Pesquisas e Práticas Psicossociais
ISSN 1809-8908
ARTIGOS
Mediação familiar: possibilitando diálogos acerca da guarda compartilhada
Family mediation: enabling dialogues about shared custody
La Mediación familiar: posibilitando el diálogo acera de la custodia compartida
Amanda Pansard Alves; Sabrina Daiana Cúnico; Dorian Mônica Arpini; Ana Cláudia Smaniotto; Maria Ester Toaldo Bopp
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
RESUMO
Este artigo se propõe a expor uma experiência que resulta de um projeto de extensão realizado em um Núcleo de Assistência Judiciária de uma instituição pública de ensino superior. Tal projeto tem por objetivo atuar em conflitos de família por intermédio da prática da mediação familiar. A fim de ilustrar essa vivência, apresentar-se-á uma situação na qual se estabeleceu a guarda compartilhada a partir da mediação. Os resultados evidenciaram a importância da mediação em casos que envolvem conflitos familiares, por possibilitar o diálogo para a construção de uma solução. Além disso, constatou-se a importância da prática interdisciplinar nos processos de separação, esclarecendo os pais sobre a relevância da manutenção dos vínculos parentais pós-dissolução, o que foi possibilitado pelo reconhecimento e estabelecimento da guarda compartilhada.
Palavras-chave: separação conjugal; custódia da criança; psicologia jurídica.
ABSTRACT
This article reports an experience resulting from an extension project, carried out in a Legal Aid Center of a higher education public institution. This project aims to work in family disputes using family mediation. This experience is illustrated by a situation in which the shared custody was established through mediation. Results demonstrated the importance of mediation in cases involving family conflicts, by enabling the use of dialogues in the construction of a solution. In addition to that, the importance of interdisciplinary practice in separation processes was verified, clarifying parents about the importance of maintaining the parental bonds after the dissolution, which was made possible through the recognition and establishment of the shared custody.
Keywords: marital separation; child custody; forensic psychology.
RESUMEN
Este artículo se propone a una experiencia que resulta de un proyecto de extensión realizado en un Núcleo de Asistencia Jurídica de una institución de educación superior pública. Tal proyecto tiene por objetivo actuar en conflictos familiares a través de la práctica de la mediación familiar. Con el fin de ilustrar esta experiencia, será presentada una situación en la que la custodia compartida se establece a partir de la mediación. Los resultados mostraron la importancia de la mediación en los casos de conflictos familiares, al permitir el diálogo para construir una solución. Además de eso, se hizo evidente la importancia de la práctica interdisciplinaria en procesos de separación, aclarando los padres sobre la importancia de mantener los lazos parentales después de la disolución, que fue posible gracias al reconocimiento y establecimiento de la custodia compartida.
Palabras clave: separacion conyugal; custodia del nino; psicologia forense.
A legitimação do divórcio1 no Brasil ocorreu somente em 19772 sendo que, até essa data, não era juridicamente possível a dissolução matrimonial e, consequentemente, postular um novo casamento. Com efeito, o divórcio trouxe mudanças importantes para o cenário das relações familiares, alterando uma percepção que durante muito tempo suscitou resistências, por considerar que o divórcio levaria à dissolução da concepção de família como união indissolúvel (Roudinesco, 2003). Assim, embora separações e recasamentos ocorressem mesmo antes da regulamentação pela via da lei, essas relações não tinham reconhecimento social, sendo esses temas evitados no meio social e familiar (Cano, Gabarra, Moré & Crepaldi, 2009; Pereira, 2011).
A tomada de decisão pelo divórcio, de maneira geral, acontece após várias tentativas de acomodação e resolução de conflitos por parte do casal, sendo ela a última medida tomada por aqueles que sentem não ter conseguido ultrapassar suas dificuldades. Porém, é importante pontuar que a dissolução conjugal, levada a termo pelo divórcio, é vivenciada como uma situação dolorosa e estressante, que acarreta sentimentos de perda, fracasso e impotência no ex-casal. Além disso, nos casos em que o casal tem filhos, o divórcio pode acarretar sentimentos de raiva, tristeza, medo ou culpa nos filhos, sendo, por vezes, necessário oferecer um suporte à família nesse momento. Tal apoio pode se fazer necessário no sentido de esclarecer aos pais que a dissolução conjugal não deve implicar em afastamento de nenhum dos genitores, sendo esperado que a dupla parental consiga manter as relações de parentalidade, cuidando, protegendo e provendo as necessidades materiais e afetivas da prole (Corso & Corso, 2011; Schabbel, 2005).
A responsabilização parental pode ser claramente visualizada em diversos dispositivos do Código Civil Brasileiro de 2002, tais como o artigo 1.579 que assinala que o divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos; o artigo 1.632 que, por sua vez, enfatiza que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe terem em sua companhia os segundos; e o artigo 1.636 que destaca que o pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.
Contudo, apesar dos aspectos legais assinalados, estudos têm indicado que, muitas vezes, os pais não têm conseguido manter o exercício da parentalidade após a dissolução conjugal, afastando-se dos filhos, por razões que incluem: dificuldades no relacionamento com o ex-cônjuge (pai ou mãe), ou com a família dele; a entrada de um novo companheiro na vida de um dos pais - provocando relações de ciúmes e rivalidades; e também o novo relacionamento amoroso de um dos pais que pode atuar como barreira para a continuidade da relação com os filhos advindos da relação anterior, colocada muitas vezes como uma exigência de prova de amor (Cúnico & Arpini, 2014; Grzybowski & Wagner, 2010; Struss, Pfeiffer, Preuss, & Felder, 2001). Para Corso & Corso (2011), essa vivência atua no sentido de anular a experiência familiar anterior, fundando uma nova família como se fosse a primeira. Sendo assim, não raro, se reduz o convívio com os filhos provenientes da relação conjugal desfeita (Alves, Arpini & Cúnico, no prelo), desligando-se afetivamente deles, já que eles passam a representar a lembrança de um passado que prefeririam esquecer (Corso & Corso, 2011).
Estudos têm evidenciado que, quando as mulheres/mães têm dificuldades em desvincular-se do relacionamento conjugal e lidar com a dissolução matrimonial, esse aspecto pode contribuir para que elas venham a dificultar o contato entre pais e filhos (Padilha, 2008; Pereira, 2011), sendo os filhos utilizados, muitas vezes, como instrumento de poder e objeto de negociação ao final da conjugalidade (Pereira, 2011). É nesse panorama que se podem identificar situações em que o pai passa a exercer uma função periférica, ou de pai visitante, reduzindo o exercício da parentalidade (Warpechowski & Mosmann, 2012).
Contudo, é importante destacar que tais situações podem igualmente ser vivenciadas pelas mães que poderão encontrar obstáculos por parte do ex-cônjuge em manter ou desempenhar suas funções. No entanto, a maior ênfase na redução do exercício parental tem sido constatada pelos pais, talvez como consequência de as guardas serem majoritariamente concedidas às mães, de forma unilateral (IBGE, 2012).
É nesse sentido, e com o intuito de reduzir os índices de afastamento paterno, após a separação, que se pode considerar a atribuição da guarda compartilhada como uma possibilidade de reequilibrar os papéis parentais e garantir também as necessidades afetivas da criança após a separação conjugal (Alves, Arpini & Cúnico, no prelo; Cardoso, 2008; Grisard Filho, 2009; Pereira, 2005). No Brasil, essa modalidade de guarda é recente no ordenamento jurídico, tendo sido sancionada no ano de 2008 com a lei 11.698. Como aponta Pereira (2005), a guarda compartilhada vem ao encontro do princípio do melhor interesse da criança em conjunção com o princípio de igualdade entre homens e mulheres como é descrito na constituição. Assim,
se em nosso ordenamento jurídico o poder familiar é exercido pelo pai e pela mãe, independente de estarem juntos ou separados e diante do princípio de igualdade, não há mais necessidade de continuarmos falando em duas categorias: guardiãs e pai visitante (Pereira, 2005, p.151).
Além disso, tendo como foco a manutenção das relações parentais nas situações pós-divórcio, segue atualmente para a sanção presidencial no Brasil um Projeto de Lei (117/2013) que visa o estabelecimento da guarda compartilhada como primeira alternativa para os casais em processo de dissolução conjugal. Caso seja aprovado, a falta de um bom relacionamento entre os pais não deverá ser considerada um motivo suficiente para que o juiz não estabeleça essa modalidade de guarda nos processos de separação judicial.
Considerando as questões apresentadas, a mediação familiar surge como um instrumento alternativo que pode ser eficaz para a solução de conflitos de casais em processo de separação (Cunha, Soares, Freitas & Schapke, 2014; Rosa, 2012; Splenger, 2012). A mediação serve também aos interesses dos filhos, uma vez que a qualidade da relação entre pais e filhos após o divórcio está diretamente relacionada com a qualidade da relação entre os pais pós-separação (Schabbel, 2005). Levando-se em conta que, em muitos casos, o casal em processo de separação conjugal apresenta compreensões muitas vezes distorcidas, impregnadas pelo imaginário social - principalmente no que tange aos papéis parentais - sobre a mediação, é possível problematizar tais construções, permitindo que as partes encontrem a solução que melhor responda as suas demandas, ampliando as possibilidades de pensar e avaliar a situação (Cúnico, Mozzaquatro, Arpini & Silva, 2010).
Sob o mesmo prisma, entende-se que a mediação de conflitos familiares pode constituir uma oportunidade para o crescimento e para a transformação das partes envolvidas, havendo, durante esse momento, um real encontro entre sujeitos que apresentam uma demanda comum, mas com trajetórias e expectativas singulares. Por meio desse encontro, se faz possível a superação da dicotomia culpado-inocente, diferenciando-se de disputas jurídicas em que o que se busca é a culpabilização de um, em favor da vitimização do outro (Navarro, 2007; Rapizo, 2012; Rosa, 2012).
Ademais, a mediação familiar é um procedimento alternativo que tem por fio condutor o restabelecimento da comunicação entre as partes, procurando promover o protagonismo delas, isso é, procurando fazer com que elas tomem voz com relação ao seu próprio conflito. Dessa forma, a mediação procura chegar numa resolução aditiva que soma e agrega, evitando a judicialização das relações afetivas. Nesse contexto, a identificação dos reais problemas enfrentados pelos envolvidos no conflito, seus interesses e necessidades é possibilitada pela figura de um terceiro: o mediador. Diferentemente da arbitragem e do processo judicial, o mediador é um facilitador que não decide e, sim, auxilia as partes para transformar o conflito em opções, mobilizando-os para a administração de seus próprios problemas e auxiliando-os a chegar num reconhecimento recíproco que produza uma nova percepção da situação vivenciada (Dias & Souza, 2013; Navarro, 2007; Spengler, 2012).
A figura do mediador é essencial nesse processo, uma vez que os envolvidos no conflito, muitas vezes, possuem a lógica adversarial, sendo necessária a desconstrução dessa concepção pelo mediador que terá por objetivo minimizar o sentido de que, em uma ação judicial, o confronto será sempre necessário (Chaves & Maciel, 2005; Cúnico et al., 2010; Splenger, 2012). Assim, abre-se a oportunidade para o diálogo, por meio do qual as questões objetivas do processo podem ser resolvidas e, além disso, as questões emocionais também podem ser acolhidas, já que o mediador deve estar atento para todos os aspectos envolvidos no conflito (Cúnico et al., 2010).
Debruçando-se nas considerações teóricas apresentadas, surge em 2005 o projeto de extensão intitulado Serviço de Psicologia junto ao Núcleo de Assistência Judiciária: Uma Orientação Familiar, realizado pelo Departamento de Psicologia e vinculado ao Núcleo de Assistência Judiciária de uma instituição pública de ensino superior. Como objetivo inicial, o projeto pretendia que os extensionistas da Psicologia se mantivessem à disposição do Núcleo a fim de auxiliar e acompanhar as situações que envolvessem conflitos de família. Posteriormente, no ano de 2007, o projeto ampliou suas atividades e passou a trabalhar também com a proposta da mediação familiar.
O objetivo deste artigo é expor e discutir um dos casos atendidos pelo serviço de Psicologia sob a ótica da mediação familiar. Destaca-se que a mediação familiar vai ao encontro dos objetivos do projeto de extensão, quais sejam: assessorar famílias que estão passando por momentos de sofrimento devido a crises conjugais; trabalhar, com pais, questões referentes a processos ligados à paternidade/maternidade; facilitar a comunicação entre as partes para que busquem soluções de mútuo acordo. Com a apresentação desse caso, objetiva-se, também, fazer uma reflexão acerca da guarda compartilhada.
Metodologia de Trabalho
O trabalho realizado pelo projeto de extensão parte de uma triagem permanente, realizada por um profissional do Serviço Social que é responsável pelo encaminhamento de todos os casos referentes ao Direito de Família para o Serviço de Psicologia. Em seguida, é realizado o agendamento de uma entrevista inicial com as partes envolvidas, em separado uma da outra. Após o Serviço de Psicologia ouvir ambas as partes, cada qual com sua versão, um encontro é agendado e inicia-se a busca pelo diálogo, dentro das intenções pretendidas, pela via da mediação familiar. Conta-se, nesse momento, com a presença de um dos extensionistas do curso de Psicologia, uma assistente social e um acadêmico estagiário do curso de Direito, sob a orientação de professores da Psicologia e do Direito.
Algumas vezes, nem sempre os casos seguem essa ordem se, depois de realizada a triagem3, o profissional do serviço social entender que o mesmo deve ser encaminhado diretamente aos estagiários do direito. Porém, nesse momento, em determinadas situações, os próprios estudantes identificam demandas para que esses sujeitos sejam encaminhados para o Serviço de Psicologia, como na situação que será apresentada a seguir.
Resultados e Discussão
Com vistas a compartilhar a experiência vivenciada pelo Serviço de Psicologia, optou-se por apresentar a situação de um caso em que, graças a um acordo realizado por meio da prática da mediação familiar, ficou estabelecida a guarda compartilhada.
Camila4 procurou o Núcleo de Assistência Judiciária para realizar o divórcio com Pedro. O casal já estava separado de fato havia três anos, sendo que desse relacionamento nasceu Fernanda, nesse momento com oito anos. Inicialmente, Camila passou pela triagem realizada pela assistente social que a encaminhou para o atendimento com os estagiários do direito a fim de que fosse iniciado o processo de separação conjugal. Camila e Pedro, embora separados, mantinham uma boa relação entre si. Dessa forma, os acadêmicos do direito verificaram ser possível a realização de um acordo entre eles, por intermédio de uma mediação familiar. Assim, o caso foi encaminhado para o Serviço de Psicologia contatar as partes.
O Serviço de Psicologia entrou em contato com Pedro convidando-o para uma entrevista. Durante essa conversa Pedro disse que gostaria que nada fosse alterado com relação à dinâmica que estabeleceram com a filha, qual seja: Pedro permaneceria com Fernanda desde o meio dia, após buscá-la no colégio, e a levaria para a casa de Camila ao final do dia. Também ficaria com a menina nos finais de semana. Além disso, Pedro relatou que ele e sua ex-companheira sempre conversavam acerca das decisões a serem tomadas com relação à menina. Essa dinâmica evidenciou que esses pais vivenciavam, ainda que não tivessem clareza disto, a guarda compartilhada. Para Ramos (2005), compartilhar a guarda significa "partilhar em conjunto a educação e criação do filho, sob os aspectos de assistência material, moral e de convivência" (p.109).
Em outro momento foi agendada a entrevista com Camila, para que ela expusesse suas demandas e expectativas em relação ao serviço, momento no qual ela relatou que seu maior interesse era de alterar seu nome para o de solteira. Trouxe também que gostaria que Pedro continuasse pagando o valor de pensão, já que ela arcava com despesas fixas de Fernanda. Com relação ao contato de Pedro com a filha, Camila afirmou que desejava que a convivência permanecesse da forma como estabeleceram e se mostrou disposta a participar da mediação familiar com vistas ao estabelecimento de um acordo com Pedro. Diante da postura favorável de ambos para participarem da mediação familiar, um encontro com as partes foi agendado. Nessa mediação, estavam presentes um estagiário do direito, um da psicologia e a assistente social do Núcleo.
A prática interdisciplinar nesse contexto garante um entendimento integrado e ampliado a respeito da demanda, o que potencializa uma maior compreensão acerca do caso a partir desses diferentes olhares (Dal Forno & Arpini, 2011; Rosa, 2012). Conforme assinala Barbosa (2003), "a mediação interdisciplinar constitui uma ferramenta capaz de promover a reorganização do conflito, a partir de um saber que toma por empréstimo os saberes de outras disciplinas, integrando-os num conhecimento de um nível hierarquicamente superior" (p. 343). Além disso, a importância do diálogo entre esses saberes se faz relevante uma vez que, no direito de família, é necessária a flexibilização para alcançar a melhor resolutividade do caso, não sendo esperado que se adote um modelo rígido para todos os casos que tenham como foco de conflito determinada situação em comum (Bonn, 2012).
A mediação transcorreu de forma tranquila, situação proporcionada pela boa relação entre as partes envolvidas. A questão referente ao valor da pensão alimentícia foi decidida sem maiores dificuldades, como, também, ficou estabelecido no acordo que o contato de Pedro com Fernanda permaneceria da forma como estavam vivenciando antes da mediação. De acordo com o relato dos pais, Fernanda mantinha uma boa relação com ambos os genitores, sendo tal fato ressaltado na mediação, na qual foi destacada a importância de que a menina mantivesse uma relação estreita não só com os genitores, mas também com a família extensa de cada um deles.
Nesse contexto, Dolto (1989/2011) assinala que a criança precisa saber que pertence a duas linhagens parentais, devendo ter contato com suas famílias extensas após a separação de seus pais. Observa-se que é responsabilidade do pai e da mãe proporcionar tal convivência, não apenas com o genitor do sexo oposto, mas também com membros de sua família de origem, bem como irmãos nascidos de outros relacionamentos, assim como outras pessoas significativas de suas relações (Bruno, 2003), visto que a conjugalidade pode ser transitória, mas a parentalidade deverá ser sempre contínua.
No momento da mediação destacou-se também a diferença entre a guarda compartilhada e a alternada, já que se tem observado que é comum certa distorção no entendimento entre elas, fato que pode ser atribuído à recente presença da guarda compartilhada no sistema jurídico. A guarda alternada diz respeito a uma igualdade de horas ou dias que cada um dos genitores passa com a criança, enquanto a compartilhada prevê que os filhos passem períodos com o pai e com a mãe sem que os fixar rigorosamente (Grisard Filho, 2009).
É importante salientar que, diferentemente de muitos casos atendidos pelo Serviço de Psicologia, ambas as partes tinham clareza de seus deveres parentais após a separação, porém tinham algumas dúvidas sobre como funcionava legalmente a guarda compartilhada e quais seus direitos e deveres dentro dessa modalidade de guarda. Dessa forma, a mediação foi importante para que as dúvidas fossem esclarecidas e o acordo estabelecido na modalidade da guarda compartilhada, segundo desejo da dupla parental.
Isso é importante uma vez que, como já apontamos anteriormente, um dos benefícios dessa modalidade de guarda é assegurar o desempenho de ambos os papéis parentais, rompendo com a figura do "pai de fim de semana". De fato, a própria definição de genitor guardião e genitor visitante pode fazer com que muitos pais entendam que a Justiça dá plenos poderes ao genitor que reside com os filhos e interpretem equivocadamente a sua condição de visitante, entendendo que não lhes cabe preocupações com o dia-a-dia da prole (Brito, 2008; Bruno, 2003; Dolto, 1989/2011; Warpechowski & Mosmann, 2012),
A partir de tais questões se faz necessário que a convivência entre pais e filhos após a separação conjugal tenha regularidade, e não regulamentação, haja vista que a visitação só ocorre entre quem não convive, pois quem partilha das vivências diárias mantém uma relação íntima, sendo desnecessária a visita (Bruno, 2003). Sob o mesmo prisma, Pereira (2011) defende que a expressão "convivência familiar" deva ser usada em detrimento da palavra "visita", uma vez que, para o autor, traduz melhor o sentido técnico jurídico.
Considerando que a manutenção dos vínculos da criança com seus pais é fundamental para o seu desenvolvimento saudável, entende-se que a guarda compartilhada amplia as possibilidades de que as relações existentes no período anterior à separação se mantenham (Pereira, 2005). Ademais, pode-se dizer que o exercício conjunto da guarda surge como um dispositivo para que a síndrome da alienação parental5não se estabeleça, uma vez que a criança deverá manter contato com ambos os genitores (Sousa, 2010).
Por fim, pode-se dizer que a guarda compartilhada traz a possibilidade de amenizar a dor dos filhos que sofreram com o divórcio de seus pais e igualar os direitos e deveres de ambos os genitores, como prevê o atual Código Civil acerca do poder familiar, sendo uma alternativa possível para que sejam exercidas as responsabilidades parentais após o desenlace conjugal (Grisard Filho, 2009; Ramos, 2005). Entende-se que a mediação familiar nesse caso contribuiu para esclarecer sobre a importância da participação parental conjunta no cuidado com os filhos.
Considerações Finais
A experiência permite concluir a importância da presença da Psicologia em instituições judiciárias, em especial nas questões que envolvem conflitos familiares, possibilitando o diálogo para a construção de uma solução. Nesse caso em particular, pode-se concluir que a participação do Serviço de Psicologia, por intermédio da prática da mediação familiar, oportunizou aos pais do presente estudo, entender os pressupostos da guarda compartilhada e legitimar o que estavam vivenciando. Entende-se, portanto, que a Psicologia se constitui numa importante ferramenta para pensar os vínculos familiares, em especial, no que diz respeito ao melhor interesse da criança.
Destaca-se ainda a importância de que os profissionais que atuam nesse contexto, em especial das áreas do direito, da psicologia e do serviço social, estejam abertos ao diálogo acerca dessa nova modalidade de guarda, esclarecendo aos pais sobre a relevância da manutenção dos vínculos parentais pós-dissolução conjugal, rompendo a idéia de que a mãe é, sempre, a melhor cuidadora e o pai aquele que ocupa um espaço periférico no que se refere ao cuidado e educação dos filhos.
Contudo, entende-se que, além da abertura com relação ao entendimento acerca da guarda compartilhada, o resultado dessa prática poderia não ter ocorrido se não houvesse uma boa integração no Núcleo de Assistência Judiciária e a sensibilidade dos estagiários do direito para encaminhar o caso para o Serviço de Psicologia na tentativa de realizar a mediação com as partes. Destaca-se a importância da interdisciplinaridade, nesse caso relacionado ao direito, à psicologia e ao serviço social, em que ocorreu o diálogo e a cooperação na busca pela melhor resolução do conflito, possibilitando um desfecho favorável.
Por fim, ressalta-se a relevância do projeto de extensão por oportunizar uma experiência interdisciplinar entre áreas que historicamente não tiveram uma tradição de diálogo, oportunizando aos acadêmicos e docentes um olhar ampliado em relação à família, em especial aos papéis parentais, abrindo possibilidades para a construção de novas práticas na área.
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Recebido em: 21/04/2014
Reformulado: 07/12/2014
Aprovado em: 16/12/2014
1 Neste trabalho não se faz diferenciação entre divórcio e separação conjugal.
2 Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, que "Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências".
3 Adotou-se o termo triagem, pois, no referido Núcleo de Assistência Judiciária, é essa a nomenclatura adotada pelo profissional do serviço social quando realiza a primeira entrevista com vistas a conhecer a demanda de quem buscou o local.
4 Todos os nomes usados neste trabalho são fictícios com o objetivo de preservar as identidades dos envolvidos.
5 A Síndrome da Alienação Parental - SAP refere-se a um processo de destruição e desmoralização que um dos genitores, geralmente aquele que detém a guarda, desencadeia contra o outro genitor a ponto de aliená-lo da vida dos filhos (Pereira, 2011).