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Pesquisas e Práticas Psicossociais

 ISSN 1809-8908

     

 

ARTIGOS

 

A saúde mental infantil na atenção primária: reflexões acerca das práticas de cuidado desenvolvidas no município de Horizonte-CE

 

The child mental health in primary care: reflections on care practices in the municipality of Horizonte-CE

 

La salud mental infantil en la atención primaria: reflexiones acerca de las prácticas de cuidado desarrolladas en el municipio de Horizonte-CE

 

 

Karina de Andrade BatistaI; Pedro Renan Santos OliveiraII

IPsicóloga. Mestranda em Saúde Pública (UFC). Especialista em Residência em Saúde da Família (ESP-CE). Graduada em Psicologia (UFC)
IIPsicólogo. Professor do curso de Psicologia (UECE). Doutorando em Psicologia (UFC). Mestre em Saúde da Família (UFC). Especialista em Residência em Saúde da Família (UECE). Graduado em Psicologia (UFPE)

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou compreender as Práticas de Cuidado em Saúde Mental Infantil, desenvolvidas por profissionais das Unidades Básicas de Saúde, no município de Horizonte-CE. O cenário foi a Atenção Primária à Saúde e, pautada em uma análise exploratório-descritiva, utilizou como técnicas para produção de dados a triangulação entre observação sistemática, questionário aberto e diário de Campo, apreciados segundo a técnica de Análise de Conteúdo. Os relatos dos profissionais, fundamentados nas práticas cotidianas, revelaram que o cuidado à criança com queixas em saúde mental ainda é perpassado por características de um modelo biomédico que corroboram com a medicalização. A reflexão sobre as condutas instituídas e os caminhos utilizados por nós, profissionais da saúde, é fundamental para efetivar uma rede assistencial pautada na Clínica Ampliada, que concebe um sujeito integral e possibilita diferentes formas de cuidado.

Palavras-chave: Saúde Mental. Infância. Práticas de Cuidado. Medicalização.


ABSTRACT

This study aimed to understand the care practices in Child Mental Health, developed by professionals of the Primary Care Health Centers (PCHC), in a municipality of Horizonte-CE, in northeast Brazil. Based on an exploratory-descriptive analysis, it used as data collection techniques such as: systematic observation, the open questionnaire and the field diary, which were assessed according to the Content Analysis technique. The professionals' reports, grounded on their daily practices revealed that the care of children with mental health complaints is still permeated by the characteristics of a biomedical model, which corroborate to the medicalization practices. The reflection on the instituted conducts and the paths used by us, health professionals is fundamental to carry out an assistance network based on the Expanded Clinical Practice, which conceives an integral subject and enables different forms of heatlh care.

Keywords: Mental Health. Primary Health Care. Childhood. Medicalization.


RESUMEN

Esta investigación tuvo como objetivo comprender las prácticas de atención en salud mental infantil, desarrollado por profesionales de las Unidades Básicas de Salud (UBS), en la ciudad de Horizonte-CE, nordeste brasileño. En escenario de la Atención Primaria de Salud y, con base en un análisis exploratorio descriptivo, se lo utilizó como técnicas para la producción de datos: observación sistemática, el cuestionario abierto y el curso diario de éstos que se evalúa de acuerdo con la técnica de análisis de contenido. Los informes de los profesionales, basadas en sus prácticas diarias, revelaron que el cuidado de los críos en el sufrimento psicologico todavía está impregnado por las características de un modelo biomédico, que corroboran con las prácticas de medicalización. La reflexión sobre las conductas y los tramos establecidos utilizados por nosotros, profesionales de la salud, es esencial para llevar a cabo una red de asistencia guiada por la clínica ampliada, que concibe un sujeto integral e abre una possibilidad que permite distintas formas de cuidado.

Palabras clave: Salud Mental. Atencion Primaria a la Salud. Niñez. Medicalización.


 

 

Introdução

O termo infância1 aparece nas práticas cotidianas como um conceito aparentemente solidificado e universal. No entanto, basta observar um pouco mais para percebermos que a criança ou o infante (como ser representante da categoria infância) assume diferentes papéis sociais nas diferentes culturas e nos diferentes momentos históricos, de modo que cada cultura terá sua própria classificação, seja por anos de vida, status ou papel social (Moraes, 2005). A compreensão da sociedade ocidental desse "ser criança" como sujeito de direito e merecedor de cuidado específico para cada faixa de desenvolvimento é, portanto, uma construção social moderna.

A Pedagogia e Psiquiatria infantil, como campo do saber específico sobre as questões infantis, surgem apenas no fim do século XIX, acompanhadas de uma tentativa de identificar, mensurar e controlar os comportamentos e condutas, estabelecendo uma normatização da infância. A "psiquiatrização" da infância teve, assim, sua origem nos sinais de um desenvolvimento comprometido e foi marcada pela difusão dos saberes médico e pedagógico, culminando no surgimento da ideia de criança anormal (Ferrazza & Rocha, 2011).

Desse mesmo modo, um saber específico sobre a infância e, mais especificamente, sobre a Saúde Mental Infantil (o qual representaremos pela sigla SMI), perpassa um processo de construção histórico-cultural, surgindo como categoria definida apenas em meados do século XXI.

O lugar ocupado pela SMI, no atual modelo de atenção à saúde estabelecido no Brasil, perpassa, assim, um processo de reformulação, bem como a construção significativa atribuída à Saúde Mental e à Infância ao longo do tempo, até chegar ao atual modelo paradigmático. Partindo de tal panorama, este artigo é resultado de um estudo que teve por objetivo compreender as Práticas de Cuidado em Saúde Mental Infantil desenvolvidas no contexto da Atenção Primária à Saúde, utilizando como base as concepções dos profissionais sobre infância e sobre o cuidado em saúde mental.

A discussão apresentada neste estudo requer uma fundamentação teórica, além de uma posição histórica. Para tanto, nos tópicos introdutórios, apresentaremos um resgate do processo de reformulação da Atenção à Saúde no Brasil, bem como dos aspectos teóricos e históricos que permeiam a medicalização da infância, como prática de cuidado. Em seguida, delimitaremos o campo e os atores participantes da pesquisa e contextualizaremos o desenho metodológico utilizado para a construção e análise dos dados. Exposto o quadro teórico e localizado os sujeitos e cenários da pesquisa, discorreremos sobre as principais categorias evidenciadas dos discursos dos sujeitos, a saber: infância, saúde mental e práticas de cuidados.

Processo de reformulação da Atenção à Saúde no Brasil: construção da ESF e da RAPS1

As práticas de cuidado em saúde passaram por diversas modificações ao longo do tempo. Como evento basilar, destacamos o Movimento Higienista, que entrou em curso no Brasil nas primeiras décadas do século XX e foi responsável por uma grande mudança no paradigma social da época. Ao ter como premissa a doença como um fenômeno social, presente em todos os aspectos da vida humana, essa corrente de pensamento levou o saber médico a diversos espaços sociais. A medicina, assim, adentrou o ambiente familiar e escolar e tornou-se estratégia de regulação social ao normatizar, disciplinar e prescrever as condições ideais para o bem-estar coletivo (Menezes, 2011; Lemos &Vasco, 2012).

Já no fim da década de 1970 surge um movimento de redemocratização do setor saúde conhecido como Reforma Sanitária. A partir dos ideais da reforma e de um contexto permeado pela luta dos trabalhadores e profissionais de saúde voltados para a construção de saberes e práticas contra-hegemônicas, foi implantado no Brasil um novo modelo de atenção à saúde: o Sistema Único de Saúde (SUS). Nele se instaura um marco político-legal que dá início a um processo de reorganização dos serviços, reorientando a assistência e desenvolvendo uma atenção integral com impactos individuais e coletivos

Como uma proposta de reorientação do modelo assistencial à saúde, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS), surge a Estratégia Saúde da Família (ESF), em meados da década de 1990. A ESF tem por objetivo imprimir uma nova dinâmica de estruturação do Sistema e de suas relações com os outros níveis assistenciais (inclusive com a Saúde Mental) e com a comunidade. Sua operacionalização, segundo Andrade, Barreto e Bezerra (2009), se dá mediante estratégias/ações preventivas, promocionais, de recuperação, reabilitação e cuidados paliativos das equipes de saúde da família, comprometidas com a integralidade da assistência, focada na unidade familiar e consistente com o contexto socioeconômico, cultural e epidemiológico da comunidade em que está inserido o usuário do serviço.

Como diretriz base para a efetivação dos princípios do SUS no cotidiano do cuidado, destacamos a Clínica Ampliada. Esta definida como "ferramenta teórica e prática cuja finalidade é contribuir para uma abordagem clínica do adoecimento e do sofrimento, que considere a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença" (Ministério da Sáude, 2010). Campos e Amaral (2007) consideram a Clínica Ampliada essencial para ampliar o "objeto de trabalho" da clínica: enquanto a medicina tradicional estava centrada no tratamento de doenças, a Clínica Ampliada expande o objeto, passando a agregar a ele outras questões de saúde, tendo como mudança fundamental a proposição de uma Clínica do Sujeito.

Os ideais da Clínica Ampliada conduzem, assim, os processos e práticas de cuidado do SUS. Tais práticas de cuidado são concebidas como um processo de trabalho que busca produzir saúde ampliando a autonomia, considerando a vulnerabilidade, o risco e a complexidade biopsicossocial das demandas de saúde. As práticas de cuidado devem, portanto, garantir a universalidade do acesso, a integralidade da rede de cuidado e a equidade das ofertas em saúde (Ministério da Saúde, 2010).

Com o objetivo de ampliar a capacidade resolutiva das ações das equipes de Saúde da Família, surge a proposta dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), por meio da inserção de novas categorias profissionais, efetivando a integralidade nos serviços de saúde. A estratégia Nasf (Portaria nº 2.488, 2011; Ministério da Saúde, 2014) deve ser construída por equipes multiprofissionais, entre cinco e sete profissionais de categorias distintas.

Ainda visando à operacionalização das atividades da APS, o Ministério da Saúde definiu alguns programas a serem executados pela ESF e apoiados pela equipe Nasf, dentre os quais salientamos o de Atenção à Saúde da Criança que, como estratégia, surge a partir da alta taxa de mortalidade infantil existente nas décadas de 1980 e 1990. Após a década de 1990, com a redução das taxas de mortalidade e as mudanças demográficas ocorridas no país, as ações de saúde da criança foram reorientadas, ampliando o cuidado para questões como a qualidade de vida, o crescimento e desenvolvimento em todo seu potencial (Ministério da Saúde, 2012).

No campo da assistência à Saúde Mental, a estratégia de cuidado tem sido denominada de Atenção Psicossocial (AP). A prática assistencial desse modelo é garantida por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e uma Rede de equipamentos comunitários e serviços de saúde - denominada Rede de Atenção Psicossocial (Raps) - que visam ao atendimento numa perspectiva psicossocial que procura acolher a demanda de cuidados psíquicos de forma que o usuário permaneça em seu meio social, em sua rede comunitária e que ele construa sua autonomia e possa exigir e reivindicar direitos (Vieira Filho, 1998).

A partir de 2005 o Ministério da Saúde começa a estabelecer orientações para uma política assistencial específica para a assistência em saúde mental às crianças e adolescentes e, desde então, apresenta impactos significativos na construção da rede de serviços para essa população (Ministério da Saúde, 2014)

O cuidado em SMI constitui um grande desafio para as ações em saúde, seja pelas características próprias desse grupo populacional, seja pelas formas de organização dos serviços. Tais práticas, ao mesmo tempo em que nos remetem à organização e ao funcionamento da rede de atenção voltada para o público infantil em sua tentativa de garantir uma atenção integral, estão também correlacionadas às especificidades do ser criança, ao processo de crescimento e desenvolvimento próprios dessa fase da vida, bem como aos aspectos socioculturais que a envolvem. No entanto, no cotidiano da APS, é cada vez mais frequente a incidência de crianças levadas em busca de auxílio profissional devido a tais adversidades. (Ministério da Saúde, 2010).

Medicalização da Infância e alguns aspectos históricos e teóricos

Na sociedade contemporânea, há um aumento significativo de tratamentos - medicamentosos ou não - dirigidos à infância. Pautados em uma lógica preventivista, a busca por diagnósticos precoces se justifica na promessa de uma qualidade de vida futura, de modo que a cada dia surgem novas tecnologias que visam identificar e conter as "desordens" dos sujeitos na sua mais tenra idade. Esses avanços tecnológicos, em sua maioria, pautados unicamente nos determinantes orgânicos, acabam por desconsiderar as questões históricas, culturais e subjetivas. Assistimos, assim, a uma epidemia de diagnósticos em que fenômenos da vida cotidiana como insônia, tristeza e medo acabam por adquirir caráter patológico (Tesser, 2006).

A ampliação do poder da Medicina acaba por diminuir a capacidade dos sujeitos de lidarem com seus sofrimentos e perdas recorrentes, transformando as dores da vida em doenças. Para além da prática medicamentosa, tratamos aqui de um processo de "Medicalização da Vida" (Abreu, 2006; Amarante, 2007; Decotelli, Bohre & Bicalho, 2013) como dispositivo de controle. Para Martins (2007, p. 125), a medicalização da vida tem "função de entorpecimento niilista do indivíduo, que encontra na ideologia da medicalização e da patologização uma defesa maníaca legitimada social, coletiva e pseudocientificamente pela indústria médica e farmacêutica".

Para Michel Foucault (1977), o fenômeno da medicalização está ligado a uma Medicina que, valendo-se do poder de seu discurso científico, toma a sociedade como objeto de higienização, disciplina os corpos e amplia sua apropriação sobre os sujeitos, passando a regular o comportamentos destes. A medicina atua como uma tecnologia do biopoder, em que o saberes, práticas e discursos médicos se estabelecem por meio da venda de valores, de modos de existência, de padrões de vida, de saúde e de bem-estar, na promessa de qualidade de vida, e acaba por difundir as biotecnologias, fazendo-as permearem por todo espaço social.

Além das teorias pós-estruturalistas, como encontramos nos apontamentos anteriores, outros campos teóricos também avançam na crítica aos saberes e fazeres hegemônicos em saúde. A crítica que nos é fundamental estabelecer, na interface com o campo teórico de abordagem crítica, é que há uma determinada hegemonização de certo modo de fazer e pensar as práticas em saúde. A essa hegemonia chamamos de "paradigma biomédico", que tem por horizonte normativo a prática curativista e no modelo técnico-centrado a instrumentalização do fazer desse paradigma. Apontamos que a hegemonia biomédica das práticas de saúde desenvolveu a redução da compreensão sobre o fenômeno da saúde/doença, ou do processo saúde/doença/cuidado, a partir de uma concepção unicausal (geralmente, biológica), omitindo processos de singularização e subjetivação, ou mesmo, como aponta Ayres (1994), redução dos processos de construção social da saúde.

Contemporaneamente, nas ações e práticas nas políticas públicas de saúde, tem sido prevalente o que a literatura chama de tecnificação do cuidado (Ayres, 1994; Conh, 2009; Merhy & Franco, 2003). Neste trabalho, entendemos a tecnificação como imposição de modelos explicativos racionalizantes sobre a vida, em todas as suas formas de expressividade, transformando a própria vida meramente em instrumentalidade.

Nas crianças, vemos que a produção da patologização e medicalização como produtos da racionalidade médica têm se dado de forma majoritária na idade escolar, surgindo uma estreita relação entre educação e saúde. No entanto, a partir da tentativa de se obter maior controle do desenvolvimento e do comportamento infantil, a implicação subjetiva, as características próprias do sujeito, bem como seus desejos e particularidades, acabam por ser desconsiderados. Tais fenômenos encontram-se cada vez mais difundidos nos serviços de saúde da atualidade, e essa temática, habitualmente, se atualiza na realidade da Atenção Primária à Saúde, especialmente nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).

 

Aspectos metodológicos

A presente pesquisa parte da compreensão de que o conhecimento científico tem um caráter construtivista, não sendo simplesmente a soma dos fatos constatados, de modo tal que ele é também construído e significado pelo pesquisador (Minayo, 2010). A busca pela compreensão sobre as práticas de cuidado em SMI demandou um percurso metodológico pautado em uma análise exploratório-descritiva, tendo em vista que, ao mesmo tempo em que se fez necessário adquirir maior familiaridade com a problemática, exigiu o reconhecimento da prática cotidiana dos profissionais de saúde a fim de determinar as características do fenômeno em questão.

Cenário do estudo

Esta pesquisa teve como cenário o município de Horizonte-CE, cidade localizada na Região Metropolitana de Fortaleza, cerca de 40,1 km da capital cearense. A cidade apresenta-se entre os 10 municípios de maior Produto Interno Bruto (PIB) do estado do Ceará, tem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,658 (desenvolvimento humano médio), segundo dados do IBGE, e projeção populacional para o ano de 2015 estimada em 62.002 mil habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015).

Segundo dados obtidos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes), o município conta, atualmente, com uma Rede de Atenção Primária à Saúde (APS) estruturada a partir de 17 UBS, com 20 Equipes de ESF e 3 equipes de Nasf. Ainda compondo a Rede de Atenção à Saúde, o município conta com um Caps I (Geral) e um Caps ad (tipo I), uma Policlínica Municipal (Centro de Especialidades), um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e um Hospital Municipal (maternidade e cirurgias eletivas). Além dessa rede de equipamentos e serviços, o município de Horizonte aderiu, no ano de 2013, ao programa de Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará (RIS-ESP/CE), sendo contemplado com 31 profissionais residentes divididos em diversos equipamentos de saúde do município, seja na APS (nas UBS) ou na Raps (por meio dos Caps). Um dos pesquisadores deste trabalho estava vinculado como residente desse programa à época da pesquisa.

Sujeitos de pesquisa e procedimentos éticos

Foram sujeitos de pesquisa uma das Equipes do Nasf (EqNasf) e as cinco Equipes de Saúde da Família (EqSF) que tinham articulação cotidiana com esse mesmo Nasf, todos da área urbana do município. A EqNasf em questão era composta por uma nutricionista, uma assistente social, duas fisioterapeutas e uma psicóloga. Foram também sujeitos do estudo os profissionais de nível superior das equipes de referência da ESF, as EqSF, a saber: cinco médicos, sete enfermeiros e seis cirurgiões dentistas.

Visando assegurar a proteção aos participantes e qualificar eticamente a pesquisa, seu desenvolvimento foi pautado nos referenciais da bioética, tais como autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, dentre outros, respeitando os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, segundo os ditames éticos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde2.

Técnicas da produção dos dados qualitativos

Estabelecido o cenário, os sujeitos e após os devidos consentimentos éticos, deu-se início aos procedimentos para construção do material empírico da pesquisa, o que ocorreu a partir da utilização de duas técnicas de produção de dados: a) a observação sistemática; e b) o questionário aberto.

A observação sistemática foi dirigida por um roteiro preestabelecido, que auxiliou no processo de exploração da realidade empírica. A imersão sistemática, com caráter investigativo, se estendeu por 20 dias, sendo destinados oito turnos para cada UBS. Durante essa etapa, foi produzido um Diário de Campo para sistematizar as vivências do campo. As notas realizadas, além de conter a descrição dos processos, apresentaram falas, comportamentos e impressões pessoais, favorecendo a profundidade da análise da pesquisa (Gil, 2008; Minayo, 2010).

Em um segundo momento da pesquisa, foram empregados questionários com perguntas abertas, possibilitando que o informante respondesse livremente. O conjunto de questões foi respondido por escrito pelos sujeitos da pesquisa e continha indagações sobre: o fluxo de cuidado presente em suas UBS; as demandas mais recebidas; e suas percepções sobre esse fenômeno presente no cotidiano da saúde da família. Foram entregues 24 formulários, sendo, destes, 19 disponibilizados para a pesquisa. Entre os respondentes, tivemos 7 enfermeiras, 5 dentistas, 3 médicos, 2 fisioterapeutas, 1 assistente social e 1 nutricionista.

Do perfil dos entrevistados, temos que 84% eram do sexo feminino, faixa etária entre 24 e 50 anos, com predominância de jovens adultos, com menos de 30 anos. Os aspectos profissionais demonstraram que os entrevistados tinham entre 1 ano e 27 anos de formado, e que 84% têm alguma especialização. Vale ressaltar que sete dos entrevistados atuam com profissionais residentes, lotados nas UBS selecionadas como campo investigativo.

Análise do material qualitativo

Visando relacionar os materiais produzidos nas diferentes etapas da pesquisa, a apreciação foi realizada segundo técnicas da Análise de Conteúdo. Com a identificação dos núcleos de compreensão do texto, ou seja, palavras e/ou expressões em torno das quais o discurso é organizado e da constatação da presença e frequência de determinados significantes, foram identificadas as estruturas de relevância, bem como os valores de referência e os modelos de comportamento presentes nos discursos (Minayo, 2010).

Os dados foram tratados e interpretados de modo que a discussão desse estudo foi conduzida partindo de três categorias analíticas principais, a saber: Infância, Saúde Mental Infantil e Práticas de Cuidado. Cada categoria analítica, no entanto, foi subdividida em unidades de registro empíricas, pautadas nas visões e representações apresentadas pelos sujeitos da pesquisa. As unidades construídas a partir do material empírico foram realçadas com o intuito de evidenciar tais constructos ao logo da discussão. As narrativas estão apresentadas articuladas com a teoria, de modo que, para a organização dos diferentes depoimentos, cada questionário foi enumerado aleatoriamente. Os fragmentos serão assinalados por "Q" (referente a questionário) seguido de uma numeração aleatória atribuída durante a sistematização do material.

 

Resultados e discussões

Concepções sobre Infância

Caracterizada fundamentalmente por um período de desenvolvimento e de constantes mudanças físicas e psíquicas, a infância é identificada como etapa da vida crucial de aquisição do conhecimento a partir de "novas experiências" e de "formação das características do indivíduo", como "caráter", "personalidade". Tal concepção apresentada corrobora com a compreensão de criança como ser social: "Fase da vida com grande desenvolvimento neuropsicomotor; aprendizado social; novas experiências e conhecimento" (Q.1).

Reconhecida como período em que as estruturas físicas e intelectuais de crescimento e aprendizagem emergem e começam a estabelecer suas funções, seguindo estágios de desenvolvimento que não ocorrem de modo linear, a infância é fundamentalmente o estágio de desenvolvimento mental, emocional e de socialização do indivíduo (Ministério da Saúde, 2010).

Como ser relacional, a criança é classificada como dependente dos sujeitos sociais que as circundam, como familiares e cuidadores, sendo necessária para a efetivação de um desenvolvimento satisfatório a realização de "cuidados especiais", próprios às particularidades desse período.

Uma fase do desenvolvimento físico, psíquico e social de uma pessoa, onde a imaturidade nessas áreas a torna dependente de cuidados e orientações de seus responsáveis. (Q.17)

Período em que o ser humano necessita de cuidados para seu crescimento e desenvolvimento saudáveis. (Q.14)

Diferente do papel social, no entanto, a definição de infância a partir de fatores cronológicos é mais divergente, o que foi possível constatar pelos discursos apresentados: "Período que, cronologicamente, vai desde o nascimento até os 12 anos de idade" (Q.06) e "É uma fase em que a criança tem entre 2 e 9 anos de idade [...]" (Q.13).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também utilizam o marco cronológico como balizadores, mas sem um consenso entre as diferentes políticas. Segundo a OMS, a infância corresponde à primeira década da vida, que vai de zero a 10 anos. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), "considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos" (Ministério da Saúde, 2012).

Compreendemos, entretanto, que, como fato biológico, a idade não é elemento determinante suficiente para a definição de infância, pois permite inúmeras delimitações para os períodos da vida.

Relacionada às transformações socioculturais e econômicas em um determinado tempo e lugar, cada cultura estabelece sua própria classificação de infância. No entanto, na tentativa de estabelecer um padrão universal para o ser criança e de padronização das etapas do desenvolvimento infantil, incorre-se no modelo biomédico. As ciências próprias da infância (como a Pediatria, a Pedagogia, a Psiquiatria e Psicologia Infantil), na busca por obter maior conhecimento e controle sobre o desenvolvimento e comportamento infantil, acabam por instituir um padrão de normalidade (Menezes, 2011).

Cuidado em Saúde Mental Infantil e Suas Interfaces

Assim como a concepção de Infância, a SMI também é percebida pelos profissionais a partir dos aspectos sociais, sendo determinada pelo meio e influenciada pelas relações e grupos nos quais está inserida. O trecho a seguir é elucidativo nesse aspecto:

O bem-estar mental de uma criança, a meu ver, depende muito do ambiente familiar em que vive, já que é o primeiro convívio que ela tem. Vivendo em um meio agressivo, ou recebendo maus tratos, provavelmente ela poderá "absorver" isto para si, causando um estresse mental, que refletirá de forma negativa em sua vida. (Q.19)

A família aqui aparece como detentora de um papel fundamental: a de mantenedora da saúde mental da criança. Considerada "o meio relacional básico para as relações no mundo, da norma à transgressão dela, da saúde à patologia, do amor ao ódio" (Costa, 1999, p. 78).

Dimenstein, Santos, Brito e Morais (2005) reconhecem que o papel da família é indispensável para a constituição de um cuidado efetivo, levando o desafio do cuidado em saúde mental para além das barreiras do SUS e dos serviços de saúde: expandindo-o para toda a comunidade e todos os espaços de socialização.

A Saúde Mental como conceito também agrega dimensões subjetivas na determinação do processo de saúde/doença. A compreensão de que aspectos individuais são balizadores para a manutenção da SMI aparece nos discursos e estão relacionados às condições idealizadas como "equilíbrio cognitivo e emocional", "qualidade de vida" e "bem-estar", como se vê a seguir: "É a percepção que a criança tem do mundo que a circunda" (Q.03) e "(...) equilíbrio cognitivo e emocional que a criança necessita para uma boa qualidade de vida" (Q.10).

Padrões comportamentais e de desenvolvimento cognitivo também foram apontados como fatores determinantes para a SMI. Entre os mais citados, destacaram-se o comprometimento do desenvolvimento intelectual/cognitivo e as alterações comportamentais: "É toda e qualquer alteração da criança que afete o seu comportamento e suas atitudes diante do convívio com as pessoas" (Q.04).

Fenômenos da vida cotidiana como insônia, tristeza e medo vão adquirindo caráter patológico e, na busca de analgesia diante das experiências da vida, recorre-se a racionalidades médicas, transformando questões cotidianas em patologias.

A saúde mental está relacionada a padrões psicossociais de uma referida sociedade e, para Szasz (1977), é justamente no campo da moral que se inscreve o saber psiquiátrico. A Psiquiatria torna-se, portanto, uma "disciplina contemporânea concernente aos problemas existenciais, e não às doenças cerebrais, pertencentes à neurologia. As dificuldades nas relações humanas podem ser analisadas, interpretadas e dotadas de significado somente dentro de contextos sociais e éticos específicos" (Szasz, p. 24).

Ainda relacionada a aspectos terapêuticos, a um ramo de estudo ou a abordagens específicas de uma categoria profissional, a SMI foi representada a partir de um conjunto de instrumentos e técnicas por meio dos quais se pode compreender o desenvolvimento infantil ou ainda contribuir para a "manutenção do bem-estar" das crianças. Nessa direção, os relatos a seguir deixam claros esses aspectos: "Conjunto de abordagens feitas em crianças que visam o bem-estar mental das mesmas" (Q.06) e "Entendo como o cuidado com o desenvolvimento psicológico da criança nessa fase" (Q.07).

A definição de conceitos, como o de SMI, a partir de técnicas específicas de um campo do saber, aponta uma ampliação do poder científico que ressoa em diversas práticas e representações sociais e se faz presente no modo de descrever e representar eventos de ordem subjetiva. Esse evento nos sugere a manutenção de um modelo biomédico ainda preponderante nas ciências biomédicas. Esse modelo apresenta algumas características marcantes: "visão do corpo humano como máquina; visão das doenças como coisas concretas, que não variam em pessoas e lugares, e que surgem como defeitos das peças dessa máquina, de natureza material" (Tesser, Poli & Campos, 2010, p. 3617). Dentro desse paradigma biomédico tecnicista, o tratamento é centrado preferencialmente em medicamentos e procedimentos técnicos e acaba por transformar os acontecimentos da vida em patologias, reduzindo os indivíduos a especialidades (Barros, 2002).

 

Práticas de Cuidado

Julgamos necessário captar os sentidos atribuídos sobre as demandas em SMI percebidas pelos profissionais. Nesse constructo, houve maior destaque para as ações centradas nas alterações comportamentais (como agressividade, agitação) e nas alterações das funções psíquicas (mudanças de humor, alteração na personalidade/desvio de padrões de comportamento), sendo estas relacionadas a nomenclaturas diagnósticas, bem como aos sintomas que as compõem, como se vê na definição do profissional a seguir: "Alterações comportamentais, como crianças agressivas e hiperativas; alterações de desenvolvimento intelectual, no caso de crianças que não acompanham o aprendizado escolar" (Q.13).

Destacamos o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), apontado como principal necessidade em SMI. Segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde - CID-10 (Organização Mundial da Saúde, 1993), o TDAH pode ser entendido por um transtorno relacionado ao desenvolvimento da atenção e atividade do indivíduo. Esse transtorno, atualmente, é considerado o mais diagnosticado entre as crianças (Fiore, 2005).

Entre as demandas elucidadas, as ações com foco nas questões sociais complexas (como as dificuldades escolares, desarranjos familiares, convívio com situações de risco) também foram contempladas: "[São] Crianças inseridas no convívio com álcool, drogas, prostituição, desarranjos familiares, etc." (Q.03).

Nota-se que eventos sociais como a violência são levados aos serviços de saúde em busca de alternativas individuais. Esse deslocamento feito do social para o individual diminui a autonomia do indivíduo diante de sua relação com a vida e com os outros.

Ao dissertar especificamente sobre as práticas de cuidado em SMI desenvolvidas nas UBS em que atuam, os profissionais indicaram ações como "atendimentos e acompanhamentos clínicos" realizados pela equipe de referência e Nasf, "encaminhamentos para especialistas", além do uso de medicação como principais meios para essa atenção especializada: "Acompanhamento clínico do uso crônico de medicações controladas e abordagem de novos casos" (Q.01) e "Na evidência de alguma alteração, encaminha-se para psicóloga ou psiquiatra (Nasf ou Caps)" (Q.04).

Como última categoria de análise, propusemos que os sujeitos discorressem sobre os facilitadores e obstáculos percebidos que interferem em suas práticas em SMI. Apontados como facilitadores, os procedimentos clínicos surgem como prevalentes nas narrativas, emergindo questões relacionadas a atendimentos, encaminhamentos para especialistas e práticas como renovação de receita e utilização de referência e contrarreferência: "Acesso para renovação de receita" (Q.01), "Grupos de apoio, unidades de referência para encaminhamento" (Q.02) e "Apoio de psicólogos e psiquiatras (profissionais diretamente relacionados com a área)" (Q.12).

Como principal obstáculo ao desenvolvimento de práticas voltadas para a SMI, foi apontado o modo de funcionamento das UBS: "Devido ao grande fluxo de atendimento [na UBS] e pouco tempo para avaliar, conduzir e acompanhar, os profissionais encaminham para um atendimento especializado (psicológico ou psiquiátrico)" (Q.05).

A mudança de base na atenção à saúde proposta pela ESF, reorganizando a APS, embora priorize as ações de saúde a partir de uma atenção integral, não foi suficiente para romper com a prática biomédica instituída, de modo que as ações desenvolvidas nas APS ainda têm como foco programas, protocolos e procedimentos padrão, seguindo um modelo ambulatorial, centrado no atendimento clínico.

A dificuldade individual em lidar com demandas específicas em saúde mental também foi apontada como obstáculo, o que para eles se dá devido ao conhecimento reduzido, à falta de capacitação, bem como à desmotivação em realizar atividades outras que não as especificadas em suas agendas de trabalho. Nessa direção, a demanda por formação no relato a seguir é elucidativa: "A falta de capacitação em saúde mental por parte dos profissionais da ESF, principalmente quando se trata de crianças" (Q.17).

Os relatos apresentados evidenciam que as práticas de saúde continuam centradas em procedimentos, compartimentalizadas e fragmentadas por especialidades. A preponderância de ações relacionadas a procedimentos clínicos nos remete novamente ao paradigma biomédico e à tecnocracia do cuidado. A clínica ampliada, por meio de um cuidado pautado em uma visão de sujeito integral, para além da doença, considerando-o em seu contexto, ainda parece distante das representações dos profissionais e, consequentemente, do cotidiano dos serviços das unidades de saúde.

Ao reforçar esse modelo, a fragmentação do cuidado encontra-se presente desde o processo formativo de grande parte dos profissionais da área da saúde, sendo levada para o campo de prática, no qual cada categoria acaba por atuar isoladamente. A existência de diferentes saberes sobre o humano e a falta de interface entre esses saberes estabelece um obstáculo para o exercício da integralidade e para a efetivação de uma Clínica que se propõe Ampliada.

 

Considerações finais

A partir dos discursos estabelecidos pelos participantes sobre as práticas de cuidado em Saúde Mental Infantil na Atenção Primária, foi possível constatar que as percepções das demandas em SMI ainda estão relacionadas a uma concepção de adoecimento, surgindo nos discursos por meio de terminologias diagnósticas ou de desvios comportamentais. Mesmo situações de cunho social e relacional têm suas respostas associadas a saberes científicos especializados.

As concepções de infância, estabelecidas pelos sujeitos deste estudo, também têm influência direta de saberes científicos que buscam um padrão de comportamento e desenvolvimento. Cada vez mais, eventos cotidianos como tristeza, agressividade ou mesmo dificuldades escolares surgem com caráter de patologias, corroborando para o processo de medicalização da vida de forma generalizada. A utilização de práticas de cuidado relacionadas a procedimentos clínicos nos levam a crer na manutenção de um modelo biomédico tecnicista, centrado em uma clínica da doença.

A Medicina, como tecnologia do biopoder, age por intermédio de um acompanhamento sistemático e do desenvolvimento de modelos específicos para alcançar bem-estar. Ao ditar formas de bem viver, de lazer, de se relacionar, acaba por se apropriar de toda a existência humana, criando padrões de comportamentos, normatizando os sujeitos e regulando os corpos (Foucault, 1977).

Além disso, a fragmentação do saber, centrando o cuidado na figura do especialista, aponta para a necessidade de pensarmos em formações profissionais que dialoguem entre si e com o campo de prática. Emerge, nas falas, a necessidade de Educação Permanente em Saúde - proposta do Ministério da Saúde que visa transformar e qualificar a atenção à saúde, os processos formativos, as práticas de educação em saúde, incentivando a organização das ações e dos serviços numa perspectiva intersetorial (Portaria nº 198, 2004).

Como obstáculo ao cuidado em SMI, surge, ainda, o modelo assistencial estabelecido, bem como a organização e estruturação dos serviços nas UBS, também fundamentado no paradigma biomédico. Entendemos que, para a concretização de uma mudança no modelo assistencial fundamentado nos ideais de Clínica Ampliada, é imprescindível a integração da ESF com a rede de saúde mental. Para a efetivação de uma clínica do sujeito, em que a terapêutica não se restrinja apenas a procedimentos e medicações, é necessário que se passe a valorizar recursos como a escuta, a palavra, a educação em saúde e o apoio psicossocial.

Salientamos, no entanto, que os profissionais de saúde não devem ser os únicos responsáveis pelo processo de cuidado, tendo em vista que a saúde mental envolve necessidades para além do campo da saúde. Nos casos referentes à infância, surgirão questões relativas à família, à educação, ao direito, sendo imprescindível estabelecer parcerias para a realização de um trabalho em rede.

A apreensão das necessidades infantis a partir de uma concepção de sujeito integral, condicionado por aspectos biopsicossociais, e, como tal, dotado de subjetividade e singularidade, acaba por tornar complexas as práticas de cuidado em SMI. A criança, como ser em processo, vivencia conflitos e dificuldades próprios da fase da vida e das etapas de aprendizagem. A forma de lidar com essas adversidades, mais que a manifestação de um sintoma, pode representar uma tentativa de solução diante de um conflito vivenciado. Cada criança apresentará uma forma singular de se expressar e buscar soluções para as questões da vida.

Diante da complexidade que envolve as práticas em SMI, esta pesquisa é apenas um recorte situacional que reflete a realidade urbana de um município do nordeste brasileiro. Portanto, compreendemos seus limites demográficos e teóricos. Contudo, os questionamentos ora apresentados têm amplitude para além dos limites territoriais. Este estudo pode ser entendido como ponto de partida, sendo imprescindíveis outras teorizações e construções sobre o campo que vislumbrem ainda outros aspectos que envolvem a SMI, dando voz a outros sujeitos envolvidos no processo de cuidado, como familiares e educadores. Queremos apontar em palavras finais que, para a efetivação do processo de cuidado infantil, é crucial a construção de espaços (terapêuticos e sociais) que tenham como foco a criança, valorizando suas percepções e reconhecendo seu potencial e sua capacidade no exercício do cuidado de si.

 

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1 Neste texto, os termos infância e criança são correlatos.
2 A pesquisa foi submetida para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Saúde Pública do Ceará, obtendo parecer favorável por meio do Parecer Consubstanciado sob o nº 1.051.634/ 2015.

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