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Pesquisas e Práticas Psicossociais

 ISSN 1809-8908

     

 

Estratégias de enfrentamento de pacientes com transtornos mentais

 

Coping strategies of patients with mental disorders

 

Las estrategias de afrontamiento de los pacientes con trastornos mentales

 

 

Mayna Ferreira LimaI; Cintia Bragheto FerreiraII

IPsicóloga do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de Santa Helena de Goiás (GO)
IIProfessora Adjunta do Departamento de Psicologia e Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (PPGP-UFTM)

 

 


RESUMO

O sofrimento psíquico é um tema pouco estudado em usuários dos serviços de saúde mental. Por isso, o objetivo deste estudo foi identificar e descrever as formas de enfrentamento de indivíduos que convivem com transtornos mentais. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa que utilizou entrevistas semiestruturadas audiogravadas com cinco usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Posteriormente, as entrevistas foram transcritas na íntegra e lidas de forma exaustiva, visando à identificação das estratégias de coping. Os resultados mostraram a utilização de estratégias focadas no problema, como o uso de medicação e o apoio multiprofissional, e as estratégias focadas na emoção que emergiram em tentativa de fuga e na reavaliação do evento estressor. As estratégias focadas na religiosidade e no apoio familiar também se mostraram relevantes para a maioria dos entrevistados. Diante disso, entende-se o usuário como importante ator para a construção do seu projeto terapêutico de cuidado em saúde mental.

Palavras-chave: Pacientes. Saúde mental. Enfrentamento.


ABSTRACT

Psychological distress in users of mental health services is a little-studied topic. Therefore, this study aims to identify and describe the coping mechanisms of individuals with mental disorders. To attain this objective, we carried out a qualitative study using the semi-structured, audio-recorded interviews of five users of a Psychosocial Care Center (Caps). Subsequently, the interviews were transcribed and studied exhaustively to identify coping strategies. The results showed that the interviewees used strategies focused on their problems, such as the use of medication and multidisciplinary support. Other strategies focused on the emotions that emerge in an attempt to escape, and a stressor revaluation. Strategies focused on religion and family support were also relevant for most of the respondents. Therefore, we can consider the users as important actors in the construction of therapeutic plans for their mental health care.

Keywords: Patients. Mental health. Coping behavior.


RESUMEN

La angustia psicológica es un tema poco estudiado en usuarios de los servicios de salud mental. Por lo tanto, el objetivo de este estudio es identificar y describir las formas de afrontamiento de las personas que viven con trastornos mentales. Para eso, fue realizado un estudio cualitativo, que utilizó entrevistas semiestructuradas grabadas en audio, hechas con cinco usuarios de un Centro de Atención Psicosocial (Caps). Posteriormente, las entrevistas fueron totalmente transcritas y leídas de forma exhaustiva, de manera a identificar las estrategias de afrontamiento. Los resultados mostraron el uso de estrategias centradas en el problema - como el uso de medicamentos y el apoyo de varios profesionales -, así como que las estrategias centradas en la emoción surgieron en un intento de escapar, y en la revalorización del factor estresante. Las estrategias centradas en la religión seguidas por el apoyo de la familia fueron relevantes para la mayoría de los encuestados. De ese modo, se entiende el usuario como un actor importante para la construcción de su proyecto terapéutico de atención en la salud mental.

Palabras clave: Pacientes. Salud mental. Afrontamiento.


 

 

Introdução

Por mais de duzentos anos, em nível mundial, ser portador de sofrimento mental foi associado a estereótipos negativos, tais como a de que eram indivíduos irracionais que representavam risco à sociedade (Amarante, 1995). Além disso, eram considerados insanos e passíveis de despersonalização (Assad & Pedrão, 2013; Salles & Barros, 2013), reafirmando assim a discriminação das pessoas com transtornos mentais (Assad & Pedrão, 2013). Inicialmente, os indivíduos com desordens mentais eram tratados em hospitais psiquiátricos e/ou manicômios, que contavam com condições precárias, em que a negligência e os maus tratos eram frequentes (Amarante, 1995). Na época, o tratamento isolava os pacientes de sua rede social com o intuito de curá-los. Nesse cenário, a psiquiatria, além de apontar os manicômios como o lugar adequado para o tratamento dos indivíduos com sofrimento psíquico, contribuiu também para uma conduta alienante (Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, 2006; Amarante, 1995), ao circunscrever os diversos tipos de transtornos baseados em descrições e sintomas (Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, 2006).

Porém, em 1978 surgiram, no Brasil, os primeiros movimentos construídos por familiares de pessoas com transtornos mentais, além de integrantes do movimento sanitário e sindicalistas, que denunciaram a repressão sofrida pelos internos dos hospitais psiquiátricos, incitando movimentos para discutir uma reorientação da assistência e o fim dos manicômios (Amarante, 1995), os quais caracterizaram o movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira. Cabe acrescentar que foi em meio a essas lutas que o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (Caps) foi fundado, assim como a criação do Núcleo de Atenção Psicossocial (Naps) (Ministério da Saúde, 2005), que revelaram a necessidade de um cuidado psicossocial ofertado às pessoas com sofrimento psíquico. Contudo, a consolidação da Reforma Psiquiátrica brasileira se deu de modo vagaroso, mas proporcionou o início da construção de uma rede de atenção à saúde mental visando à redução de leitos psiquiátricos, apostando em um modelo substitutivo, em defesa dos direitos humanos dos indivíduos com sofrimento mental, a fim de humanizar a assistência, construir um modelo de atenção comunitário (Ministério da Saúde, 2005) e consequentemente abandonar o modelo asilar predominante no passado (Oliveira & Caldana, 2014).

Concordando com as prerrogativas do movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira, a Organização Mundial de Saúde (2005) afirma a necessidade de uma visão multifatorial em relação à definição de transtorno mental, que considere o contexto social, cultural, econômico e legal das diferentes sociedades (Organização Mundial de Saúde, 2005) no qual os transtornos estão inseridos e se manifestam. As prerrogativas apresentadas pela Reforma, assim como pela Organização Mundial de Saúde, concordam ainda com os princípios do modelo biopsicossocial de cuidado em saúde, que considera os aspectos biológicos, psicológicos e sociais de cada indivíduo para a compreensão dos transtornos mentais, envolvendo a inclusão desses indivíduos no lugar da exclusão tão reforçada no passado (Salles & Barros, 2013). É nesse sentido que o Caps se destaca como a principal estratégia do processo da Reforma Psiquiátrica.

De acordo com o Ministério da Saúde (2013), o Caps é um dos principais centros de tratamento para pessoas acometidas por algum transtorno mental grave e tem como intuito promover a reinserção social dos usuários, por meio do trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (Ministério da Saúde, 2004). O Caps deve oferecer atendimento psicoterapêutico individual e grupal, atendimento para as famílias e para a comunidade, assembleias e reuniões de organização do serviço. Além disso, todos os usuários contam com o acompanhamento clínico de uma equipe multiprofissional.

Mesmo com a instituição dos Caps, a convivência com um transtorno mental acarreta mudanças drásticas para o indivíduo com sofrimento mental e para todo o seu contexto familiar, pois envolve o uso de medicação, atenção especial e acompanhamento de um profissional de saúde, exigindo assim toda uma reestruturação familiar (Almeida, 2013). Em alguns casos, essas repercussões podem ser equivalentes às consequências de algumas doenças crônicas, visto a necessidade de convivência constante com as manifestações do transtorno. Concordando com Ferreira, Martins, Braga e Garcia (2012) ao afirmarem que uma condição crônica de saúde desperta sentimento de tristeza e acarreta mudanças no nível social, comportamental e/ou físico, podendo despertar mal-estar não só no indivíduo, mas em toda a sua família (Caetano, Fernandes, Marcon & Decesaro, 2011), exigindo assim que todos se organizem a fim de encontrar estratégias para melhor lidarem com o sofrimento experimentado na convivência com o transtorno (Silva & Müller, 2007), estendido também aos profissionais que trabalham diariamente nos Caps (Oliveira & Caldana, 2014).

Sobre as estratégias de enfrentamento ou coping, Lazarus e Folkman (1984) afirmam que o enfrentamento é um processo que envolve esforços cognitivos e comportamentais do indivíduo para lidar com demandas externas e internas que são avaliadas como além dos recursos do próprio indivíduo. Contudo, comportamentos que se tornam automáticos não podem ser concebidos como modos de enfrentamento. De acordo com Lazarus e Folkman (1984), existem dois tipos de enfrentamento: focalizado no problema e focalizado na emoção. Nas estratégias de enfrentamento focadas no problema, os esforços do indivíduo estão voltados para a definição do problema, produzindo soluções alternativas, avaliando-as baseando-se nos custos e benefícios, na escolha e na ação - além disso, tem o intuito de alterar a situação de desconforto com base na relação pessoa-ambiente. Essa estratégia permite pensar nas possibilidades externas diante do problema, como buscar auxílio e, internamente, por meio de mudanças cognitivas. Contudo, quando há uma avaliação do indivíduo na qual não há o que fazer para modificar as condições ambientais ameaçadoras, as estratégias focadas na emoção tornam-se mais propensas a ocorrer. As estratégias focadas na emoção estão relacionadas às mudanças do estado emocional, como a diminuição do sofrimento por intermédio da minimização, evasão, dirigido em um nível somático e/ou em nível de sentimentos (Lazarus & Folkman, 1984), ou ainda em mudanças comportamentais, como meditar, buscar apoio emocional, dentre outras, realizando uma reavaliação cognitiva sobre a problemática em questão.

 

Estratégias de enfrentamento em pacientes crônicos

O diagnóstico de um transtorno mental pode despertar sentimentos de invalidez, acarretando perda da independência e do autocontrole (Lyons & Chamberlain, 2006). Dessa forma, considerando as dificuldades que a condição crônica pode acarretar, os estudos que buscaram compreender os modos de lidar com condições crônicas no campo da saúde demonstram formas de enfrentamento focadas tanto no problema quanto na emoção, além da religiosidade e do suporte social fornecido tanto pelas equipes de saúde quanto pelas famílias dos pacientes com transtornos mentais, os quais serão descritos na sequência.

Sobre as estratégias de enfrentamento ligadas à religiosidade, um estudo de Guerrero, Zago, Sawada e Pinto (2011) com 14 pacientes oncológicos, de ambos os sexos, realizado a fim de compreender a relação entre a espiritualidade e a doença, identificou estratégias de enfrentamento voltadas para a fé e para as crenças religiosas, as quais podem corroborar para criar sentidos para lidar com a doença, possibilitando a redução da intensidade do sofrimento do paciente, ao mesmo tempo em que lhe permite pensar na esperança de cura.

Uma pesquisa de Paiva, Ferrara, Santos e Parker (2013), ao investigarem o enfrentamento da Aids em um estudo multicêntrico na perspectiva de religiosos, por meio de pesquisa documental, estudos de caso, oficinas e entrevistas, identificaram que os participantes tendem a propagar os modos religiosos de enfrentamento da doença ancorados no contexto sócio-histórico e político vigente, incluindo a camisinha como eixo central da prevenção, mas, sobretudo, voltados para a relação dos simbolismos religiosos e suas influências no enfrentamento pessoal dos indivíduos, contribuindo assim para modos de coping que privilegiam apenas a relação pessoal do indivíduo com dogmas, desconsiderando a participação de dimensões psicossociais e político-institucionais mais amplas que também contribuem para a construção dos modos de enfrentamento da Aids.

Ainda na perspectiva da religiosidade, a fé e a espiritualidade emergiram nos achados de um estudo de Almeida (2013), no qual foram realizadas sete entrevistas com homens com câncer em tratamento e seus respectivos cuidadores, com a aplicação conjunta da Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas (Emep) adaptada à realidade brasileira. Os resultados mostraram que as estratégias focadas na espiritualidade e na fé se destacaram, seguidas pela estratégia focalizada no problema de se ajustar às mudanças decorrentes da condição crônica de saúde e, posteriormente, focada na emoção, como o desejo de mudança de sentimento, contando ainda com o suporte social, definido no estudo como o diálogo com alguém sobre sentimentos e sobre a situação atual. Em outra pesquisa, como na de Pisoni, Kolankiewicz, Scarton, Loro, Souza e Rosanelli (2013), que procurou compreender as dificuldades encontradas em dez mulheres com diagnóstico de câncer de mama em tratamento oncológico, a religião também se sobressaiu como estratégia de enfrentamento associada com o suporte familiar.

Mais recentemente, Reinaldo e Santos (2016), ao buscarem compreender as percepções da relação entre religião/espiritualidade e os transtornos psiquiátricos para pacientes, seus familiares e profissionais de saúde, mostraram que a vivência da religião/espiritualidade pode proporcionar fortalecimento para o coping do transtorno mental. Contudo, a religião/espiritualidade pode dificultar a convivência com o transtorno, na medida em que sua vivência pode influenciar usuários e familiares a negarem o tratamento como algo necessário. Além disso, os profissionais de saúde que colaboraram com o estudo demonstraram dificuldade em integrar em seu cotidiano de trabalho a vivência da religião/espiritualidade por parte dos usuários e familiares.

Sobre o suporte social ofertado a pacientes crônicos, Gasparelo, Sales, Marcon e Salci (2010), em um estudo com nove mulheres mastectomizadas, concluíram que o apoio do cônjuge e/ou família auxilia os pacientes crônicos a lidarem melhor com o adoecimento e as dificuldades impostas pela enfermidade, pois a rede de suporte citada, muitas vezes, pode ser fonte de motivação e encorajamento para enfrentar a doença (Barbosa, Santos & Barbosa, 2012), visto que em uma variedade de casos é um familiar que ocupa o lugar de principal cuidador do paciente com câncer (Almeida, 2013).

O suporte social também foi estudado por Barbosa, Santos e Barbosa (2012) em uma pesquisa na qual procuraram investigar a rede de suporte social de mulheres diagnosticadas com câncer de mama. Na amostra de vinte mulheres, os resultados obtidos mostram a importância do apoio da família e dos amigos como motivadores para a recuperação das participantes do estudo, assim como a religião, que se mostrou igualmente significativa para o enfrentamento da enfermidade. Além disso, dentre as emoções mais eficazes para o enfrentamento da doença, sobressaíram-se a esperança de cura e a valorização da vida.

A partir dos estudos apresentados, é perceptível que o foco das pesquisas sobre o enfrentamento de doenças crônicas tem grande direcionamento para a população com câncer. Porém, Galera, Zanetti, Ferreira, Giacon e Cardoso (2011) chamam a atenção, em um estudo bibliográfico que analisou pesquisas referentes à sobrecarga de familiares cuidadores de indivíduos com transtornos mentais, para a relevância de estudos de enfrentamento na área da saúde mental, acrescentando que é necessária a reflexão sobre a relação entre família e transtorno mental. Sobre isso, Pegoraro (2007), em um estudo com familiares e indivíduos com sofrimento mental, aponta que a sobrecarga familiar (econômica, física e emocional) pode fragilizar os vínculos familiares amistosos devido à necessidade de reorganização familiar diante do membro com transtorno mental. Ainda em relação à população com transtorno mental, Almeida, Silva, Espínola, Azevedo e Ferreira Filha (2013) buscaram compreender as estratégias de enfrentamento utilizadas por vinte pessoas com transtorno fóbico-ansiosos, usuárias de um Caps, no qual os resultados evidenciaram a família como a fundamental estratégia de enfrentamento para lidarem com os sintomas decorrentes do transtorno.

Percebe-se, portanto, que os estudos destinados a compreender o sofrimento psíquico apresentam essa compreensão a partir do ponto de vista principalmente dos familiares e/ou cuidadores que vivenciam o transtorno mental. Em contrapartida, há poucas pesquisas que procuraram identificar e compreender as estratégias de enfrentamento utilizadas por indivíduos com sofrimento psíquico. Dessa maneira, considerando a lacuna de estudos que foquem a identificação de estratégias de enfrentamento de pacientes com transtornos mentais, o presente estudo surge da necessidade de investigação dessas estratégias, a fim de ampliar a compreensão dos modos de enfrentamento dos sofrimentos psíquicos na perspectiva de indivíduos com transtornos mentais. Desse modo, este trabalho objetivou identificar e descrever as estratégias de enfrentamento utilizadas por pessoas com transtornos mentais.

 

Método

O estudo realizado foi do tipo qualitativo-descritivo. A escolha da abordagem qualitativa se justifica pela possibilidade de contato direto com os significados de determinados fenômenos para grupos específicos (Turato, 2013), que no caso da presente pesquisa esteve centrada nas estratégias de enfrentamento de usuários de Caps.

O Caps deste artigo está localizado em um município do interior goiano, que iniciou suas atividades em 2003. Classificado como Caps II, funciona no turno matutino e vespertino, de segunda a sexta-feira das 7h às 17h e atende à demanda adulta acometida por algum tipo de transtorno mental de grau leve a severo. Desde quando foi instituído já atendeu aproximadamente 14 mil pessoas. Atualmente o Caps atende em torno de 400 pessoas por mês, abrangendo a região rural e municípios vizinhos. Os usuários participam do Caps de diversos modos, desde consultas médicas para obtenção de medicação até a participação diária nas atividades oferecidas pela instituição. O Caps conta com uma equipe multidisciplinar nas seguintes áreas: Psicologia, Psiquiatria e Medicina (clínico geral), Enfermagem, Técnico de Enfermagem, Fisioterapia, Serviço Social, Nutrição e Farmácia. As atividades propostas pela instituição incluem oficinas terapêuticas, compostas por pinturas em telas e tapetes, coral musical, construído pelos próprios usuários, atividades físicas e grupos terapêuticos.

 

Participantes

Os participantes da pesquisa foram usuários do referido Caps, portanto, todos diagnosticados com algum transtorno mental, que após o convite e as informações sobre a pesquisa se prontificaram a participar.

 

Instrumentos

O instrumento utilizado para a coleta de dados da pesquisa foi a entrevista semiestruturada, subdividida em dois momentos, primeiramente com enfoque nos dados sociodemográficos dos entrevistados e, em seguida, focalizada nas possíveis estratégias de enfrentamento utilizadas pelos participantes na convivência com o transtorno mental.

 

Procedimentos de coleta de dados

Para a coleta dos dados, foram realizadas seis visitas à instituição, com duração de aproximadamente uma hora e meia cada, visando à familiarização da entrevistadora com os usuários do Caps, ocorrida por meio das atividades de grupo propostas pela instituição, momento no qual era feito o convite para a participação na pesquisa, o que resultou inicialmente na realização de seis entrevistas. Entretanto, após a transcrição na íntegra das entrevistas e a leitura exaustiva desta, foram selecionadas apenas aquelas nas quais as falas dos participantes remeteram às estratégias de coping relacionadas à convivência com o transtorno mental, resultando assim em cinco entrevistas.

As entrevistas foram realizadas nas dependências do Caps, na sala onde ocorrem os grupos terapêuticos, tendo duração média de 50 minutos. No momento da entrevista estavam presentes apenas uma pesquisadora e o entrevistado. Após permissão de cada participante, foi utilizado um gravador de voz como instrumento de auxílio para a coleta dos dados.

 

Procedimento de análise dos dados

As entrevistas realizadas foram transcritas na íntegra, sucedidas por leituras exaustivas para a identificação das estratégias de enfrentamento utilizadas pelos participantes. Em seguida, as estratégias de enfrentamento foram analisadas ancoradas na teoria de coping (Lazarus & Folkman, 1984) e nos estudos que versassem sobre a temática do enfrentamento para pacientes crônicos.

 

Procedimentos éticos

O presente estudo foi analisado e aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer nº 120/13). Em relação às questões éticas, cabe ressaltar ainda que anterior à entrevista foi realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assim como possíveis dúvidas puderam ser sanadas, além do asseguramento da garantia do sigilo das informações prestadas e do anonimato dos participantes.

 

Resultados e discussão

A amostra do estudo foi composta por cinco entrevistados, aos quais foram atribuídos nomes fictícios (Amélia, Jacinto, Íris, Rose e Margarida) a fim de preservar suas identidades, sendo um do sexo masculino e quatro do sexo feminino. Os participantes têm idade entre 38 e 80 anos, todos frequentam o Caps entre duas e três vezes na semana e geralmente permanecem durante todo o dia na instituição. As participantes Íris e Rose residem com seus companheiros e filhos, Margarida reside com seus filhos, Amélia reside com seu companheiro e Jacinto reside com a mãe e o irmão.

Os diagnósticos indicados nos prontuários dos participantes informam os seguintes transtornos mentais: transtorno afetivo bipolar e retardo mental leve F 31/F 70 (Amélia); transtornos mentais comportamentais devidos ao uso de álcool F 10 (Jacinto); epilepsia e transtornos mentais devido à disfunção cerebral G 40/ F 06 (Íris); esquizofrenia F 20 (Rose) e transtornos de adaptação F 43.2 (Margarida). Em contrapartida, os pacientes relatam, respectivamente, os seguintes diagnósticos: depressão bipolar (Amélia); acidente vascular cerebral (Jacinto); neuroalucinação e depressão (Íris); esquizofrenia e depressão (Rose) e depressão (Margarida).

O período de tempo de tratamento dos entrevistados mostrou uma variação significativa, visto que esteve compreendido entre oito meses e 29 anos. Antes de o Caps ser instituído, os pacientes com transtornos mentais eram internados e tratados no núcleo de saúde mental do município onde o estudo foi realizado. Por isso, o tempo de tratamento de alguns participantes extrapola a data de criação do Caps.

Retomando a discordância entre o diagnóstico apontado pelos pacientes e o diagnóstico descrito nos prontuários, aponta-se que esse desconhecimento parece reafirmar a noção de alienação do paciente com transtorno mental em relação ao seu próprio tratamento e diagnóstico, sendo essa uma das características do modelo asilar (Salles & Barros, 2013; Assad & Pedrão, 2013), persistindo ainda atualmente, como é possível verificar nas falas apresentadas a seguir: "Disseram que era esquizofrenia, aí depois quando eu já tava tratando com os remédios disseram que era depressão também, depressão e esquizofrenia" (Rose). "Eu não sei qual que é direitinho... meu problema foi o AVC" (Jacinto).

Amélia e Íris também afirmam:

Antigamente não existia tratamento, então a gente ficou com a doença muito velha. Eu perguntei à médica daqui que doença que eu tenho, ela disse que é depressão, depressão lipolar, bicolar, não sei falar, é uma coisa assim. (Amélia)

Olha, eu vim pra cá achando que eu tinha só depressão, mas chegando aqui, a psicanalista foi ver que eu tenho uma doença que chama psiconeuroalucinação. (Íris)

Sobre as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos entrevistados, seus depoimentos mostram a utilização de estratégias focadas no problema e focadas na emoção, além de outras estratégias que foram apontadas como relevantes no processo de enfrentamento, como a fé, a religiosidade e o suporte familiar.

 

Estratégias de enfrentamento focadas no problema

As estratégias com o foco no problema foram aquelas em que os participantes utilizaram meios que visavam combater o problema, envolvendo novos padrões de comportamentos e mudanças cognitivas por meio de reavaliações com foco na problemática vivenciada. De acordo com Lazarus e Folkman (1984), essas estratégias são mais propensas a ocorrer quando o problema em questão é passível de mudança. Uma das estratégias com foco no problema encontrada com frequência na fala dos entrevistados foi o uso de medicação, que se apresentou como um dos meios de melhorar e/ou minimizar as consequências advindas do sofrimento psíquico, como Rose, ao afirmar: "depois que eu vim pra cá, eu melhorei com a medicação", concordando com a fala de Amélia: "É, a gente vem fazer o tratamento direitinho, usar o remédio do Caps direitinho, não pode esperar acabar o remédio [...] por qualquer coisa tava chorando, agora eu melhorei com o remédio... o remédio do Caps não pode parar de tomar não!"

As falas de Rose e Amélia permitem refletir sobre a importância que o fármaco representa na vida dos participantes, sendo um auxílio para lidar com as consequências do transtorno. Essa conduta consiste em um modo de lidar diretamente com o problema, concordando com Lazarus e Folkman (1984), ao afirmarem que as mudanças comportamentais, como a de autocuidado, exemplificado nas falas pela inserção do medicamento na rotina das usuárias do Caps, demonstram uma atitude a fim de atingir um melhor quadro de saúde.

As estratégias direcionadas ao problema estiveram ainda relacionadas à busca por auxílio multiprofissional, como é possível se acompanhar nas seguintes falas:

Aí eu fiquei muito triste, aí eu vim e eles já foram me orientando e também dando remédio. (Rose)

Eu participo mais do grupo da psicóloga e da enfermeira. É o que me ajuda. Eu saio daqui pensando outras coisas, me sinto melhor [...]. Algo que me ajuda é a fisioterapia. (Jacinto)

Aí nos dias que a dor tá insuportável eu vou desabafar, a gente entra dentro da sala e eu vou desabafar com ela (psicóloga), eu vou chorar as mágoas, né, e aí melhora. É saudável pro coração, coloca pra fora o que tá apertado. (Íris)

É possível perceber que Rose, Jacinto e Íris encontram no tratamento medicamentoso e psicoterápico um suporte que alivia as tensões desencadeadas pelo transtorno mental, concordando com Almeida et al. (2013), ao afirmarem que a procura por auxílio multiprofissional é válida, pois é fundamental para que o paciente desenvolva uma melhor qualidade de vida, que auxilia na sua recuperação e desencadeia uma postura positiva diante do problema.

As atividades oferecidas pelo Caps, tais como a oficina de pintura, o coral de música, a oficina de tapetes e os grupos terapêuticos também emergiram nas falas da maioria dos participantes como facilitadores para a minimização do sofrimento psíquico, como é possível acompanhar na sequência: "Como pode, eu vou pras oficinas de pintura, participo dos grupos" (Íris). "Grupos ajuda, gosto de fazer tapetes, fiz dois e agora tô fazendo mais um que aí vou ganhar um (risos)" (Rose). Encontradas também nas falas de Amélia e Margarida.

As coisas aqui no Caps ajuda, eu faço pintura [...]. Aqui é um meio de enfrentar. (Amélia)

Eu pensei que a única coisa que eu podia tentar fazer era tapete, mas não deu por causa das minhas vistas. Aí deram a ideia deu ir cantá, aí eu fui, agora eu tô no grupo da turma que canta [...] Ajuda demais, eu gosto muito. E assim óh, cê tá cantando aquelas músicas parece que você tá vivendo aquilo que você tá cantando, engraçado. (Margarida)

As falas de Íris, Rose, Amélia e Margarida corroboram com Assad e Pedrão (2013), ao afirmarem que as atividades expressivas são elementos de grande importância na reabilitação psicossocial, além de contribuírem para a compreensão do indivíduo, de modo a estimular e priorizar as potencialidades individuais, confirmada mais uma vez na fala de Amélia, apresentada a seguir: "Canto mais meu companheiro! Ele toca violão e canta e eu sento de pareia e canto com ele. Aqui com o músico e meu companheiro a gente ensaia a música até decorar, é muito bom".

Desse modo, podemos apontar que a arte, em suas diferentes formas, tornou-se um meio de enfrentamento, possibilitando o redirecionamento do olhar do indivíduo para além do transtorno mental. Além disso, o desenvolvimento de novos padrões de comportamentos ou novas habilidades são alternativas para lidar com o problema (Lazarus & Folkman, 1984).

 

Estratégias de enfrentamento focadas na emoção

As estratégias de enfrentamento focadas na emoção têm o intuito de desviar ou diminuir a atenção gerada pelo problema e são expressas, por exemplo, por fuga, não aceitação e comparações positivas (Lazarus & Folkman, 1984), sendo que no presente estudo a indagação sobre como lidar com o transtorno psíquico e as dificuldades que ele acarreta levou os entrevistados a um momento de descrição de suas dificuldades e limitações utilizando estratégias como a evasão em relação ao sofrimento psíquico, como é possível verificar na sequência:

É difícil, eu falo pros outros que eu não gosto nem de explicar, não gosto nem de ficar falando, porque os outros fica fazendo pergunta lá perto de casa, fica especulando, eu falo: óia, nem sei nem explicá procê. (Amélia)

Pra quê que você vai pensar na doença, temos que pensar na vida, porque se for se martirizar com a doença a gente não vive. (Íris)

Como demonstrado anteriormente, de acordo com Amélia, lidar com o transtorno é algo desafiador diante do qual a entrevistada desconhece uma maneira satisfatória e, por isso, busca evitar assuntos que se referem ao estímulo estressor. Sendo assim, nas falas de Amélia e Íris fica evidente a forma de distanciamento e evasão em relação ao estímulo estressor (Lazarus & Folkman, 1984).

Alguns entrevistados também apontaram a reavaliação cognitiva em relação ao sofrimento psíquico realizando manobras cognitivas (Lazarus & Folkman, 1984) com o intuito de diminuir o sofrimento emocional ou amenizar a ameaça que o problema representa, o que pode ser alcançado por meio de comparações positivas, como se pode visualizar a seguir.

A gente tem que enfrentar de cabeça erguida, porque se ficar colocando na cabeça, ah eu sou um doente, e não serve pra fazer nada e ficar dentro de casa fechada, você não vive. Eu tava assim, não saía de casa sozinha. A gente tem que saber nossos limites, mas também temos que pensar, a gente também é gente, tem que viver, se a gente não fizer nada na vida fica difícil. (Íris)

Eu faço assim, sabe, eu combato essa doença de depressão com visitas que eu faço aos doentes, se tiver que fazer qualquer coisa pra eles melhorar eu faço [...]. É isso, sabe, se você ficar, minha filha, se martirizando queta em casa, vai ao fundo, não tem fim. (Margarida)

O processo de reavaliação cognitiva ainda constitui uma estratégia de enfrentamento focada na emoção, pois leva a uma mudança subjetiva sem alterar o plano real da situação (Lazarus & Folkman, 1984). Sobre isso, a participante Íris demonstrou comparações dela mesma com outros usuários do Caps, confirmando os achados de Almeida (2013) sobre a postura em buscar algo positivo dentro da situação desfavorável ocasionada pela desordem mental, o que pode minimizar o sofrimento psíquico, como pode ser verificado na fala apresentada na sequência. "Foi bom chegar aqui no Caps porque aqui eu encontrei muita gente de cabeça erguida, e isso me deu força, vi pessoas com doenças piores que a minha, então eu não vou abaixar a minha cabeça, não posso" (Íris).

Estar em um ambiente que oferece contato com pessoas na mesma situação ou com dificuldades mais sérias do que as do próprio indivíduo, assim como relatado por Íris, também produz uma regulação da emoção do sujeito por meio de pensamentos de conforto (Lazarus & Folkman, 1984).

 

Fé e religiosidade como apoios

A fé e a religiosidade destacaram-se também como grandes aliadas no enfrentamento das dificuldades vivenciadas pelos participantes, que as consideraram como possibilitadoras de minimização de seus sofrimentos e esperança de cura, como exemplificado nas falas a seguir.

Acho a religião muito importante, é o que tirou um pouco eu do fundo do poço. Se não fosse a igreja, eu acho que eu tava runha ainda, porque até hoje ainda, às vezes, sinto uma angústia mesmo indo pra igreja. (Amélia)

Deus é muito misericordioso, tudo que nós pedimos pra ele com fé, nós receberemos. Eu tô afastada da igreja mesmo, mas eu oro em casa, porque a fé é que importa. Sem a fé é impossível, tem que acreditar [...]. Hoje eu consigo controlar, eu tinha mau pensamento, tinha muita impureza na cabeça, desejo ruim de matar, e a vizinhança me espiando, até hoje a vizinhança me espia, num sei por quê. Mas hoje eu consigo controlar. Aí eu penso que isso aqui é coisa à toa, que Deus é maior que isso. (Rose)

Mas sabe que toda vida eu fui uma pessoa muito devota, sabe?! Tenho muita fé em Deus [...], eu levei o pensamento em Deus, porque quem sabe da minha vida é Deus [...]. Eu trato aqui por uma segurança, eu tomo remédio contra essa doença (Mal de Parkinson) que pode voltar, mas a cura (em relação ao Mal de Parkinson) quem me fez mesmo, foi Deus []. (Margarida)

A espiritualidade é apontada por Pisoni et al. (2013) como uma forma de os pacientes encontrarem um sentido positivo de vida diante do sofrimento experimentado. Guerrero et al. (2011) também mostraram a importância da fé e da religiosidade dos pacientes como alternativas para a esperança de cura. No discurso dos participantes, a menção a Deus é feita investindo toda fé para aquele que possa oferecer conforto e cura. Na fala de Margarida, torna-se evidente a relação de Deus com a cura já realizada de uma doença anterior, concordando com as considerações de Almeida et al. (2013), ao afirmarem que a fé em Deus é apresentada como uma forma de minimizar o sofrimento do indivíduo, tornando menos dolorosa a aceitação da enfermidade. Em um estudo de Barbosa et al. (2012), a confiança depositada na religião também se destacou como uma das estratégias utilizadas por mulheres em situação crônica de saúde, ajudando-as na superação da doença e reconfortando as entrevistadas. Portanto, é perceptível que a fé e/ou a religiosidade proporciona aos indivíduos uma sensação de conforto, que pode fortalecer esses mesmos indivíduos a lidarem com a situação estressante.

 

Suporte familiar como facilitador e obstáculo do tratamento

O apoio familiar, do cônjuge e/ou dos filhos destacou-se como outra estratégia que contribuiu, de acordo com a maioria dos participantes, para lidarem com as dificuldades vivenciadas decorrentes do transtorno mental, como se pode acompanhar a seguir.

Agora eu arrumei um companheiro [...]. Ele tá me ajudando. Ele tem depressão também, ele faz tratamento aqui também, é uma boa pessoa, nóis vem junto [...]. Mora nós dois, e tá ajudando um ao outro [...]. Ele é muito atencioso com a gente, me trata bem. (Amélia)

A minha família me ajuda, igual quando eu contei pra um dos meus filhos que eu passei mal sexta ele disse: "mãe a senhora tinha que ter me contado isso antes, não pode ficar passando mal não, tem que falar". Eles cuidam de mim. (Rose)

Ela (filha) não sai mais se não for comigo, lá em casa devido eu ter minhas vistas muito curtinha, enxergo muito pouquinho, ela que toma conta do acervo, então ela que lava as vasilhas [...], eu sei lidar com ela, e na nossa casa não tem encrenca. (Margarida)

O suporte social verbalizado pelos participantes como estratégia que auxilia no enfrentamento das dificuldades cotidianas é também evidenciado nas pesquisas de Barbosa et al. (2012) e Gasparelo et al. (2010) como um valor positivo que fortalece o indivíduo, servindo como um aliado no enfrentamento da doença.

Em contrapartida, para alguns dos entrevistados, a família ocupou um lugar contrário ao de facilitador no enfrentamento das dificuldades, mas sim como uma forma de intensificar o sofrimento do indivíduo, promovendo a função de inibir e proibir os sujeitos de buscarem alternativas para ampliarem sua autonomia, como é possível verificar na fala de Íris: "Meu esposo é um homem que não conversa, é um homem bruto que não conversa, aí eu tenho que ficar em casa o tempo inteiro calada, porque ele não gosta de conversá". Aliado a essa perspectiva, outro participante descreve:

Meu povo não deixa eu trabalhar diz que eu vou machucar. Tem coisa que tem risco de machucar, né, eu queria fazer uns rodos, tem um pouco de risco e eles não quer deixar [...] Meu irmão e minha mãe que cuida de mim, né?! Meu irmão rancou a máquina de lavar roupa [...]. Ele já fez bastante, mas eu não quero que ele faz mais. Eu não gosto, não preciso, eu precisei [...], minha mãe também faz desse jeito, faz pra falar que fez, [...] é muito ruim, viver assim. (Jacinto)

As falas de Íris e Jacinto contestam a função de alicerce à reinserção social do sujeito com transtorno mental, designada frequentemente à sua família, como apontada no estudo de Almeida et al. (2013), no qual a família é vista como essencial para o desenvolvimento humano. Contudo, os dados do presente estudo concordam com Assad e Pedrão (2013), a partir de um estudo realizado com cinco pessoas com transtornos mentais graves no qual se depararam com ações ditas questionáveis dos familiares em relação ao familiar com transtorno mental, já que prevalecia uma relação pautada na extrema dependência do outro, impedindo qualquer autonomia do sujeito com sofrimento mental. Ainda em relação ao papel da família na vivência de um transtorno mental, é preciso considerar as ponderações de Pegoraro (2007), ao pontuar que a sobrecarga familiar vivenciada com a instalação do transtorno mental na família acarreta, em algumas situações, a perda da autonomia do sujeito adoecido em virtude da excessiva prestação de cuidados provida pelos familiares.

Portanto, é possível perceber que diversos tipos de estratégias de enfrentamento são utilizados pelos entrevistados a fim de amenizar o sofrimento que o transtorno psíquico acarreta, demonstrando a busca dos entrevistados por uma sensação de maior bem-estar subjetivo.

 

Considerações finais

A pesquisa possibilitou identificar um amplo leque de estratégias de enfrentamento utilizadas pelos usuários entrevistados devido às limitações e dificuldades impostas pelo transtorno mental. As estratégias focadas no problema, como o uso de medicação e a busca pelo auxílio multiprofissional no Caps demonstram as tentativas dos entrevistados em lidarem diretamente com seus transtornos. Em contrapartida, a discordância presente nos diagnósticos registrados nos prontuários dos participantes e suas próprias definições de diagnósticos apontam para a reprodução do movimento histórico de apagamento da autonomia de pessoas com transtornos mentais, afastando-as assim da possibilidade de lidarem diretamente com seus diagnósticos. Esse movimento também foi reproduzido por uma das famílias dos entrevistados, ao impedirem o familiar de realizar atividades cotidianas que proporcionam prazer ao usuário e ainda com as estratégias focadas na emoção, como na tentativa de fuga e distanciamento da temática do sofrimento psíquico. As estratégias de enfrentamento focadas na fé e na religiosidade também se mostraram relevantes para a maioria dos entrevistados, que as utilizam a fim de obter conforto e esperança de cura. Em suma, cada participante mostra a tentativa de criar possibilidades para lidar com o estresse gerado pelo sofrimento mental.

Todavia, a pesquisa foi realizada apenas com usuários de um Caps de um município do Brasil, evidenciando assim a necessidade de outras pesquisas que possam dar voz a usuários de serviços de saúde mental de outros municípios brasileiros, bem como às suas estratégias de enfrentamento para lidarem com o sofrimento psíquico. Além disso, estudos que possam investigar de forma conjunta como o suporte é ofertado pelos familiares de pessoas com transtornos mentais e como o usuário o percebe, ou mesmo o aprofundamento do processo de construção do diagnóstico do transtorno mental para profissionais de saúde e usuários dos serviços, tornam-se relevantes.

Finalmente, o contato direto com os usuários do Caps demonstra a importância da valorização do discurso do usuário dos serviços de saúde mental, que por ser porta-voz de estratégias de enfrentamento positivas e obstaculizantes para a convivência com o sofrimento mental pode também ser um importante ator na construção de seu projeto terapêutico de cuidado em saúde mental.

 

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Recebido em 15/12/2016
Aprovado em 09/04/2018

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