Pesquisas e Práticas Psicossociais
ISSN 1809-8908
A escrita como performance e as cartas como método: carta às leitoras e leitores deste artigo
Writing as a Performance and Letters as a Method: Letter to the Readers of this Article
Escribir como actuación y cartas como método: Carta a los lectores de este artículo
Ellen Guimarães Folly
Mestra em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense. Psicóloga, atualmente estuda a relação da Arte com a Psicologia. E-mail: ellen_folly@hotmail.com
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo transmitir ao leitor a visão possível da escrita performativa como forma natural e intrínseca, uma vez que a escrita e a vida se perpassam, mostrando que o ato de escrever é, concomitantemente, se escrever e se inscrever na História. Para tanto, foi necessário o reencontro com cartas e poemas produzidos ao longo de um processo pessoal de construção de uma dissertação do mestrado em Psicologia, utilizando como pilar o encontro com as escritoras Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo, suas relações pessoais e políticas com o feminino e com o labor da escrita atrelado ao viver. Dessa forma, conseguimos compreender a escrita como parte da vida, indo na contramão da laboração da escrita acadêmica, com seus processos de colonização da nossa maneira de escrever e de nossa forma de pensar e aprender, convidando, enfim, o leitor a participar de forma ativa dessa desconstrução, derrubando os conceitos de como se deve, ou não, proceder na escrita.
Palavras-chave: Escrita performativa. Experiência escrita. Cartas.
ABSTRACT
This article aims to convey to the reader the possible view of performative writing as a natural and intrinsic form, where writing and life itself intersect, in an attempt to show that the act of writing is simultaneously, write and subscribe to history. Therefore, it was necessary to re-encounter letters and poems produced during a personal process of creation of a Master's thesis in Psychology, utilizing as a pillar the meeting with the writers Carolina Maria de Jesus and Conceição Evaristo, their personal and political relations with the feminine and with the labor of writing linked to the act of living. Thus, we can understand writing as part of life, confronting the milling of academic writing and its processes of colonization of our way of writing and our way of thinking and learning, and finally inviting the reader to actively participate in this deconstruction, overturning the concepts of how one should, or should not, proceed in writing.
Keywords: Performative writing. Written experience. Letters.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo transmitir al lector la posible visión de la escritura performativa como una forma natural e intrínseca, donde la escritura y la vida misma se cruzan, en un intento de mostrar que el acto de escribir es simultáneamente, escribir y suscribirse a la historia. Por lo tanto, fue necesario reencontrarse con cartas y poemas producidos durante un proceso personal de creación de una tesis de maestría en psicología, utilizando como pilar la reunión con las escritoras Carolina Maria de Jesus y Conceição Evaristo, sus relaciones personales y políticas con lo femenino y con el trabajo de la escritura vinculado al acto de vivir. Por lo tanto, podemos entender la escritura como parte de la vida, confrontar la molienda de la escritura académica y sus procesos de colonización de nuestra forma de escribir y nuestra forma de pensar y aprender, y finalmente invitar al lector a participar activamente en esta deconstrucción, volcando los conceptos de cómo se debe, o no, proceder en el proceso de escritura.
Palabras clave: Escritura performativa. Experiencia escrita. Cartas.
Veja, meu bem
me chama pelo nome
Impróprio
Próprio
Veja, só
A lista conta contêm
chama
Chama?
Chamada, queimada
incendeia o quê?
Nesta cadeira azul
sob o chão cinza
Cinza fria, fria
gelada
sob luzes profundamente
brancas
Canto em verso-heresia
Que nome conta
Contem
Canta?
Que nome?
É! Nome!
Próprio impróprio
do pai, do vô
bisa tataravô
Que língua
Que nome?
Conta contêm
Canta
Mãe vó
bisa tataravó
Que língua canta
Pia xia
Encanta?
Niterói, 10 de outubro de 2019.
Pra começo de conversa...
Querida leitora e querido leitor, neste artigo pretendo desenvolver e compartilhar percursos performativos de escrita, uma escrita que está completamente entrelaçada com a experiência. Melhor dizendo, caminho semeando com as palavras a experiência escrita. Essa experiência floresce e me presenteia com alguns frutos. Esses frutos e flores alimentam a terra do pensamento, em uma grande teia de comunicação.
Compartilho com vocês palavras que brotam de um percurso de formação e que ciclicamente alimentam o percurso. Ultimamente, tem sido quase inevitável buscar com as palavras o percurso dos rios; mergulhar, ainda que metaforicamente, nas águas claras, criando com palavras ficcionadas uma imagem capaz de sustentar a existência, inventar um espaço imagético onde a liberdade criativa possa dançar.
Os atentados contra a natureza não me deixam esquecer de que materialmente por tantos e quantos lugares que circulo na cidade passava um rio que já não passa mais. A materialidade da água é uma chave de leitura com a qual os presenteio neste momento, mas, ainda assim, outras chaves e histórias, outras chaves de histórias podem brotar, podem ser perseguidas ou performadas. Esses presentes se apresentam a mim ora como dádiva da vida para todas e todos os seres, ora como uma lembrança utópica que se metamorfoseia em uma bomba hidráulica que permanece guardada no fundo de algum lugar pouco acessível, atrás de um vidro coberto de óleo e metais pesados onde, se esfregarmos a sujeira sebosa, poderemos ler: em caso de emergência, quebre o vidro. Há ainda algo dessa materialidade em garrafas de plástico, elas são vendidas por no mínimo dois reais, mas essas garrafas de água aprisionada não me parecem um bom presente neste momento.
Escrevo este artigo em primeira pessoa, deixo brotar na escrita marcas e sensações que perpassam o corpo que sou e que escreve. O corpo escreve e se inscreve por meio das palavras. Corpo-estudante, corpo-psicóloga. Esse corpo habita o mundo, um mundo, ou talvez alguns mundos repletos de especificidades. Apresento-me a você, leitora, a você leitor, e compartilho algumas considerações torcidas e tecidas em um caminhar. Caminhei e caminho por esse espaço-tempo da universidade, da univer(cidade) e também da mata, mar e montanha.
Convido-os a caminhar comigo. Pode ser que, em alguns momentos, vocês tenham vontade de tirar os chinelos, os sapatos, soltar os cabelos, comer uma fruta. Permitam-se experimentar este texto como preferir, presenteie-se com esse novo tempo, com essa nova forma de viver o tempo.
Eu sei, é bem possível que, assim como eu, vocês tenham a sensação de que, para se ler um artigo, é preciso um corpo desperto, levemente tensionado e uma mente em atividade quase descomunal. É... aprendemos isso! A escola ensina assim e a universidade não costuma ser muito diferente, mas, para que possa acompanhar-me nessa aventura, faz-se quase imprescindível desaprender um pouco também. Desacostumar o corpo da disciplina e da norma a que ele vem sendo submetido desde a primeira infância.
Pode ser que vocês tenham vontade de parar um pouco, mexer na terra; pode ser que vocês tenham vontade de chorar; pode ser que vocês tenham vontade de se exercitar, ir à praia; pode ser que vocês tenham vontade de escrever. Se possível, permitam-se. A vontade de escrever, sobretudo, é um tanto quanto preciosa demais para ser deixada para depois. Por favor, parem a leitura e escrevam.
Este texto é, entre outras coisas, fruto de um processo de retomar a escrita. A escrita como ferramenta de cuidado. Cuidado de si e cuidado com o outro, com o meio, com as memórias. É, a partir de um encontro propiciado pela leitura, que esse processo de retomada da palavra e da escrita se faz possível. Mas, para que vocês me acompanhem nesse caminho, parece-me necessário contar-lhes a história.
Sentem-se que lá vem história
Talvez tenha sido na adolescência que comecei a ter com a escrita possibilidade de cuidado. Palavrear a experiência começou então a ser uma forma de dar sentidos a ela, palavrear com poemas e histórias. Histórias fictícias, histórias vividas e sonhadas. Palavreava como quem regurgita tudo aquilo que o organismo não consegue digerir. Palavreava a dor, o amor, a paixão, o pensamento.
Já no fim da adolescência, como é costume entre alguns jovens de classe média, prestei vestibular para alguns cursos na área das chamadas ciências humanas. Naquela época, eu não sabia muito bem o que queria ou o que esperava de um curso de graduação, mas achava, de todo modo, que era uma boa opção; que talvez facilitasse a entrada no mercado de trabalho... não posso garantir, mas algo por aí devia passar pela minha cabeça.
As ciências humanas pareciam-me interessantes. E esse interesse brotou do encontro com minhas próprias questões existenciais, brotou do encontro com a produção cinematográfica a que tive acesso por ser filha do meu pai e da minha mãe. Na época, eles tinham uma locadora. Esse interesse brotou ainda do encontro com Alessandra Tomassini,1historiadora formada pela Universidade Federal Fluminense. Alessandra foi minha professora no ensino médio, ela dava aulas de Filosofia e História.
Entre os cursos para os quais prestei vestibular estava o curso de Psicologia. As outras opções eram História e Filosofia. O mundo das artes também já me encantava naquela época, mas acreditava que seria muito difícil para mim, uma menina do interior, conseguir alcançar reconhecimento e estabilidade financeira no universo das artes. Quando criança, sonhava em ser atriz, embora nunca tivesse assistido a um espetáculo teatral.
Por que escolhi a Psicologia? Essa é uma pergunta que me fisga. Tenho um apreço por ser fisgada por perguntas, acho importante mantê-las vivas. Parece-me que manter aceso o fogo das perguntas é fundamental para que as histórias da vida possam ser contadas e recontadas, não há melhor alimento para as histórias que a grande fogueira das perguntas da vida.
Assim como o fogo é imprescindível à manutenção da grande roda de histórias, a lenha é necessária para alimentar o fogo. E é o próprio povo que colhe a lenha e alimenta o fogo garantindo, certa circularidade permeada de atravessamentos. É nessa circularidade e em seus atravessamentos que busco construir respostas sempre provisórias a essa pergunta.
Um amigo costuma brincar comigo. Ele diz: "Ellen, me dá um diagnóstico! Me dá um diagnóstico, Ellen! Você estudou tanto pra entrar na mente alheia!" Percebo que essa brincadeira está recheada do senso-comum sobre a atividade dos profissionais da Psicologia, do trabalho da(o) psicóloga(o). Eu sempre respondo que não é por aí, que nossa relação é outra, não há um contrato clínico, mas uma relação de amizade e que minha relação com a ideia diagnóstica é complicada. Respondo também que eu não estudei "pra entrar na mente alheia". A brincadeira é quase um jargão, piada interna nossa e me divirto com ela. Deixo-me fisgar principalmente por essa ideia de "entrar na mente alheia". Ainda que não seja por aí, essas palavras operam abrindo uma via de contato entre a pessoa, a pesquisadora, a mulher, a psicóloga que sou e minha escolha. Essa pergunta faz-me re-parar, tornar a parar, re-lembrar, re-contar as histórias que causaram fascínio, admiração, curiosidade. Re-contar as histórias e Histórias que co-moveram corpo-pensamento e passaram por um processo de escolha de um percurso acadêmico no chão das ciências humanas, no território da Psicologia.
Ao ouvir essas palavras, eu me lembro dos filmes a que assistia na adolescência: "Garota, interrompida" e "Meninama.com". Lembro-me desses filmes de que gosto muito por fazerem mover meu pensamento com suas tensões subjetivas, com os modos de ser das personagens em cena.
Em "Garota, interrompida", há em cena com muitas mulheres; elas habitam um hospital psiquiátrico, vivem em contexto de internação. Cada qual com suas questões específicas. Nas especificidades próprias de cada história, há marcas da experiência feminina que elas compartilham. De modos distintos, mas há compartilhamento de experiências, dores e estratégias de enfrentamento e sobrevivência frente às violências sofridas por elas.
"Meninama.com" é também uma história de violência e enfrentamento, talvez mais de enfrentamento que de violência. Nesse filme, Hayley, personagem vivida pela atriz Ellen Page, arquiteta um sequestro. Ela sequestra um pedófilo que ela suspeita ter estuprado e matado sua amiga. É confuso, pois ela o sequestra em sua própria casa (casa dele) para onde ele (ou seria ela) a levou. Ela coloca uma espécie de sonífero em um drinque e deixa o cara dopado. Aí começa a ação! Mas não vou continuar contando a história do filme, já foi muito spoiler2para uma breve síntese.
Por que trazer essas histórias para pensar a questão da escolha? Trago porque foi com essa série de perguntas e elementos que habitavam meu imaginário adolescente que pude colocar na balança as supostas opções de curso superior para as quais eu prestaria vestibular. E ainda naquela época, com as minhas próprias questões de mulher, por meio dos VHS e DVDs que possibilitavam meu contato com o cinema, e também com uma ou outra obra literária,3 uma escolha foi possível.
Essa escolha, assim como está posto nos filmes e também nas obras literárias, está repleta de questões subjetivas. Elas carregam marcas de história. Histórias reais, histórias ficcionais, friccionadas. A marca do feminino está fortemente presente em todas essas histórias e Histórias, marcas de violências, marcas da opressão vivenciada de diferentes formas por mulheres e meninas. Marcas de existência, resistência.
Durante a graduação em Psicologia, pude aprender um tanto de coisa, me aproximar, por meio de leituras e das aulas de excelentes professores e professoras, de pensamentos de muitos autores interessantíssimos. Tive uma experiência de estágio em clínica transdisciplinar, sob supervisão da professora Silvia Tedesco, que foi muito enriquecedora e me proporcionou praticar a clínica, afiar e afinar a escuta alinhada a estudos muito finos. Tive contato com textos de autores como Suely Rolnik, Gilles Deleuze, Felix Guatarri, Michael Foucault e também com obras cinematográficas muito potentes, como o filme Trust (1990), de Hal Hartley,4 referências preciosas nesse processo em curso de plantar um corpo clínico, uma escuta clínica.
Entretanto, no processo de graduação, experimentei também o silenciamento. Vivenciei, como estudante mulher, uma série de violências desde o primeiro momento em que coloquei os pés na universidade. Essas violências naturalizadas contra o corpo de estudantes; violências aplicadas como "trotes" pelos próprios estudantes "veteranos" marcam o corpo-experiência e são invisibilizadas e naturalizadas pela lógica disciplinar e silenciadas pelo discurso da neutralidade e pela própria organização hierárquica entre professores e estudantes.
Não é sem resistência que esses mecanismos seguem operando. É possível que, atualmente, os trotes não sejam mais como em 2009. De toda forma, preferi não pôr meu corpo novamente à prova e corroborar com qualquer resquício de um ritual vexatório.
Outro ponto de conflito foi a relação com a leitura e a escrita. Sem dúvida que li muita coisa boa. Textos que ajudaram e ajudam na construção do meu pensamento ainda hoje, mas durante muito tempo ler e escrever tornaram-se obrigações e não mais um prazer ou um dispositivo de produção de saúde.
É aí que mais uma vez o alegre5 encontro com a Literatura aumenta minha capacidade de agir. O encontro com a Literatura, eu já ia me esquecendo, aconteceu por meio do teatro, perceba! Este artigo está parecendo uma grande roda de "histórias dentro de Histórias" espiraladas em volta de uma fogueira. Quase posso ver, não com os olhos, mas sobretudo com a imaginação sinestésica, muitas e muitas pessoas reunidas, segurando toras de lenha, alimentando o fogo, rindo, conversando, cantando!
Foi por meio de dois queridos professores de teatro, Ribamar Ribeiro e Getúlio Nascimento, que conheci Carolina Maria de Jesus.
Ribamar e Getúlio estavam, na época, em cartaz com uma peça que contava um pouco da História de Carolina Maria de Jesus. "Salve ela, Carolina Maria de Jesus em cena!" Eles me convidaram para assistir à peça, mas, naquele momento, não consegui ir. Eu estava com viagem marcada para Porciúncula, cidade do interior do estado do Rio de Janeiro, para visitar meus pais.
Não fui assistir à peça, mas guardei na memória o nome de Carolina e lá em Porciúncula busquei na internet e encontrei o pdf do livro Quarto de Despejo - diário de uma favelada.
Li quase sem respirar. As palavras de Carolina e sua força e potência invadiram meu corpo a cada linha, e as tomadas de ar eram ofegantes e por vezes emocionadas. A experiência da fome, vivida e narrada por Carolina de Jesus, e as imagens do que era, naquela época, viver às margens do rio Tietê são cenas dolorosas que, com seu diário, ela compartilha com a leitora, com o leitor.
Contudo, para além da experiência da fome, da pobreza, do lixo, Carolina compartilha com a leitora e o leitor uma forma de narrar o cotidiano poética e filosoficamente requintada. E uma forma de viver a vida e as dificuldades e enfrentá-las com poesia e imaginação. Nas palavras de Angela Carneiro, grande parceira de pesquisa,"uma cozinhadoura de palavras".
É a partir desse encontro com Carolina que se torna possível para mim retomar as palavras. E como uma cozinhadoura aprender a escrever e a cozinhar com elas. Retomar e assumir uma escrita encarnada, que brota de um corpo inteiro e que, como em uma teia, perpassa esse corpo fazendo-o brotar novamente.
Um encontro que, como uma planta se ramifica em outras, poliniza a terra da ancestralidade do pensamento feminino. É dessa terra que viemos, é nela que vivemos, é com e por intermédio dela que nos comunicamos. Uma terra composta por elementos híbridos, por raízes finas, por muitas sementes.
Assim sendo, convido a este artigo, a esta roda de mulheres, a esta reunião diante do fogo mais uma escritora e pesquisadora, Conceição Evaristo, com quem aprendi que ficção e realidade se misturam, que escrever e viver se articulam e ficcionam-se mutuamente, são importantes germens na plantação da vida, na fabulação de novas possibilidades de existência. Com ela afirmo a possibilidade de contar histórias que se imortalizem na História, porque as histórias importam, muitas Histórias importam.
Também já afirmei que invento sim e sem o menor pudor. As histórias são inventadas, mesmo as reais, quando são contadas. Entre o acontecimento e a narração do fato, há um espaço em profundidade, é ali que explode a invenção. Nesse sentido venho afirmando: nada que está escrito em Becos da Memória é verdade, nada que está escrito em Becos da memória é mentira. Ali busquei escrever a ficção como se estivesse escrevendo a realidade vivida, a verdade. Escrever Becos foi perseguir uma escrevivência. Por isso também busco a primeira narração, a que veio antes da escrita. Busco a voz, a fala de quem conta para se misturar à minha. (Evaristo, 2013, p. 11)
É a partir dessa ideia de escrevivência que busco com estas palavras construir um caminho narrativo, performativo. Seguir com todo o cuidado e respeito uma trilha na mata, sujar meus pés, abrir um espaço no corpo, deixar pegadas no solo concreto, no chão das praças e dos prédios da universidade.
Esse processo de aproximação com o pensamento de Carolina de Jesus e Conceição Evaristo, e o reconhecimento de uma certa ins-pira-ação que se deu e se dá em minha atividade de escrita a partir do encontro com seus próprios estilos de escrever, é um processo tenso e intenso. Conceição Evaristo e Carolina de Jesus são mulheres negras e suas escritas inscrevem seus corpos, corpos racializados em encontro com uma sociedade racista, que se nega a re-parar o genocídio e o etnocídio6 imposto desde os tempos de invasão portuguesa aos povos tradicionais brasileiros e aos povos afrodiaspóricos, descendentes de africanas e africanos que foram sequestradas(os) e trazidas(os) para serem escravizadas(os) pelo colonizador europeu.
Suas escritas me interpelam, sobretudo, em minha branquitude, que se esfacela e prolifera versões. Percebo-me nova de novo. A tensão me coloca em contato com uma série de privilégios7 que em uma sociedade racista pessoas não racializadas como eu desfrutam. Entre esses privilégios, gostaria de ressaltar aqui a possibilidade de escrever um artigo sem que se faça necessário apresentar ou debater a questão racial. O encontro com a escrita dessas grandes pensadoras negras coloca-me frente a frente com um aspecto da suposta neutralidade do pensamento e da escrita antes despercebido e abre em meu corpo uma brecha para pensar a história colonial, as tantas histórias que foram e são cotidianamente silenciadas. Essas Histórias negadas, apagadas. Histórias de sequestro de muitas vidas, rapto de existências e estupros, que são transformadas em histórias românticas em um país que canta aos quatro cantos uma anedota cruel sobre a miscigenação e a suposta democracia racial.
Essas novas perguntas e inquietações atiçam o fogo da escrita e perpassam-me, sobretudo, no cotidiano de uma vida vivida nas praças e periferia. A voz de Carolina de Jesus e Conceição Evaristo ecoam nas vozes diretas e retas de parceiras e parceiros do RAP, que em ressonância nos contam e cantam as agruras da discriminação racial, que perpassa e é perpassada por uma discriminação de classe e sobretudo por uma discriminação de modo de ser, modo de viver, se vestir, modo de dizer.
Um desses parceiros e parceiras do RAP é Pericão, assim ele é conhecido entre as batalhas de rima, das quais participa como mestre de cerimônia. Pericão é meu vizinho e amigo, e um grande poeta. Não há melhor maneira de apresentá-lo que compartilhando com você leitora e com você leitor uma de suas poesias, que, aviso de antemão, é um retrato incompleto do que é improvisar.
Ae essa mandinga que
jogaram. Ou será...
Uma coisa que
Quem sofre
É smp da msm cor
Pretominha cor
Preto
Teu mundo cor de rosa
Borboletas
Eu tenho ouvido
Falarem de 11 de setembro
Ou Pearl Habor
Ou final de noite
Notícia da China
Por Arnaldo Jabor
Vou me adiantar.
Nao posso deixar história pra contar
É uma toxina
Ruas assassinas
Tô vivo mermo
O mundo é um veneno
Sobrevivendo
É um ciclo
E quem nasce
Hoje
Rezo pra que tenha
Grana. Nem que seja bacana
Mas se for pobre
Entra no mermo ciclo
Alguém morreu ontem
E tá estampado sangue
Nao fica. Espantado sangue
Ah e tu vem falar
Q quem planta colherá
Mas e quem recebe
Dose diária de ódio
Oprimido. Casbibaixo
q entende a sinfonia de um tiro
Tu me diria meritocrata
E quem me rouba tá de gravata
Mas pera aí, deixa eu me adiantar
É que
tenho precisado ir
Garimpar dentro de mim
Inspire, expire, escreva!
É com Carolina de Jesus (2014), Conceição Evaristo (2013), Ecléa Bósi (2012), Simone de Beauvoir (2009), e Jeanne Marie Gagnebin (2006) que me apresento ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense. É com elas que me apresento à Márcia Moraes8 e ao grupo PesquisarCOM. Apresento-me à Márcia, às parceiras e aos parceiros e sou em contrapartida apresentada à Gloria Anzaldúa (2000, 2005, 2009), Luciana Franco (2016), Vinciane Despret e Isabelle Stengerns (2011) e Donna Haraway (2009).
Com Ecléa aprendi a importância do ato de re-lembrar e sua dimensão criativa. Para ela, re-lembrar é refazer, é um trabalho com o tempo e no tempo. Com Simone, em um momento em que eu sofria uma série de violências machistas, pude me aliar para melhor compreender uma certa história e um certo processo de subalternização e violência cotidianamente praticadas contra meninas e mulheres. Foi com Simone e com Carolina que comecei a atinar para uma possibilidade de escrita e leitura que se planta de maneira simples e objetiva, sem muitos rodeios e muitos floreios, mas nem por isso menos contundente, profunda e poética. Com Jeanne Marie me atinei para a importância da testemunha, aquela que não vai embora, aquela que com apesar e por meio da dor aceita levar adiante o sofrimento indizível do outro.
Entre as muitas coisas que aprendi com a Márcia e o grupo PesquisarCOM, chamo a atenção para a importância da carta como metodologia de pesquisa e destaco, entre essas mulheres que agora compõem conosco essa roda de histórias e Histórias, Gloria Anzaldúa. Sua carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo perpassa meu corpo durante todo o processo de escrita, durante os dois anos que, de volta à UFF, estive cursando mestrado.
Há um estalo como o da madeira quando encontra o fogo. Esse estalo arrepia a espinha, faz lembrar-me de nossas mães, avós, bisavós, tataravós. O estalo faz lembrar-me daquelas que, como nos alerta Virginia Woolf e Alice Walker, tiveram a liberdade criativa cerceada, minada, tolhida, podada. O estalo faz lembrar as fogueiras da inquisição, da perseguição e expropriação do corpo feminino desde a Idade Média, ou mesmo antes disso.
Todo esse controle sanguinário incide, ainda hoje, sobre nós. É a partir do controle de nosso corpo, de nossa organicidade encantada, de nossa relação com a terra, com a água, com as raízes que o sistema capitalista forja as bases para se consolidar.
Muitas não sobreviveram aos maus tratos, à escravidão, à fúria cruel do fogo colonial. Muitas tiveram sua existência tomada e ainda assim insistiram e criaram. É por elas que continuamos nos reunindo. É também com elas, com aquilo que em nosso corpo insiste e existe graças à dádiva com a qual elas nos presentearam, a vida.
É em memória de todas elas que convoco com palavras, histórias e Histórias este círculo. É com a carta de Gloria, com o compilado de cartas de Isabelle e Vinciane que está sendo possível concluir esta carta vocês, leitoras e leitores, neste dia de hoje.
Neste domingo nublado, levemente sonolenta, mas disposta, depois de comer tapiocas e tomar um café da manhã às 14 horas do dia, começar a escrever, parar para varrer a casa, lavar a louça, retomar a escrita, convoco-os a colocar em movimento suas palavras e pensamentos, sua poesia, sua arte, sua forma de perceber, se mover, ser. Entre uma coisa e outra, entre o cuidado consigo, com o corpo, com a alimentação, com as amigas, os amigos, o namorado, a namorada, a filha ou o filho, as sobrinhas e os sobrinhos, a mãe e o pai. E lhes digo como me foi dito por Gloria, por meio de sua carta, que por um acaso fortuito chegou a mim, eles mentiram para nós: não é possível separar escrita e vida.
Por isso a aposta nesse método, nessa prática de tecer cartas, pela possibilidade de conexão, comunicação, porque cartas compartilhadas podem plantar comunidades provisórias e operar transformações curativas.
Esse método com o qual fui presenteada me acompanhou durante o mestrado e eu o acompanhei e segui seu encalço. Assim pude me corresponder com importantes pesquisadoras, amigas, cientistas. Essas cartas você pode encontrar, caso se sinta fisgada(o), na minha dissertação Rios da memória: a escrita como exercício de liberdade.9 Deixo, de todo modo, algumas delas, estas que foram as primeiras e também as últimas a serem tecidas neste processo de escrita, deixo-as como um presente, uma oferenda, um regalo, com a esperança de que você mulher da terra, da floresta, da periferia, da cidade, mulher brasileira, descendente de indígenas, mulher cigana, mulher retirante, você mulher negra, asiática, você brasileira, moçambicana, amazonense, paraense, nigeriana, irlandesa, mexicana, londrina, francesa, portuguesa, você que sente uma conexão especial com o vento, o mar, a montanha, com o verde das árvores distantes, escreva!
Com carinho,
Elen
Niterói, 24 de julho de 2019.
Queridas leitoras e queridos leitores deste trabalho que agora está em vias de se concretizar e ganhar vida própria! É com alegria e esperança que hoje me dirijo a vocês. Alegria, esperança, medo, ansiedade, angústia! Alegria em olhar pra trás e ver o caminho percorrido, as conexões tecidas; as relações avivadas pelas cartas trocadas durante este percurso prestes a desaguar! Venho pensando bastante nisto: se tem algo de precioso que ganhei neste trajeto foram as redes de comunicação tecidas, das quais me dou conta ao contactar as queridas e queridos atrizes e atores deste texto que performo.
É, o que você está prestes a ler é um texto performado, que vai se fazendo e se desfazendo; me fazendo e me desfazendo dentro de teias complexas, compostas por elementos híbridos, heterogêneos. Escrevo com alegria e esperança de que essas redes possam espraiar, de que os rios plantados possam aguar a terra e as raízes de pensar em movimento. Escrevo com medo, ansiedade e angústia; ensaio a liberdade de escrever dentro dos limites e impossibilidades, dentro dos prazos e durezas de espaços marcados pela colonialidade do pensamento. Não nego que faço uso dessas ferramentas também.
Nesse trajeto, em alguns momentos foi quase impossível escrever. A minha relação com o Português, uma língua imposta, por vezes provoca uma certa paralisação, faz travar, mas também mobiliza. Paralisa uma certa forma de escrever e aprender tomada em demasia por processos de pensamento quase burocráticos. Mobiliza e faz lembrar, lembrar é exercício ativo na plantação desses rios, lembrar é fazer, criar e ficcionar.
Niterói, 25 de julho de 2019.
Esta relação com o ato e o exercício de lembrar não estava e não está dada de antemão. Ela foi se dando, e tornando-se necessária à medida que eu, como pesquisadora, me reposicionei. A princípio, minha intenção era tecer este trabalho como testemunha de histórias que não vivi, entretanto, me vi novamente perpassada por histórias pessoais e políticas que pediam passagem, pediam ar, pediam fôlego. Foi por meio do alquímico ato de lembrar que essas histórias puderam respirar, elas fizeram corpo neste trabalho à medida que a pesquisadora opta por tomar a palavra e fazer história.
Algumas histórias, às quais testemunhei como leitora, compõem também estes escritos. Passagens do livro Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, bem como minhas perguntas iniciais, perguntas atiçadas pela leitura e por minhas próprias experiências cotidianas, perguntas referentes à liberdade, ao corpo, ao corpo feminino, ao papel da mão humana, ao caráter artesanal do processo de escrita. Essas perguntas pairam durante todo o processo de escrita e são brevemente respondidas em alguns momentos deste trabalho. Porém, mais do que respondê-las, é com alegria que as percebo como constituintes de um estilo de escrita. Esse estilo se compõe de perguntas e brota, sobretudo, na trivialidade, no dia a dia de uma vida vivida. Uma vida vivida na cidade, nas ruas, nas praças, nas estradas, no mato do prédio, na beira do rio, no topo da montanha.
Niterói, 26 de julho de 2019.
Nestas palavras, o que você encontra é um estilo, ou melhor, estilos de fazer história e se fazer de histórias plantadas, em que início e fim se encontram e batem papo, brotam no meio, do meio e com o meio se alimentam para florescer e frutificar.
Não é à toa que me volto e recorro constantemente a terra e sua sabedoria na plantação de pensar. Plantar com cartas o pensamento, plantar com histórias cotidianas, plantar com rap e poesia. Nesse percurso em que me deparei novamente com os limites e regras que perpassam e são perpassados pelo verbo jogar, pelo verbo brincar, pelo verbo cantar, versar, escrever; a terra é matéria de onde tudo brota, de onde e onde tudo é. Vi nascer o campo no campo de diferentes formas e fôrmas de linguagem e tive que seguir essas pegadas irresistíveis, quase não tive escolha!
Dizer que quase não tive escolha é uma brincadeira que está coberta de verdade. Nesse processo de pesquisar, escrever, viver e tornar-me mestra quase não fui inteira, quase não estive de pé. Percebo que me movi de múltiplas formas na tentativa de orquestrar e dar passagem a esta vida em estilhaços. Talvez como uma palhaça, carregada de vontade, utopia e desalinho. Um maestro fêmea atrapalhado a reger gritos e sussurros, vozes reais e imaginárias; vividas e sonhadas, alquimizadas, transformadas que com a escrita ganham vida e corpo!
De tempo em tempo, sinto-me muito só, como quando estive na montanha. A montanha é matéria e metáfora, ela ensina silêncio. Repleta de mata verde, cores em tom, majestosa criatura eterna de Deus. Ela ensina a subir, sentir, olhar, cheirar, tocar, ouvir. Ela ensina essas coisas de olhar e perceber, ver longe. Ela ensina a paciência, humildade e soberania, virtudes, eu diria, imprescindíveis a toda e todo alquimista.
O apreço e a experiência do silêncio montanha fazem parar e mover. Fazem re-parar, tornar a parar e re-conhecer o meio (ambiente) para nele e com ele seguir com cautela. Seguir caminhando, pegando e largando, olhando e cheirando, seguir escrevendo.
Pergunto a mim mesma se falo de água, ar e montanha por carecermos de natureza. Creio que sim! Às vezes também sinto carência de terra. E aí o corpo faz a razão lembrar e jamais se esquecer a cada mês e todo dia de sua organicidade.
A solidão é condição de possibilidade, é com ela e com seus ensinamentos que é possível caminhar, buscar velhas e novas referências. Tatear no escuro, pisar nesse chão devagarinho. É na solidão e por meio dela que é possível re-conhecer as parcerias estabelecidas e que se fazem presentes neste inteiro corpo-texto.
É do fundo da solidão, das águas profundas, que é possível re-fazer os caminhos ao mar. Com tantas e quantas inspirações que transbordam o conceito de referências. Se em um primeiro momento optei por nomeá-las de forma aparentemente displicente, não foi acaso, e nem tampouco displicência, é que nome não é algo dado ou óbvio e carrego um certo incômodo com a transmissão hereditária patriarcal, evidenciada por nossos sobrenomes. Foi ainda por buscar com as cartas e histórias uma relação de maior intimidade, fazer do texto uma conversa.
O exercício de lembrar e performar a escrita extrapolou a mim mesma, deixei que o texto me dissesse de silenciamentos invisíveis, quase sem querer tomar a palavra e seguir sem anteparos ou pudor, desnudando-me de véus inimagináveis, camadas e camadas.
Assim, performando e me fazendo escrita, atingi e fui atingida pela oralidade e pela poesia; as incoerências, as cacofonias e os vícios de linguagem são evidenciados e se tornam questões políticas. Questões que no momento da qualificação pude perceber e a partir de então pude aprofundar. A importância de melhor situar algumas autoras que são caras a este trabalho ganhou densidade e, se em alguns momentos do texto insisto no primeiro nome, ou escrevo o sobrenome entre parênteses, é para marcar o gênero, fazer as marcas aparentes e constituintes da escrita, para fugir da suposta neutralidade, forma como comumente se apresenta a escrita acadêmica. É ainda para marcar a questão que não se soluciona e ficar com o problema.
Niterói, 28 de julho de 2019.
Início e fim se encontram, a escrita começa antes do início e não se encerra quando termina; faz-se aberta ao diálogo, às conversas, aos retornos. As próximas cartas que você lerá10 neste prefácio foram escritas durante o processo de seleção do mestrado e dirigidas à coordenação do curso de pós-graduação da UFF e incluídas no projeto como dispositivo. As datas e localidades de onde digito também são marcas constituintes do processo de escrita e leitura. Tempo e espaço marcam e são marcados pela escrita e pela leitura, evidenciam deslocamentos e fazem deslocar. Escrevi em Porciúncula, cidade do interior do estado do Rio de Janeiro, divisa com Minas Gerais; onde cresci, onde moram meus pais. Escrevi aqui em Niterói, onde nasci e atualmente habito. Escrevi no Moinho, pequeno povoado na Chapada dos Veadeiros, distrito de Alto Paraíso, onde estive em vida e pesquisa, berço de nascimentos, ninho de recomeços.
As destinatárias11 das cartas também são chaves importantes neste percurso em curso, não as escolhi de antemão. A importância de me corresponder com elas foi sendo tecida no decorrer deste feitio em fluxo. Algumas cartas foram mostradas, enviadas por e-mail, respondidas! As respostas que recebi também compõem o texto, com a ciência, autorização e assinatura dessas mulheres pesquisadoras, escritoras, filósofas, psicólogas, historiadoras.
O texto se faz histórias, Histórias e imagens. Histórias e fotografias inauguram diálogos, servem como disparadores e contam além do que cabe em palavras. Incluir esses dispositivos no feitio deste trabalho é abrir espaço para o exercício do pensamento nas brechas cotidianas. O pensamento nas frestas do pensar, que às vezes se faz distraidamente e pede corpo-palavra, corpo-fotografia.
Perdi-me muitas vezes pelo mar, o mar é matéria e metáfora. Conchas e areia guardam a sabedoria ancestral. Craquela, esfacela, comunica. Retornar ao mar é aprender a desaguar, exercício de contágio. As ondas contam do ritmo, o som em movimento. Elas puxam e arrastam, crescem em cume, quebram-se em espuma, mestra do conhecer que não acaba, parece sempre eterna, nova e velha; oceânica.
Aprofundar o acolhimento da montanha.
Expandir a receptividade do oceano.
Referências
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Recebido em: 10/11/2019
Aceito em: 28/5/2020
1 Alessandra, por vezes nos levava ao pátio, nos convidava a sentar em roda no chão e, em suas aulas de Filosofia, era a partir de nossas inquietações cotidianas que ela nos apresentava o pensamento de alguns importantes filósofos.
2 Destruidor, desmancha-prazeres.
3 "Eu, Christiane F., treze anos, drogada e prostituída...", "A hora da estrela", "Noite na taverna".
4 A autora Suely Rolnik desenvolve, a partir do encontro com a produção cinematográfica de Hal Hartley, considerações sobre a clínica que foram preciosas em meu percurso de aprendizagem e construção de um corpo clínico. A partir de uma estética da banalidade, Hal Hartley e, posteriormente, Suely Rolnik apontam para a importância da confiança (co-fiar, fiar-com) em um percurso que se desenrola entre os personagens principais do filme (Maria e Matthew). A confiança tecida no encontro entre eles possibilita a aposta em linhas de fuga na construção de modos de ser e viver que escapam ao plano achatado do senso-comum - marcado por papéis sociais rígidos, em que a diferença tende a ser esconjurada como o mal encarnado - e se investem em um plano de imprevisibilidade e criação no qual não há garantias ou certezas. Há o presente, uma página em branco, e a possibilidade de tecê-lo no encontro, nas conexões. As considerações de Suely podem ser encontradas no texto "Hal Hartley e a ética da confiança", disponível no site https://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/halhartley.pdf.
5 Digo de uma alegria trágica, não atrelada necessariamente à ideia de uma felicidade passiva ou contemplativa. Falo da alegria como um estado de presença e atenção que comporta a tristeza, o medo, as dores, o trauma, em um processo alquímico de cuidado e cura. Aposto em uma retomada da palavra alegria e da palavra cura, comumente utilizada pelo discurso médico de maneira vertical e transcendental. Não é, entretanto, dessa cura que falo aqui. Trabalho com ela de maneira mais próxima, talvez, do conceito de normatividade em Canguilhem, como capacidade do corpo individual e social/coletivo buscar plantar saúde em uma contracorrente em relação aos processos normalizadores. Inspiro-me em Nietzsche e Espinosa ao pensar a palavra alegria.
6 Termo usado para descrever a destruição da cultura de um povo.
7 Afirmo de forma ativa este termo neste artigo. Entretanto, não é sem tensão que o faço. Temo que a naturalização desse termo sirva a uma naturalização de violências e desigualdades mais do que sirva de ferramenta e arma de luta contra esses mecanismos de opressão. É fato que muitas vezes o acesso a direitos básicos previstos na Constituição Brasileira não estão seguros e não contemplam a todas e todos, conquanto, mais que afirmar que são privilégios, é preciso lutar para que não sejam, pois teoricamente não são e não devem ser de modo algum direito de alguns.
8 Márcia Moraes é professora titular da UFF no curso de graduação e pós-graduação e foi minha orientadora de mestrado.
9 A dissertação estará disponível em breve no site www.slab.uff.br.
10 Aqui me refiro às cartas tecidas no prefácio de minha dissertação de mestrado Rios da memória: a escrita como exercício de liberdade, que foram, a principio, dirigidas à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFF, compondo a carta de intenção, que é uma das exigências do processo seletivo.
11 Entre elas estão Carolina de Jesus, Alessandra Tomassini, Angela Carneiro, Gloria Anzaldúa, etc.