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Pesquisas e Práticas Psicossociais

 ISSN 1809-8908

     

 

ARTIGOS

 

Diabetes Mellitus e atenção primária: percepção dos profissionais sobre os problemas relacionados ao cuidado oferecido às pessoas com diabetes

 

Diabetes Mellitus and primary care: professionals' perception about the problems related to the care offered to people with diabetes

 

Diabetes Mellitus y atención primaria: percepción de los profesionales sobre los problemas relacionados con el cuidado ofrecido a las personas con diabetes

 

 

Carlos Alberto Pegolo da GamaI; Denise Alves GuimarãesII; Guilherme Navarro Gontijo RochaIII

IGraduado em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP 1990), mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP 2001) e Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade de Campinas (Unicamp 2011). E-mail: carlosgama@terra.com.br
IIDoutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: alvesguimaraesdenise@gmail.com
IIIAcadêmico do 12º período do curso de Medicina da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ/CCO). Bolsista de Iniciação Científica - Pibic/CNPq/UFSJ (São João del-Rei (MG), Brasil. E-mail: gui.navarro@hotmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo qualitativo é identificar e analisar como os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) do município de Divinópolis, MG, percebem os problemas relacionados ao cuidado oferecido às pessoas com diabetes. Foram realizados Grupos Focais com os profissionais da APS e utilizou-se a hermenêutica para análise do material. Os profissionais afirmaram que o sistema de saúde não é integrado, apresentando problemas de comunicação, falta de recursos humanos e baixa cobertura de APS. A formação predominante baseia-se no modelo biomédico e foi considerada deficiente. Os profissionais apresentaram tendência a culpar as pessoas com diabetes pelas dificuldades encontradas na adesão ao tratamento proposto. Os resultados apontam para a necessidade de transformação das práticas de saúde por meio da incorporação de elementos ligados à subjetividade e ao território, visando ao aumento da responsabilização dos casos atendidos.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus. Atenção Primária à Saúde. Saúde Coletiva.


ABSTRACT

The purpose of this qualitative study is to identify and analyze how Primary Health Care (PHC) professionals in the city of Divinópolis, MG, perceive the problems related to the care offered to people with diabetes. Focal Groups were conducted with PHC professionals and it was used the Hermeneutics for data analysis. The professionals affirmed that the health system is not integrated, presenting problems of communication, lack of human resources and low coverage of PHC. The predominant training is based on the biomedical model and was considered deficient. The professionals showed a tendency to blame people with diabetes for the difficulties encountered in adhering to the proposed treatment. The results point to the need to transform health practices through the incorporation of elements linked to subjectivity and to the territory aiming at increasing the accountability of the cases served.

Keywords: Diabetes Mellitus. Primary Health Care. Collective Health.


RESUMEN

El objetivo de este estudio cualitativo es identificar y analizar cómo los profesionales de la Atención Primaria a la Salud (APS) del municipio de Divinópolis, MG, perciben los problemas relacionados al cuidado ofrecido a las personas con diabetes. Fueron realizados Grupos Focales con los profesionales de la APS y se utilizó La hermenéutica para el análisis del material. Los profesionales afirmaron que el sistema de salud no está integrado, presentando problemas de comunicación, falta de recursos humanos y baja cobertura de APS. La formación predominante se basa en el modelo biomédico y se ha considerado deficiente. Los profesionales presentaron tendencia a culpabilizar a las personas con diabetes por las dificultades encontradas en la adhesión al tratamiento propuesto. Los resultados apuntan a la necesidad de transformar las prácticas de salud a través de la incorporación de elementos vinculados a la subjetividad y al territorio con el fin de aumentar la rendición de cuentas de los casos atendidos.

Palabras clave: Diabetes Mellitus. Atención Primaria a la Salud. Salud Colectiva.


 

 

Introdução

As transições demográfica, nutricional e epidemiológica que vêm ocorrendo no mundo, sobretudo após a segunda metade do século XX, são responsáveis pelo aumento da prevalência e incidência das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). Elas são um grupo de doenças com história natural prolongada, caracterizadas por uma diversidade de fatores de risco e interação de fatores etiológicos desconhecidos, período de latência longo e assintomático, manifestações clínicas com características crônicas oscilando entre a remissão e exacerbação dos sintomas e evolução para incapacidades (Lessa, 1994; Reiners, Azevedo, Vieira & Arruda, 2008; Mendes, 2011).

A Atenção Primária à Saúde (APS) pode ser muito resolutiva para pessoas que necessitam de acesso a cuidados continuados durante toda a vida, realizando intervenções básicas envolvendo medicação, educação em saúde, aconselhamento e acompanhamento longitudinal (Mendes, 2011). No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) optou pelo modelo da Estratégia de Saúde da Família (ESF), que estrutura as ações no nível primário com implantação de equipes multidisciplinares em unidades básicas que são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias de uma área geográfica delimitada. Nesse modelo é possível desenvolver intervenções com enfoque coletivo e individual, considerando-se o contexto do usuário e a atenção à saúde integral. A ESF aposta na aproximação da equipe com a comunidade e destaca a importância do vínculo nas ações de saúde, visando transformar o enfoque tradicional embasado no modelo biomédico. As equipes realizam ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação e reabilitação das doenças e agravos mais prevalentes, como é o caso das DCNT. O trabalho no território é muito valorizado, principalmente pela participação do Agente Comunitário de Saúde (Brasil, 2012).

O processo de implantação desse modelo nas últimas duas décadas proporcionou diversos avanços relacionados aos cuidados em saúde da população, na medida em que possibilitou uma postura mais ativa da equipe de saúde no território, ampliou o conhecimento dos profissionais a respeito da situação de saúde da população adscrita, permitiu o acompanhamento longitudinal das pessoas vinculadas e o desenvolvimento de ações de educação em saúde, entre outros. No entanto, ainda existem muitos profissionais e muitas equipes de APS que continuam operando no modelo tradicional com ênfase na consulta médica individual, tratamento medicamentoso e com pouca valorização da promoção e prevenção à saúde (Conill, 2008; Souza & Hamann, 2009; Brasil, 2011).

Entre as DCNT, a Diabetes Mellitus (DM) é considerada uma epidemia mundial e um grande desafio para os sistemas de saúde. Estima-se que a prevalência global da DM passe de 8,8% em 2015 para 10,4% em 2040, o que representará 642 milhões de pessoas vivendo com diabetes no mundo com idade entre 20 e 79 anos. Em 2015, três quartos (75%) do total das pessoas com diabetes estavam vivendo nos países de baixa e média renda e 46,5% deles não estavam diagnosticados (Ogurtsova et al., 2017). A doença produz complicações agudas e crônicas que podem evoluir para invalidez precoce, diminuição da qualidade de vida e sobrevida dos doentes, alterações cardiovasculares, circulatórias e neurológicas, além do alto custo do tratamento e frequentes hospitalizações (WHO, 2016).

O tratamento da DM envolve tanto a prescrição de medicamentos como alterações no estilo de vida. A prevenção primária se estabelece a partir de um regime alimentar saudável e atividade física regular que postergam as necessidades de atenção à doença. A prevenção secundária inclui diagnóstico precoce e tratamento adequado, abrangendo o controle da hipertensão, dos níveis de colesterol e glicemia, podendo assim reduzir substancialmente o risco das complicações da doença e sua progressão (WHO, 2016).

Apesar dos avanços científicos com relação ao diagnóstico, acompanhamento e tratamento da DM, observa-se grande prevalência de diagnóstico limitado e baixa adesão às propostas de tratamento. A questão da adesão ao tratamento é bastante complexa, sendo considerada um fenômeno multidimensional influenciado por fatores intrínsecos ao próprio sujeito, por fatores relacionados às características da doença, às características do tratamento, à interação com os profissionais de saúde, com o sistema de saúde e com o contexto social, além de fatores históricos e culturais (Reiners et al., 2008; WHO, 2016; Ogurtsova et al., 2017). Constata-se um grande desconhecimento por parte das pessoas sobre a doença e, muitas vezes, seu caráter assintomático é um complicador para a adesão ao tratamento. Essa realidade é especialmente preocupante, uma vez que a doença exige da pessoa um conjunto de comportamentos especiais e sua coparticipação em cerca de 90% do cuidado diário (WHO, 2016).

Entre os diversos fatores envolvidos na baixa adesão ao tratamento destaca-se a relação estabelecida entre a pessoa com diabetes e os profissionais de saúde. O tipo de formação e as concepções dos profissionais a respeito da doença, do doente e do tratamento têm grande influência nas taxas de adesão e os estudos apontam diversos problemas relacionados às dificuldades dos profissionais para estabelecer uma boa relação terapêutica, tais como: comunicação inadequada e insuficiente; falta de confiança; falta de vínculo; abordagem de forma imprópria (desatenção e indelicadeza); hierarquização das relações; comportamentos de pressão e ameaça; comportamentos paternalistas, entre outros (Reiners et al., 2008; Graffigna, Barello, Libreri & Bosio, 2014; Vest et al., 2013; Ritholz, et al., 2011).

Nesse sentido, considerando a importância da relação entre profissional de saúde e a pessoa com diabetes para a adesão ao tratamento, o presente estudo teve como objetivo identificar e analisar como os profissionais da APS do município de Divinópolis percebem os problemas relacionados ao cuidado oferecido à pessoa com diabetes.

 

Metodologia

Foi realizado estudo exploratório, de natureza qualitativa (Turato, 2005; Minayo, 2008) na APS do município de Divinópolis/MG, no período de maio de 2013 a abril de 2014. À época da pesquisa, o município tinha aproximadamente 213.000 habitantes e nele coexistem dois modelos de Atenção Primária: o modelo tradicional "não ESF", representado por 13 Unidades Básicas de Saúde (UBS), e 23 equipes de ESF, existindo ainda dois Programas de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs). A cobertura de ESF no município correspondia a 48% (Brasil, 2015).

Foi utilizada para coleta de dados a técnica de Grupo Focal (GF), em virtude de sua adequação para a área de Saúde Pública devido às suas potencialidades de combinar métodos e perspectivas de diferentes áreas de conhecimento para a compreensão ampliada de percepções, crenças, atitudes, produtos ou serviços, em uma situação de interações entre os participantes (Trad, 2009). Os grupos foram conduzidos por dois moderadores: o coordenador do projeto e um graduando em medicina, vinculado como bolsista de Iniciação Científica, supervisionado pelo primeiro. Para a condução dos grupos focais, foi construído um roteiro, elaborado pelo coordenador e pesquisadores envolvidos na pesquisa, com base na revisão de literatura realizada sobre o tema. Os seguintes aspectos foram abordados: a) formação específica e complementar dos participantes; b) visão a respeito da Rede de Atenção à Saúde; c) concepções a respeito da doença e do tratamento e d) fatores que dificultam a adesão ao tratamento.

Foram considerados como potenciais participantes dos grupos focais os profissionais que atuavam nas Unidades de Saúde da Região Sanitária Sudoeste de Divinópolis, que inclui seis unidades com ESF e uma UBS. Essa região foi definida na coordenação da APS no município e escolhida por contemplar os dois modelos de atenção à saúde. Foi organizada pela Coordenação da APS do município uma lista de potenciais participantes e realizou-se o sorteio deles, buscando-se a representação de diferentes unidades de saúde e diferentes categorias profissionais. Após o sorteio realizou-se contato para formalização do convite para participação na pesquisa. Ao fim desse processo, considerando-se o caráter exploratório da pesquisa (Minayo, 2008), as recomendações sobre a complexidade da situação pesquisada para a definição de amostragem em pesquisa qualitativa (Minayo, 2017) e a composição adequada para condução dos GF (Trad, 2009), foram selecionados 20 profissionais inseridos na APS, em equipes da ESF e "não ESF". Os critérios de seleção foram: trabalhar na APS há pelo menos dois anos e se disponibilizar a participar da pesquisa. Foram abandonados os profissionais que atuavam há menos de dois anos na APS e que não aceitaram participar da pesquisa. Não havia contato prévio entre os moderadores e os participantes dos grupos focais e a interação entre eles se iniciou a partir dos contatos para o recrutamento de participantes.

Foram realizados dois grupos focais, sendo o primeiro com profissionais de nível técnico e superior, de diferentes áreas de formação que atuavam na atenção primária, excetuando-se os ACS, e o segundo somente com esses últimos. Essa divisão baseou-se em critérios de homogeneidade na composição dos grupos (Trad, 2009). A opção por realizar um GF somente com ACS está relacionada à percepção de que esse profissional desempenha papel fundamental no enfrentamento às doenças crônicas, especialmente por seu contato muito peculiar com a comunidade na qual está inserido (Cardoso et al., 2013). Além disso, avaliou-se a adequação de realizar esse grupo separado dos profissionais de nível técnico e superior em função de uma relação de trabalho marcada pela hierarquização de saberes e práticas entre essas duas grandes categorias profissionais, o que poderia gerar inibição dos ACS. Essa avaliação foi realizada conjuntamente com a Coordenação da APS do município.

O primeiro GF contou com nove profissionais de nível técnico e superior, sendo eles: um psicólogo, um auxiliar de saúde, um auxiliar de enfermagem, quatro enfermeiros, um médico e um dentista e teve duração de aproximadamente 90 minutos. O segundo GF contou com 11 ACS e teve duração de aproximadamente 110 minutos. Os grupos foram encerrados quando se atingiu o critério de saturação, ou seja, quando os pesquisadores consideraram ter alcançado qualidade e quantidade dos dados coletados e constataram que os conteúdos tornaram-se repetitivos, que nada de novo estava sendo discutido pelos participantes (Trad, 2009; Fontanella, Ricas & Turato, 2008; Minayo, 2017). Os grupos foram realizados em local apropriado, neutro e de fácil acesso (Trad, 2009). Para garantir o anonimato dos participantes, as falas foram codificadas, considerando-se uma identificação com letras e números que explicitam respectivamente a categoria profissional e o número do participante. Foi utilizada a seguinte codificação de letras: (AS) Assistente Social, (DE) Dentista, (EF) Enfermeiro, (PS) Psicólogo, (MD) Médico, (AE) Auxiliar de Enfermagem, (ACS) Agente Comunitário de Saúde.

A análise dos dados foi feita considerando-se o referencial teórico da hermenêutica, que consiste na busca da compreensão de sentido que se dá na comunicação entre os seres humanos. As etapas seguidas foram: 1. ordenação dos dados, que inclui a transcrição das gravações, releitura do material e organização dos relatos; 2. a classificação dos dados, que envolve a leitura exaustiva dos textos, prolongando uma relação interrogativa com eles, também chamada de "leitura flutuante", que permite apreender as estruturas de relevância dos atores sociais, as ideias centrais que tentam transmitir e a elaboração de categorias e, 3. a análise final, que estabelece articulações entre os dados e os referenciais teóricos da pesquisa, buscando responder aos objetivos fixados e estabelecer indicações que possam servir de fundamento para propostas de planejamento e avaliação de programas, revisão de conceitos, transformação de relações, mudanças institucionais, dentre outras possibilidades (Gadamer, 1997; Ayres, 2007; Minayo, 2008).

Do processo de análise emergiram as seguintes categorias: 1. Organização da Atenção em saúde; 2. Formação em saúde; 3. Aspectos da realidade das pessoas com diabetes e a relação com os profissionais de saúde.

Esta pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética, tendo sido registrado sob parecer nº 258.574 em 23/04/2013. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram seguidas todas as recomendações éticas.

 

Resultados

Organização da Atenção em saúde

Os profissionais dos dois GF acusaram problemas estruturais no sistema de saúde que dificultam o processo de cuidado de maneira geral e o acompanhamento das doenças crônicas, incluindo a diabetes. Avaliaram que o sistema de saúde do município tem deficiências em relação ao planejamento e organização de ações, dificuldades de comunicação, isolamento e baixa cobertura da APS.

Avaliaram que o fluxo dentro do sistema não é bem definido e existem diversos gargalos, dificultando a integralidade do cuidado. Identificam a inexistência de protocolos e relataram que cada serviço e cada profissional adotam seus próprios critérios e mecanismos particulares para dar seguimento aos pacientes e situações que acompanham. Identificam dificuldades no sistema de referência-contra-referência e afirmaram que não existe um processo de avaliação de risco que permita a organização dos trabalhos por prioridades.

Identificam problemas para realização do cadastro das pessoas com diabetes, problemas para realização de um acompanhamento regular e adequado nas unidades de saúde, problemas na marcação de consultas e exames e no encaminhamento para especialistas, o que resulta em maior procura pelos serviços de pronto atendimento e agravamento dos quadros. Essas questões são ilustradas pelas falas a seguir:

Eu acho que uma dificuldade muito grande na nossa unidade é quando o paciente da atenção primária precisa de uma atenção especializada, no caso da policlínica, sabe? São poucas cotas, têm poucos médicos. Às vezes encaminha para um cardiologista e fica um ano! (EF1)

E se fosse um encaminhamento bem-feito também, né? Porque eu não enxergo muito os médicos como vilões não, apenas alguns. Alguns encaminham coisas que podem ser resolvidas na atenção primária e isso faz com que a atenção secundária acabe lotando mais, pega a vaga de alguém que está precisando. Eu percebo que, às vezes, falta também preparo profissional. (DE)

Um problema identificado repetidamente pelos participantes dos dois GF foi a falta de profissionais nos diversos serviços, incluindo a área técnica, administrativa e de serviços gerais. Avaliaram que essa situação provoca sobrecarga para os profissionais e dificulta a organização do processo de trabalho, pois os profissionais são totalmente absorvidos pelas demandas diárias, não conseguindo planejar outras ações, como prevenção e promoção da saúde das pessoas com diabetes: "Falta de profissional, e de articulação também. Porque muitas vezes, se não é na minha unidade, eu tenho que passar por cinco ou seis pessoas pra conseguir encaminhar o coitado daquele paciente pra onde ele precisa chegar" (DE).

Os profissionais dos dois GF identificaram que as pessoas com diabetes têm dificuldades em adaptar sua disponibilidade de horários à dinâmica adotada pelos serviços de saúde para a marcação de consultas e retornos. Avaliam que os horários de atendimento das unidades não são pensados para atender os usuários; pelo contrário, são estruturados em função da necessidade dos profissionais e do serviço. Dessa forma, os usuários têm acesso dificultado aos serviços de saúde, principalmente pela incompatibilidade com os horários de trabalho. Os serviços de saúde não fornecem atestados, mas somente uma declaração de comparecimento que não tem valor para abonar a falta do trabalhador. Avaliam ainda que no PSF é mais fácil conseguir uma consulta ou mesmo um encaixe na agenda e que nas unidades tradicionais existe uma rigidez da agenda, mesmo nos casos mais urgentes.

De forma consensual, os profissionais de nível técnico e superior avaliam a importância do trabalho dos ACS como mediadores entre a equipe de profissionais e o território. Afirmaram que os ACS conseguem uma boa comunicação com os usuários e são fundamentais na identificação de sinais para diagnóstico precoce da diabetes, no acompanhamento dos casos mais graves e no processo de informação da população. No entanto, apontaram a necessidade de uma melhor capacitação desses profissionais.

E digamos que os ACS são os mais importantes, porque são eles que trazem, e o trabalho principal de capacitação deveria ser focado neles, porque eles vão saber trazer a realidade pra nós, pra gente não ter que tirar o médico pra fazer visita a toa, atrapalhar a agenda do enfermeiro pra ir lá a toa. (EF4)

Os participantes do GF de nível técnico e superior fizeram uma série de críticas aos profissionais médicos, apontando falta de didática na comunicação com as pessoas com diabetes; dificuldade na criação de vínculo e a realização de consultas extremamente rápidas, nas quais não há possibilidade de uma investigação mais profunda da problemática da pessoa e explicação mais detalhada da doença e do tratamento. Afirmaram que a maioria das orientações dadas para as pessoas com diabetes é feita pela enfermagem e outros profissionais não médicos. Avaliam que as dificuldades do trabalho interdisciplinar e a falta de integração das equipes prejudicam o cuidado às pessoas com diabetes.

Formação em saúde

A respeito da formação em saúde, o GF dos profissionais de nível técnico e superior identificou e discutiu diferenças vinculadas aos currículos das instituições de ensino na qual se formaram. Alguns profissionais afirmaram que tiveram uma formação baseada no modelo biomédico tradicional, mais centrado no hospital. Muitos relataram que a graduação não os preparou para lidarem com a realidade das doenças crônicas, havendo pouco tempo na formação dedicado ao tratamento do diabetes e que o aprendizado ocorreu na prática, depois da graduação. Outros relataram que a formação foi mais baseada na prevenção e na articulação da Rede de Atenção à Saúde com estágios durante o curso em unidades do SUS, inclusive na APS. Reconheceram a importância do modelo de formação que parte da aproximação entre teoria e prática e identificaram que esse é um diferencial da proposta adotada pela Instituição Federal de Ensino instalada no município.

Então, o que eu vejo hoje, apesar de não estar envolvida diretamente, é que a Universidade Federal que está aqui na cidade tem um enfoque diferente: desde os primeiros anos o aluno já começa a participar da problemática da situação onde provavelmente ele vai trabalhar, né? (PS)

Em relação à formação em saúde, o GF dos ACS identificou a realização de algumas capacitações no município que abordaram a diabetes, principalmente aspectos relacionados à identificação do paciente e condutas nas visitas domiciliares. No entanto, para os ACS que haviam sido contratados nos últimos seis meses, a capacitação ainda não havia ocorrido.

Os participantes do GF de profissionais de nível técnico e superior identificaram que na maioria das unidades são os enfermeiros que desenvolvem atividades de capacitação e esclarecem as dúvidas dos ACS e que não existe um Programa de Educação Permanente na Secretaria de Saúde do município para o conjunto dos profissionais de saúde. A capacitação para o trabalho em saúde foi percebida como uma iniciativa isolada de cada unidade e os profissionais avaliaram que a ausência de maior capacitação dificulta o processo de trabalho, o cuidado à pessoa com diabetes e produz encaminhamentos não produtivos.

Aspectos da realidade das pessoas com diabetes e a relação com os profissionais de saúde.

Os profissionais dos dois GF avaliaram que a maioria das pessoas com diabetes tinham informações sobre a doença, mas, apesar disto, não seguiam o tratamento:

Na nossa unidade, por exemplo, a gente explica direitinho para todos os que estão com Diabetes. O que acontece é que ele, muitas vezes, não aceita insulina. Nós explicamos tudo, pra que ele possa entender e tentar aceitar o tratamento. Eu acho que a questão mais é de resistência mesmo, por parte do paciente, para não aceitar. Esclarecimento, em alguns casos, tem. (EF2)

Os profissionais do GF de nível técnico e superior identificaram que existem diferenças na maneira como as pessoas lidam com a doença. O fato de conhecerem e terem acesso às informações sobre o funcionamento da doença não implicaria necessariamente na aceitação do problema, na incorporação do autocuidado, na autonomia e responsabilização em relação ao tratamento e na introdução de comportamentos adequados. De forma geral, os profissionais atribuem as principais dificuldades em relação à adesão ao tratamento do diabetes às características e posturas de cada pessoa diante da doença, à aceitação dela e de seu tratamento. Tal perspectiva pode ser exemplificada pela fala a seguir: "Porque o paciente quer ser cuidado, não quer ser o responsável. A Diabetes é um quadro clínico que precisa da pessoa se assumir, se posicionar na vida, sendo portador dessa doença, né?" (ME).

Nesse mesmo GF foi identificada também uma perspectiva de análise mais abrangente sobre o papel do profissional de saúde na questão do tratamento, associando saúde, vínculo e educação, conforme a fala a seguir:

Eu avalio que todos da saúde somos cuidadores, há necessidade da mudança, há uma resistência grande de mudança, nossa ferramenta é educação, né? Eu vejo assim, mas o principal, até quando o agente questiona uma realidade difícil social, vai na visita e chega lá e tem uma situação completamente caótica e não se pode fazer objetivamente nada, até me perguntaram isso e eu reflito e a resposta que eu tenho é a seguinte: a partir do nosso interesse pela pessoa é que a gente pode conseguir que ela mude. (PS)

No GF dos ACS, foram identificadas dificuldades enfrentadas pelas pessoas com diabetes em relação ao tratamento, principalmente em relação à utilização incorreta da medicação em virtude de constantes mudanças nas embalagens e formatos dos medicamentos por parte dos laboratórios, dificultando o reconhecimento; à dificuldade de compreensão do esquema terapêutico e às mudanças de dosagem vinculadas a diferentes momentos do acompanhamento de cada caso: "Muitos pacientes Diabéticos que não conseguem distinguir porque, a cada mês, muda embalagem do medicamento e isso confunde muito a cabeça deles" (ACS5).

Nesse mesmo GF, os participantes identificaram que as mudanças relacionadas ao controle alimentar são extremamente importantes, mas, ao mesmo tempo, as mais difíceis de serem alcançadas. Os participantes avaliaram também que muitas pessoas com diabetes acham que somente o tratamento medicamentoso seria suficiente para controlar a doença.

E eles às vezes acham que tomando o medicamento não precisa fazer dieta. "Se eu tomo insulina eu posso comer normal?", enquanto na verdade tem que fazer dieta do mesmo jeito. Os que tomam remédios têm mais resistência em mudar a alimentação e fazer atividade física! Comem muita comida de uma vez. (ACS3)

Nos dois GF alguns profissionais avaliaram a complexidade da questão de mudanças de hábitos, como exemplificado a seguir: "Mudanças de hábito são difíceis pra qualquer um. A gente se coloca no lugar da pessoa... é muito complicado. É questão de hábito mesmo" (AE).

Os profissionais dos dois GF relataram a adoção de uma posição autoritária e prescritiva na orientação e acompanhamento das pessoas com diabetes. No entanto, essa postura foi considerada inadequada por alguns profissionais, pois avaliaram que ela dificultava a adesão ao tratamento proposto. Uma das estratégias identificadas pelos participantes para lidarem com essa situação foi a negociação, em vez da imposição de novos hábitos e exemplificaram que em vez de restringir o tipo de alimento, tentavam negociar a redução da quantidade e regularidade da ingestão daqueles alimentos contraindicados. Identificam a necessidade de uma comunicação adequada e da complexidade da orientação, como demonstrado no exemplo a seguir: "A gente acaba chegando sempre pra cortar as coisas deles e isso acaba nos colocando numa posição chata. A gente não pode falar mais "não pode", né, a gente fala assim "você deve comer essas coisas", a gente evita negar sempre" (ACS7).

Os dois GF identificaram outras dificuldades para as pessoas com diabetes, tais como as mudanças de comportamento vinculadas à prática de atividades físicas, o acesso à unidade de saúde, principalmente pela falta de transporte coletivo, e a falta de apoio e colaboração da maioria das famílias em relação ao tratamento. Identificaram tentativas de envolver a família e quando isso ocorre o tratamento se torna mais efetivo. Relataram ainda que algumas comorbidades representam dificultadores ao tratamento, dentre elas a hipertensão, a dislipidemia e a depressão.

Os profissionais consideraram de grande importância atividades e estratégias grupais para o acompanhamento e tratamento da pessoa com diabetes, mas discutem que essas pessoas também não aderem às propostas de grupos oferecidas nas unidades de saúde.

 

Discussão

Os diversos aspectos identificados nas falas dos profissionais necessitam ser problematizados e contextualizados no cenário relacionado ao Sistema Único de Saúde, suas propostas, diretrizes e formas de operacionalização. Os profissionais de saúde identificaram problemas estruturais e de formação que têm grande impacto na qualidade do cuidado que será prestado à população. São problemas que mostram que o sistema de saúde local não está preparado para lidar com as doenças crônicas de maneira geral, incluindo o diabetes.

No cenário estudado foram identificados diversos problemas ligados à estruturação da rede de atenção que dificultam o trabalho dos profissionais: baixa cobertura de ESF; equipes incompletas; ausência de dispositivos de integração dos diversos níveis de atenção; ações de prevenção e promoção inexistentes ou incipientes. Esse tipo de quadro produz agravamento das condições crônicas dos pacientes e aumento da demanda por urgência e emergências, com consequente redução da qualidade de vida dos pacientes e aumento da mortalidade (Mendes, 2011).

Perceberam-se problemas ligados à formação dos profissionais tanto nos cursos de graduação como na capacitação para o trabalho. A maioria dos profissionais afirmou ter uma formação ligada ao modelo biomédico curativo, demonstrando a tradição do ensino de graduação em saúde no país que prioriza conteúdos em detrimento da integração com a prática do trabalho e a inter-relação entre ensino-pesquisa e extensão (Motta, Buss & Nunes, 2001; Ceccim & Carvalho, 2006). Diante desses problemas na formação em saúde, é possível perceber várias iniciativas que, impulsionadas principalmente pela reforma sanitária brasileira, buscam a construção de outras possibilidades pedagógicas com mudanças na maneira de entender os processos saúde/ adoecimento que repercutem em propostas de currículos mais integrados, articulações entre ensino e trabalho e na construção das Diretrizes Curriculares Nacionais nas áreas da saúde (Brasil, 2007, 2008, 2014).

No centro desse debate encontra-se a área da Saúde Coletiva, que propõe uma série de transformações da saúde tradicional visando à superação do biologicismo e do modelo clínico hegemônico, valorização do social e da subjetividade nas ações de saúde com ênfase na equidade e na integralidade. As novas abordagens dos indicadores epidemiológicos, do planejamento, da política e da gestão em saúde possibilitam novas formas de atuação na clínica a partir de equipes multiprofissionais e saberes interdisciplinares, projetos terapêuticos singulares, articulações em redes sociais e de serviços de saúde, e ações intersetoriais (Campos, 2006). Na mesma direção aparecem as iniciativas ligadas à Educação Permanente com propostas de metodologias ativas de ensino/aprendizagem focalizadas em atividades do contexto e do trabalho, problematizando situações cotidianas, estabelecendo diálogos entre o processo de trabalho e as estratégias pedagógicas (Motta, 2001; Ceccim, 2005). Não houve menção por parte dos profissionais de conceitos e dispositivos de transferência de informação, como apoio matricial, projeto terapêutico singular e clínica ampliada que são utilizados frequentemente em diversas redes de atenção (Campos, 2006).

As falas dos profissionais estudados revelaram, com poucas exceções, uma crença de que o papel do profissional de saúde se resume ao repasse da informação à pessoa com diabetes. De maneira geral, os profissionais não identificam e problematizam suas próprias dificuldades de lidar com as pessoas com diabetes, com suas demandas e suas especificidades. Essa perspectiva de análise está ligada a uma visão muito idealizada da saúde, em que tanto a doença como o paciente são tratados como entes abstratos que funcionam a partir de uma lógica na qual as relações são lineares e previsíveis (Czeresnia & Freitas, 2003).

Percebe-se que no cenário estudado os profissionais de saúde acabam por estabelecer relações lineares entre conhecimento, informação e mudança de comportamento, como se o acesso ao conhecimento e a informação fosse suficiente para mudar o comportamento das pessoas com diabetes (Reiners et al., 2008). Explicaram a não confirmação dessa lógica ou pressuposição básica recorrendo a falas como: "Os pacientes não aceitam", "Os pacientes são resistentes", "Os pacientes são autodestrutivos" e "Os pacientes são indiferentes em relação à própria doença e à própria morte".

As pessoas com diabetes foram consideradas de forma abstrata, principalmente pelos profissionais de nível superior. Quase não apareceram referências às histórias de vida e aspectos da realidade material que ajudariam a compreender suas atitudes e dificuldades de adesão ao tratamento. Questões como escolaridade, rede de serviços, condições econômicas, apoio familiar, aspectos psicológicos, dificuldades de compreensão e assimilação, problemas na comunicação, análise de risco e vulnerabilidade, sequer foram mencionadas. Constatou-se uma simplificação na perspectiva de análise do processo saúde-doença na qual as falhas e insucessos do tratamento seriam de total e exclusiva responsabilidade das pessoas, levando ao processo de culpá-las (Besen et al., 2007, Reiners et al., 2008).

Apesar dos profissionais identificarem que muitos problemas relacionados ao cuidado das pessoas com diabetes estariam ligados às pessoas em situação de vulnerabilidade social, não fizeram nenhuma discussão acerca de atuações profissionais ou de ações no âmbito das equipes de saúde que poderiam contribuir para a superação dos problemas enfrentados.

O objetivo principal na prevenção, promoção e tratamento das doenças crônicas centra-se na compreensão do problema por parte da pessoa, seguida das ações e orientações que buscam as mudanças de comportamento desejadas (Organização Pan-Americana da Saúde, 2010). Na realidade estudada foi possível perceber que somente a transmissão da informação não tem potência para fazer essa mudança. Na maioria das vezes as condutas adotadas com as pessoas com diabetes demonstraram seu caráter autoritário, na medida em que o profissional de saúde, com o poder do qual é investido pelo conhecimento teórico e técnico, acaba assumindo um lugar de controle da vida e de determinação do certo e do errado para a pessoa que deve receber o cuidado em saúde. Como percebido e problematizado por alguns dos profissionais envolvidos, esse tipo de relação hierarquizada e assimétrica acaba produzindo resistência nas pessoas com diabetes.

Diante das dificuldades relacionadas ao cuidado das pessoas com diabetes, os profissionais parecem não identificar recursos e estratégias para superá-las. Insistem na lógica de culpar o usuário nas explicações para o fracasso. Uma postura que buscasse outra direção necessitaria de outro tipo de concepção acerca do papel do profissional de saúde, no qual a própria relação de poder entre os atores do sistema necessitaria ser questionada. A incorporação dos elementos trazidos pela Saúde Coletiva, tais como o social, o subjetivo, o vínculo e as representações poderiam ajudá-los a encontrar novos caminhos para essa transformação (Campos, 2006, Besen et al., 2007; Reiners et al., 2008).

Ayres (2007) afirma que a concepção prática e objetiva dos discursos biomédicos modernos está vinculada à racionalidade prática do discurso científico. Habermas (1988) nomeia esse fenômeno de colonização instrumental ou sistêmica do mundo da vida. Nessa concepção está presente um processo de desumanização e transformação dos sujeitos em "sujeito-alvo" das ações sendo reduzidos a objetos de intervenção dos profissionais de saúde. Ao mesmo tempo, o sujeito técnico é identificado como aquele que porta o saber e tem instrumentos capazes de identificar e curar a doença. Para transformar esse quadro, é necessário desconstruir a assimetria existente nas relações entre os "técnicos" e os "pacientes", propiciando a presença ativa dos sujeitos. Assim, usuários, profissionais, populações e serviços teriam que dialogar e construir conjuntamente projetos de saúde, decidir juntos como viabilizar as transformações, sendo que cada parte contribuiria com saberes e experiências diversas.

[] sempre há saberes dessas duas ordens na contribuição de cada um, ainda que os saberes tecnocientíficos dos usuários/populações sejam mais difusos, menos rigorosos, e os saberes práticos dos profissionais/serviços sejam mais externos, mais aproximativos às experiências concretas sobre as quais são chamados a intervir. Destaca-se ainda que, quanto mais o cuidado se configura como uma experiência de encontro, de trocas dialógicas verdadeiras, quanto mais se afasta de uma aplicação mecânica e unidirecional de saberes instrumentais, mais a intersubjetividade ali experimentada retroalimenta seus participantes de novos saberes tecnocientíficos e práticos. (Ayres, 2007, p. 53)

Para transformação das práticas, faz-se necessário também valorizar as dimensões éticas, morais e políticas presentes nas práticas de saúde, na produção e aplicação de conceitos e técnicas. Ao mesmo tempo, existe a necessidade de uma concepção mais hermenêutica, que valorize os processos interpretativo/compreensivos na elucidação do processo saúde/doença, levando em conta os seus significados do adoecer e contextos de intersubjetividade (Gadamer, 1997; Ayres, 2007).

Considerando-se as especificidades da pesquisa qualitativa, o número de participantes abordados não considera elementos de representatividade estatística da população de pessoas com diabetes e de profissionais de saúde dos serviços do município pesquisado. Seus resultados e discussões não pretendem, portanto, generalizações ou definição de tendências gerais da realidade dos problemas relacionados ao cuidado das pessoas com diabetes na APS. Sua relevância vincula-se à elucidação da especificidade da realidade pesquisada, o que permite o planejamento de pesquisas que possam levar ao aprofundamento de seus resultados e discussões em estudos posteriores e possíveis comparações de diferentes realidades na abordagem qualitativa. Também podem servir como base para estudos nos quais as perspectivas quali e quanti sejam complementares.

 

Considerações finais

Podemos concluir que a visão dos profissionais que participaram desta pesquisa a respeito das pessoas com diabetes estava muito centrada numa concepção de saúde abstrata e tradicional, alicerçada no modelo biomédico. Nesse sentido, a maioria dos profissionais compreendia que seu papel estava limitado a uma intervenção técnica, na qual o processo de educação em saúde é reduzido à transmissão de informações corretas que devem ser prontamente assimiladas e seguidas pelos usuários. A análise que fizeram acerca das dificuldades de adesão ao tratamento foram atribuídas a problemas e deficiências exclusivas do usuário, havendo um processo de culpá-los pelos insucessos no tratamento e agravos à condição de saúde.

Percebe-se a necessidade de uma reestruturação da Rede de Atenção local de modo a facilitar a comunicação entre os diferentes níveis do sistema. Ao mesmo tempo, há necessidade de investimentos na capacitação dos profissionais, visando superar os diversos problemas apontados por meio da mudança de perfil dos profissionais, buscando uma postura mais ativa, aumentando a responsabilização/implicação com relação aos casos atendidos e desenvolvendo ações em consonância com os princípios do SUS para que aconteçam avanços em relação aos problemas relacionados ao cuidado das pessoas com diabetes.

 

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Recebido em 06/05/2016
Aprovado em 13/10/2017

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