Pesquisas e Práticas Psicossociais
ISSN 1809-8908
Larissa Medeiros Marinho dos SantosI; Isabela Saraiva de QueirozII; José Rodrigues de Alvarenga FilhoIII; Maria de Fatima Aranha de Queiroz e MeloIV
Ilarissa@ufsj.edu.br
IIisabelasq@ufsj.edu.br
IIIjoserodrigues@ufsj.edu.br
IVfatimaqueiroz.ufsj@gmail.com
Num momento em que o ânimo é para o silêncio e a elaboração de lutos, é preciso, mais que nunca, fazer alarde e demonstrar indignação. No editorial do número anterior, mencionamos as incertezas e vulnerabilidades com as quais os profissionais da Psicologia se deparavam para mover relatos de experiência e pesquisa geradores dos artigos que compunham o número. Falamos também de crises e ameaças que se desenhavam e espreitavam nossos dias. Hoje, três meses depois, no momento em que escrevemos este Editorial, as incertezas e vulnerabilidades se agudizaram e as crises e ameaças se tornaram insuportavelmente concretas num cenário de pandemia que alterou o cotidiano de humanos em todo o planeta, impondo confinamentos voluntários e involuntários, assim como novos hábitos de convivência. No Brasil, sobrepõem-se pelo menos quatro grandes crises que se fecundam e nos tornam reféns de um porvir pouco promissor. A crise sanitária produzida pela covid-19 nos deixa um saldo de mais 80 mil mortos, podendo continuar a crescer próximos meses. A crise política se arrasta e deixa órfãos de políticas públicas de saúde milhões de brasileiros jogados à própria sorte. A crise econômica se tornou ainda mais crua com o desemprego em massa acrescido pela pandemia, colocando o dilema entre morrer de covid-19 e morrer de fome. E a crise ambiental, que pareceria alheia às anteriores, mostra-se intimamente relacionada com a questão da saúde, da economia e, principalmente, da política interna e externa, uma vez que nos leva a questionar a maneira predatória e desrespeitosa com que os humanos estão se relacionando com a natureza e com outros humanos no gerenciamento de recursos que são de todos, embora explorados para benefício de apenas alguns. Os problemas que nos assombram continuam os mesmos, só que numa escala exponencialmente maior. Nos artigos que se seguem, nossos autores continuam a falar das desigualdades sociais, de drogas, de loucura, de discriminação, de problemas vividos por mulheres, de polêmicas envolvendo a questão de gênero e sexualidade, da necessidade do protagonismo de jovens, das estratégias de enfrentamento das questões de saúde mental, de maneiras de fazer pesquisa, elementos esses que fazem parte da agenda dos psicólogos.
No artigo Limites da guerra às drogas: por outra ética dos usos e ocupações nas/das cidades, Dolores Galindo, Morgana Moura (Universidade Federal de Mato Grosso), Ricardo Pimentel Méllo (Universidade Federal do Ceará) e Tatiana Bichara (Instituto de Altos Estudos do Equador) apresentam parte dos resultados de uma pesquisa cujo objetivo foi mapear alguns dos efeitos de estratégias higienístico-urbanísticas da política de guerra às drogas na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. O grupo utiliza crônicas como narrativa de pesquisa para evidenciar como as políticas de guerra às drogas produzem práticas de mortificação social, num processo de seletividade penal, argumentando que o uso de drogas nos leva a uma problemática central que diz respeito ao modo como coabitamos nas cidades.
No artigo A loucura em Ponta Grossa/PR: uma história de desigualdades expressa nas ruas, Fernanda Pimentel Santos (Universidade Estadual de Ponta Grossa), utilizando pesquisa qualitativa, pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, apresenta uma discussão teórica sobre o enlace entre saúde mental, condição de pobreza e situação de rua no município de Ponta Grossa/PR, evidenciando a utilização da internação compulsória, por meio de profissionais e familiares de pacientes psiquiátricos, e o enclausuramento social como tratamento.
As autoras Daniella Sotero de Barros Pinangé, Dandara Maria Oniilare Ferreira da Silva, Jaileila de Araújo Menezes (Universidade Federal de Pernambuco) e Roseane Amorim da Silva (Universidade Federal Rural de Pernambuco) relatam, em "Quarto de despejo": relato de uma vivência dialogada, a experiência de uma oficina que teve como base a leitura de Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, buscando, a partir da perspectiva decolonial, trazer ao contexto acadêmico linguagens e formatos para produção de conhecimento que foram historicamente alijados dos espaços de representatividade e poder, tanto na ciência como na política.
Tayná Beatriz Evangelista de Sousa (Universidade do Estado do Pará) e Ana Carolina Araújo de Almeida Lins (Universidade Federal do Pará) são autoras do artigo Repercussões psicológicas da gestação em curso em mulheres com histórico de perda, no qual relatam pesquisa realizada em um hospital materno-infantil da Região Norte do Brasil, utilizando entrevistas semiestruturadas com roteiro elaborado especificamente para este estudo. Dele participaram cinco mulheres com gravidezes em curso e histórico de uma perda de cujas falas emergiram eixos temáticos como: maternidade e seus significados, sentimentos diante da perda gestacional e da gravidez subsequente e apoio familiar e a vivência da maternidade.
Érica Silva Fróis (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), à luz das contribuições do construcionismo social e com base em pesquisa bibliográfica e de campo realizada com crianças de 4 a 5 anos no ambiente escolar, escreve o artigo A construção da expressão de gênero na infância: do gesto à palavra. Os dados foram construídos por um olhar etnográfico e sistematizados mediante núcleos de significação, dando-nos a conhecer os modos de compreensão das educadoras sobre a identificação de gênero pelas crianças, bem como problematizando tais formas de entendimento.
O uso de oficina pedagógica na mediação de conflitos causados por estereótipos de gênero e sexualidade na escola: reflexões a partir de um relato de experiência tem como autores Rafael Baioni do Nascimento, Mônica Maria Teixeira Amorim, Edson Carlos Ribeiro Silva (Universidade Estadual de Montes Claros). Trata-se de relato de experiência que usou de oficina pedagógica como ferramenta para mediação de conflitos causados por estereótipos de gênero e sexualidade, gerando, em diálogo com a teoria queer e com autores que discutem a resolução de conflitos e a aplicação de oficinas pedagógicas, a reflexão de como os conflitos interpessoais podem ser oportunidades importantes para o aprendizado de atitudes e valores democráticos e para a formação ética dos estudantes.
Em "Vida Loka": vivências de jovens em contextos de exclusão e violência, Joana Missio, Renata Petry Brondani, Dorian Mônica Arpini, Camila Almeida Kostulski, Fabiana Müller Schmitt (Universidade Federal de Santa Maria) relatam a segunda etapa de pesquisa realizada com jovens que foram alunos de uma escola aberta e protagonistas de um documentário, em 2012, no qual falaram sobre suas vivências, objetivando compreender os entraves do estilo "Vida Loka" nas suas trajetórias, tendo como elementos marcantes a violência, a linguagem própria, as relações conturbadas com a polícia, mas também a manifestação de desejos e projetos de vida pertencentes a uma "Vida não Loka", referentes à estabilidade e à segurança, tais como constituir família e empregar-se.
Juventude, ativismo político, políticas públicas e a confusão que é articular isso tudo é recorte de uma pesquisa de pós-graduação em Psicologia realizada por Bruno Vieira dos Santos (Universidade Federal de Minas Gerais), que evidenciou a relação entre juventude e política e o modo como essa relação se antagoniza com a noção de adultocracia/adultocentrismo, tendo potencial para reverberar em projetos e ações do poder público voltadas à juventude, uma vez que evidencia a necessidade de se entender o jovem não apenas como sujeito de direitos, mas um sujeito ativamente político.
Mariana Rossi Avelar, Ana Paula Serrata Malfitano, ambas da Universidade de São Carlos, são autoras do artigo A proposição de articulação em rede para atenção pública a crianças e adolescentes, que traz resultados de uma investigação sobre se e de que modo uma articulação em rede pode auxiliar e garantir a participação social na elaboração de uma agenda de políticas sociais pautada na garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens. Durante o período de 12 meses, foi realizada observação participante em campo, assim como entrevistas com trabalhadores e técnicos buscando obter informações sobre a constituição de arranjos em rede para atenção às crianças e adolescentes, com foco na participação dos atores sociais.
No artigo Educação permanente em saúde mental: o suicídio na agenda do cuidado dos Agentes Comunitários de Saúde, Bruno Gonçalves de Medeiros (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Natany de Souza Batista Medeiros (Universidade Federal da Paraíba) e Tiago Rocha Pinto (Universidade Estadual Paulista) buscaram avaliar as atitudes dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) em relação ao manejo de casos com risco suicida. Em pesquisa desenvolvida no município de Caicó (RN), o grupo pesquisado respondeu ao Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida (QACS) e à Escala de Atitudes Frente ao Suicídio (EAS) pré/pós-capacitação.
Seguindo os preceitos da Epistemologia Qualitativa - propostos por Fernando González Rey -, Rosiane Magalhães de Oliveira e Norma da Luz Ferrarini (Universidade Federal do Paraná) investigaram os Sentidos subjetivos da prática interdisciplinar do psicólogo nos Centros de Atenção Psicossocial - Caps. Para tanto, foram realizadas observações participantes e feitas entrevistas com quatro psicólogas de três diferentes Caps, cuja análise permitiu a elaboração e a sistematização de indicadores que possibilitaram a formação de núcleos de sentidos e a construção de um modelo de inteligibilidade do fenômeno estudado.
Direito Social à Educação no Brasil pós-1988: Programa Mais Educação e a PNAS na gestão da pobreza, dos autores Daniel Dall'Igna Ecker, Neuza Maria de Fátima Guareschi e Samantha Torres (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), faz a análise de elementos que compuseram a construção do Direito Social à Educação no Brasil e sua proximidade com a Política Nacional de Assistência Social, depois da Constituição Federal de 1988, inferindo que as estratégias do Estado para o acesso universal ao direito à Educação na articulação entre o Plano Mais Educação e Plano Nacional de Assistência Social possibilitaram gerir uma parcela específica da população: sujeitos carentes, pobres, vulneráveis ou em risco.
Em Musicoterapia Social e Comunitária: ações coletivas em pauta, Andressa Dias Arndt (Universidade Estadual do Paraná) e Kátia Maheirie (Universidade Federal de Santa Catarina), por meio de 85 publicações selecionadas a partir de uma revisão integrativa de literatura, analisam os conceitos de sujeito e coletivo presentes em publicações de Musicoterapia que adotam perspectivas sociais e comunitárias na América Latina, evidenciando, por um lado, concepções orientadas por uma leitura social e histórica de sujeito e coletivo e, por outro, algumas orientações que partem de perspectivas subjetivistas e individualizantes para pensar essas mesmas categorias.
O uso do software Iramuteq na análise de dados de entrevistas, que tem como autores Yuri Sá Oliveira Sousa, Sonia Maria Guedes Gondim, Iago Andrade Carias, Jonatan Santana Batista e Katlyane Colman Machado de Machado (Universidade Federal da Bahia), objetivou investigar os procedimentos de análise de dados oriundos de entrevistas qualitativas com apoio do Iramuteq, software gratuito de análise estatística textual, a partir de 38 artigos empíricos publicados entre 2009 e 2018, principalmente nas áreas de Enfermagem e Psicologia. Os autores concluíram que, além de sua pouca difusão no Brasil, há um desconhecimento sobre seus recursos técnicos, limitando a apreensão das especificidades que caracterizam os fenômenos investigados.
A revista Pesquisas e Práticas Psicossociais dá as boas-vindas à Profa. Daiana Baroni, que se juntou a nós como editora associada, dando reforços, sempre bem-vindos, ao nosso trabalho editorial. Reiteramos nossos agradecimentos à nossa secretária, Elisângela Ferreira e ao Setor de Editoração da Universidade Federal de São João del-Rei, que nos oferece, pelo trabalho de Adalberto Nunes, a valiosa revisão do material publicado. Neste número, suprindo a falta de Michel Montandon, que se encontra afastado para cursar o doutorado, a Professora Larissa Medeiros, editora da revista, tomou para si, com muito sucesso, a tarefa de diagramar e postar os artigos no Sistema de Editoração Eletrônica.