Pesquisas e Práticas Psicossociais
ISSN 1809-8908
ARTIGOS MULTITEMÁTICOS
A utilização da matriz lógica em projetos sociais
Using the logical framework in social projects
Uso del marco lógico en proyectos sociales
Marcelo Sant' Anna Pereira
Psicólogo Clínico, Trabalha no Centro de Atendimento e Inclusão Social (CAIS), Contagem (MG)
RESUMO
Dentre as várias ferramentas de gestão de projetos utilizadas hoje no Brasil e no mundo, o Logical Framework Approach (Enfoque Matriz Lógica) se destaca pela maneira como ajuda, desde o início da concepção do projeto, a focar o objetivo a atingir e a criar condições de gerenciar, de maneira clara, a eficiência, eficácia e efetividade do projeto, além dos riscos externos para a sua realização. Esse artigo busca conhecer a Matriz Lógica por meio de revisão bibliográfica, ele demonstra sua aplicabilidade em um projeto real proposto por uma Organização Não-Governamental para captação de recursos através do Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (PRONAS/PCD) e discute sua utilização, seus efeitos, suas virtudes e seus vícios no contexto das Políticas Públicas e, mais especificamente, do Terceiro Setor.
Palavras-chave: Enfoque Matriz Lógica. Projetos e Programas Sociais. Políticas Públicas.
ABSTRACT
Among the various project management tools used today in Brazil and worldwide, the Logical Framework Approach (LFA) stands out for the way that it helps, from the beginning of the project design, to focus on the goal to be achieved and to create conditions to clearly manage the efficiency, efficacy, and effectiveness of the project, also pointing out the external risks to its conduction. This article seeks to learn the Logical Framework through literature review, it demonstrates its applicability in a real project proposed by a non-governmental organization to raise funds through the National Program to Support Health Care of the Person with Disabilities (PRONAS / PCD ) and discusses its use, its effects, its virtues and its defects within the context of the Public Policies and, more specifically, of the Third Sector.
Keywords: Logical Framework Approach. Social Programs and Projects. Public Policies.
RESUMEN
Entre las distintas herramientas de gestión de proyectos utilizados en la actualidad en Brasil y en todo el mundo, el Logical Framework Approach (Enfoque del Marco Lógico) destaca por la forma en que ayuda, desde el inicio del diseño del proyecto, enfocar la meta a alcanzar y crear las condiciones para gestionar con claridad la eficiencia, eficacia y efectividad del proyecto, también señalando los riesgos externos para su realización. En este artículo se busca conocer el Marco Lógico través de revisión de la literatura, demuestra su aplicabilidad en un proyecto real propuesto por una organización no gubernamental para recaudar fondos a través del Programa Nacional de Apoyo a la Atención de Salud de la Persona con Discapacidad (PRONAS / PCD) y discute su uso, sus efectos, sus virtudes y sus vicios en el contexto de las políticas públicas y, más concretamente, en el Tercer Sector.
Palabras clave: Enfoque del Marco Lógico. Programas y Proyectos Sociales. Políticas Públicas.
Nos últimos anos, no Brasil, ocorre uma tendência, por parte de organizações não governamentais, a buscarem se tornar mais transparentes, responsáveis e profissionais em relação a seu trabalho e sua gestão. No entanto, o trabalho realizado, a organização, as concepções teóricas e as relações com a causa e com o público defendido marcam as especificidades que devem ser levadas em conta na escolha da maneira de gerenciar.
Este artigo busca conhecer e analisar os pontos fortes e fracos da utilização da Matriz Lógica, ferramenta de gestão que, muitas vezes, é utilizada no contexto de projetos ou programas sociais. Na primeira parte dele, procura-se conhecer a Matriz Lógica, seu surgimento, utilização e fundamentação teórica. Na segunda parte, propõe-se utilizar a Matriz Lógica em um projeto real, apresentado por uma instituição do Terceiro Setor para captação de recursos no Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas/PcD). Nas considerações finais, busca-se avaliar o antes e o depois do projeto com a utilização da ferramenta de gestão, procurando avaliar seus efeitos, suas virtudes e seus vícios.
Matriz Lógica
Em 1969/70, a Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional1 (USAID), por meio dos consultores Rosenberg, Lawrence e Posner, desenvolveu uma metodologia para monitorar os projetos que financiava e, ao mesmo tempo, auxiliar os administradores, ou gestores, a desenvolver e mostrar a efetividade de seus projetos de cooperação internacional. No contexto em que os proponentes tinham dificuldades em focar suas ações e demonstrar seus resultados efetivos, surgiu o método Logical Framework Approach (Enfoque Matriz Lógica),2 utilizando conceitos do Gerenciamento por Objetivos (MBO / Management by Objectives), importante método utilizado na época (Pfeiffer, 2000).
Atualmente várias organizações internacionais adotam obrigatoriamente a Matriz Lógica: a Organização das Nações Unidas (ONU), a União Européia (EU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (Pereira, 2009; Brasil, 2001). Dessa forma, a Matriz Lógica é utilizada, principalmente, no contexto de projetos sociais, com a imposição de sua utilização pelos financiadores internacionais. No Brasil, alguns órgãos utilizam essa metodologia como a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e o Tribunal de Contas da União (TCU) (Pereira, Conceição, Caballero Nunez, 2009).
Ortegón, autor que utiliza a Matriz Lógica no planejamento de projetos e programas no Chile, escreve:
A Metodologia Matriz Lógica é uma ferramenta para facilitar o processo de conceituação, desenho, execução e avaliação de projetos. Sua ênfase está centrada na orientação por objetivos, a orientação frente a grupos beneficiários e facilitar a participação e comunicação entre as partes interessadas3 (Ortegón; Pacheco; Prieto, citados por Pereira, Conceição, Caballero Nunez, 2009, p. 69)
Camacho (2001) aponta que, para se ter a visão a mais precisa possível da realidade que se pretende intervir e para garantir uma melhor comunicação da equipe, deve-se ter em mente que, a cada passo de construção realizado, deve ser feita a formalização de acordos. Todas as partes interessadas devem participar do processo de desenho do projeto. O ideal é que representantes do público-alvo, ou beneficiários do projeto, toda a equipe envolvida e os representantes dos financiadores participem. "Cada passo do método se constrói sobre as bases dos acordos alcançados no passo anterior,"4 escreve Camacho (2001, p. 22).
O resultado do processo de construção participativa do projeto pode ser sintetizado em forma de uma matriz ou um quadro de quatro colunas por quatro linhas (Quadro 1), em que a primeira coluna aponta os objetivos, resultados e atividades, a segunda, os indicadores, a terceira os meios de verificação dos indicadores e a quarta os riscos ou pressupostos.
Peter Pfeiffer escreve:
O Quadro Lógico (ou Matriz Lógica) é uma matriz que é elaborada sucessivamente num processo de estruturação daqueles elementos considerados os mais importantes de um projeto e que permitem a sua apresentação sistemática, lógica e sucinta. O que sempre tem que anteceder o planejamento de um projeto é uma análise do que se deseja mudar com a intervenção, de modo geral, uma situação-problema. (Pfeiffer, 2000, p. 82-3).
É interessante notar que Pfeiffer aponta duas interessantes características da Matriz Lógica: primeiro, ela propicia uma apresentação sistemática, lógica e sucinta, útil para o que se apresentará na segunda parte deste artigo; segundo, ela dá atenção especial à análise do que se deseja mudar com a intervenção e antecede ao planejamento. Nesse momento, propõe-se, por meio de um processo de brainstorming, elaborar uma "árvore de problemas" (causas, problema central, efeitos), "tendo-se como intuito a percepção de um conjunto de deficiências, dentre as quais uma é identificada como problema central" (Pereira, Conceição, Caballero Nunez, 2009, p. 69). Mais uma vez, aponta-se a característica participativa dessa metodologia, uma vez que brainstormings favorecem a participação de outros atores, contribuindo para que o diagnóstico inicial seja bem elaborado e aumentando as chances de sucesso do projeto.
Resumidamente, observa-se que, com a definição do problema central, suas causas e seus efeitos, pensa-se a Árvore de Objetivos. Do problema central define-se a situação desejada - aonde se quer chegar - e os efeitos se tornam fins e as causas os meios. Então, temos elementos suficientes para a construção de alguns quadros da Matriz Lógica. A finalidade definida é transformada em Objetivo Geral; a situação desejada é transformada em Objetivo do Projeto; os meios tornam-se nós críticos. "Nó crítico é a causa principal, aquela que, se atacada, resolve o problema ou tende a diminuí-lo", afirma Silva (2001, p. 172). Nesse sentido, se podemos ter governabilidade e gerenciar os nós críticos, eles entram como os Resultados da Matriz Lógica. Mas, se não há governabilidade e os nós críticos são de ordem externa ao projeto, eles entram como fatores de risco, ou pressupostos, na última coluna.
A Matriz Lógica, então, é utilizada tanto para desenhar projetos por meio de um processo estruturado de maneira participativa quanto como um instrumento de apresentação, gerenciamento e avaliação de projetos. O esquema a seguir (Quadro 2) demonstra como a ferramenta da Árvore de Problemas ajuda na construção e definição de objetivos e resultados da Matriz Lógica.
A apresentação da Matriz Lógica, ou sua leitura segue três lógicas. Uma, é a leitura vertical da primeira coluna, ou lógica de intervenção. Pffeifer (2000, p. 90) afirma que, por meio de uma "dupla checagem", averigua-se a consistência da Lógica de Intervenção. Assim, será observado o como, ou o porquê da intervenção. Queremos atingir o Objetivo Geral. Como? Atingindo o Objetivo do Projeto. Como? Atingindo tais Resultados. Como? Realizando tais Atividades. Ou, realizam-se tais Atividades por que se quer atingir tais Resultados. Têm-se esses resultados porque se quer atingir tal Objetivo do Projeto. Tal é o Objetivo do Projeto porque se quer atingir tal Objetivo Geral. Ou seja, do sentido de cima para baixo temos a expressão "como" e, de baixo para cima, a expressão porque como conexão lógica entre os níveis da intervenção.
Já na lógica horizontal, cada nível da intervenção é seguido por seus indicadores e meios de verificação. Dessa forma, esclarece-se de que forma o projeto será acompanhado e avaliado pelos gestores do projeto.
A terceira lógica, que complementa as duas outras, é a leitura em ziguezague, em que a primeira coluna, de baixo para cima, apresenta uma ligação com a quarta coluna (riscos ou pressupostos) levando ao próximo nível de intervenção. Ou seja, as Atividades mais o Pressuposto confirmado levam à realização dos Resultados; os Resultados mais a confirmação dos pressupostos, do seu nível de leitura, levam à realização do Objetivo do Projeto; o Objetivo do Projeto mais a confirmação dos pressupostos do seu nível de leitura levam à realização do Objetivo Geral; e, por fim, o Objetivo Geral mais os seus pressupostos levam à continuidade ou sustentabilidade do projeto. Assim, podemos pensar que os Riscos ou Pressupostos, dentro da Matriz Lógica, fazem parte da leitura horizontal e fazem uma ligação com o nível seguinte de intervenção.
Em relação aos "indicadores", para que se possa pensá-los e escolher os que melhor traduzem o que se quer medir com a execução do projeto, é importante que seja feita uma clara diferenciação dos termos "eficiência", "eficácia", "efetividade", uma vez que "o que garante a sobrevivência da organização é uma gerência comprometida com eficiência, eficácia e efetividade" (Tenório, citado por Frasson, 2001, p. 79).
No entanto, pelo espaço que este artigo oferece, será indicada apenas uma conceituação simplificada desses termos. Assim, seguimos Frasson (2001) em sua conceituação inicial:
Eficiência: otimização na aplicação dos recursos financeiros e materiais em relação aos resultados alcançados pelo projeto.
Eficácia: capacidade demonstrada pelo projeto de atingir os objetivos e metas previamente estabelecidos.
Efetividade: capacidade que os resultados do projeto têm de produzir mudanças significativas e duradouras no público beneficiário (Frasson, 2001, p. 3).
Até mesmo a forma da escrita relaciona-se com a lógica que essa metodologia traz. Pfeiffer (2000) apresenta a maneira de escrever da seguinte forma:
Se um objetivo é entendido e definido como uma situação futura desejada, ele é descrito na ML como se já estivesse alcançado. Igualmente são descritos os resultados como se tivessem obtido esses produtos ou serviços. Já as atividades são descritas com um verbo no infinitivo. Desta forma, é mais fácil para o leitor da proposta do projeto entender aonde se pretende chegar e o que é preciso fazer (Pfeiffer, 2000, p. 89).
No Quadro 3, apresenta-se um resumo das considerações de Pfeiffer (2000) e do TCU (Brasil, 2001) a respeito de como pensar cada campo do quadro, para que se aumente a precisão no desenvolvimento do planejamento.
Utilização da Matriz Lógica em um projeto social
Nesta segunda parte do artigo, será analisado um projeto de uma instituição de Minas Gerais com grande experiência em atendimento clínico e educacional, pesquisa e inclusão da pessoa com deficiência ou com autismo. Em um momento de maior atuação e profissionalização de seus funcionários, essa instituição vem buscando um posicionamento de referência nos órgãos públicos, privados e do terceiro setor em relação à pessoa com deficiência e com autismo. Ao mesmo tempo, a instituição aumenta a proposição de projetos com parceiros, com o intuito de captar recursos para manter e ampliar os serviços prestados.
O projeto apresentado ao Ministério da Saúde para captação de recursos por intermédio do Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas/PcD) foi o escolhido para a finalidade deste artigo. Sua demanda social foi delimitada de maneira participativa, com envolvimento da equipe e de atores interessados (profissionais da maternidade, pais das crianças e profissionais da instituição). A equipe da instituição participou efetivamente no desenho do projeto, pois a participação é fundamental na construção de propostas de projetos sociais. No entanto, o que se quer neste artigo é demonstrar como a utilização da Matriz Lógica traz mais clareza e objetividade na construção e apresentação de um projeto.
O resumo do projeto apresentado ao Ministério da Saúde é colocado da seguinte maneira:
O projeto propõe a ampliação da atuação da instituição com a rede do SUS5 de Contagem e outros cinco municípios (municípios que já apresentam demanda à instituição, através da busca espontânea de usuários), desenvolvendo ações de saúde complementares e ações preventivas através do folow-up de bebês e intervenção precoce para usuários com deficiência ou autismo, ou com risco de desenvolvê-las. Prestar serviços de apoio à saúde, vinculados à adaptação, inserção e reinserção para jovens/adultos com deficiência e ou autismo. Executar curso de educação permanente e aperfeiçoamento de profissionais das maternidades e profissionais afins da rede de saúde de Contagem e municípios vizinhos para ampliar a atuação preventiva. Realizar pesquisa: uma sócio-antropológica sobre o impacto preventivo, na inclusão social e relações familiares de crianças que realizaram o acompanhamento (follow up); uma segunda pesquisa sobre inovação na metodologia da reabilitação de pessoas com deficiência intelectual e autismo com o atendimento clínico compartilhado e transdisciplinar e outra socio-antropológica sobre o impacto do atendimento aos pais e sua influência na reabilitação e inclusão de seus filhos.
Com a apresentação desse resumo, nota-se que o projeto propõe vários objetivos. Temos uma variedade de linhas de intervenção: 1. Acompanhamento (follow up) de bebês; 2. Continuidade de atendimento na intervenção precoce para os bebês indicados; 3. Prestação de serviços de apoio à saúde, vinculados à adaptação, inserção e reinserção para jovens/adultos com deficiência ou autismo; 4. Execução de curso de educação permanente e aperfeiçoamento de profissionais das maternidades e profissionais afins da rede de saúde de Contagem e municípios vizinhos para ampliar a atuação preventiva; 5. Efetivação de uma pesquisa socioantropológica sobre o impacto preventivo na inclusão social e relações familiares de crianças que realizam o acompanhamento (follow up); 6. Efetivação de uma segunda pesquisa sobre inovação na metodologia da reabilitação de pessoas com deficiência intelectual e autismo com o atendimento clínico compartilhado e transdisciplinar; 7. Efetivação de uma terceira pesquisa socioantropológica sobre o impacto do atendimento aos pais e sua influência na reabilitação e inclusão de seus filhos.
Em outro fragmento do documento original, o Objetivo Geral é proposto da seguinte maneira: "Contribuir para a promoção da saúde, a reabilitação e a inclusão das pessoas com deficiência intelectual e autismo atuando nos municípios limítrofes a Contagem e que fazem parte da região metropolitana de Belo Horizonte".
No Quadro 4, pode-se ver de que maneira os objetivos, indicadores e metas, são apresentados no projeto analisado.
Para um melhor entendimento, nesse momento, mostra-se importante diferenciar os conceitos de projeto e programa. Camacho (2001, p. 14) conceitua "projeto" como a "unidade básica de intervenção na cooperação para o desenvolvimento".6 Outro conceito de "projeto", apresentado por Maximiano (1997), é: "um empreendimento finito, com objetivos claramente definidos em função de um problema, oportunidade ou interesse de uma pessoa ou organização" (Maximiano, citado por Moura, 2006, p. 22). No entanto, Camacho (2001, p. 36) comenta que "o objetivo específico deve ser único; cada objetivo específico justifica a realização de outra matriz e, portanto, de outro projeto".7 Dessa forma, pode-se pensar um projeto como uma intervenção pontual e definida em um único objetivo, com certa duração de tempo (início, meio e fim).
Ao escrever sobre o "Gerenciamento de Programas", Cropper (2010, p. 85) indica que ele é um "processo de gerenciamento de um grupo de projetos correlacionados" (Cropper, 2010, p. 5). Assim, pode-se entender que o projeto apresentado acima tem características mais de um "programa" que, de fato, de um "projeto". Pfeiffer (2000, p. 85) afirma que é frequente encontrar projetos com vários objetivos. Entretanto, ele adverte que se corre o risco de o projeto ficar sem foco e, assim, não deixar claro aonde se pretende chegar com a intervenção proposta.
Assim, para exemplificar como a Matriz Lógica pode ajudar a focar e criar possibilidade de uma gestão mais clara e para que se possa realizar uma comparação entre as apresentações antes e depois da proposta dessa ferramenta, definiu-se que será construída uma Matriz Lógica somente a partir do primeiro objetivo, a saber: "Prestar serviços de apoio à saúde a bebês de 0 a 2 anos, durante os dois primeiros anos de vida através do Programa Follow Up, na busca do diagnóstico diferencial de doenças neurodegenerativas, neuromusculares, degenerativas genéticas e do autismo, oriundos dos municípios da grande BH, próximos a Contagem (bairros de Belo Horizonte, Betim, Ibirité, Esmeraldas e Ribeirão das Neves)". Aqui, apresenta-se a primeira dificuldade para se construir a Matriz Lógica, pois, o objetivo do projeto é apontado como "o que se quer fazer" e não como "a nova situação
que se visa alcançar com a realização do projeto" (Pfeiffer, 2000, p. 87). Entretanto, em outra parte do Projeto, o Objetivo é colocado com o complemento "prevenir e minimizar sequelas das deficiências e patologias com início do atendimento a tempo" - e essa parece ser a realidade que se quer modificar com o projeto, certamente ligada ao problema central que se quer atacar. Em outra parte do texto é apontado que, "por receber crianças com deficiência intelectual encaminhadas tardiamente para o tratamento", é necessário realizar um acompanhamento das crianças que podem ter sequelas ou desenvolver patologias com o nascimento de risco (prematuridade, baixo peso, etc.).8
No Quadro 5, a seguir, é apresentada a construção possível da Matriz Lógica para o "Objetivo 1" do Projeto.9
Tabela 5 - Clique para ampliar
Para a construção do quadro acima (Quadro 5), foram necessárias certas adaptações do projeto original. Alguns campos, como Objetivo Geral e Objetivo do Projeto foram modificados, buscando maior clareza e, assim, demonstrar como a Matriz Lógica pressupõe que um projeto seja descrito. Pfeiffer (2000) afirma que
poucos instrumentos de gerenciamento se preocupam tanto com a operacionalização dos objetivos. Isso não diz respeito apenas à busca de formulações mais precisas possíveis, mas também à utilização de indicadores que tornam as visões mensuráveis. A sua elaboração é um processo difícil, mas necessário e, quando bem realizado, um investimento valioso para a implementação. (Pfeiffer, 2000, p. 112).
Outros campos foram criados para demonstrar a metodologia. Entretanto, no Projeto utilizado, foram encontrados, descritos ao longo do texto, vários campos da Matriz. Isso demonstra como essa metodologia pode ajudar na organização, clareza e foco na apresentação do Projeto. Pois, diluídos no texto, pontos importantes perdem sua força e interligação.
Por exemplo, o Projeto justifica que, durante os dois anos de acompanhamento, haja somente 12 encontros, para que as famílias não se desloquem tantas vezes, deixando de participar desse tipo de serviço por não terem recursos ou tempo. Esse exemplo demonstra que houve uma discussão ou, pelo menos, uma observação das condições externas ao projeto. Entretanto, volta-se a dizer, esse ponto perde sua força sem o entrelaçamento lógico dentro do projeto.
Considerações Finais
É importante dizer que a Matriz Lógica, por si só, não garante o sucesso do projeto e deve ser utilizada com outras metodologias, como o planejamento estratégico "bem como integrada num sistema mais amplo de gerenciamento" (Pfeiffer, 2000, p. 106). Pelo fato de esse tipo de metodologia ser imposta por várias agências de financiamento, algumas vezes ela é elaborada simplesmente para a captação do recurso e, no decorrer do processo, abandonada; nessa situação, ela deixa de ser pensada como um método de gestão de projetos (Camacho, 2001, p. 20). Apesar de imposta, ela "traduz em uma visão futura do projeto, seus benefícios e mudanças esperadas. A partir do planejamento do projeto, a Matriz Lógica continua tendo grande importância para o gerenciamento, especialmente para o monitoramento e a avaliação" (Pfeiffer, 2000, p. 110).
Pfeiffer (2000) aponta, ainda, que, se essa metodologia deve ser levada a cabo segundo sua lógica, é preciso levar em consideração as especificidades de cada projeto e, mesmo, ser flexível nesse sentido. Dessa forma, pode-se dizer que nenhuma teoria, técnica ou ferramenta, ajusta-se perfeitamente a uma situação real sem a flexibilização dos seus pressupostos, pois essas construções, diante da realidade, apontam vantagens e desvantagens de sua utilização. Felizmente, é dessa forma que as boas teorias, técnicas ou ferramentas se constroem, na tensão entre o que se observa, ou escuta, e o previsto, ou já elaborado.
Penteado (citado por Pereira, Conceição & Caballero Nunez, 2009, p. 72) apresenta as seguintes vantagens da utilização da Matriz Lógica: ela induz à objetividade na elaboração e descrição de programas e projetos; propicia rápida e sintética visualização dos programas e projetos; possibilita uma rápida e fácil visualização dos principais fatores para acompanhamento e avaliação dos programas e projetos; tende a clarificar os fatores que dependem do desempenho do órgão executor e aqueles que estão fora de seu controle; padroniza uma linguagem comum para as diversas fases de diferentes programas e projetos, independentemente de sua natureza. As desvantagens apontadas pelo mesmo autor são: a Matriz Lógica ignora o grau de inter-relacionamento entre diferentes programas e projetos e ignora a dificuldade de se estabelecer objetivos superiores unívocos para programas e projetos na área pública.
No processo de construção da Matriz Lógica apresentado neste artigo, o que se quis fazer e aonde se quis chegar foi, de fato, mostrando-se mais claro e, de maneira simples, criar uma visão micro e macro do projeto, aumentando-se a possibilidade de geri-lo melhor. Conseguiu-se visualizar o projeto de forma mais sintética e assim, apresentar mais claramente como medir as ações, tanto do gestor como dos profissionais que estão na ponta do processo, propiciando uma comunicação melhor e mais rápida e aumentando a capacidade de decisão da equipe. Pode-se adicionar, aqui, outra vantagem da utilização da Matriz Lógica. Poucos projetos pensam sobre os riscos externos que poderiam interferir na sua realização. Pressupor que esse é um dos elementos essenciais do projeto e criar possibilidades de geri-lo é uma grande vantagem.
Em relação às desvantagens apresentadas por Penteado (2007), não foi possível observá-las, uma vez que se construiu apenas um dos objetivos do projeto original. Entretanto, para que o uso dessa metodologia ocorra de maneira mais efetiva, deve-se indicar outra desvantagem. Ao ler o Quadro 5, apresentado na seção anterior, percebe-se uma forte interligação entre os campos, entre os objetivos e o que é feito para alcançá-los; mas, percebe-se que um ponto forte desse projeto, e mesmo diferencial, não aparece na Matriz Lógica, a saber: a concepção teórica por trás das escolhas das atividades, e mesmo dos objetivos.
De fato, o referencial teórico adotado no projeto proposto pela Organização não Governamental - a psicanálise - aponta a importância de trabalhar precoce e preventivamente a saúde psíquica da criança, no momento em que ela se constitui como sujeito, etapa crucial na sua formação. O sujeito se constitui a partir do Outro e esse Outro é representado em primeiro lugar por aquela pessoa que faz a função de mãe. É necessário estabelecer uma relação dual e alienante entre mãe e filho para, em seguida, com a entrada de um terceiro, representado pela figura paterna, permitir a entrada da criança no mundo simbólico, o estabelecimento de novas relações e a apropriação do uso da linguagem. Essa constituição, aqui descrita de maneira simples, é um processo complexo e primordial que determina a formação e todo o futuro psíquico do sujeito.
A prematuridade de um filho ou a constatação de que ele padece de algum problema físico ou mental é uma vivência, na maioria das vezes, dolorosa para os pais. É comum que em um primeiro momento a mãe não consiga olhar seu bebê, dirigir-lhe a palavra, ou até mesmo dar-lhe um nome e, assim, a primeira relação entre mãe e filho se vê comprometida. Em função disso, uma dinâmica maléfica pode se instalar nesse primeiro momento, cristalizando ou fragilizando a relação dual mãe-filho. Os reflexos são muitos. Como exemplo, pode-se perceber um "excesso" na relação mãe-bebê, com atitudes de superproteção, sentimento de culpa e, por vezes, distanciamento entre o par parental (marido-mulher) ou, ao contrário, dificuldade e até mesmo ausência dessa primeira relação entre mãe e bebê.
Para os pais, o bebê que traz no corpo a marca da deficiência e da fragilidade orgânica os afasta do ideal esperado do filho perfeito. O diagnóstico médico é experiência traumática que interfere na relação entre pais e filho. O trabalho da equipe do projeto na escuta dos pais visa estabelecer outro lugar e outro estatuto para o filho que não seja o de um objeto de cuidados. Essa atuação propicia ao bebê e seus pais um futuro que não se encerra diante das primeiras experiências vividas e permite uma forma de inclusão da criança na própria família.
Além da saúde orgânica e psíquica, a inclusão social é um fator que também pode ser trabalhado desde o início. Muitas vezes os familiares atuam de forma preconcebida com um bebê frágil e os próprios pais respondem a essa discriminação social se isolando. É importante salientar que a experiência do programa social ao longo dos anos aponta que as crianças, quando atendidas nos três primeiros anos de vida, no programa de Intervenção Precoce, em sua maioria, saem do programa com matrícula na escola comum ou em uma creche, além de participar da vida social familiar. Quanto mais precocemente ela é incluída, menos preconceitos ela sofre, tanto por parte dos adultos quanto por outras crianças e, consequentemente, existe maior chance de se construir uma verdadeira inclusão. Os trabalhos com os pais e um atendimento da família favorecem essa primeira relação e a inclusão social.
A presença ou não de um referencial teórico é, também, um fator primordial para se levar em conta ao se pensar as chances de sucesso de um projeto. Apesar da construção bem feita e do encadeamento lógico perfeito, um projeto talvez possa indicar retrocessos na execução das políticas públicas a que ele se destina. Dessa forma, para as instituições que buscam recursos para suas ações, a Matriz Lógica não deve ser pensada como uma mera etapa burocrática para se obter recursos, assim como, para os atores financiadores, essa metodologia não deve dizer respeito ao todo do projeto.
Na verdade, o que parece ocorrer, é uma dificuldade de comunicação, se é que se pode assim dizer, entre os atores financiadores e instituições do terceiro setor e, talvez, se deva incluir, aqui, também, os atores governamentais. As lógicas desses setores impõem lógicas de trabalho, compromisso e de definição das prioridades diferentes e, assim, uma agência internacional, uma grande empresa multinacional, uma secretaria municipal ou uma instituição social sem fins lucrativos buscam atingir finalidades diferentes, mesmo com a aglutinação dos esforços para se realizar um projeto de desenvolvimento social. Nem sempre é fácil ou clara essa percepção, pois os discursos empresariais, políticos e dos movimentos sociais são, às vezes, parecidos, mas, muitas vezes, difíceis de conciliarem.
As implicações das relações entre esses atores é assunto para trabalhos futuros. Por ora, é importante ressaltar que, com vantagens e desvantagens, as organizações que buscam empreender um projeto de desenvolvimento social podem ganhar muito, em relação à gestão e comunicação, com a utilização da Matriz Lógica na elaboração de seus projetos. E, até mesmo, estabelecer uma relação diferente com seus financiadores, público atendido, ou seja, com todos os envolvidos.
Referências
Brasil. (2001). Tribunal de Contas da União. Técnicas de Auditoria: marco lógico. Brasília: Tribunal de Contas da União - TCU, Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo. [ Links ]
Camacho, Hugo; Cámara, Luis; Cascante, Rafael & Sainz, Héctor. (2001). El Enfoque del marco lógico:10 casos prácticos Cuaderno para la identificación y diseño de proyectos de desarrollo. Madrid: Fundación CIDEAL y Acciones de Desarrollo y Cooperación - ADC. [ Links ]
Cropper, John; Berg, Eric; Cullingan, Michael; Radstone, Leah. (2010). Guia para o PMD Pro 1: Gerenciamento de Projetos para Profissionais de Desenvolvimento - Nível 1. Disponível em: <http://eficiencialtda.com.br/gallery/guia_pmd_pro_1.pdf.>. Acesso em: 8 dez. 2013.
Frasson, Ieda. (2001). Critérios de Eficiência, Eficácia e Efetividade adotadas pelos avaliadores de Instituições Não-Governamentais financiadoras de Projetos Sociais. Dissertação de Mestrado: UFSC - Florianópolis. [ Links ]
Moura, Dácio G.; Barbosa, Eduardo F. (2006). Trabalhando com projetos: Planejamento e gestão de projetos educacionais. Petrópolis/RJ: Editora Vozes. [ Links ]
Ortegón, E.; Pacheco, J.F.; Prieto, A. (2005). Metodología del marco lógico para la planificación, el seguimiento y la evaluación de proyectos y programas. Santiago de Chile: CEPAL/ILPES, 2005. p. 124 (Serie manuales; 42). [ Links ]
Penteado, P. (2013). Elaboração de programas e projetos. Disponível em: <http://www2.ufba.br/~paulopen/logtex.html>. Acesso em: 8 dez. 2013.
Pereira, Edmeire C.; Conceição, Ronald J. da; Caballero Nunez & Blas, Enrique. (2009). A metodologia do marco lógico e a gestão da informação: um estudo de caso para Tunas-PR. TransInformação. Campinas, 21(1): 63-75, jan./abr. [ Links ]
Pffeifer, Peter. (2000). O Quadro Lógico: um método para planejar e gerenciar mudanças. Revista do Serviço Público/Fundação Escola Nacional de Administração Pública, 51(1): 81-124, jan/mar. [ Links ]
Silva, Marcos José Pereira da. (2001). Onze passos do Planejamento Estratégico Participativo. (p. 161-176). In: Brose, Markus (Org.). Metodologia Participativa: Uma introdução a 29 instrumentos. Porto Alegre: Tomo Editorial. [ Links ]
Recebido em: 08/06/2014
Aprovado em 30/05/2015
1 Em inglês: United States Agency for International Development.
2 Existem outras traduções para o termo "Logical Framework": "Matriz Lógica", "Quadro Lógico" e "Marco Lógico". Essa última é influenciada pelo idioma espanhol, "marco" correspondendo a "quadro" em português. Opta-se pelo termo "Matriz Lógica", neste artigo.
3 Tradução livre feita pelo autor. Em espanhol, no original: "La Metodología de Marco Lógico es una herramienta para facilitar el proceso de conceptualización, diseño, ejecución y evaluación de proyectos. Su énfasis está centrado en la orientación por objetivos, la orientación hacia grupos beneficiarios y el facilitar la participación y la comunicación entre las partes interesadas".
4 Tradução livre feita pelo autor. Em espanhol, no original: "Cada paso del método se construye sobre la base de los acuerdos alcanzados en el paso anterior".
5 Sistema Único de Saúde
6 Tradução livre feita pelo autor. Em espanhol: "El proyecto es la unidad básica de intervención en la cooperación para el desarrollo" (Camacho, 2001, p. 14).
7 Tradução livre feita pelo autor. Em espanhol: "El objetivo específico debe ser uno; cada objetivo específico justifica la realización de otra matriz y, por lo tanto, de otro proyecto" (Camacho, 2001, p. 36).
8 Transtorno do Espectro Autismo.
9 Outras informações importantes do projeto original também foram consultadas para a construção da Matriz Lógica apresentada no Quadro 5. Eventualmente, assim como o objetivo do projeto, essas informações sofreram alguma adaptação para a construção da Matriz Lógica.
10 Uma Árvore de Problemas simplificada foi utilizada para a construção da Matriz. Por problemas de espaço, não é apresentada neste artigo.