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Pesquisas e Práticas Psicossociais

 ISSN 1809-8908

     

 

Práticas de saúde na escola: um estudo cartográfico na cidade de Parnaíba-PI

 

Health practices in school: a study in the city of cartographic Parnaíba-PI

 

Las prácticas de salud en las escuelas: un estudio cartográfico de la ciudad de Parnaíba-PI

 

 

Ana Caroline Viana de MeloI; João Paulo Pereira BarrosII

IUniversidade Federal do Piauí (UFPI). Email: carolinevmlu@yahoo.com.br
IIProfessor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Endereço para correspondência: Avenida Senador Virgílio Távora, 2400, ap. 701a, Fortaleza-CE: CEP: 60170-251. E-mail: jppbarros@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O artigo aborda resultados de uma pesquisa que visou cartografar práticas de saúde no cotidiano de uma escola pública de Parnaíba-PI. Os objetivos específicos foram compreender concepções que sustentam as práticas de saúde desenvolvidas por profissionais de saúde e educação no cotidiano da escola, assim como discutir processos de subjetivação agenciados pelas práticas de saúde no território escolar. A pesquisa teve um direcionamento qualitativo, na perspectiva de uma pesquisa-intervenção que enfoca a implantação do Programa de Saúde na Escola em um estabelecimento educacional na referida cidade piauiense. A pesquisa-intervenção utilizou-se da observação participante de práticas de saúde na escola lócus, além de entrevistas semiestruturadas e roda de conversa com profissionais da atenção primária e profissionais da escola. A cartografia aponta que o território escolar investigado é fortemente marcado por práticas de saúde pautadas em concepções biologicistas, articulando-se a tecnologias disciplinares e biopolíticas de poder que agenciam processos de sujeição de crianças e adolescentes. Não obstante, a cartografia destaca também processos de deslocamentos e resistências a essas perspectivas.

Palavras-chave: Saúde; Escola; Subjetividade; Cartografia.


ABSTRACT

The article discusses results of a research investigation aims to map health practices developed in the everyday life of a public school in the city of Parnaíba-PI. Have your specific goals conceptions that underlie health practices developed by health and education in the school routine were understanding, as well as discussing the subjectivation processes touted by the practices of health in everyday school life. The research was a qualitative direction, articulating the research intervention and to cartography method. As data production procedure was used participant observation of health practices in school - locus, and semi -structured discussion wheel with the primary care and school professionals and interviews. The results indicate that the school area investigated is strongly restricted by health practices guided by biologicist concept, linking with disciplinary and biopolitical technologies of power that eventually brokering homogenizing processes of subjectivity. However, also highlight the mapping processes and resistance to displacement of these perspectives.

Keywords: Health; School; Subjectivity; Cartography.


RESUMEN

El artículo analiza los resultados de una encuesta que tuvo como objetivo mapear las prácticas de salud en la vida cotidiana de una escuela pública en Parnaíba-PI. Sus objetivos específicos concepciones que subyacen en las prácticas de salud desarrolladas por la salud y la educación en la rutina de la escuela estaban entendiendo, así como discutir los procesos de subjetividad promocionado por las prácticas de salud en los terrenos de la escuela. La investigación fue un sentido cualitativo, la articulación de la intervención de la investigación. Como procedimiento de producción de datos, se utilizo la observación participante de las prácticas de salud en la escuela-locus, y semi-estructurada, rueda conversación con los profesionales y las entrevistas de atención primaria y de la escuela. Los resultados indican que la escuela investigo territorio está fuertemente restringida por las prácticas de salud guiados por conceptos biologicistas, la vinculación con las tecnologías disciplinarias y biopolíticas de poder que eventualmente intermediación procesos homogeneizadores de la subjetividad. Sin embargo, la correlación también destaca los procesos de desplazamiento y resistencia a estos puntos de vista.

Palabras clave: Salud; La escuela; La subjetividad; Cartografía.


 

 

1 Introdução

O presente trabalho se situa na intercessão entre os campos da saúde e da educação, propondo-se a enfocar o tema das práticas de saúde no território escolar a partir da implementação do Programa de Saúde na Escola em um estabelecimento educacional. O estudo é fruto de uma pesquisa que se gestou a partir das experiências docentes e discentes dos autores no âmbito do Estágio Profissionalizante em Saúde Coletiva do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí - UFPI (Campus Parnaíba), o qual ocorreu no âmbito da atenção básica em saúde, no Distrito I, Módulo 16 da referida cidade piauiense. Nesse contexto, percebemos, por um lado, a importância da articulação entre atenção primária e estabelecimentos escolares no que diz respeito às estratégias de produção de saúde na comunidade, especificamente em se tratando dos segmentos infanto-juvenis, assim como, por outro lado, a necessidade de aprofundar investigações sobre tal articulação e seus efeitos.

Das práticas de psicologia na atenção primária decorreu, portanto, nosso interesse de, mediante uma investigação mais sistemática, lançar luzes, por exemplo, sobre as ações da Estratégia de Saúde da Família (ESF), lócus de estágio, no contexto escolar e os agenciamentos que essas ações produzem no que se refere à produção de subjetividades infanto-juvenis.

Inicialmente, cabe trazer à baila que trabalhar saúde na escola não é uma proposta recente. No Brasil, no início do século XX, o Estado se utilizou de um discurso médico-higienista para a inserção de práticas pedagógicas inseridas no cotidiano escolar e o desenvolvimento de uma consciência sanitária nos alunos. Essas práticas tinham como objetivo a realização do progresso e a modernização nacional a partir da medicalização dos espaços e da higienização pautada na disciplinarização dos corpos (Oliveira et al., 2012; Figueiredo, Machado & Abreu, 2010).

Dessa forma, a genealogia das práticas de saúde na escola conecta saúde, escola e um poder que se incumbe sobre a vida, o biopoder. As palavras de Coimbra (2008, p. 11) são relevantes para conceituar o biopoder na perspectiva de Michel Foucault,

[...] o poder sobre a vida, em que não cabe mais fazer morrer, como antes nas sociedades de soberania. Cabe sobretudo e principalmente fazer viver: cuidar da população, da espécie, dos processos biológicos, da otimização da vida; enfim, trata-se de gerir a própria vida e, em nome dela, deixar morrer. Se antes, nas sociedades de soberania a insígnia era: fazer morrer e deixar viver, na contemporaneidade trata-se de "fazer viver e deixar morrer".

Partimos então da premissa de que o biopoder é, então, ressignificado na atualidade pela medicalização da vida de segmentos infantojuvenis pela da identificação antecipada de possíveis agravos à saúde e aplicação de estilos e medidas consideradas saudáveis.

Dessa maneira, é plausível pensarmos que as práticas de saúde na escola vêm sendo caracterizadas pela ativação de uma articulação entre tecnologias de poder disciplinares - que agem no indivíduo, na condição de corpo-organismo, como uma anatomia política do detalhe, produzindo corpos dóceis, úteis e produtivos, reforçando suas aptidões e extraindo o máximo de suas forças - e outra tecnologia de exercício de gestão da vida, a biopolítica, que se volta para a população, como corpo-espécie, com a finalidade de regulação social (Foucault, 1979). E hoje, importa ressaltarmos, diversas práticas contemporâneas que se autointitulam de "promoção de saúde" voltaram seu olhar para a eliminação de possíveis fatores que coloquem a saúde de crianças e adolescentes "em risco".

Pensando essas articulações entre práticas de saúde no território escolar na contemporaneidade, cumpre-nos assinalar que, no arranjo que caracteriza o SUS, a atenção primária tem importância acentuada. Isso porque, mais do que um nível de atenção, ela funciona como uma estratégia de organização do sistema de saúde, sendo a Estratégia de Saúde da Família (ESF) responsável por sua efetivação, com o suporte dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf). A Estratégia de Saúde da Família (ESF), nesse prisma, configura-se como uma possibilidade de reorientação do modelo assistencial pela utilização de um conceito multidimensional de saúde e pela implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde, com vistas ao desenvolvimento de ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos de indivíduos, famílias e comunidades (Brasil, 2002).

Esse modelo assistencial tornou a ESF a principal porta de entrada do SUS, de modo que as equipes de saúde da família devam estar em constante parceria com outros agentes sociais existentes no território adscrito. Portanto, entende-se que essa rede criada pelo SUS tem o desafio de proporcionar ações de saúde mais abrangentes, e que as ações em parceria entre equipes de atenção primária, seja ESF, seja Nasf, e os estabelecimentos escolares têm grande relevância para que tal abrangência se efetue (Brasil, 2009).

Partindo da importância de aliança entre serviços de saúde e a escola, surge, inclusive, o Programa de Saúde na Escola (PSE), a partir do Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007, que explicita o intuito de contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica, mediante ações de prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde. Assim, o PSE se configura numa estratégia intersetorial entre os Ministérios da Saúde e da Educação, de maneira que escolas e equipes da atenção primária devem trabalhar, juntas, na promoção de saúde dos alunos, famílias e, consequentemente, da população adscrita na área.

Contudo, é possível perceber uma relativa carência de literatura acerca das interfaces entre saúde, em especial no campo da atenção primária, e escola, de modo a perceber em que medida essa nova concepção de saúde e esse novo arranjo assistencial que configuram o SUS têm provocado mudanças nas práticas de saúde historicamente presentes no território escolar, conforme assinalado alhures. Alguns estudos como o de Cardoso e Lervolino (2008) apontam, por exemplo, o fato de que o conceito de saúde relatado pelos professores ainda se limita ao bem estar físico, assim como o de educação em saúde se reduz a informações sobre cuidados de higiene ou à normatização das condutas infantojuvenis. Lomônaco (2004) encontrou resultados semelhantes, relatando que, apesar de ter encontrado concepções que ampliem os conceitos de saúde/doença, ainda há uma visão demasiadamente biologicista e individualista no que se refere a essa relação.

Os estudos de Carvalho e Santana (2010) também apontam a questão de que saúde é, ainda hoje, quase exclusivamente tratada como uma questão de bem-estar físico em muitos contextos escolares, trazendo a relevância de se trabalhar a temática de saúde mental nas escolas. Outro dado importante trazido pelos autores é o de que os professores, em geral, não se veem como protagonistas desse processo de promoção de saúde.

Diante do exposto, fica evidente a necessidade de problematizar as intervenções de saúde no âmbito da atenção primária que têm a escola como lócus, bem como os efeitos dessas intervenções na produção de subjetividades. Dessa forma, o objetivo geral desta pesquisa de que trata este artigo foi cartografar práticas de saúde desenvolvidas no cotidiano de uma escola pública do município de Parnaíba-PI. Já os objetivos específicos foram os seguintes: compreender concepções que sustentam as práticas de saúde desenvolvidas por profissionais de saúde e educação no cotidiano da escola e discutir processos de subjetivação agenciados pelas práticas de saúde no cotidiano escolar.

Diante dessa contextualização, procuraremos salientar como dispositivos disciplinares e biopolíticos se fazem presentes nas práticas de saúde realizadas nas escolas atualmente pelos profissionais da atenção primária, assumindo roupagens relacionadas a processos de biomedicalização dos corpos infantojuvenis.

No decurso deste artigo, também frisaremos que as linhas que constituem as práticas de saúde no cotidiano escolar são potentes analisadoras dos próprios dilemas em torno do debate, intensificado na virada do século XIX, acerca da promoção de saúde e do processo de construção da Política Nacional de Promoção de Saúde (PNPS). Segundo Silva e Baptista (2014), dois desses dilemas referem-se ao próprio modelo de promoção, tendo em vista a histórica polarização entre as perspectivas regulatória e emancipatória, e ao uso acrítico do conceito de empowerment, sem uma discussão sobre seus efeitos no desenho dessa política no Brasil. A perspectiva regulatória de promoção de saúde focaliza nos hábitos individuais, sem relação com determinantes sociais da saúde, tendo viés culpabilizador e despolitizador. Por sua vez, a perspectiva emancipatória direciona-se aos determinantes sociais da saúde, tomando a promoção de saúde como estratégia para o enfrentamento das questões da saúde, entendendo a importância de movimentos intersetoriais.

 

2 Percurso metodológico

2.1 Pesquisa-intervenção sob o método da cartografia para acompanhamento das práticas de saúde na escola

A pesquisa foi de cunho qualitativo, realizada na perspectiva da pesquisa-intervenção. A pesquisa-intervenção é uma tendência nas pesquisas participativas, que possui uma intervenção de caráter socioanalítico e micropolítico na experiência social, a partir de uma proposta de atuação (trans)formadora (Aguiar, 2006, Aguiar & Rocha, 2007). A pesquisa-intervenção aqui proposta se deu sob a influência dos referenciais do método da cartografia, sendo que a escolha desse tipo de pesquisa se justifica pelo fato de que foi com base nas atuações dos estágio profissionalizante em psicologia e saúde coletiva, no campo da atenção primária e saúde, que foram produzidos o problema de pesquisa e os caminhos para abordá-lo.

De acordo com Paulon (2005, p.21), na pesquisa-intervenção, trabalha-se com a noção de subjetividade trazida pela filosofia da diferença, como "agenciamentos de forças e fluxos do plano de fora [...]", cabendo ao pesquisador social "apreender os movimentos coletivos de apropriação e invenção da vida que favoreçam a produção de existências singulares". Utilizamos, então, essa perspectiva para nos inserirmos no território escolar, a fim de acompanhar fluxos e processos envolvidos nas práticas de saúde ali ensejadas.

Para esclarecer estratégias e operações analíticas que adotamos na pesquisa-intervenção que desenvolvemos em uma escola, cabem alguns esclarecimentos sobre a própria perspectiva da cartografia como método e como nos valemos dela para dar conta do problema de pesquisa formulado. Criada por Gilles Deleuze e Félix Guatarri (1995) e desenvolvida por autores como Rolnik (1989), a cartografia, na condição de método de pesquisa-intervenção, deu-nos condições justamente de focalizar nossa pesquisa no acompanhamento de processos que tecem as práticas de saúde na escola, em vez de nos centrarmos na mera representação de objetos. A cartografia se constitui como um método ad hoc, o que fez com que nossa prática de pesquisa não se pautasse em regras pré-definidas. Guiamo-nos por pistas que permitissem traçar estratégias metodológicas para operacionalização da proposta da pesquisa ao longo do seu percurso (Kastrup, 2009; Passos & Barros, 2009).

A partir da ideia trazida por Andrade e Rogmanoli (2010, p. 607), de que "cartografar significa navegar entre paisagens, capturar intensidades em que se registram os encontros", procuramos habitar o território da escola, interessando-nos especificamente pelo desenho da rede de forças às quais estavam conectadas as práticas de saúde desenvolvidas ali, atentando para suas modulações, seus movimentos e seus efeitos de subjetivação (Barros & Kastrup, 2009; Alvarez & Passos, 2009). Assim, na cartografia, o envolvimento do pesquisador

[...] é usado para mapear as intensidades, as composições e as decomposições dos territórios, desenhando as linhas que se articulam. Essas linhas às vezes são duras, correspondendo ao que está estabelecido e instituído e mantendo os modelos e as formas identitárias, mas também, dependendo das circunstâncias, podem ser flexíveis, produzindo potência de vida, desterritorializações e inaugurando criações instituintes, que trazem o impensado, o inédito. (Andrade & Romagnoli, 2010, p. 607)

2.2 Local do estudo

O local escolhido para o presente estudo foi uma escola de educação infantil, localizada no bairro Bebedouro, na cidade de Parnaíba-PI. A escolha dessa escola para a realização da pesquisa se deu pelo fato de que esse estabelecimento escolar estava adscrito ao território onde se dava a prática de estágio em saúde coletiva desenvolvida pela primeira autora, sob a supervisão do segundo autor. Foi a partir dessas práticas de estágio supervisionado que se gestou o próprio problema da pesquisa de que resulta este artigo.

2.3 Participantes

O critério para a delimitação dos participantes da pesquisa era de que fossem professores, funcionários da escola, representantes do Programa de Saúde na Escola (PSE) e componentes da equipe de estratégia de saúde da família que realizam as atividades na escola. Assim sendo, buscávamos dialogar com as pessoas que estão diretamente envolvidas no processo das práticas de saúde realizadas na escola. O presente trabalho teve seu projeto enviado ao comitê de ética em pesquisa da UFPI, atendendo a todos os critérios éticos necessários à investigação com seres humanos.

Os sujeitos que participaram da pesquisa foram: sete professoras da lócus, o coordenador do PSE em Parnaíba, uma enfermeira e uma agente comunitária de saúde da Estratégia de Saúde da Família (ESF) que atua na comunidade onde se insere a escola em questão. Para manter o sigilo destes, utilizamos nomes fictícios para nos referirmos a esses profissionais ao longo da discussão dos resultados. Sendo que os seguintes nomes identificam os profissionais de saúde e educação: Andressa (professora); Marina (professora); Tânia (professora); Diana (professora); Taís (professora); Marta (professora); Janaína (professora); José (Coordenador do PSE); Regina (ACS); Antônia (enfermeira).

2.4 Procedimentos de produção dos dados

2.4.1 Observação participante

Foram pouco mais de três meses acompanhando de dois a três dias por semana a rotina da escola, por meio da observação-participante, dispositivo de pesquisa que se baseia na etnografia e que tem sido amplamente utilizado em pesquisas cartográficas (Kastrup, Escóssia & Passos, 2009). Para nossa pesquisa, o uso de observações participantes foi importante para a produção de familiarizações e estranhamentos com o território vivo da escola, a fim de compreender como seus atores dão significados às suas experiências cotidianas e como operam nesse cotidiano, com destaque à rede de saber-poder-subjetivação ligada às práticas de saúde desenvolvidas com estudantes. As observações também proporcionaram um acompanhamento dessas atividades que os profissionais de saúde realizam na escola, para que se compreenda como se sustentam e efetivam essas atividades.

2.4.2 Entrevistas semiestruturadas

Além das observações do cotidiano da escola e das práticas de saúde ali propostas, realizamos entrevistas semiestruturadas com profissionais que atuam na escola, entre os dias 1º e 8 de julho de 2013. Assim, a partir do que foi observado, elaboramos as entrevistas abordando os seguintes assuntos: atividades de saúde realizadas na escola; assuntos de saúde que devem ser trabalhados na escola; papel dos profissionais de saúde e educação nas práticas de saúde realizadas na escola; papel dos pais e estudantes nas atividades realizadas na escola; avaliação da relação entre a escola e o posto de saúde; desafios e dificuldades na relação da escola com o posto de saúde; concepções acerca da escola promotora de saúde e promoção de saúde na escola.

Entre os profissionais da saúde, foram entrevistados a enfermeira, uma ACS da unidade básica de saúde e o coordenador do PSE. Entre os profissionais da educação, foram entrevistadas professoras que trabalham na escola lócus da pesquisa. Para representá-los em nosso trabalho, como anteriormente citado, utilizamos nomes fictícios a fim de preservar suas identidades por questões éticas de nossa pesquisa.

2.4.3 Grupo de discussão com profissionais da escola e da saúde

Além das observações e das entrevistas semiestruturadas, a pesquisa-intervenção que realizamos também contou com a elaboração e execução de um grupo de discussão, que aconteceu no dia 26 de agosto de 2013. O grupo abordou a temática saúde na escola, e contou com a participação de sete profissionais da escola e dois profissionais da saúde, acerca de temas relacionados às práticas de saúde na escola, a fim de problematizar determinadas práticas observadas ao longo da pesquisa e discursos trazidos nas entrevistas. Esse momento torna-se crucial no entendimento de como esses profissionais concebem saúde, como essas práticas de saúde realizadas produzem efeitos de subjetivação relacionados às novas concepções de saúde.

O grupo de discussão se operacionalizou a partir da metodologia da roda de conversa, que contou com um momento inicial de sensibilização para a temática, outro momento voltado à discussão propriamente dita da temática e um último momento que se destinou à avaliação da roda. Filiado a um paradigma ético-estético-político sobre o processo grupal, a roda de conversa se propôs a ser um espaço de experimentação de outros encontros, problematização e desnaturalização de sentidos e práticas cristalizadas na escola, bem como de desindividualização da questão da saúde (Barros, 2007).

2.5 Registro dos dados

Os dados foram registrados em diários de campo que serviram como instrumento técnico no registro das ações observadas e das atividades realizadas na escola, o diário de campo também permitiu anotações acerca das impressões e afetos produzidos em cada experiência. Registraram também descrições densas acerca do cotidiano investigado, com foco no que é relatado pelos próprios atores, atentando-se para os significados que eles atribuem a esse cotidiano.

Além dos diários de campo, foi realizada a gravação em áudio da roda de conversa e das entrevistas semiestruturadas. A gravação permitiu um melhor registro das falas dos participantes, esta se realizou mediante a aceitação das pessoas que participaram dos grupos e das entrevistas a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Em tempo, importa frisarmos que a pesquisa foi conduzida dentro de padrões éticos exigidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (Conep/CNS/MS) no que diz respeito à pesquisa empírica com seres humanos.

 

3 Resultados e discussão

Inspirados na perspectiva da pesquisa cartográfica, partimos do ponto de vista de que conhecer como se desenhavam as práticas de saúde naquela escola implicava acompanhar os processos cotidianos daquele território existencial. Sobre isso, segundo Passos e Barros (2009, p. 31), "conhecer o caminho de constituição de dado objeto equivale a caminhar com esse objeto [...]".

Assim, a partir do acompanhamento de paisagens psicossociais que se deu, inicialmente, mediante as observações participantes e as entrevistas semiestruturadas, pudemos evidenciar uma série de ações de saúde no território escolar. Desse modo, uma das práticas existentes era a verificação e atualização dos cartões de vacina e exame antropométrico dos alunos, realizados pelos profissionais do posto de saúde e por acadêmicos de nutrição de uma faculdade privada existente em Parnaíba. Segundo aponta a Agente Comunitária de saúde Regina, em uma das entrevistas, "a verificação dos cartões de vacina configurava-se como uma das principais atividades realizadas pela equipe do PSE na escola".

Tivemos a oportunidade de acompanhar esse processo em uma visita. Quando chegamos, encontramos Regina, a ACS que costuma visitar a escola, fazendo essa verificação dos cartões e uma equipe de estagiários de nutrição, fazendo o exame antropométrico nos alunos. A ficha preenchida pela ACS contemplava dados como: hipertensão na família, diabetes na família ou criança com diabetes, bem como histórico nutricional. A ACS Regina nos relatou que as crianças que não estavam com o cartão de vacina em dia seriam encaminhadas ao posto para vacinação. Percebemos que essa atividade estava voltada, sobretudo, à vigilância epidemiológica e se reduzia a medir, pesar, verificação do cartão de vacina e preenchimento do cadastro. Tal processo nos provocou o seguinte questionamento: ainda que consideremos a importância da atividade em questão, de que maneira, a partir dela, ampliar a escuta das necessidades de saúde e das condições de vida daqueles sujeitos?

Os acadêmicos de nutrição também estavam à frente de outra atividade: a realização de dinâmicas para o desenvolvimento de hábitos de alimentação saudável para os alunos. Em um dos dias de observação-participante, presenciamos os acadêmicos de nutrição realizando tais dinâmicas com os alunos da escola. A atividade se deu a partir de uma dinâmica que simulava um minisupermercado na qual as crianças eram instruídas a realizar uma simulação de compra, por meio da qual os acadêmicos poderiam verificar que tipo de alimentação esses alunos tinham mais interesse, para, em seguida, orientar sobre a importância de uma alimentação saudável.

Um fato que nos chamou atenção nessa atividade foi que a equipe da ESF e os profissionais da escola não se implicam em participar dela, nem pareciam estabelecer um diálogo com os estagiários que as desenvolviam, o que remete a uma certa fragmentação das práticas de saúde naquela escola.

Outra atividade observada ao longo da cartografia foi a de escovação dos dentes, realizada por profissionais da escola e do posto de saúde. Naquela escola, cada sala tinha um dia determinado para essa atividade, sendo a equipe do posto solicitada para a aplicação de flúor. Uma questão que nos chamava a atenção a respeito dessa atividade era que ela estava sempre presente nas entrevistas com profissionais da escola e da atenção básica, como se ela mais simbolizasse, para tais profissionais, as práticas de saúde na escola. Assim, como em outras atividades observadas ao longo da pesquisa, nessa nos chamou atenção o fato de que não havia nenhum profissional da escola acompanhando a ação, o que sugere uma fragilização do diálogo entre os profissionais da atenção básica e da escola no que concerne às práticas de saúde naquele contexto. Naquelas observações, já nos afetávamos pelo seguinte questionamento: por que não haver uma relação de maior intercessão entre os profissionais de saúde e de educação nas práticas de saúde na escola?

Quando perguntados sobre atividades de saúde na escola, os profissionais de saúde e de educação relatavam, também, o desenvolvimento de hábitos de higiene corporal. O seguinte trecho de uma das entrevistas aponta isso:

Uma das coisas de saúde que fazemos aqui na escola é estimular o hábito de higiene corporal nos alunos, tipo lavar as mãos, usar copo individual trazido de casa. Também tentamos criar neles o hábito de limpeza e cuidado com o espaço físico da escola. E não deixa de ser uma atividade de saúde na escola, né? (Andressa, professora)

Essa atividade citada pela professora se fez presente em todo o nosso processo de acompanhamento da rotina da escola. Todos os dias, antes de chegar o intervalo, a professora prontamente mandava seus alunos, um por um, lavar as mãos antes de lanchar e sempre que um aluno ia ao banheiro o fazia sob o conselho de lavar bem as mãos em seguida.

Outra atividade que fazia parte do rol de práticas de saúde na escola eram as palestras voltadas para a saúde da criança realizadas pela equipe da atenção básica em saúde: Na época da pesquisa, foi realizada na escola a "semana do bebê", com palestras sobre a importância da saúde da criança, da qual participaram pais e professores.

Por meio do acompanhamento da rotina da escola, ao trazermos questionamentos acerca das práticas realizadas na escola, os discursos se reportavam em sua maioria à realização de práticas de cuidado orientadas para o fomento de um suposto "estilo de vida saudável". Apresentado esse rastreamento cartográfico das práticas de saúde naquele espaço, convém, então, interrogarmo-nos sobre seus efeitos de subjetivação. A esse respeito, as ações realizadas na escola pareciam corroborar com a produção de uma infância asséptica, regulada por práticas de higiene como forma de garantia de aprendizagem de "bons modos", uma vez que, a partir das práticas de saúde que acompanhamos no espaço da escola, o signo da saúde parecia acoplar-se firmemente à disciplina e à normatização da infância.

Ademais, o desenho da rede de saber-poder-subjetivação, à qual as práticas de saúde estavam conectadas, sugere que as concepções sobre saúde ainda estavam pautadas fortemente por uma visão organicista, por meio do qual essas práticas são voltadas para o corpo com hábitos de promoção de saúde como sinônimo de prevenção de doenças. As práticas de saúde mais corriqueiras na escola ainda trazem muito fortemente um viés higienista, muito característico, como relatado alhures, da constituição das práticas de saúde na escola.

Esse tipo de prática no cotidiano da escola é um potente analisador dos dilemas do debate da promoção de saúde e do próprio processo de construção da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) entre 2002 e 2006. As cenas do cotidiano escolar materializam as disputas desses processos conceituais e políticos de formulação, cujo efeito tem sido, por vezes, a reafirmação de ações que enfatizam mudança de estilos de vida, como salientam Ferreira-Neto et al. (2013) e Silva e Baptista (2014).

Assim, esse modo de se ver a saúde ainda se faz presente nas práticas de saúde realizadas na escola por meio de novas roupagens. Há, nesse sentido, uma política de cuidado com o corpo bem presente nas concepções que norteiam essas práticas, que nos remete à discussão foucaultiana segundo a qual o corpo, a partir das tecnologias de saber-poder produzida na modernidade e ainda atuantes no contemporâneo, passa a ser cada vez mais investido como uma realidade biopolítica, sendo a escola uma das instituições ainda hoje encaradas como propícias para infundir uma consciência sanitária na população, a começar pela criança (Barros, 2013). Outra vez, temos aqui presentes nuanças de como as práticas de saúde, no cruzamento entre dispositivos disciplinares e biopolíticos, constituem-se numa perspectiva neo-higienista, como "um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe" (Foucault, 2005, p. 127).

Não custa salientar que essa concepção organicista de saúde ganhou força na contemporaneidade, mediante os processos de biologização da vida, em que os discursos científicos construídos a partir da modernidade reforçam seu valor de verdade apostando em uma ilusão de um possível controle técnico da vida e de uma explicação da condição humana a partir de sua biologia. Há, desse modo, um reducionismo e uma simplificação de problemas sociais, políticos, culturais, subjetivos, entre outros, a questões do funcionamento orgânico. Na medida em que a medicina se embasa em pesquisas da biociência, acontece uma biologização da vida e da saúde, esta ocorre como expressão de um processo de medicalização "tomada como expressão da difusão do saber médico no tecido social [...], medicalizar um fenômeno teve o sentido de reduzir as problemáticas sócio-políticas a questões individuais" (Guarido, 2010, p. 30).

A biologização tem como um de seus efeitos, portanto, o silenciamento do sujeito, isto é, a perda da dimensão simbólica presente no processo de saúde e doença, inclusive preconizada na perspectiva da integralidade que norteia a concepção de saúde que sustenta a Reforma Sanitária, o SUS e o campo da Saúde Coletiva. Evidenciando-se que, nessa perspectiva, a integralidade como princípio do Sistema Único de Saúde visa garantir ao indivíduo uma assistência à saúde que transcenda a prática curativa, esta busca contemplá-lo em todos os níveis de atenção e considera o sujeito inserido em um contexto social, familiar e cultural, conforme Souza et al. (2012).

Há, nesse sentido, uma recorrência na busca da anulação dessa existência, em decorrência de uma sensação de alívio imediato trazido pela prática da medicalização, que despotencializa o sujeito em relação a seus desejos. Sobre esse aspecto, Guarido e Voltolini (2009, p. 253) afirmam que, "a recolocação do corpo/organismo em evidência, promovida pela biologização/medicalização, produto eminentemente capitalista, tem como corolário a diminuição do peso dado ao sujeito na experiência humana".

Essas concepções sobre a infância norteiam as ações de cuidado que direcionam práticas higienistas, estas adentraram seu espaço com o intuito de controle dessa fase. De acordo com Boarini (2004), "Estas instituições deveriam ser "higienizadas" e, através delas, o corpo. A infância - e a sua entrada na escola - era apontada como o momento ideal para a criação de hábitos que possibilitariam a "higienização" dos indivíduos". A escola passou a ser vista como um lugar em que esse controle poderia ser efetivado, crianças poderiam ser preparadas para seu futuro produtivo.

Outro aspecto interessante a ser ressaltado foi a ausência da participação dos professores e da equipe do posto nessa e nas outras atividades que acompanhamos. Nessa atividade em particular, os professores exerciam mais um papel de impor a ordem quando algum aluno fazia bagunça, não havendo uma participação ativa naquela prática.

Além das práticas até aqui relatadas, pudemos notar que a escola também possui outras formas de produzir saúde, mesmo que não sejam percebidas como tal, na medida em que há uma preocupação dos profissionais com as questões que vão além dos discursos biologicistas, a partir do acolhimento produzido ao ouvir o que a criança traz, da produção de cuidado oferecida, se produz saúde diariamente sem o devido reconhecimento, o que nos trazia algumas inquietações a ponto de querer questionar se isso também não é produzir saúde.

Nesse sentido, tem-se a necessidade de conceber saúde para além do caráter biológico, trazendo uma ideia de saúde como integralidade, que garante a prática de cuidado em todos os aspectos necessários ao processo saúde/doença, levando-se em consideração as necessidades do indivíduo e do grupo em que está inserido.

Segundo Passos e Barros (2009), na perspectiva cartográfica, recomenda-se que o pesquisador interaja no território pesquisado, promovendo ampliação dos sentidos. Assim sendo, como rastrear as práticas de saúde na escola sem totalizá-la, sem enrijecer nosso olhar, enxergando apenas essas práticas reducionistas e biologicistas em torno da saúde, que acabam implicando o silenciamento do sujeito quando se fala de saúde na escola? Daí porque nos chamou atenção uma atividade realizada por acadêmicos de enfermagem, direcionados, segundo eles, ao "desenvolvimento do lúdico e promoção da interatividade entre as crianças". Assim, percebemos que tanto esta, como outras atividades, foram trazidas por acadêmicos que têm esse acesso à escola por meio da unidade de saúde. A enfermeira relatou ter abraçado esse projeto dos alunos por considerar importante inseri-los nas atividades realizadas pelo PSE. Para essa atividade, os acadêmicos de enfermagem chegaram à escola por indicação de Antônia, a enfermeira do posto. Ela relatou, em uma entrevista, que considerou ser essa uma atividade interessante, por não trabalhar a saúde apenas numa perspectiva de ausência de doença, focando na produção de interatividade entre as crianças por meio do brincar. Em meio àquela paisagem, consideramos isso interessante, pois acreditamos que essa seja a primeira ação que não estava totalmente direcionada a doenças e que pensava a saúde sob uma concepção mais alargada, ligada - por que não pensar - à produção de vida e movimento por parte da criança. Essa atividade trouxe em alguns momentos formas de se trabalhar a saúde na sua forma mais ampliada, por meio de trocas entre os estudantes e as crianças, das multiplicidades de expressões, de devires, que provocam linhas de subjetivação mais flexíveis.

Aquela atividade lúdica figurou como "uma possibilidade de experimentação e inventividade, capaz, portanto, de criação de relações autoritárias", conforme Barros e Colaço (2013, p. 319), e não como dispositivo de instrumentalização da infância, muito comum na utilização do lúdico como um recurso pedagógico na escola e com a finalidade de aprimorar a apreensão de conteúdos pela criança, o que pode ser um meio de regular a infância com dispositivos de disciplinamento.

Convém mencionarmos também alguns deslocamentos importantes identificados na roda de conversa promovida, por ocasião da pesquisa-intervenção, na medida em que ele abriu espaço para a desnaturalização das concepções biologizantes da saúde entre profissionais da atenção básica e profissionais da escola. Trazendo ao coletivo a discussão e responsabilização no que concerne à produção de saúde na escola, procuramos, no grupo, "entrar em contato com as multiplicidades que flutuam, buscando o não equilíbrio, mas a invenção de bifurcações" (Barros, 2007, p. 325). Eis então alguns deslocamentos que pudemos identificar na roda de conversa:

José - [...] quando fala da questão de saúde, ela está muito além dessa questão simplesmente de saúde e doença, não é só isso, tem toda uma questão social que precisa ser desenvolvida naquele ambiente para que ele se torne mais saudável, e aí é uma dificuldade muito grande trabalhar com isso aí.

Tânia - [...] Eu não sei te responder aquela pergunta ali (apontando para o cartaz que fizemos perguntando: o que uma escola precisa para ser promotora de saúde?), então eu nunca despertei para isso e não tenho vergonha de dizer porque o que a gente trabalha de saúde na escola é aquilo que vem no currículo do próprio ensino, né? A educação infantil vem trabalhar hábitos alimentares, hábitos de higiene, pronto! Parou naquilo.

José - [...] os professores precisam estar sensíveis a essa condição, e também estar abertos a esse processo que é compreender que a melhoria do aspecto de saúde do estudante vai promover a melhoria do aspecto dele mesmo, e aí a gente tem para complementar isso dai, a inclusão dos pais nas práticas de saúde, o processo de educação dos pais tem que ser um processo construído com todos, então não é simplesmente assim, " ah, vamos chamar os pais por que o pessoal da saúde vai fazer uma ação", então é assim, um processo que precisa ser criado por todos, os profissionais da saúde, profissionais da educação se sentar aqui e "o que a gente precisa trabalhar?" "qual é a realidade que a gente está enfrentando"?

Tânia - Eu achei bem interessante mais uma vez os comentários do coordenador, [...] a gente só liga a saúde à higiene, aquela coisa, enquanto nós estamos muito preocupados com a nossa criança que chega aqui que reflete a sua realidade, o seu psicológico abalado, a professora fica abalada com aquela situação como nós já conversamos sobre isso (olhando para AC), e não saber o que fazer, eu nunca despertei para esse lado da saúde psíquica, né? Ou na escola promovendo essa saúde, a gente se preocupa porque a criança chega abalada, a gente se preocupa porque a criança chega com problema, porque o pai é violento, porque presenciou uma briga de seus pais, viu o pai batendo na mãe, aí a gente vai tentando minimizar a dor daquela criança, mas a gente não sabe como fazer aquilo, eu achei interessante ver o indivíduo não só na higiene e alimentação, mas no cidadão num todo.

Nesse sentido, as concepções acerca das práticas de saúde como realização de atividades voltadas às práticas normativas como higiene e alimentação abriram espaço para se pensar em outros modos de produzir saúde.

 

4 Considerações finais

No presente estudo, buscamos cartografar práticas de saúde desenvolvidas no cotidiano de uma escola pública. Como observado, tais práticas assumiram historicamente caráter normatizante, buscando o controle por meio da docilização disciplinar e regulação biopolítica dos corpos. As práticas materializam os tensionamentos que constituem o debate sobre promoção de saúde no Brasil, marcado pela força com que se sobressaem perspectivas em torno da promoção de saúde que trazem a ideia de controle dos indivíduos e a adoção de hábitos saudáveis mediante dispositivos de vigilância (Silva & Baptista, 2014).

Os resultados apontam, no que diz respeito à paisagem acompanhada, que as práticas de saúde na escola estão pautadas em concepções organicistas que reduzem muitas vezes seu modo de produzir saúde ao âmbito da prevenção de doenças. Assim, na escola, as práticas de saúde estão voltadas em sua maioria a questões de alimentação saudável e higienização do corpo, que deve se estender à mente. Desse modo, podemos afirmar que ações de saúde na escola são, portanto, simultaneamente dispositivos disciplinares e biopolíticos que ratificam práticas de sujeição de segmentos infantojuvenis, tanto por meio que usam signos da saúde para produzir corpos dóceis e úteis quanto por meio de processos de gestão de riscos e regulação de modos de viver desses segmentos.

No que diz respeito à visão dos profissionais de saúde acerca das práticas de saúde na escola, percebemos que estas assumem um caráter de vigilância epidemiológica, reduzindo-se muitas vezes à descrição das condições de saúde dos alunos.

Mas, no acompanhar dessas práticas, encontramos, mesmo que de forma tímida, fissuras nessas concepções organicistas. Estas ocorreram na medida em que as práticas pensadas por alguns profissionais, demonstrando um alargamento no conceito de saúde, em que esta é tratada para além de ações de cuidado com o corpo.

No entanto, a cartografia permitiu acompanhar e produzir processos e fluxos, como no caso da roda de conversa sobre saúde, de problematização das práticas instituídas, experimentando, por conseguinte, olhares voltados à desindividualização da saúde do aluno, afirmando-a como responsabilidade de todos. Desse modo, abriu-se para a possibilidade de desnaturalização das concepções de saúde, em que suas práticas podem ir além da realização de atividades voltadas às práticas normativas como higiene e alimentação, pensando-se em outros modos de produzir saúde.

 

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Recebido em 19/06/2014
Aprovado em 07/06/2016

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