram o gosto e o respeito por essa linha musical.
Relações e vínculos entre os envolvidos
As relações entre os alunos eram bem harmoniosas, apesar de alguns reclamarem que havia um pouco de conversa durante as atividades, atrapalhando o rendimento, sem, contudo, impedir o respeito mútuo, que foi sempre trabalhado. A maioria afirmou ter um bom relacionamento interpessoal com todos e que é importante conviver com pessoas diferentes. Para eles, aprender junto é algo muito positivo, um aprende com os outros; seja a partir de acertos ou de erros, com respeito, sempre há aprendizado.
Joly e Joly (2011) afirmam que os processos educativos decorrem durante o convívio nas diversas dinâmicas de ensaio e apresentações, incluindo o desenvolvimento da escuta, o partilhar de experiências e o aprendizado da flexibilidade social. As autoras apontaram que em uma orquestra na qual os coordenadores estão preocupados com o envolvimento e desenvolvimento dos jovens por meio da prática musical em conjunto e não somente na execução do repertório, o aprendizado ocorre justamente por intermédio do convívio. Silva (2010) e Rodrigues e Rosin (2011) contribuem com essas afirmações, apontando a importância da interação social para a motivação e para o aprendizado. O acolhimento no seio do grupo é bastante eficaz nesse processo.
A relação dos alunos com os professores também denota respeito, apesar de alguns novatos ainda não terem se adaptado às regras internas da Orquestra, sejam as explícitas, geradas pelo coconsciente do grupo, ou as implícitas, do seu coinconsciente, conceitos citados por Moreno (2006). Os mais antigos colaboram para que se adaptem, passam as regras a eles e sugerem possíveis ações aos professores. Eles afirmam aprender bastante com seus professores, mas que estes, às vezes, aparentam mau humor, tornando as aulas um pouco tensas. Uma das reclamações comuns foi a de que alguns professores, algumas vezes, dispensam mais atenção a uns do que a outros. Essa questão é constantemente trabalhada nas reuniões de planejamento das ações da Orquestra e, no período observado, já vinha apresentando melhorias. Os processos proximais citados por Bronfenbrenner (2011) surgem a partir dessas relações mútuas e assumem grande importância para o desenvolvimento.
Os vínculos desenvolvidos nos processos ocorridos durante as atividades da Orquestra são fortes e perceptíveis. Há uma relação fraternal entre professores e alunos. Uma das justificativas para essa condição que se estabelece, em alguns casos, é a carência de atenção e apoio em relação às famílias de alguns alunos, enquanto o grupo tem uma função de forte relevância como rede de apoio social e afetivo. A atenção dada pelos professores e a relação de respeito e amizade construída por eles fortalecem esses laços. Um dos desafios que surgem a partir desse tipo de vínculo é a dificuldade na aceitação da mudança de professores, ocorrendo ocasionalmente por se tratar de um projeto social que depende da disponibilidade de graduandos do curso de Música da universidade. Alguns residem em outras localidades e, em função de suas necessidades particulares, não conseguem se manter por muitos semestres no Programa. Uma das tentativas para amenizar essa transição tem sido a inclusão do próximo professor nas aulas finais do professor que está deixando o projeto, a fim de que haja uma imersão e a criação de vínculos, por meio do contato social e educativo.
Bronfenbrenner, McClelland, Wethington, Moen e Ceci (1996) apontaram para a importância de um terceiro responsável como colaborador no desenvolvimento humano, que podem ser docentes a partir do vínculo com os participantes, pois desempenham bem essa função. Essa afetividade e a importância da interação social foram defendidas ao longo da fundamentação teórica deste artigo com base em Moreno e Bronfenbrenner, e apoiadas pelos demais autores. Com os dados coletados foi possível confirmar a importância do grupo no desenvolvimento dos adolescentes participantes.
Desenvolvimento dos participantes
De acordo com os professores, alguns alunos se desenvolvem musicalmente mais rápido, enquanto outros demoram um pouco mais. Esse tempo próprio é respeitado, havendo uma constante busca no equilíbrio das atividades da Orquestra para que todos possam contribuir com a música ensaiando e tocando o que é de seu alcance. Por ter relação com os objetivos do Programa, apesar de não ser de objeto de interesse deste artigo, é importante notar como os educadores se referem ao desenvolvimento musical de cada participante. Para estes educadores, um dos pontos que ainda carece de desenvolvimento é a leitura musical dos alunos, para a qual se tem pensado em métodos pedagógicos que possam ser aplicados futuramente. O desenvolvimento sensório-motor dos alunos e a capacidade técnica instrumental têm mostrado resultados positivos e o desenvolvimento social, foco desta pesquisa, tem sido muito significativo.
Não são aplicados testes para avaliação do desenvolvimento musical dos alunos, mas é notável o progresso deles, principalmente enquanto grupo musical. As apresentações costumam superar as anteriores e, na medida em que os alunos estão mais sincronizados, o trabalho final torna-se ainda melhor. Esse é um dos fatores de desenvolvimento mais citado nas entrevistas: o convívio. Segundo eles, foi possível aprender a se relacionar com os outros, dividir responsabilidades, ajudar o outro e permitir ser ajudado, colocar-se em outro lugar e respeitar os colegas. Dessa forma, sentem-se mais aptos a ter um melhor relacionamento com as pessoas, inclusive fora da Orquestra. Com isso, tornaram-se mais calmos, superando, a cada experiência, o nervosismo durante a performance no palco, deixando-os mais confiante.
Esse desenvolvimento social tem reflexos no desenvolvimento da cidadania que é uma das propostas mais mencionadas pelos professores do núcleo de música. Uma das experiências que tem funcionado e tem colaborado para isso é a criação de cargos de monitoria voluntária, quando os próprios alunos assumem responsabilidades que incluem a organização da Orquestra e o auxílio aos professores, no que concerne ao aprendizado dos demais alunos. Os monitores trabalham com parte dos alunos, facilitando aos professores uma atenção maior aos que estão tendo mais dificuldades. Além disso, de acordo com uma das professoras, os alunos que ingressaram depois tiveram mais facilidade no aprendizado, pois já havia um núcleo mais desenvolvido, com a amizade funcionado como uma força motivadora, resultado de um amadurecimento da Orquestra.
Ao se questionar as professoras sobre as mudanças ocorridas nelas mesmas, uma delas afirmou que seu senso de responsabilidade melhorou e que aprendeu como direcionar melhor o ensino. Também entendeu melhor o funcionamento de um projeto social e compreendeu as necessidades dos alunos, sendo as pedagógicas ou as sociais. O contato com a cidade e o acolhimento dos pais e responsáveis dos alunos contribuíram para que elas pudessem ter um contato real com as pessoas que não são da universidade, tornando-as mais conscientes do seu potencial transformador e de sua importância enquanto educadoras. Assim, essa oportunidade possibilitou a elas um crescimento junto aos alunos, enriquecendo suas relações, tornando-as mais humanizadas e próximas da comunidade que funciona como uma rede de apoio para o professor, fazendo com que se sentissem parte dessa. Segundo Maria, isso dá um sentido maior para o seu trabalho e a oportunidade do reconhecimento de diferentes contextos muito a enriqueceu profissional e socialmente, comprovando que é possível a valorização da cidadania por meio do trabalho com música. Como citado por Brito e Koller (1999), para que haja um desenvolvimento adaptado dentro da sua cultura, a presença ou mesmo a ausência de vínculos e a possibilidade de desempenhar diferentes papeis ao longo da vida, é de grande importância, permitindo mais recursos para seu bem-estar e saúde mental.
Retomando Bronfenbrenner (1979; Bronfenbrenner & Crouter, 1983; Bronfenbrenner & Morris, 1998, 2006), na orquestra, as Pessoas centrais no processo de desenvolvimento levantado nesta pesquisa são os adolescentes atendidos pela Orquestra Jovem de Cordas. O Contexto principal é o microssistema que inclui a própria orquestra, a família e os outros grupos a que os adolescentes estão diretamente ligados. O mesosistema abrange as relações e influências mútuas entre as Pessoas envolvidas e o microssistema. Partindo para uma camada mais externa, tem-se dentro do exossistema a cidade onde eles convivem, bem como os locais onde fazem suas apresentações. No macrossistema, envolvendo de forma mais ampla todos os contextos, incluindo regras sociais e até mesmo o auxílio da equipe da UFSJ e do poder público, atinge-se um dos objetivos das atividades da Orquestra, que é o da promoção da cidadania através da música. Por fim, o Cronossistema abrange o Processo de desenvolvimento desses adolescentes ao longo do Tempo, desde sua inserção no grupo pesquisado. Tendo em vista essas informações e toda a discussão apresentada até o momento, é possível resumir e esquematizar o Biossistema observado por meio da Figura.
Possibilidades de intervenção com a Psicomúsica
O modelo de intervenção apresentado a seguir parte de atividades observadas, realizadas na orquestra e que podem ser adaptadas às propostas da Psicomúsica de Moreno (2006), servindo como auxiliares na superação dos obstáculos apontados pelo autor. A própria professora regente (Daiana) disse aos alunos que se tornariam atores durante uma atividade. Ela iniciou a fase de aquecimento da orquestra de uma forma não habitual, pedindo aos alunos que se levantassem de seus lugares, formando um círculo sem os instrumentos, o que se enquadra na proposta orgânica da Psicomúsica. Também, como mencionado por Joly e Joly (2011), esse momento se torna em uma prática pedagógica e social que permite a percepção e o conhecimento do outro, facilitando a construção da identidade grupal.
A professora instruiu os alunos para a realização de uma atividade nominada de "flecha", em que os alunos olham em direção aos colegas, um a um, dizendo seus próprios nomes e batendo palmas em direção a eles, como se lançassem uma flecha. O aluno que recebia a "flecha" passava para o próximo, respeitando esse esquema; assim todos gravavam os nomes daqueles com quem ainda não tinham intimidade. Dessa forma, terminavam a fase de aquecimento. Quando todos já haviam dito seus nomes, a professora regente solicitou à professora colaboradora que marcasse uma pulsação, tocando uma nota por segundo no violoncelo, enquanto os alunos realizavam a mesma atividade, só que, dessa vez, seguindo o andamento dado pelo instrumento, ou seja, lançavam a flecha a cada nota tocada. Essa dinâmica foi repetida em outros ensaios, sendo que, em outros momentos, os alunos deviam dizer o nome dos colegas. Todo o núcleo dessa atividade torna-se o processo de dramatização musical, em que poderia haver uma ênfase na expressão e na liberação de afetos através da "flecha" recebida e redirecionada, em seguida, ao outro e novamente, recebida de forma cíclica enquanto há um conteúdo musical sendo trabalhado (atenção, prontidão, andamento e expressividade). A conclusão da atividade se dá quando a professora regente pede aos alunos para retornarem aos seus lugares, explicando o que foi trabalhado durante essa oportunidade. Essa etapa poderia ser utilizada para o compartilhamento das emoções vivenciadas, permitindo aos alunos uma troca mútua do que puderam sentir. Também, pode objetivar uma espécie de esfriamento das emoções, permitindo trocas e aprendizagens recíprocas, facilitando a digestão do conteúdo experimentado.
Outra atividade, dessa vez apoiada na forma instrumental da Psicomúsica, foi baseada em uma dinâmica já utilizada durante os aquecimentos da Orquestra. O aquecimento foi feito com os instrumentos na posição correta para a execução, foram indicadas as notas a serem utilizadas e a forma como deveriam ser tocadas (duração da arcada utilizando o arco, ou pizzicato sem o arco), sendo dado o andamento para a execução. Na atividade realizada, a própria professora indicava um músico, bem como a melodia que seria executada com as notas preestabelecidas, e os demais deveriam acompanhá-lo. Essa atividade poderia ser adaptada para trabalhar a liderança espontânea (Moreno, 2006) e a capacidade de improvisação dos alunos, que Ribeiro (2014) aponta como uma das técnicas básicas do psicodrama musical. Para isso, seria mais fácil se os alunos estivessem em círculo, de forma que todos pudessem ser vistos uns pelos outros. Então, seria dado o andamento por meio de uma pulsação e combinados os compassos. Juntos, poderiam criar uma espécie de refrão, com as notas a serem tocadas já definidas e limitadas de acordo com o desenvolvimento dos instrumentistas, podendo começar com três sons, por exemplo. A cada quatro tempos (compasso quaternário), um aluno, espontaneamente, executava uma sequência musical com esses três sons, assumindo a liderança do grupo e em seguida, os demais tentariam imitá-lo. Transferindo essa liderança gradualmente e, após todos repetirem o líder, executavam a sequência melódica definida como refrão. Após todos conseguirem ter um momento de improviso, partir-se-ia para etapa do compartilhar, quando as experiências poderiam ser trocadas e os afetos trabalhados, desde o possível nervosismo e a insegurança, até o momento de assumir a liderança, sentindo a transferência musical ocorrendo ou não, durante o processo.
A improvisação influencia no desenvolvimento da criatividade, um dos eixos de interlocução entre os autores base desta pesquisa. Bronfenbrenner (1979) apontou a imaginação como forma de conexão entre os diferentes ambientes e importante no desenvolvimento da subjetividade. Moreno (2006) trouxe a criatividade como sendo inata ao ser humano e interligada à espontaneidade.
Esses foram dois exemplos práticos que se encaixam bastante nas atividades propostas durante os ensaios e que se enquadram numa proposta de Psicomúsica. Outras atividades podem ser pensadas e testadas a partir das informações levantadas nesta pesquisa. É possível notar o potencial de desenvolvimento de várias características individuais e grupais provenientes dessas atividades, sendo o desenvolvimento social fortalecido e bem enquadrado na própria proposta da Orquestra Jovem.
Considerações finais
A presente pesquisa buscou compreender a influência do trabalho musical no desenvolvimento de um grupo de adolescentes, baseando-se nas possibilidades de interlocução entre os campos de Música e Psicologia no trabalho com grupos musicais. A investigação possibilitou a averiguação de que há desenvolvimento dentro desses grupos que funcionam como rede de apoio social e afetivo para os adolescentes participantes e, até mesmo, para os demais envolvidos nesses processos. As entrevistas e observações permitiram a identificação e a ilustração de como os processos de interação culminam no desenvolvimento social dessas pessoas dentro do grupo e que esses processos são refletidos também em suas relações externas.
Baseados em Bronfenbrenner e Moreno, foi possível compreender que os contextos influenciam fortemente no desenvolvimento humano e que os processos vivenciados, influenciam o próprio ambiente, tendo efeito não apenas nos participantes, mas nas suas relações interpessoais. O grupo se apresenta enquanto espaço de proteção e as atividades como promotoras de resiliência, mesmo que dificuldades iniciais sejam identificadas.
Considera-se que a Psicomúsica possui campo de atuação e necessita de maior atenção no meio acadêmico para que possa ser mais aplicada e divulgada enquanto ferramenta terapêutica e para apoio à manutenção de grupos musicais. A proposta de Moreno pode orientar intervenções junto a grupos musicais de maneira a contribuir para o desenvolvimento da criatividade e da espontaneidade, em uma nova relação, para além da técnica, com o fazer musical. Espera-se que as discussões realizadas neste trabalho possam gerar frutos para a reflexão e possíveis melhorias nas práticas musicais em grupo e na utilização da música enquanto recurso terapêutico.
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Endereço para correspondência:
Gleidson Jordan dos Santos
gleidson-js@hotmail.com
Larissa Medeiros Marinho dos Santos
larissa@ufsj.edu.br
Submetido em: 11/11/2018
Revisto em: 28/04/2019
Aceito em: 31/05/2019
* A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de São João del-Rei (CEPES/UFSJ) através do Parecer Consubstanciado do CEP nº 1.599.988 - CAAE: 54565216.9.0000.5151.