Psicologia para América Latina
ISSN 1870-350X
Trabalhadoras brasileiras e a relação com o trabalho: trajetórias e travessias
Glaucia de Lima D’Alonso
Universidade Estadual Paulista, Brasil
RESUMO
Este artigo tem por objetivo resgatar historicamente a inserção da mulher no mundo do trabalho, no contexto brasileiro, analisando quais os principais aspectos que determinam este processo. O estudo foi desenvolvido a partir de uma revisão bibliográfica sobre o tema e estruturou-se em três etapas. Inicialmente foi problematizado a participação da mulher no mercado de trabalho correlacionando-a com a divisão sexual das técnicas. Num segundo momento verificou-se como se deu a inserção da mulher no trabalho no contexto brasileiro e por fim, finalizou-se o artigo com uma reflexão sobre as implicações da maternidade sobre o trabalho feminino. Neste estudo pode-se verificar que as condições vivenciadas pelas mulheres no mercado de trabalho devem contemplar diferentes fatores, sejam eles, de ordem econômica, sociais e culturais, que permitem uma reflexão sobre a diferença e a identidade feminina (biológica e social), a divisão sexual das técnicas, o trabalho produtivo e reprodutivo.
Palavra-chave: Mercado de trabalho, Gênero, Maternidade e trabalho feminino.
ABSTRACT
This article aims to redeem historically the inclusion of women in the world of work, especially in Brazil, analyzing what the main points that determine this process. The study was developed from a literature review on the subject and is structured in three stages. Initially was turned problematic the participation of women in the labor market correlating it with the division sexual techniques. In a second stage it emerged how was the inclusion of women at work in the Brazilian context, and finally, the article was ended with a reflection about the implications of motherhood on the female work. In this study we can examine that the conditions lived by women in the labor market should consider various factors, economic order, social, cultural and even the institutional that allow a reflection about the difference and female identity (social and biological) , the sexual division of the techniques, the work productive and reproductive, and the relationship between capitalism and patriarchalism, expressed in the forms of control of the production, according to the condition of gender.
Keywords : Labor market, Gender, Motherhood and working women.
I - A mulher no mercado de trabalho
A inserção da mulher no mercado de trabalho tem sido acompanhada de segregações e discriminações que as colocam em condições menos favoráveis no campo socioprofissional. Tal realidade tem sido evidenciada a partir do estudo das relações trabalhalistas e, especialmente, das formas como homens e mulheres se inserem neste mercado (Prosbt, 2003;Kartchewsky 1986). As explicações para tal quadro devem considerar um conjunto de fatores, cuja origem pode ser remetida tanto ao campo econômico, quanto a fatores socioculturais e institucionais: a diferença e a identidade feminina (biológica e social), a divisão sexual das técnicas, o trabalho produtivo e reprodutivo, assim como a relação entre o capitalismo e o patriarcalismo, expressa nas formas de controle da produção, segundo a condição de gênero (Pena, 1981).
Nesta perspectiva, Marilena Chauí (1980), afirma que:
“a divisão social do trabalho não é uma simples divisão de tarefas, mas a manifestação de algo fundamental na existência histórica, a existência de diferentes formas de propriedade, isto é, a divisão entre as condições e instrumentos ou meios de trabalho e do próprio trabalho, incidindo por sua vez na desigual distribuição do produto de trabalho. Numa palavra: a divisão social do trabalho engendra e é engendrada pela desigualdade social ou pela forma de propriedade” (Chaui,1980,p.61).
Andrée Kartchewsky (1986) cita a necessidade de se encarar a divisão social do trabalho como relação de classes e entre sexos e de se ter a compreensão do trabalho como atividade profissional e atividade da esfera doméstica. Quanto a participação desigual no trabalho de homens e mulheres, diz que a utilização da força de trabalho destina as mulheres às categorias menos remuneradas, acrescentando que esse problema se refere mais ao estatuto social das mulheres do que à sua vinculação a determinada categoria profissional. Tal afirmação é comprovada desde a incorporação da mão-de-obra feminina ao mundo industrial até os dias atuais.
Neste contexto, Machado (1998) afirma que ao se analisar a questão do gênero é necessário estabelecer uma ruptura entre a noção biológica de sexo e a noção social de gênero e se considerar a transversalidade do próprio conceito, ou seja, que a “construção social de gênero perpassa as mais diferentes áreas do social” (Machado, 1998,p.109).
E ainda, Simão(2000) afirma que:
“...nesse sentido é preciso encontrar conceitos que permitissem diferenciar aquilo que as mulheres tinham de natural, permanentemente, e igual em todas as épocas e culturas (o sexo) daquilo que dava base para a discriminação e, por ser socialmente construído, variava de sociedade para sociedade e podia mudar com o tempo (o gênero)” (Simão, 2000, p.4-5).
Dessa forma, ao final do século XIX, o trabalho passou a ser dividido em duas esferas distintas, de um lado a unidade doméstica, e do outro a unidade de produção. A essa fragmentação correspondeu uma divisão sexual do trabalho, cabendo ao homem o trabalho produtivo extra-lar, pelo qual passou a receber um salário, enquanto à mulher coube principalmente a realização das tarefas relativas à reprodução da força de trabalho, sem remuneração (Bruschini, 1982).
Assim, a família organizou os recursos procriativos da mulher, o trabalho doméstico e sua fertilidade em mecanismos de operação de reprodução da força de trabalho e das relações sociais e, portanto, do processo de acumulação capitalista. A sujeição da mulher ao homem não se originou no capitalismo, porém, nesse sistema, tornou-se mais exacerbada e devastadora na separação entre espaço público e espaço privado. As mulheres recebiam salários mais baixos que os homens, já que na lógica patriarcalista os custos de reprodução seriam subsidiados pelos homens. Com a expansão capitalista, novas formas de extração de valor desenvolveram-se, utilizando-se a divisão sexual do trabalho como ponto de partida (Pena, 1981).
Relacionando a ideologia e o trabalho doméstico na sociedade, Bruschini (1982) faz a seguinte constatação: a ideologia transformou.
“a rígida divisão sexual do trabalho em uma divisão natural, própria à biologia de cada sexo. A mistificação do papel de esposa e mãe concretizou-se mais facilmente na medida em que casa e família passaram a significar a mesma coisa, apesar de na verdade não o serem; enquanto a casa é uma unidade material de produção e consumo, a família é um grupo de pessoas ligadas por laços afetivos e psicológicos. Como afirma Marilena Chauí, a contradição entre a vida doméstica e a vida em família pode, no caso das mulheres, legitimar a naturalidade do trabalho doméstico como se ele fosse um trabalho para a família e não um trabalho da casa e, portanto, um trabalho que já é social (Bruschini, 1982, p.10).
Entretanto, a realização feminina não se dá apenas no mundo da reprodução, mas através da sua atuação na sociedade e do seu desenvolvimento pleno como pessoa, uma luta comum aos dois sexos. De acordo com Codo (1995), é através do trabalho que o homem se constrói, suas heranças e seus projetos se materializam por e pelo trabalho, sendo o ponto de intersecção entre o passado e o futuro.
Após a Revolução Industrial, a mulher deixou o espaço privado (casa, marido, filhos) e passou a ocupar o espaço público, assumindo uma profissão. Para Oliveira e Pereira (1997), nesta ocasião a mulher deixou de ser esposa e mãe somente, para ser, também, operária, enfermeira, professora, e com o passar do tempo, arquiteta, juíza, motorista de ônibus e outras.
Desde o século XIX, quando o movimento feminista começou a adquirir características de ação política, as mulheres lutam por conquistar maior espaço e igualdade do cenário público. Isso começou de fato com as I e II Guerras Mundiais (1914 & 1918 e 1939 & 1945, respectivamente), quando os homens iam para as frentes de batalha e as mulheres passavam a assumir os negócios da família e a posição dos homens no mercado de trabalho (Probst, 2003).
Ao final da guerra, muitos homens morreram e os que sobreviveram ao conflito foram mutilados e impossibilitados de voltar ao trabalho. Foi nesse momento que as mulheres deixaram a casa e os filhos para levar adiante os projetos e o trabalho que eram realizados pelos seus maridos.
No século XIX, com a consolidação do sistema capitalista inúmeras mudanças ocorreram na produção e na organização do trabalho feminino. Com o desenvolvimento tecnológico e o intenso crescimento da maquinaria, boa parte da mão-de-obra feminina foi transferida para as fábricas (Probst, 2003). Desde então, algumas leis passaram a beneficiar as mulheres. Ficou estabelecido na Constituição de 32 que:
“sem distinção de sexo, a todo trabalho de igual valor correspondente salário igual; veda-se o trabalho feminino das 22 horas às 5 da manhã; é proibido o trabalho da mulher grávida durante o período de quatro semanas antes do parto e quatro semanas depois; é proibido despedir mulher grávida pelo simples fato da gravidez” (Prosbt, 2003, p.15).
Mesmo com essa conquista, algumas formas de exploração perduraram durante muito tempo. Jornadas entre 14 e 18 horas e diferenças salariais acentuadas eram comuns. A justificativa desse ato estava centrada no fato de o homem trabalhar e sustentar a mulher. Desse modo, não havia necessidade de a mulher ganhar um salário equivalente ou superior ao do homem (Probst, 2003).
Assim, o mercado de trabalho da mulher estruturou-se, desde suas origens, como uma extensão do trabalho doméstico. Foram então privilegiadas áreas como saúde, educação e assistência social. Essa última caracterizada por atividade filantrópica e não-remunerada durante muito tempo. De acordo com Abramovay (1989):
“As atividades produtivas relacionadas com serviços e com assistência médica e educacional são redutos femininos e estão associados ao papel reprodutivo que a mulher desempenha na família e na sociedade. Ser professora ou enfermeira é uma forma de praticar tudo o que foi ensinado às mulheres: cuidar, dar amor, ter paciência e carinho” (Abramovay, 1989, p.63).
Neste contexto, Hirata (2002) afirma que o estudo da organização do trabalho deve compreender a relação entre empresa e sociedade, entendidas não só como o vínculo indissolúvel entre sistema reprodutivo e estruturas familiares, mas também como a articulação entre o trabalho assalariado e o trabalho doméstico, já que há uma fluidez de demarcação entre o tempo de trabalho e o tempo fora do trabalho, ou seja, entre o público e o privado, fluidez que intervém no lugar designado às mulheres em uma sociedade capitalista desenvolvida.
Dessa forma, faz-se essencial no estudo da saúde das mulheres no mercado de trabalho analisar como se dá o processo de maternagem no contexto profissional, pois:
“...estudos sobre a participação feminina na força de trabalho mostram repetidas vezes, em vários contextos sociais, uma participação diferenciada, segundo o estado civil da mulher, o número e a idade dos filhos, bem como uma regularidade significativa associada a essas variáveis familiares. A regularidade deve-se em geral ao fato de que a participação feminina na força de trabalho, tal como geralmente se define está associada ao papel principal da mulher como dona de casa encarregada das tarefas domésticas ligadas à reprodução cotidiana e geradora de força de trabalho. Nesse sentido, seu estado civil, o número de filhos são indicadores das responsabilidades domésticas da mulher” (Jelim (1980) apud Abramovay, 1989, p.72).
II - Algumas considerações acerca da trabalhadora brasileira
A industrialização brasileira teve início no Nordeste do país entre as décadas de quarenta e sessenta do século XIX & especialmente, com a indústria de tecidos de algodão na Bahia, que se deslocou progressivamente para a região Sudeste. Na passagem deste século, o Rio de Janeiro reunia a maior concentração operária do país, tendo sido superado por São Paulo apenas nos anos de 1920 (Rago, 1997).
De modo geral, um grande número de mulheres trabalhava nas indústrias de fiação e tecelagem, que possuía escassa mecanização.Em 1894, dos 5.019 operários empregados nos estabelecimentos industriais localizados na cidade de São Paulo, 840 eram do sexo feminino e 710 eram menores, correspondendo a 16,74% e 14,15% respectivamente, do total do proletariado paulistano (Ribeiro (1982) apud Rago,1997).
Na indústria têxtil, encontravam-se 569 mulheres, que equivalia a 67,62% da mão-de-obra feminina empregada nesses estabelecimentos fabris. Nas confecções, havia aproximadamente 137 mulheres. Já em 1901, as mulheres representavam cerca de 49,95% do operário têxtil, enquanto as crianças respondiam por 22,79%. E ainda, muitas dessas mulheres eram costureiras e completavam o orçamento doméstico trabalhando em casa, já que para os industrias esta era uma mão-de-obra barata e ainda reduziam o valor dos seus impostos obtendo o máximo de lucro. (Rago, 1997).
Entretanto, a mão-de-obra feminina foi sendo substituída progressivamente pela masculina nas fábricas no início do século XX. De acordo com Rago (1997), às mulheres cabiam apenas as funções menos especializadas e mal-remuneradas, sua carga horária de trabalho variava de 10 a 14 horas diárias e estava sempre sob supervisão que era exercida por homens. Sem uma legislação trabalhista que pudesse proteger o trabalho feminino, a única forma de expressão desse sofrimento se dava através da imprensa literária.
Neste contexto, Rago (1997) ainda destaca a freqüente associação entre a mulher no trabalho e a questão da moralidade social. Acreditava-se que:
“o trabalho da mulher fora de casa destruiria a família, tornaria os laços familiares mais frouxos e a educação infantil seria prejudicada, já que as crianças cresceriam sem a constante vigilância das mães. As mulheres deixariam de ser mães dedicadas e esposas carinhosas, se trabalhassem fora do lar, assim como poderiam deixar de se interessar pelo casamento e pela maternidade.” (Rago, 2000, p. 585).
No início do século XX, influenciado pelo filósofo francês Rousseau, pelo pensamento médico vitoriano e por concepções religiosas, as elites intelectuais e políticas procuraram redefinir o lugar das mulheres na sociedade, justamente no momento em que a crescente urbanização das cidades e a industrialização abriam para elas novas perspectivas de trabalho e atuação. Formava-se a moderna esfera pública, na qual a vida fechada e isolada do mundo rural e dos pequenos núcleos urbanos eram substituídos pela vida social (Rago, 1997).
Dessa forma, no momento em que a industrialização absorveu várias das atividades que eram exercidas na unidade doméstica & a fabricação de tecidos, pão, manteiga, doces, velas & desvalorizou os serviços relacionados ao lar. Ao mesmo tempo, a ideologia da maternidade foi revigorada pelo discurso masculino: ser mãe, tornou-se a principal missão da mulher num mundo em que se procurava estabelecer rígidas fronteiras entre a esfera pública, definida essencialmente masculina, e a privada, vista como lugar natural da esposa-mãe-dona de casa e de seus filhos (Rago, 1997).
De acordo com Saporeti (1985), citado por Abromavay (1985), o movimento feminista brasileiro teve início em meados do século XIX, quando um pequeno grupo de mulheres brasileiras declarou insatisfação com os papéis tradicionais atribuídos pelos homens às mulheres, e também tentou provocar mudanças no status econômico social e legal das mulheres.
Neste cenário, as operárias anarquistas procuravam combater esta ideologia, questionando o patriarcalismo da sociedade brasileira e a discriminação sexual no meio operário e no ambiente de militância política. Propunham, pois, um feminismo, mais libertário, levando-se em conta o direito à maternidade consciente, isto é, a possibilidade de optar pela atividade materna ou pelo direito ao prazer sexual.
A inserção da mulher no mercado de trabalho provocou alterações significativas em seu cotidiano. Sarti (1997) reforça este pensamento ao afirmar que esse processo social adquiriu dimensão estrutural no mundo contemporâneo sendo, junto com o desenvolvimento de métodos anticoncepcionais mais seguros, um dos fatores que mais radicalmente contribuiu para a redefinição do lugar social da mulher, com conseqüências decisivas nas relações familiares que, gradativamente, foram modificadas em sua organização, na divisão de tarefas domésticas e na educação dos filhos.
De acordo Schirmer (1997), assim como vem ocorrendo em todos os países ocidentais, a participação feminina no mercado de trabalho brasileiro aumentou consideravelmente a partir da década de 70 do século XX. E ainda, ressalta-se que o emprego feminino já é maior, em nosso país, do que em muitos outros de igual ou maior nível de desenvolvimento. O Relatório sobre Desenvolvimento Humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), de 1998, revelou que no Brasil as mulheres representavam 44% da força de trabalho, proporção essa superior à de países como o Chile (36,6%), Argentina (34,3%), Venezuela (42,1%) e México (38,4%), e até mesmo à de alguns países europeus, como Espanha (24,3%) e Grécia (26,5%) (Beltrão et. al, 1994).
Dados das PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram que as taxas de atividade feminina nas zonas urbanas passaram de 32,5%, em 1981, para 48,9%, em 1999,. Verifica-se também que, nas áreas rurais, essa participação tem crescido proporcionalmente e acredita-se que a participação feminina, na condição de trabalhador familiar não-remunerado, já fosse elevada anteriormente. No entanto, o aumento do assalariamento no campo e a melhoria da qualidade de captação do trabalho rural nas pesquisas domiciliares têm ajudado a quantificar melhor a atividade feminina rural (Beltrão et. al, 1994).
Pode-se dizer que os setores de atividade onde mais cresceram as ocupações femininas, entre 1981 e 1990, foram o comércio de mercadorias e os serviços sociais, cujas participações cresceram de 9,8% para 13,2% e de 16,6% para 18,3%, respectivamente. O setor agrícola foi o único onde houve queda relativa de participação na estrutura ocupacional feminina nesse período (de 19,8% para 13,3%), uma vez que todos os demais setores mantiveram estável a participação da mulher no mercado de trabalho (Beltrão et. al, 1994).
Estudos anteriores sobre o trabalho feminino e as características da inserção das mulheres no mercado de trabalho brasileiro apontaram uma realidade caracterizada por continuidades e mudanças (Bruschini, 1998). De um lado, as continuidades dizem respeito ao ainda grande contingente de mulheres (cerca de 40% da força de trabalho feminina) que se insere no mercado de trabalho em um pólo no qual se incluem as posições menos favoráveis e precárias, quanto ao vínculo de trabalho, à remuneração, à proteção social ou às condições de trabalho propriamente ditas. São ocupações nas quais a presença das mulheres tem se dado tradicionalmente, como o trabalho doméstico, as atividades sem remuneração e as atividades de produção para consumo próprio e do grupo familiar. Inclui-se também, entre as continuidades, o elevado contingente de mulheres em alguns tradicionais nichos femininos, como a Enfermagem e o Magistério (Bruschini & Lombardi, 2000).
De outro lado, as mudanças apontam na direção de um pólo oposto, no qual ocorre a expansão da ocupação feminina em profissões de nível superior de prestígio, como a Medicina, a Arquitetura, o Direito e mesmo a Engenharia, áreas até há bem pouco tempo reservadas a profissionais do sexo masculino. O movimento de ingresso das mulheres nessas áreas científicas e artísticas tem-se dado na esteira dos movimentos políticos e sociais deflagrados nas décadas de 60 e 70 do século XX. Aqui incluído o movimento feminista e da mudança de valores culturais deles decorrentes, que se refletiram, entre outras coisas, na expansão da escolaridade das mulheres e, em conseqüência, em seu ingresso maciço no ensino de 3º grau em uma gama mais ampla de carreiras universitárias. Bruschini & Lombardi, 2000).
III - Maternidade e trabalho feminino.
Apesar dos avanços conquistados pelas mulheres no espaço profissional desde a década de 70 do século XX, faz-se necessário analisar quais foram os aspectos determinantes neste processo, pois os estudos sobre a condição social da mulher passaram a considerar, como elemento fundamental de análise, a articulação entre o mercado de trabalho e a família. Isso porque, para muitas mulheres, a inserção no mercado de trabalho não levou a uma liberação das atribuições familiares, mas à acumulação dessas duas esferas (Schirmer, 1997).
Somente em 1919, na primeira Conferência Internacional do Trabalho, promovida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi formulada a primeira convenção internacional, que tratava de questões relacionadas à proteção à maternidade, dando início à discussão e à formulação de uma série de instrumentos internacionais, dedicados à proteção dos direitos da mulher no campo previdenciário. Desde então, a legislação de vários países vem reconhecendo, o direito de proteção da mulher trabalhadora, no que tange à saúde, durante e imediatamente após a gravidez, tendo-se em vista assegurar a sua colocação no mercado de trabalho e seus proventos (Beltrão et.al, 1994).
As diferenças biológicas entre os sexos, para efeitos de previdência social, ligam-se primordialmente à reprodução. Cabendo à mulher, na procriação, funções como a gestação e a amamentação dos filhos, as quais demandam tempo e cuidados médicos durante a gravidez e no período pós-natal(Beltrão et.al, 1994).
Esses mecanismos protecionistas garantem a estabilidade no emprego durante a gravidez e no período pós-natal; o afastamento do trabalho no período perinatal; vencimentos parciais ou integrais garantidos durante o período de afastamento; ajudas de custo para as despesas de parto; serviços de saúde antes, durante e depois do parto. Tais recursos podem ser expressos em instrumentos legais de diversos níveis: constitucional, infraconstitucional, normativas de órgãos governamentais e de esferas centrais ou locais (Beltrão et.al, 1994).
E ainda de acordo com esses mesmos autores, a questão da inserção da mulher nas questões referentes à seguridade social no Brasil está intimamente ligada aos avanços alcançados por elas mediante a intensificação da sua presença no mercado de trabalho. Até a década de 60 não foram feitas diferenciações significativas quanto ao critério de concessão dos benefícios previdenciários entre os sexos. Foi apenas com a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (Lops) na década de 60 e a posterior criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), atuando no sentido de unificação do sistema, que começaram a ser adotadas medidas de diferenciação entre os gêneros. Essas medidas evoluíram ao longo das últimas décadas. (Beltrão et.al, 1994).
A faixa etária onde é maior a contribuição previdenciária feminina é a de 25 a 29 anos (58,6%). Provavelmente, a saída da mulher do mercado de trabalho é maior a partir dessa idade, em função das tarefas domésticas ligadas ao cuidado com os filhos. Alguns elementos têm sido determinantes no aumento das taxas de contribuição à previdência social das mulheres: a geração de empregos de maior escolaridade, o aumento de mulheres chefes de família em relação a cônjuges e o próprio avanço dos movimentos sociais estão associados ao aumento da proteção previdenciária do emprego feminino. (Beltrão et.al, 1994).
Entretanto, Haag(2006) afirma que para uma determinada camada da sociedade filhos e carreira tornam-se uma opção excludente, e afim de desenvolver-se profissionalmente, homens e mulheres tendem a retardar a maternidade/paternidade, e consequentemente, os quadros sociais de reprodução são desestabilizados. E ainda, de acordo com Pazello citada por Haag (2006), mulheres que possuem filhos tendem a ter uma jornada de trabalho menor e procuram empregos com perfil mais flexível, sendo estes com salários menores. No entanto, para mulheres com mais de 40 anos, essa diferença salarial é quase inexistente, já que, algum tempo após o nascimento do filho, os diferenciais de produtividade tendem a diminuir até não mais influenciarem.
Dessa forma, Bruschini & Lombard (1998) afirma que políticas sociais que visem beneficiar as trabalhadoras devem buscar não só a igualdade no mercado e a proteção das trabalhadoras que são mães, mas também criar mecanismos que viabilizem uma nova divisão de papéis na família, cujo integrantes partilhem as responsabilidades profissionais e domésticas.
E ainda de acordo com Rago (1998):
“é importante que possamos perceber a construção das diferenças sexuais histórica e culturalmente determinada, desnaturalizando portanto as representações cristalizadas no imaginário social. E isto não só na leitura do passado, mas na própria construção de formas mais libertárias de convivência no presente. A amizade só é possível entre iguais, explica Maquiavel, e as negociações entre grupos sociais, étnicos ou sexuais só podem ser feitas desde que o espaço se des-hierarquize e se abra, de modo mais libertário, à entrada das multiplicidades e de novas subjetividades” (Rago, 1998, p.98).
Assim, torna-se fundamental na análise sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho um estudo sobre a divisão sexual do trabalho, pois é neste cenário em que mais se evidencia as diferenças socialmente construídas entre homens e mulheres e que remetem às relações de gênero.
Referências
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