73 2Construction and Validation of Social Anxiety Disorder Exposure and Evaluation Scale - SADEE 
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Arquivos Brasileiros de Psicologia

 ISSN 1809-5267

     

https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2021v73i2p.128-143 

ARTIGOS

 

Desenho da Figura Humana: proposta para versão de rastreio

 

Human Figure Drawing: proposal for a screening version

 

Dibujo de la Figura Humana: propuesta para una versión de rastreo

 

 

Fabián Javier Marín RuedaI; Fernanda OtoniII

IDocente. Universidade São Francisco (USF). Campinas. Estado de São Paulo. Brasil. Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Brasília. Distrito Federal. Brasil. http://orcid.org/0000-0001-5173-0802
IIDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade São Francisco (USF). Campinas. Estado de São Paulo. Brasil. https://orcid.org/0000-0002-9347-7144

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Desenho da Figura Humana é um instrumento que avalia a inteligência e está intimamente associado ao desempenho escolar. Critérios breves de correção possibilitariam prever possíveis dificuldades de aprendizagem ainda no início da escolarização. Assim, objetivou-se verificar se com um número pequeno de indicadores seria possível obter uma medida da inteligência. Para tanto, participaram 816 crianças com idade entre 6 e 10 anos (M = 8,30; DP = 1,40). O modelo Rasch permitiu a extração de 12 indicadores que mostraram ser capazes de predizer 87% do construto avaliado, e ainda mantiveram os níveis de dificuldade fácil, médio e difícil. Não foi encontrado funcionamento diferencial de item em razão do sexo e a versão de rastreio diferenciou o desempenho das crianças em função da idade. Os resultados foram positivos e apresentaram bons índices psicométricos. Espera-se que novos estudos busquem outras evidências de validade para esta versão de rastreio.

Palavras-chave: Desempenho Escolar; Habilidades Cognitivas; Psicologia Escolar; Psicometria.


ABSTRACT

The Human Figure Drawing is an instrument that assesses intelligence and is closely associated with school performance. Brief correction criteria would make it possible to predict possible learning difficulties even at the beginning of schooling. Thus, this study aimed to verify if with a small number of indicators, it would be possible to obtain a measure of intelligence. For that, 816 children aged between 6 and 10 years (M = 8.30, SD = 1.40) participated. The Rasch model allowed the extraction of 12 indicators that showed to be able to predict 87% of the evaluated construct, and still maintained the difficulty levels easy, medium and difficult. No item differential functioning was found because of gender and the screening version differentiated the performance of children according to age. The results were positive and presented good psychometric indexes. Further studies are expected to seek further evidence of validity for this screening version.

Keyworks: School Performance; Cognitive Abilities; School Psychology; Psychometry.


RESUMEN

El Dibujo de la Figura Humana es un instrumento que evalúa la inteligencia y está íntimamente asociado al desempeño escolar. Breves criterios de corrección permitirían predecir posibles dificultades de aprendizaje incluso al comienzo de la escolarización. Por lo tanto, el objetivo fue verificar si con un pequeño número de indicadores sería posible obtener una medida de inteligencia. Para este propósito, participaron 816 niños de 6 a 10 años (M = 8,30; DP = 1,40). El modelo Rasch permitió la extracción de 12 indicadores que demostraron ser capaces de predecir el 87% del constructo evaluado, y aún mantuvieron los niveles de dificultad fácil, medio y difícil. No se encontró un funcionamiento diferencial del ítem en razón del sexo y la versión de rastreo diferenciaba el rendimiento de los niños según la edad. Los resultados fueron positivos y mostraron buenos índices psicométricos. Se espera que otros estudios busquen más evidencias de validez para esta versión de rastreo.

Palabras clave: Desempeño Escolar; Habilidades Cognitivas; Psicología Escolar; Psicometría.


 

 

As dificuldades de aprendizagem têm sido cada vez mais recorrentes em crianças pré-escolares (Sprada, & Garghetti, 2016). Vagostello, Albuquerque, Queiroz, Lopes e Silva (2017) sugerem que alguns aspectos do baixo desempenho escolar têm sido relacionados as funções cognitivas, pois a aquisição de novos conhecimentos requer a capacidade de reconhecer, integrar e processar as informações que serão dirigidas a uma ação ou resposta. Estas habilidades estão associadas à atenção, à memória, à percepção visual, à maturidade perceptomotora, entre outras (Oliveira et al., 2016; Oliveira, & Wechsler, 2016; Sprada, & Garghetti, 2016). Sendo assim, avaliar estas funções cognitivas ainda no início da escolarização poderia beneficiar tanto a escola quanto o aluno, pois intervenções realizadas neste período poderiam diminuir a possibilidade de dificuldades de aprendizagem (Oliveira et al., 2016; Oliveira, & Wechsler, 2016; Sprada, & Garghetti, 2016).

Devido a seu baixo custo, rápida aplicação e fácil acessibilidade na avaliação psicológica clínica e escolar/educacional, o Desenho da Figura Humana (DFH) é um teste de grande relevância neste contexto (Clarke, McAneney, Chan, & Maguire, 2018; Comparini, Wechsler, & Machado, 2017; Lilienfeld, Lynn, & Lohr, 2015). Esse teste tem sido um dos cinco instrumentos mais utilizados no Brasil para a avaliação da inteligência (Alves, Rosa, Silva, & Sardinha, 2016; Suehiro, Benfica, & Cardim, 2016). Além de estar associado ao processo de aprendizagem, a tarefa realizada pelo DFH, reproduzir o desenho de uma pessoa humana com o máximo de detalhes possíveis, permite compreender e avaliar o repertório conceitual infantil (Sisto, 2005). Nesta perspectiva, o repertório conceitual seria um indicador confiável de inteligência, pois está intimamente relacionado à capacidade de associação, abstração, orientação espacial, memória de detalhes, integração visomotora, planejamento, entre outras (Carreras, Uriel, & Fernández Liporace, 2013; Flores-Mendoza, Mansur-Alves, Abad, & Lelé, 2010; Silva, Oliveira, & Ciasca, 2017).

A percursora na criação de um método sistemático para avaliar o desempenho por meio da reprodução de desenhos da figura humana foi a psicóloga Goodenough (1926). A autora percebeu que o ato de desenhar também permite esboçar parte do repertório conceitual, pois crianças com uma idade maior apresentavam tendência em reproduzir desenhos com melhor qualidade. Sendo assim, o DFH apresenta resultados mais eficientes para avaliar o desenvolvimento intelectual de crianças entre os cinco e os 10 anos de idade. Por analisar a uniformidade da vestimenta masculina, Goodenough passou a chamar seu sistema de correção de Desenhe um Homem. A escala de correção foi feita com base nos desenhos de 900 crianças matriculadas entre a primeira e a quarta série, sendo composta por um total de 51 elementos. A pontuação era feita por meio da ausência ou presença de indicadores reproduzidos, como por exemplo, olhos, boca, nariz, braços e pernas, pescoço, cabelos, entre outros (Goodenough, 1926).

A literatura não apresenta estudos que se contraponham aos critérios de avaliação e correção de Goodenough. Quase um século depois, alguns achados indicam que o instrumento se mantém capaz de avaliar a inteligência e também considera o aspecto desenvolvimental do repertório intelectual (Araújo, & Fernandes, 2015; Bandeira, Costa, & Arteche, 2012; Picard, 2015). Entretanto, por entender que o desenho de uma pessoa humana permite diferentes interpretações outros métodos de aplicação e correção para o DFH foram desenvolvidos (Arteche, & Bandeira, 2006). Assim, o DFH tem sido utilizado como uma medida para avaliação da inteligência (Harris, 1963; Koppitz, 1984; Sisto, 2005; Wechsler, 2003), de aspectos emocionais (Koppitz, 1968; Naglieri, 1988), ou como uma técnica projetiva capaz de indicar aspectos da personalidade (Machover, 1949).

Em relação aos sistemas que o utilizam para a avaliação da inteligência, Harris (1963) teve o objetivo de ampliar a precisão do instrumento e a validade da escala. Entretanto, o autor não só aumentou o número de indicadores propostos para a correção, como também acrescentou mais dois outros desenhos a serem reproduzidos, o desenho de uma figura feminina e um autodesenho. Este sistema ficou conhecido como Goodenough-Harris, no qual houve acréscimo dos critérios para a figura masculina passando para 73 indicadores, enquanto a figura feminina e o terceiro desenho foi composto por 71 indicadores a serem analisados. Por conseguinte, o método de Koppitz (1984), destaca-se por ser o primeiro a considerar os níveis de dificuldade das características expressas no desenho em razão do sexo e da idade. A partir disso, a autora manteve 15 indicadores originais da escala de Goodenough e criou mais 15, classificando-os em esperados, comuns, bastante comuns e excepcionais, esses últimos se referem aos detalhes mais complexos, como por exemplo, pés bidimensionais e fossas nasais.

No sistema de Wechsler (2003), a autora solicita a reprodução do desenho de uma figura humana masculina e outra feminina. Para a figura masculina são considerados 58 indicadores para correção e 53 para a feminina. Todos esses métodos de aplicação e correção do DFH já mencionados compreendiam que mesmo solicitando a reprodução do desenho de um homem, algumas crianças ainda reproduziam a figura de uma mulher. Esse fato não estaria associado à falta de inteligência ou capacidade de receber a informação, mas sim à questão de identificação com o próprio sexo, desse modo, a solução encontrada foi solicitar uma ou duas figuras a mais (Bandeira, & Arteche, 2006).

Sisto (2005), por sua vez, baseou-se nos pressupostos de Goodenough e propôs o DFH - Escala Sisto, solicitando a reprodução de apenas uma figura humana, no qual recorre-se a 30 indicadores para atribuir a pontuação total da criança. Por meio da análise diferencial do item (DIF), Sisto observou que as meninas tinham mais facilidade em endossar alguns indicadores do que os meninos, a partir disso criou duas tabelas de correção para cada um dos sexos. O autor ainda utilizou o modelo Rasch para determinar o nível de dificuldade de uma criança representar ou não alguns dos indicadores avaliados. Considerou os aspectos do desenvolvimento intelectual, e ainda, por meio do parâmetro de dificuldade dos indicadores pelo modelo Rasch, dividiu-os em nível fácil, médio e difícil, sugerindo que conforme se desenvolve maior é a tendência das crianças adicionarem detalhes mais complexos no DFH, como por exemplo, olhos e bocas em duas dimensões, queixo e orelhas.

Estudos empíricos realizados com este método de correção indicaram que o DFH - Escala Sisto é um instrumento capaz de diferenciar o desempenho das crianças em razão da idade (6 a 10 anos) e da escolaridade (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I) (Bartholomeu, Cecato, Montiel, Machado, & Sisto, 2012; Noronha, Santos, & Rueda, 2013; Silva et al., 2017). A partir dos resultados, os autores verificaram que, conforme aumentava tanto a idade quanto a escolaridade, melhor era a qualidade dos desenhos reproduzidos. Bartholomeu et al. (2012) e Noronha et al. (2013) ainda encontraram correlações significativas e de magnitude moderada (r = 0,49 à r = 0,60) entre o DFH - Escala Sisto e o teste de Bender - Sistema de Pontuação Gradual, instrumento que avalia a maturidade perceptomotora e também relacionado ao processo de aprendizagem. Silva et al. (2017), por sua vez, aplicaram o DFH - Escala Sisto em 26 crianças matriculadas entre o 2º e 3º ano do Ensino Fundamental I e verificaram que o grupo que apresentava dificuldades de aprendizagem teve uma pontuação menor daqueles sem queixa escolar. A análise do d de Cohen indicou que essa diferença de desempenho entre os grupos apresentou magnitude elevada (d = 1,37), sugerindo que o repertório conceitual mais amplo tende a favorecer o desempenho escolar.

Ao considerar que a tarefa de reproduzir o desenho de uma figura humana está associada a diversas habilidades cognitivas e que é capaz de predizer possíveis dificuldades, o objetivo deste estudo foi propor uma versão de rastreio para o DFH com critérios de correção reduzidos. O intuito é que com critérios breves de aplicação e correção, e que mantenha os níveis de dificuldade dos indicadores, o instrumento ainda seja uma medida confiável da inteligência. Para tanto optou-se pelo DFH - Escala Sisto, pois além de solicitar a reprodução de apenas um desenho, considerou o nível de dificuldade dos 30 indicadores de correção apresentados. Apesar de este método apresentar um menor número de elementos para a atribuição da pontuação, seus indicadores são um tanto quanto complexos e tendem a demandar maior tempo de correção. Neste contexto, uma versão de rastreio, com critérios de correção reduzidos poderia favorecer e facilitar nas avaliações coletivas, principalmente no contexto escolar/educacional, onde o grande volume de alunos e a correção de muitos indicadores demandam um tempo que esse ambiente não dispõe.

Deste modo, o rápido levantamento de dados poderia fornecer uma estimativa da inteligência que a criança apresenta naquele momento. Caso o desempenho seja abaixo do esperado para a idade, a identificação de dificuldades de aprendizagem ainda no início da escolarização possibilita a criação de estratégias de intervenção que minimizem possíveis comprometimentos intelectuais. Além disso, é importante ressaltar que essa versão com critérios de correção reduzidos não tem o propósito de extinguir a correção com 30 indicadores de Sisto. Em casos graves e que se suspeite de comprometimento intelectual, a criança deve ser encaminhada para um processo de avaliação individual.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 816 crianças, com idade entre 6 e 10 anos (M = 8,30; DP = 1,40) provenientes de três estados brasileiros, sendo 39,6% (n = 323) de São Paulo, 37,0% (n = 302) de Minas Gerais e 23,4% (n = 191) do Piauí. Destas, 425 (52,1%) eram meninas e 391 (47,9%) meninos. Todos os alunos eram de escola pública e estavam matriculados entre o primeiro e o quinto ano do Ensino Fundamental I. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos alunos considerando a idade em que cada um dos participantes estava matriculado.

Instrumento

Desenho da Figura Humana - Escala Sisto (Sisto, 2005)

O DFH é um instrumento psicológico utilizado na prática clínica e escolar para avaliar a capacidade intelectual. Sisto (2005) propôs um sistema de correção especificamente para avaliar crianças brasileiras. Os procedimentos de aplicação e instrução do teste são simples, pois disponibiliza-se apenas uma folha de papel sulfite, um lápis preto e pede-se que a criança faça o desenho de uma figura humana com o maior número de detalhes possíveis. Não há um limite de tempo para a aplicação, no entanto, as crianças tendem a levar 15 minutos na reprodução da figura. O autor sugere que o desenho seja corrigido apenas se tiver a presença da cabeça, dos braços e das pernas, uma vez que atenda esse critério, serão observados 30 indicadores que seguem um padrão de dificuldade (ver Tabela 2). Para a correção atribui-se um ponto à presença de cada um desses indicador e zero para a ausência, o escore geral é obtido pela soma total dos indicadores. A pontuação máxima que uma criança pode obter nesse teste é 30 pontos, sendo assim, quanto mais detalhes são inclusos no desenho melhor é a capacidade intelectual.

Procedimentos

Após a aprovação das escolas o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 73102617.1.0000.5514). Posteriormente, agendou-se com as professoras um horário para a entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos alunos para que os pais autorizassem a participação na pesquisa. Com o TCLE em mãos, a coleta de dados foi acompanhada pelas professoras e mais duas psicólogas. Inicialmente estabeleceu-se um rapport com as crianças, objetivando fazê-las se sentirem menos ansiosas a reproduzir o desenho da melhor forma possível. Todas receberam um lápis grafite preto e uma folha sulfite, na qual pedia-se que escrevessem o nome, a idade e o ano escolar. O teste foi administrado coletivamente em uma única aplicação, de aproximadamente 20 minutos, as salas de aula contavam com aproximadamente 20 crianças.

Análise de dados

Por meio do programa Winsteps, a escala original de Sisto foi analisada pelo modelo Rasch. Inicialmente objetivou-se verificar o parâmetro de dificuldade dos indicadores e das pessoas, posteriormente foram verificados os níveis de dificuldade dos indicadores considerando-os em níveis fácil, médio e difícil, conforme proposto por Sisto (2005). Para selecionar aqueles com maior dificuldade de acerto do indicador, analisou-se os valores de medida e os ajustes do Infit e Outfit, que, segundo Linacre (2014), os valores aceitáveis estão no intervalo entre 0,5 e 1,5. Também foi feita uma análise diferencial do item (DIF), que permite verificar se o item funciona de forma distinta em função de algum aspecto. Nesse estudo, foi observado se existe um funcionamento diferencial dos indicadores em razão do sexo. O DIF foi avaliado por meio do teste de Welch, empregado para itens dicotômicos (Bond, & Fox, 2015), para tanto considerou-se o valor do DIF contraste, que é uma medida direta da diferença entre os valores do parâmetro de dificuldade do item em cada grupo. Foram consideradas diferenças salientes aquelas maiores do que 0,64 (Linacre, 2011).

Por meio do software R e pelo pacote GPArotation (Bernaards, & Jennrich, 2015), verificou-se os valores do coeficiente alfa de Cronbach e de ômega para o grupo de indicadores propostos tanto para a versão de rastreio quanto para a versão original do DFH - Escala Sisto. Optou-se por analisar os dois índices de confiabilidade, pois o número de indicadores reduzidos e a proporção de variância do teste poderiam influenciar no valor do alfa de Cronbach (Dunn, Baguley, & Brunsden, 2013).

Também utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences v. 21 (SPSS), além das análises descritivas da média dos participantes na escala original do DFH - Escala Sisto, os indicadores foram submetidos à análise de regressão, método enter, para verificar o quanto este conjunto de indicadores (variável independente) poderiam predizer o escore total do DFH (variável dependente). Com o conjunto dos indicadores que comporiam a versão de rastreio do DFH, realizou-se uma análise de variância (ANOVA) para verificar se o desempenho das crianças em função da idade era diferenciado. A prova de post hoc por método de Games-Howell permitiu observar o agrupamento formado pelas idades (Sauder, & DeMars, 2019). Por fim, o teste t de Student foi realizado para verificar se havia diferença significativa no desempenho entre meninas e meninos.

 

Resultados

Inicialmente foram realizadas as estatísticas descritivas em relação ao DFH - Escala Sisto, cuja pontuação mínima é de zero pontos e a máxima de 30. Verificou-se que a média da amostra foi de 12,90 (DP = 6,28), sendo que 16 crianças fizeram um ponto e apenas uma conseguiu obter o máximo de pontos. Os resultados indicam que mais de 50% das crianças (n = 506) conseguiram inserir pelo menos 15 indicadores na reprodução do DFH, o que sugere que o desempenho da amostra está de acordo com o esperado para as idades avaliadas. A pontuação mais frequente foi com acerto de 16 indicadores, totalizando 6,3% da amostra. Observou-se que os indicadores com menor número de acertos foi o polegar, o queixo e as orelhas, apenas uma criança adicionou esses elementos ao desenho. Os indicadores com maiores índices de acertos foram os braços (n = 51; 6,3%), os olhos (n = 50; 6,1%) e as pernas e braços na posição (n = 48; 5,9%).

Primeiramente, buscou-se verificar se os 30 indicadores da Escala - Sisto eram unidimensionais. Os resultados apresentaram variância do primeiro contraste menor que 2, indicando uma única dimensão do instrumento (Linacre, 2014), assim, os parâmetros de dificuldades dos indicadores e das pessoas foram analisados pelo modelo Rasch. Os resultados podem ser observados na Tabela 2.

De acordo com a Tabela 2 pode-se verificar que todos os indicadores se apresentaram adequados ao modelo, pois os índices de ajuste (Infit e Outfit) estão dentro intervalo do esperado 0,5 e 1,5. Segundo Bond e Fox (2015), o Infit é um índice que se refere às discordâncias de respostas que acontecem próximo ao nível do traço latente do sujeito, enquanto o Outfit tem como função indicar a discrepância entre a dificuldade das pessoas e dos itens, isso acontece quando pessoas com um nível alto de habilidade não pontuam em um indicador de pouca dificuldade. Em relação aos parâmetros de dificuldade, Nakano, Primi e Nunes (2015) sugerem que a variação dos valores oscila entre 0 e 3, sendo que quanto maior, melhor é a capacidade do indicador discriminar a habilidade do sujeito.

Nessa perspectiva, pode-se observar que os indicadores de nível fácil apresentaram uma tendência em valores negativos. Sendo assim, para compor a versão de rastreio do DFH, escolheu-se aqueles indicadores com valor mais próximo de 0, selecionando o indicador que tinha valor positivo (pés) e aqueles com o menor valor negativo (pescoço, tronco, duas ou três peças de vestir e pernas). Para os indicadores de nível médio de dificuldade foram escolhidos os de maior valor (cabelos, dedos, olhos e braço/cotovelo/ombro), por fim, para os indicadores do nível difícil, observou-se que dois deles apresentaram o mesmo valor (2,60; traços fisionômicos e boca/nariz), no entanto, o fato dos traços fisionômicos ser pontuado quando a criança desenha os olhos, boca e nariz na mesma proporção, optou-se por excluí-lo e incluir na versão de rastreio apenas os indicadores 26, 29 e 30 (boca/nariz, queixo e orelhas), pois os olhos já serão pontuados no nível médio. Deste modo, a versão de rastreio do DFH foi composta por 12 indicadores, após verificar a unidimensionalidade da escala foi feita uma nova análise do modelo Rasch para verificar se os índices ainda se manteriam dentro do intervalo esperado (Tabela 3).

Os resultados apresentados na Tabela 3 indicaram que os valores Infit variaram de 0,83 a 1,17, enquanto o Outfit foi de 0,69 a 1,47; todos indicaram estar ajustados dentro do modelo. Também pode-se observar que os valores de medida mantêm o parâmetro de dificuldade dos indicadores selecionados de acordo o nível proposto. Além disso, ao construir a escala do DFH com 30 indicadores, Sisto (2005) sugeriu que fossem mantidos apenas aqueles que apresentassem correlação item-theta acima de r = 0,20. Para o autor quanto maior o valor da correlação, mais o indicador contribui para diferenciar a idade dos participantes, já que se trata de um instrumento que apresenta um caráter desenvolvimental. O fato de a versão de rastreio ter apresentado correlações item-theta acima de r = 0,32 sugere que os indicadores escolhidos apresentam bons pressupostos para avaliar o desempenho das crianças em razão da idade. Na Figura 1 é apresentado o mapa de itens, indicando a distribuição do nível de traço latente das crianças, além da dificuldade dos indicadores.

Referente ao mapa da Figura 1, observa-se que a maior parte das crianças se agruparam entre os indicadores 6 ao 18 na medida em que a distribuição de indicadores teve maior concentração no ponto médio da escala (M = 0). Ao analisar a distribuição dos indicadores na escala theta, verifica-se que muitas crianças apresentaram um nível de theta mais baixo de habilidade para reproduzir os indicadores mais difíceis da versão de rastreio (indicadores 19, 30, 29 e 26). Observa-se, ainda, que na média as crianças tiveram maior facilidade em acertar os indicadores com níveis de dificuldade fácil e médio.

Após a escolha dos 12 indicadores, foram calculados os valores de consistência interna por meio do coeficiente alfa de Cronbach e do ômega, cujos resultados foram 0,75 (α) e 0,78 (ω). Ao considerar a versão de 30 indicadores da Escala Sisto, o valor do alfa de Cronbach foi 0,88 e para o ômega 0,90. Os valores para ambas as versões do DFH foram considerados aceitáveis, sugerindo boa confiabilidade das duas escalas (Dunn et al., 2013; Streiner, 2003). Posteriormente, buscou-se verificar o valor preditivo dos 12 indicadores selecionados pelo modelo Rasch e realizou-se uma análise de regressão utilizando-os como variáveis independentes e a pontuação total do DFH - Escala Sisto (30 indicadores) como variável dependente. Os coeficientes desta análise podem ser observados na Tabela 4.

Os resultados demonstraram que a versão de rastreio do Desenho da Figura Humana prediz 87% (R2 ajustado = 0,874) da variância do escore total do instrumento. Além disso, todos os indicadores foram estatisticamente significativos na predição total do DFH - Escala Sisto. Em seguida, analisou-se o funcionamento diferencial dos indicadores (DIF) da versão de rastreio do DFH para meninas e meninos (Tabela 5).

Na análise de DIF para a atribuição de significância estatística utilizou-se o valor de contraste superior a 0,64 como referência (Linacre, 2011). Os resultados mostraram que os indicadores desta versão não favorecem nenhum dos sexos, como exemplo, observa-se que aqueles com maior nível de dificuldade para as meninas também o é para os meninos. Ainda, os valores de t e p da Tabela 5 não apresentaram diferenças significativas em relação a média dos grupos para responder cada indicador. A análise do teste t de Student confirmou que, quando considerado o escore total da versão de rastreio (12 indicadores), também não são encontradas diferenças estatisticamente significativas em razão do sexo (t = - 0,80; p = 0,423). Além disso, as médias de desempenho das meninas (M = 4,06; DP = 2,47) foram próximas as dos meninos (M = 4,20; DP = 2,61).

Finalmente, buscou-se verificar se os indicadores desta versão de rastreio iriam manter o caráter evolutivo do teste e diferenciar o desempenho em razão da idade. A análise de variância indicou diferenças estatisticamente significativa entre e dentre os grupos [F 1165, 3981) = 59,20, p < 0,000]. Os grupos que se diferenciaram são apresentados na Tabela 6.

De acordo com a prova de Games-Howell apenas os grupos de crianças com idades entre seis e sete anos não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre si. Para o restante das idades, a versão de rastreio do DFH demonstrou ser um instrumento capaz de manter o caráter evolutivo do repertório conceitual infantil uma vez que as diferenças de médias foram significativas. De modo geral, observa-se que, conforme a idade aumentou, maior foi a pontuação média das crianças.

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi verificar se com um número reduzido de indicadores para a correção do DFH seria possível obter uma medida capaz de avaliar a inteligência de crianças. Os resultados encontrados indicaram que a versão de rastreio do DFH apresentou propriedades psicométricas adequadas e permite a avaliação do repertório conceitual de crianças. O modelo Rasch permitiu verificar a unidimensionalidade da escala e extração de 12 indicadores que não apresentou funcionamento DIF. Além dos bons índices de consistência interna, a versão de rastreio possibilitou manter os níveis de dificuldade fácil, médio e difícil e se mostrou capaz de diferenciar o desempenho das crianças em função da idade.

Desde que foi utilizado como um método sistemático de avaliação da inteligência, diversos pesquisadores desenvolveram diferentes propostas de aplicação, correção e interpretação para o Desenho da Figura Humana (Goodenough, 1926; Harris, 1963; Koppitz, 1968; Sisto, 2005; Wechsler, 2003). Sisto (2005) propôs seus critérios de correção a partir do modelo Rasch, compreendendo que, ao representar um desenho humano, a criança tende a manifestar alguma quantidade de certa habilidade. Sendo assim, o autor identificou três níveis de dificuldade para sua escala, acreditando que as pessoas podem ter maior ou menor possibilidade de endossar um indicador dependendo da sua capacidade. Os parâmetros de dificuldade dos indicadores e os bons ajustes de Infit e Outfit (Linacre, 2014) permitiram que a versão de rastreio também mantivesse os níveis de dificuldade dos indicadores, selecionando apenas aqueles com maior potencial para medir a habilidade da criança no construto (Nakano et al., 2015). A unidimensionalidade da versão de rastreio do DFH possibilita inferir que as respostas das crianças para todos os indicadores dependem do mesmo traço latente, ou seja, da mesma habilidade (Sisto, 2005).

A disposição dos indicadores da versão de rastreio do DFH no modelo Rasch forneceu uma sequência hierárquica de acordo com os níveis de dificuldade, agrupando-os em um mesmo nível (Bond, & Fox, 2015). Na análise de itens pode-se observar que o nível de habilidades das crianças permaneceu constante por todo o instrumento. Os indicadores de nível fácil foram compostos por aqueles relativos a membros do corpo humano (pescoço, tronco, pernas e pés) e vestimenta (duas ou três peças de vestir). Enquanto os indicadores caracterizados como nível médio de dificuldade elencaram a reprodução dos cabelos, dedos, olhos e braço/cotovelo/ombro. Os indicadores de nível mais difícil, por sua vez, foram compostos pela reprodução de deles mais complexos do rosto humano, como boca e nariz desenhados em duas dimensões, queixo e orelhas proporcionais ao tamanho do rosto. As análises descritivas da amostra do presente estudo demonstraram que o queixo e as orelhas foram de fato um dos detalhes mais difíceis de serem reproduzidos.

Em relação à verificação da confiabilidade, observou-se que o coeficiente alfa para os 12 critérios de correção do DFH foi de 0,75. Esse valor foi considerado satisfatório, já que o coeficiente alfa da escala total foi de 0,88. De acordo com Sijtsma (2009), o valor de alfa é afetado pelo número de indicadores que compõem uma escala, isso justifica a diferença de valores dos coeficientes de uma proposta de correção para outra, uma vez que foram diminuídos 18 critérios de correção. A análise de regressão demonstrou que esses indicadores predizem 87% do repertório conceitual das crianças. Isso evidencia ainda mais a capacidade desta versão de rastreio, que, apesar de compor apenas 12 indicadores, mostrou um valor muito satisfatório para medir o construto avaliado.

Sendo o DFH um instrumento utilizado para avaliar a inteligência, isso faz com que esta técnica esteja relacionada a diversas habilidades cognitivas que podem contribuir para a aquisição de novos conhecimentos e para o desempenho escolar (Carreras et al., 2013; Flores-Mendoza et al., 2010; Silva et al., 2017). O fato de o DFH ser um instrumento que demanda a reprodução de um desenho, faz com que as crianças insiram a quantidade de detalhes como quiserem. Deste modo, não existe o erro, apenas a realização completa ou não desses detalhes, por meio da qual pontua-se a ausência ou presença destes. Para Sisto (2005) o DFH se difere de outros instrumentos no qual espera-se que se manifestam em razão de uma realidade colocada a priori, pois nele a realidade é construída pela própria criança.

Goodenough (1926) e Sisto (2005) afirmam que, com o passar do tempo, a capacidade de percepção e diferenciação dos estímulos tende a melhorar conforme a criança se desenvolve. Estudos atuais ainda comprovam que o DFH é capaz de diferenciar o desempenho em razão da idade (Clarke et al., 2018; Comparini et al., 2017; Lilienfeld et al., 2015; Olatunya et al., 2017). Os achados deste estudo corroboram a afirmação destes autores, ao verificar que o conjunto de 12 indicadores também apresentam a mesma função, sugerindo sua utilização na prática clínica e escolar/educacional. Outro ponto favorável a essa versão de rastreio do DFH foi o fato de os indicadores não apresentarem um funcionamento diferencial do item que favoreça meninas ou meninos. Esses achados se opõem aos sistemas de correção de Koppitz (1968), Sisto (2005) e Wechsler (2003) que encontravam diferenças de endosso nos indicadores em razão do sexo e apresentam duas tabelas de correção. Deste modo, a versão de rastreio sugere que apenas uma tabela para a inferência do desempenho da criança é o suficiente, facilitando ainda mais sua correção.

Por fim, considera-se que esta versão com apenas 12 indicadores de correção tende a contribuir com avaliações coletivas e com grande volume de crianças, tanto no contexto escolar/educacional quando na clínica. A identificação de possíveis dificuldades ainda no início de escolarização permite que estratégias de intervenção pedagógicas sejam realizadas, minimizando possíveis comprometimentos intelectuais. Visto que, como o próprio nome já diz, os 12 indicadores são apenas um rastreio sobre a inteligência. Assim, nos casos em que a criança apresenta baixo desempenho no teste, é sugerido uma correção que abarque os 30 indicadores de Sisto (2005), além de uma ampla avaliação que forneça dados sobre o funcionamento cognitivo.

Como limitações desse estudo, aponta-se o fato de os 12 indicadores de correção desta versão de rastreio não terem sido testados em diferentes amostras, podendo comprovar se continuariam corroborando os achados nesta pesquisa. Além disso, essa nova proposta não foi correlacionada com instrumentos que avaliam o desempenho escolar. Sendo assim, sugere-se que novas pesquisas busquem por evidências de validade de critério preditiva, como, por exemplo, o desempenho e o rendimento escolar. E evidências de validade em medidas que avaliam construtos relacionados como: maturidade perceptomotora, atenção, funções executivas, entre outras. Pesquisas deste cunho podem contribuir tanto para a utilização prática e científica do instrumento quanto para se obter bons índices psicométricos.

 

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Endereço para correspondência:
Fabián Javier Marín Rueda
marinfabian@gmail.com

Fernanda Otoni
fer_ottoni@hotmail.com

Submetido em: 01/07/2019
Revisto em: 09/01/2020
Aceito em: 20/03/2020

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