Pesquisas e Práticas Psicossociais
ISSN 1809-8908
Sem-terra com terra: Resistências cotidianas no assentamento de Araras-SP
Landless with land: Everyday resistance in the settlement of Araras-SP
Sin-tierra con tierra: resistencias cotidianas en el asentamiento de Araras-SP
Caroline Cristiane SousaI; Marcia Hespanhol BernardoII
IGraduada em Psicologia pelo Centro Universitário Herminio Ometto de Araras (2005), Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2011) e Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2016). carolinecspsi@gmail.com
IIProfessora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas nos cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu em Psicologia. Possui graduação em Psicologia (1983), especialização em Saúde Pública (1991), mestrado em Psicologia Social (2001), doutorado em Psicologia Social (2006) pela Universidade de São Paulo. marciahespanhol@hotmail.com
RESUMO
O presente artigo pretende contribuir para o debate sobre o direito à terra e para a discussão relativa à centralidade dos movimentos sociais do campo, trazendo elementos de uma pesquisa de doutorado realizada em um assentamento localizado na cidade de Araras-SP. Neste artigo, será apresentado um recorte dessa pesquisa, dando ênfase à discussão sobre as possibilidades de resistências cotidianas encontradas nesse contexto. O estudo foi desenvolvido partir do método etnográfico e a análise das informações coletadas em campo foi realizada com base nos pressupostos teóricos da Psicologia Comunitária. Os resultados da pesquisa indicam que os processos de articulação coletiva são centrais para a organização produtiva e o principal elemento que sustenta a permanência dos(as) assentados(as) na terra. Portanto, o fortalecimento dessas duas esferas - a organização produtiva e a organização social - é determinante para a prosperidade do assentamento e para a permanência desse coletivo de assentados(as) em seus lotes.
Palavras-chave: Psicologia rural. Organização social. Movimentos sociais. Resistência cotidiana.
ABSTRACT
This paper wishes to contribute with the debate about the social struggles for land and with the discussions about the centrality of the rural social movements, bringing elements of a doctoral research conducted in a settlement located in Araras city, São Paulo, Brazil. In this article, an excerpt of this research will be presented, emphasizing the discussion about the possibilities of everyday resistance encountered in this context. This study was conducted by the ethnographic method and the analysis of information collected in the field is grounded on the Community Psychology theoretical assumptions. The research results indicate that collective articulation processes are central for the productive organization and are the main element to keep the settlers in the land. Therefore, the strengthening of these two spheres - the productive organization and social organization - is determinant for the settlement prosperity and for maintaining this collective of settlers in their plots of land.
Keywords: Rural Psychology. Social organization. Social movements. Daily resistance.
RESUMEN
Este trabajo pretende contribuir en el debate sobre el derecho a la tierra y en la discusión sobre la centralidad de los movimientos sociales del campo, apuntando elementos de una investigación doctoral llevada a cabo en un asentamiento de reforma agraria ubicado en la ciudad de Araras-SP. En este artículo será presentada una parte de este estudio, haciendo hincapié en la discusión sobre las posibilidades de resistencia cotidiana encontradas en este contexto. El estudio fue desarrollado con el método etnográfico y la análisis de las informaciones fueran discutidas con base en los presupuestos teóricos de la Psicología Comunitaria. Los resultados de la investigación indican que los procesos de articulación colectiva son centrales para la organización productiva y son el principal elemento que sustenta la permanencia de los/las asentados(as) en la tierra. Por lo tanto, el fortalecimiento de cualquiera de estas dos esferas - la organización productiva y también la organización social - es determinante para la prosperidad del asentamiento y para la permanencia del colectivo de asentados(as) en sus lotes de tierra.
Palabras clave: Psicología rural. Organización social. Movimientos sociales. Resistencia cotidiana.
Introdução
As discussões sobre a centralidade dos movimentos sociais do campo, a organização do trabalho nesse contexto e a possibilidade de permanência das famílias na terra, entre outros temas, têm contribuído para a concretização de experiências contra hegemônicas no contexto rural. O presente artigo pretende contribuir para esse debate, trazendo elementos destacados de uma pesquisa de doutorado realizada em um assentamento localizado na cidade de Araras-SP. A referida pesquisa teve como objetivo compreender a relação entre os processos de articulação coletiva e a organização produtiva no contexto de um assentamento rural de reforma agrária. Todavia, neste artigo, será apresentado um recorte dessa pesquisa, limitando-se à discussão de algumas possibilidades de resistências cotidianas encontradas nesse contexto. O estudo foi desenvolvido a partir do método etnográfico, que viabilizou a compreensão dos aspectos relativos às potencialidades e contradições do processo de articulação coletiva nesse contexto, assim como a reflexão sobre o modo como cada trabalhador(a) rural assentado(a) é afetado(a) por esse fenômeno.
A análise das informações coletadas em campo foi realizada com base nos pressupostos teóricos da Psicologia Comunitária. Com sua práxis voltada para a mudança social e partindo do princípio de não destacar deficiências, mas potencialidades dos indivíduos e da comunidade, a Psicologia Comunitária está relacionada à perspectiva de resistência cotidiana, rompimento dos mecanismos de opressão e compromisso de dar visibilidade aos enfrentamentos e microrresistências de pequenos grupos.
Assim, a fim de conhecer as especificidades do contexto em que foi realizada a pesquisa, bem como as resistências nele presentes, iniciaremos o artigo trazendo alguns elementos para a compreensão da importância da formação dos assentamentos rurais de reforma agrária no País.
O projeto de reforma agrária e o surgimento da figura dos(as) sem-terra no País
A reforma agrária é definida no primeiro artigo do Estatuto da Terra como "o conjunto de medidas que visam a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade" (Brasil, 1964, art. 1º, §1º). Ainda de acordo com esse documento, é dever do poder público garantir as condições para que os(as) trabalhadores(as) tenham acesso à posse da terra onde possam produzir o suficiente para garantir a sobrevivência de sua família. Partindo dessa perspectiva, os assentamentos rurais deveriam ser criados para concretizar a distribuição de terras por meio da reforma agrária, com a colaboração do Estado. Entretanto, esse projeto foi problemático desde o início, pois o momento histórico em que o Estatuto da Terra foi promulgado, ou seja, a década de 1960, não era favorável à efetivação do processo de democratização de terras no País.
Em decorrência das tensões políticas e sociais que permearam todo o período da ditadura civil-militar, o Estado não priorizou a reforma agrária, adotando medidas que intensificaram sobremaneira a concentração de terras no Brasil. Apesar do ambiente desfavorável à mobilização política durante o período militar, no qual muitos(as) trabalhadores(as) rurais que se organizavam politicamente sofreram perseguições, foram presos(as), exilados(as) ou exterminados(as)s, os movimentos sociais do campo permaneceram organizados, contribuindo com a luta pelo fim da ditadura (Bergamasco & Norder, 2003).
A partir da década de 1980, com a abertura política, movimentos de luta pela terra, como os das ligas camponesas, dos atingidos por barragens, dos seringueiros, dos quilombolas e dos sem-terra intensificaram seu papel fundamental de enfrentamento das desigualdades no âmbito rural. Nesse contexto, as ocupações representavam a busca pelo direito à terra, ao trabalho e à moradia, bem como a efetivação da função social da terra.
Com isso, pode-se dizer que a criação de assentamentos rurais é uma conquista das lutas pela reforma agrária, organizadas pelos movimentos sociais do campo. Leite, Heredia, Medeiros, Palmeira e Cintão (2004) apontam que os espaços que compõem as áreas ocupadas e/ou demarcadas podem ser o resultado de um longo processo de luta empreendido por um movimento social organizado por pequenos agricultores(as) independentes ou mesmo fruto de negociações entre sindicatos e órgãos governamentais.
Sobre os principais atores envolvidos no processo de ocupação de terras no Brasil, Leite et al. (2004) destacam os posseiros, parceiros e pequenos produtores rurais atingidos por barragens ou outras obras públicas, seringueiros, assalariados rurais ou mesmo uma parcela da população que enfrenta precárias condições de vida no contexto urbano. É importante apontar essa diversidade a fim de ressaltar que o desenho social dos trabalhadores que se envolvem na luta pela terra no Brasil compreende não apenas trabalhadores de origem rural, mas um conjunto diversificado de trabalhadores em "busca da dignidade e do direito ao trabalho perdidos" (Tomaz Jr., 2001, p. 95).
Desse modo, os assentamentos rurais representam uma possibilidade de organização social diferenciada, marcada pela luta e resistência dos(as) trabalhadores(as) do campo e da cidade em busca de melhores condições de vida e trabalho (Scopinho, 2010). Dimenstein, Macedo, Leite e Gomes (2015, p. 30) enfatizam que é "imprescindível reconhecer os efeitos políticos e subjetivos deflagrados mediante a inserção dos trabalhadores rurais nesses espaços de luta".
Entretanto, há também que se considerar a falta de comprometimento do poder público que historicamente não tem cumprido seu dever de oferecer o suporte necessário para que a população assentada tenha condições concretas de trabalho e moradia que viabilizem sua permanência nos assentamentos.
Como destacam Bergamasco e Norder (2003) e Leite et al. (2004), a posse da terra não é suficiente para que as famílias possam permanecer no campo, pois a reforma agrária não se limita ao reordenamento da ocupação do solo, mas compõe um conjunto de medidas necessárias para promover trabalho, moradia e melhoria das condições de vida nos assentamentos.
É importante lembrar, portanto, que a manutenção da produtividade agrícola vai além da conquista da terra como espaço e substrato para o trabalho. Requer também acesso a financiamento e subsídios para viabilizar a atividade produtiva, como equipamentos agrícolas, ferramentas, sementes/mudas, regularização do solo (química e física), irrigação, etc. Além disso, é importante considerar que o trabalho no campo se caracteriza por uma rotina intensa de atividades desenvolvidas para o manejo da terra, a manutenção de culturas diversas e a criação de animais variados, que compõem um sistema complexo e interdependente (Gemma, Tereso & Abrahão, 2010).
Nesse sentido, a conquista da terra é um passo importante; mas manter-se nos assentamentos é um desafio cada vez maior para as famílias assentadas. Scopinho (2012) ressalta que a dificuldade de permanência nos assentamentos, além da omissão por parte do Estado em cumprir seu papel, também está relacionada aos diversos obstáculos que os(as) assentados(as) acumulam em sua trajetória de vida, pois muitos buscam participar de um movimento social em favor da reforma agrária, principalmente, para fugir da pobreza e da violência das periferias urbanas. De acordo com a autora, alguns dos motivos apontados como determinantes para a participação em movimentos de luta pela terra são a falta de perspectiva de melhoria das condições de vida, a convivência cotidiana com o desemprego e a precariedade dos trabalhos informais em diversos setores da economia, tanto rural quanto urbana.
Segundo Leite et al. (2004), essa é a condição de grande parte dos(as) trabalhadores(as) que participam de ocupações de terra no Brasil. Em um movimento migratório contrário, ou seja, da cidade para o campo, muitos nunca trabalharam no meio rural, inicialmente envolvendo-se com as lutas pela terra pela necessidade de moradia.
Considerando o panorama apresentado, pretendemos discutir aqui algumas questões que surgiram durante a pesquisa realizada no assentamento de Araras. As principais questões que surgiram no trabalho de campo e no contato com as vivências cotidianas no assentamento foram: como os fatores macroestruturais, anteriormente descritos, se refletem na história de vida dos(as) assentados(as) e o quanto interferem na viabilidade econômica e social do assentamento pesquisado? Quais as possíveis formas de enfrentamento?
Antes, porém, de continuar a discussão sobre essas questões, esclareceremos os caminhos percorridos, apresentando o método e o referencial teórico utilizado para as reflexões estabelecidas a partir do material coletado em campo.
Tecendo caminhos: o método e o campo de pesquisa
A etnografia é um método que permite reconhecer diferenças culturais, além de possibilitar ao(à) pesquisador(a) aproximar-se do modo como se atribui sentido ao mundo na vida cotidiana, ou seja, possibilita a compreensão dos processos sociais sem a pretensão de construir leis universais ou teorias do comportamento humano que reduzam a complexidade dos processos sociais cotidianos.
Rockwel (1987) aponta que esse enfoque caracteriza-se por oferecer a oportunidade de compreender a realidade social e o cotidiano mediante a própria concepção dos participantes da pesquisa, processo que só poderá ocorrer a partir da imersão do(a) pesquisador(a) em campo por um tempo relativamente longo, de forma que ele(a) possa fazer parte da rotina do contexto estudado. Nesse sentido, as observações e conversas podem ser gravadas e transcritas, mas as impressões do pesquisador, em geral, são mais relevantes que a totalidade do que foi dito em palavras.
Portanto, de acordo com os princípios do método etnográfico, a pesquisa foi realizada a partir da imersão em campo, com atividades continuadas por um período de dois anos. Foi concretizada em um assentamento de reforma agrária localizado na cidade de Araras-SP. Esse assentamento é formado por quatro áreas (I, II, III e IV), compondo um conjunto permeado por diferentes características. Dentro do município, o assentamento se localiza em uma região conhecida como Horto Florestal Loreto, localidade muito próxima aos bairros da zona leste da cidade, a maioria deles formados por casas populares provenientes de programas de habitação e com alta densidade populacional. Além da proximidade com a área urbana, é importante ressaltar que esse conjunto de áreas que forma um único assentamento também faz fronteira com a plantação de cana-de-açúcar que abastece uma usina de açúcar e álcool localizada no mesmo município.
Foram participantes da pesquisa os atores(as) que de alguma forma estiveram envolvidos(as) com o assentamento, ou seja, os(as) assentados(as), apoiadores(as) e representantes do poder público que eventualmente participaram dos encontros realizados durante o trabalho de campo. Além dos registros em diário de campo gerados pelas observações participantes, também foram realizadas três entrevistas individuais com assentados da área III.
O processo de análise realizado para conclusão da pesquisa consistiu na leitura sistemática do material produzido, buscando, a partir do referencial teórico-metodológico adotado, atribuir sentido a essas informações. Todo o material produzido durante a pesquisa foi, portanto, submetido à análise interpretativa hermenêutica (Geertz, 2008).
A seguir explicitamos o referencial teórico utilizado para formulação das questões de pesquisa, bem como para a condução do trabalho de campo.
Semeando novas perspectivas: aproximações recentes entre a Psicologia e a questão agrária
A Psicologia, que tradicionalmente foi uma ciência voltada para o estudo e intervenção em áreas urbanas (Vasquez, 2009; Landini, Benítes & Murtagh, 2010; Dimenstein, Macedo, Leite & Gomes, 2015), hoje começa a se voltar para outros contextos. Atualmente, é possível notar o crescimento expressivo de profissionais dessa área que têm voltado sua prática para questões relacionadas ao meio rural, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, atingidos por barragens, etc.
De maneira geral, na formação em Psicologia não há uma disciplina ou outros espaços durante o curso que focalizem as especificidades do mundo rural. Em consequência disso, ainda são muito poucos(as) os(as) psicólogas/os que estudam ou atuam em contextos rurais. A construção de conhecimento sobre as particularidades psicossociais da população rural é, portanto, uma importante lacuna na Psicologia. Entretanto, com a recente expansão do ensino superior e a disseminação de cursos de Psicologia para além das grandes metrópoles, os(as) psicólogos(as) têm, cada vez mais, se aproximado dos serviços públicos, especialmente das políticas públicas de saúde e de assistência social, fato que tem possibilitado um movimento inicial de mudanças na formação profissional. De acordo com as referências técnicas dos Conselhos de Psicologia (CFP/Crepop, 2013), é nesse contexto que começa a surgir o interesse pela questão agrária, principalmente na Psicologia Social, de forma que os(as) psicólogos(as) passam a aproximar-se dos movimentos sociais e a voltar-se para questões relativas à terra, entre outras, que tradicionalmente não faziam parte da atuação desses(as) profissionais.
Nessa perspectiva, a Psicologia Comunitária, como subárea da Psicologia Social (Montero, 1999), pode trazer contribuições importantes, pois se trata de um referencial teórico e epistemológico construído a partir da realidade latino-americana, que "tem como objetivo o desenvolvimento do sujeito comunitário" (Ximenes & Moura-Júnior, 2013, p. 459). Voltada para a transformação social, ela não pretende explicar com categorias psicológicas o que é de ordem social/estrutural. Essa forma de olhar para a realidade busca contemplar toda sua complexidade, partindo do princípio de que os fenômenos humanos são multideterminados. Desse modo, a interface entre Psicologia e a questão da terra está instrumentalizada para contribuir para o enfrentamento das desigualdades históricas criadas em nosso País pela concentração de terras e a expulsão dos(as) trabalhadores(as) do campo.
Trata-se, portanto, de compreender como as populações rurais vivem, quais são suas principais potencialidades e necessidades, como o desenvolvimento econômico e tecnológico afeta essa população, quais os impactos do agronegócio nas suas vidas cotidianas, como a saúde é afetada pela possibilidade de contaminação do solo e das águas, qual a importância do movimento de agroecologia, além de questões como reconhecer a relevância da diversidade e da riqueza cultural do campo.
Dessa maneira, acredita-se que o papel da Psicologia Comunitária nesse contexto é muito amplo, pois ela oferece um aparato teórico-metodológico e constrói novos referenciais que contribuem para a desconstrução de representações negativas acerca do contexto rural e da figura dos(as) sem-terra, aspecto que marca a constituição da identidade desses(as) trabalhadores(as) rurais. Com isso, a Psicologia Comunitária pode contribuir para a ressignificação das representações propagadas a respeito da dicotomia entre rural e urbano.
Com essa perspectiva, o trabalho de campo da presente pesquisa foi feito de pequenas intervenções, no sentido de reforçar a importância de ressignificar o que representa ser um(a) sem-terra, reconhecer suas dificuldades e compreender a importância histórica do seu papel para a mudança nas relações de poder por meio da democratização do acesso à terra (Brandenburg, 2010).
Esses momentos de debate sobre a condição de ser um(a) sem-terra foi um disparador para identificar algumas tensões que permeavam o cotidiano desses(as) assentados(as), mas também foi fundamental para o reconhecimento das resistências construídas individual ou coletivamente. Para exemplificar como se deu esse processo, serão descritas algumas situações vivenciadas durante o trabalho de campo, bem como as reflexões proporcionadas por essas experiências.
Sem-terra com terra: tensionamentos e possibilidades de resistências cotidianas
A dinâmica estabelecida entre os(as) assentados(as) e seu entorno destacou-se no processo de pesquisa. Por isso será abordada neste artigo. A descrição da relação com a comunidade do entorno e com outros agentes que participam ativamente do cotidiano do assentamento nos oferece a possibilidade de vislumbrar os conflitos que permeiam esse contexto e também as formas de resistência criadas pelos(as) assentados(as) para viabilizar sua permanência na terra. Exemplificaremos com a situação vivenciada por Geni1 e um grupo de mulheres, destacada por trazer elementos relevantes que ilustram o estabelecimento de relações no cotidiano do assentamento.
Assim como ocorre com várias famílias assentadas em Araras, Geni e o marido vivem e trabalham no assentamento há quase 20 anos. Os dois criaram seus filhos ali, cultivando e comercializando frutas, hortaliças, grãos e derivados de origem animal. O primeiro contato com essa assentada se deu em uma das reuniões que uma ex-funcionária da Prefeitura realizava no centro comunitário do assentamento. Essa reunião tinha como propósito mobilizar algumas mulheres interessadas em se articular coletivamente para promover a comercialização de seus produtos. Para tanto, a proposta era organizar um café e convidar pessoas para conhecer o assentamento. Nessa oportunidade as mulheres poderiam divulgar e comercializar seus produtos. Logo no início da reunião, após permanecerem algum tempo em silêncio, Geni e outras mulheres iniciam uma conversa paralela. Como parte do trabalho de campo, participamos da reunião e, nessa ocasião, estávamos sentadas entre elas, de forma que foi possível ouvir a conversa e também participar dela. A discussão entre elas girava em torno de uma questão: "Quem é que vai sair da cidade para vir até aqui comprar gente?" 2.
A iniciativa era interessante, mas as mulheres não estavam efetivamente participando da construção daquela atividade. Nenhuma delas tinha clareza do que exatamente estava sendo proposto ou de como aquilo tudo seria operacionalizado, ou seja, quem custearia o café e quem exatamente participaria da atividade. Notamos certo receio entre elas, certa desconfiança com relação aonde chegaria aquela reunião. Contudo, nenhuma das assentadas presentes tinha muito protagonismo naquele espaço. A fala estava concentrada em pessoas de fora do assentamento, enquanto as assentadas apenas falavam entre si em conversas paralelas.
A desconfiança delas ficou mais evidente quando foi dito que o prefeito e a imprensa da Prefeitura também participariam do evento. Durante o trabalho de campo realizado no assentamento, foi possível notar que a relação entre os(as) assentados(as) e a Prefeitura é contraditória. No momento da discussão, nenhuma das assentadas ousou questionar a presença da Prefeitura no evento "organizado por elas". O que se pôde observar foi a não participação efetiva delas na discussão. Todas ouviram passivamente e concordaram com tudo que foi proposto por quem organizara a reunião. Entretanto, as conversas paralelas elucidaram que, de fato, elas não estavam ali numa postura passiva. Muito pelo contrário. O silêncio e a total concordância, naquela situação, era uma forma de negar o próprio envolvimento naquele processo.
Entendemos que a situação poderia representar uma típica forma de resistência cotidiana, pois, de acordo com Scott (2002), a resistência cotidiana caracteriza-se pela ausência de confronto aberto entre classes, diferentemente da resistência coletiva, que implica no embate direto. Quando não respaldadas num movimento social organizado ou institucionalizado, as resistências tendem a ser orientadas pela prudência necessária para evitar a exposição a situações de vulnerabilidade (Scherer-Warren, 1998).
De fato, essa era a maneira que aquelas mulheres tinham de discordar e até mesmo deslegitimar aquela iniciativa. Ora, se a proposta era divulgar os produtos do assentamento, especialmente os provenientes do trabalho das mulheres assentadas, de forma que os(as) compradores(as) também tivessem a oportunidade de entrar em contato com quem produz o alimento e com o contexto da produção, nada mais necessário do que a participação efetiva dessas mulheres na organização do evento. A omissão delas, portanto, implicaria no fracasso com relação aos objetivos propostos. É importante salientar que a proposta, em si, não era ruim e elas próprias indicam isso ao desenvolver a conversa paralela. Elas concordam que essa é uma questão relevante; contudo, entendem que muito da proposta original se perdeu no caminho do planejamento, justamente por não se abrir à participação efetiva daquelas que deveriam ser as protagonistas da atividade.
Ainda sobre a pertinência dessas conversas paralelas, quando o assunto, inicialmente vago, evocava a dificuldade de elas revelarem publicamente que são assentados(as) ou sem-terra, ficou claro que elas compreendem a importância de se aproximarem dos(as) moradores(as) da cidade.
É nesse contexto que Geni revela ter vergonha de dizer que vive no assentamento. Ela diz que, quando vai a algum lugar e precisa fazer um cadastro, sente que, quando se identifica como assentada, as pessoas a olham com "cara feia" e, às vezes, se recusam a dar continuidade ao procedimento. Assim, em virtude de situações como essa, quando precisa comprovar o local de residência, prefere usar o endereço de seus familiares que residem na área urbana. Dessa forma, ela se priva de enfrentar cotidianamente o preconceito por morar no assentamento. Ressentida, enfatiza que, mesmo após tantos anos trabalhando ali para produzir alimentos que são consumidos pelas pessoas da cidade, os(as) assentados(as) ainda sofrem com o preconceito proveniente das pessoas que se alimentam do produto de seu trabalho. Ela parece não entender muito bem o porquê dessa discriminação, visto que, de acordo com a sua afirmação, "não tirou terra de ninguém", já que, anteriormente, não havia nada ali.
De fato, as terras ocupadas para esse assentamento eram terras públicas, pertencentes à antiga Fepasa e estavam improdutivas. Então, seguindo com suas reflexões, Geni questiona o uso do termo sem-terra, pois diz que está no assentamento há quase 20 anos trabalhando duro, produzindo alimento em seu lote. Chega à conclusão de que não é sem-terra. Parece querer livrar-se desse estigma. Porém, diariamente, sente a reafirmação dessa condição e sintetiza com muita clareza a principal contradição vivenciada por todos(as) os(as) assentados(as) ali ao dizer: "Não sou sem-terra! Só se for sem-terra com terra" (trecho de diário de campo).
Dessa forma, aponta a urgência do diálogo com a sociedade, com os(as) moradores(as) da cidade, com os(as) consumidores(as) de seus produtos. Afinal, ela enfatiza que, naquele assentamento, todos(as) são "sem-terra com terra", pois, apesar de possuírem um lote, ainda enfrentam cotidianamente as consequências de estar fazendo parte de um movimento contra hegemônico, talvez sem muita clareza sobre a forma como se inserem nesse processo.
Aqui se faz necessário um breve esclarecimento a respeito do que significa ser sem-terra no Brasil. A figura do sem-terra, para além de representar um estigma vendido pela mídia e mantido pelos interesses de grandes corporações, é também protagonista fundamental na reorganização da estrutura fundiária de nosso País (Tomaz, 2001; Bergamasco & Norder, 2003; Leite et al., 2004). Mas a manutenção do preconceito relacionado à figura do sem-terra, veiculada pela mídia como sendo formada por criminosos, como uma ameaça a toda e qualquer propriedade rural, sustenta uma oposição da sociedade em geral com relação a esses(as) atores(as), tão importantes para a transformação das relações de opressão no campo (Tomaz Jr., 2001).
Justamente por sua importância estratégica, a representação do(a) sem-terra entre a população tende a ser colocada como negativa, uma vez que é significativo seu potencial de abalar as estruturas de poder instituídas na sociedade contemporânea. Assim, podemos entender que os(as) assentados(as) de Araras vivenciam cotidianamente as consequências do confronto entre movimentos emancipatórios e os contramovimentos (Scherer-Warren, 1998), ou seja, as ações coordenadas pelas elites agrárias. Podemos entender que o estigma de sem-terra é sustentado também pelo choque de interesses na construção de diferentes significados sobre o mundo rural (Pires, 2004) e de como deve ser organizada a ocupação do solo. A heterogeneidade dos agentes e a assimetria de poder intensificam as disputas sobre a configuração das representações do rural entre diferentes grupos que compõem esse espaço. O resultado é a manutenção do predomínio de uma concepção que interessa aos grupos dominantes, bem como a desvalorização daqueles que se opõem a esse padrão.
A manutenção dessa oposição com relação aos sem-terra é significativa no município em que foi realizada a pesquisa. Em Araras, quase sempre, a população se refere ao assentamento como "os sem-terra". Trata-se da denominação usual, tanto para o espaço físico do assentamento como também para os que ali vivem. Isso ocorre de tal modo que muitos(as) moradores(as) da cidade imaginam que ali ainda há um acampamento3 e não um assentamento. Essa importante diferença parece não fazer muito sentido para a população da cidade com a qual se fez contato durante a pesquisa. O sentido pejorativo atribuído ao espaço conquistado pelos sem-terra é vivenciado cotidianamente pelos(as) assentados(as) nos diversos âmbitos em que se relacionam com os(as) moradores(as) da cidade.
Entretanto, há também outro lado. Há mesmo uma relação de reciprocidade e de admiração com relação aos sem-terra. Principalmente quando se trata dos(as) moradores(as) da zona leste da cidade, que estão mais próximos(as), que também estão na periferia da cidade, alguns com familiares no assentamento (já que as ocupações das áreas III e IV tiveram origem nesses bairros) e onde muitos(as) assentados(as) comercializam sua produção nas ruas.
O caso de uma das participantes do grupo de mulheres exemplifica muito bem essa situação. Josefa é uma mulher determinada que trabalha com seu marido no lote e que participa de todas as tarefas desenvolvidas pelo casal. Além disso, tem sua própria atividade, que é o cultivo de uma horta. Ela cultiva verduras, além de fazer pães, bolos e doces para comercializar em pequenos mercados da região. Ela se orgulha em dizer que, com essas atividades, garante uma fonte de renda própria, já que seus produtos são muito valorizados no comércio da região. Faz questão de enfatizar que tanto os comerciantes quanto os consumidores finais sabem que seus produtos são provenientes do assentamento e que, justamente por isso, optam por consumi-los. Relata ainda que, pela relação de confiança estabelecida com seus clientes, "todos(as) sabem que suas mercadorias são de qualidade, que sua verdura é colhida no dia, que seus pães e bolos são sempre frescos" (trecho de diário de campo).
Nesse contexto, justamente pela proximidade e pelas relações estabelecidas entre os(as) assentados(as) e a comunidade do entorno, há uma visão mais prática do que é o assentamento. Há, inclusive, o desejo de também conseguir um lote, de ter a oportunidade de também participar dessa empreitada. O que se supõe é que, nessa região da cidade, as pessoas parecem compreender melhor a contradição implícita na experiência de ser sem-terra com terra.
Mesmo com uma apropriação incompleta do processo histórico que envolve a questão da democratização da terra, os(as) moradores(as) desses bairros parecem não compartilhar da representação do mundo rural veiculada pelos grupos dominantes na cidade.
Considerações finais
Os relatos e as experiências descritos revelam a necessidade de sustentar o debate acerca de como as representações sociais sobre o assentamento afetam as relações estabelecidas entre os(as) assentados(as) e seu entorno. Como bem destacou uma assentada, é preciso que a cidade compreenda o papel que eles desempenham. É preciso debater as implicações de se reconhecer como "sem-terra com terra", ou seja, como trabalhadores(as) rurais ou urbanos que lutaram pela posse da terra e que, os(as) assentados(as), necessitam ainda manter a identidade de sem-terra a fim de continuarem a luta por condições dignas de trabalho e sobrevivência na parcela de terra conquistada. Nesse sentido, a permanência deles(as) no assentamento está sempre em jogo, de tal modo que sua organização como categoria e sua conscientização criam condições para o enfrentamento das adversidades.
É importante que se compreenda que melhorar as condições de vida na zona rural não se reduz ao incentivo do desenvolvimento ou à geração de renda para essa população por meio de criação de postos de trabalho. Melhorar as condições de vida na zona rural significa romper com o modelo de concentração fundiária que ainda predomina no País, mesmo com a intensa luta de movimentos sociais do campo pelo direito à terra. Significa viabilizar a reforma agrária de fato, para que o(a) pequeno(a) agricultor(a) ou o(a) assentado(a) tenha condições de produzir e sobreviver de seu trabalho no campo. E mais que isso, possa ter condições de trabalho dignas e atrativas para as próximas gerações.
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Recebido em 22/03/2016
Aprovado em 15/05/2017
1 A fim de preservar a identidade dos/as participantes da pesquisa, todos os nomes citados são fictícios.
2 A venda direta para os/as moradores/as da cidade é uma prática muito comum entre os/as assentados/as. No entanto, quase sempre são eles/as que se deslocam com carriolas ou com seus próprios veículos para a comercialização na cidade, de porta em porta, em pequenos mercados da região ou na feira do produtor realizada semanalmente em um bairro próximo. A única exceção é com relação à área IV do assentamento, pois essa se localiza exatamente no limite com a área urbana e os lotes são pequenos, de forma que, mesmo caminhando, as pessoas podem facilmente circular nessa área. Essa situação é bem diferente das áreas I, II e III, nas quais o deslocamento sem algum tipo de veículo fica prejudicado, por estarem mais afastadas da área urbana e serem compostas por lotes maiores, o que aumenta a extensão a ser percorrida.
3 Acampamento corresponde ao período em que as famílias ocupam a terra sem regularizar a posse e sem delimitar lotes para cada uma. Esse período é marcado pela precariedade das condições de vida enfrentadas, pois a área ocupada, na maioria dos casos, não oferece estrutura alguma; moradias, saneamento básico e toda a organização da vida cotidiana são improvisados em barracos de lona. Nesse momento, o fortalecimento do coletivo é fundamental para possibilitar a permanência na área ocupada. Por isso, apesar de ser um período de extrema dificuldade material, é também o momento em que a organização do coletivo se mostra mais articulada. O assentamento é consolidado quando há a regularização das terras e a permanência das famílias é reconhecida pelo Estado. Todavia, mesmo concluída essa primeira etapa, ainda há um longo percurso a ser trilhado pelas famílias até conseguirem um mínimo de estabilidade para permanecer na terra e sobreviver com o trabalho no lote.