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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

     

 

ARTIGOS

 

Perfil do desempenho motor e cognitivo na idade adulta e velhice

 

Motor and cognitive performance profile of adults and older people

 

 

Jussara de Lima Rodrigues; Fernanda de Oliveira Ferreira; Vitor Geraldi Haase*

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

 

 


RESUMO

Uma amostra aleatória de 300 indivíduos de Belo Horizonte foi examinada para investigar o desempenho motor e cognitivo em adultos neurologicamente saudáveis. Participantes de idade entre 18 e 90 anos, com escolaridade entre 1 e 25 anos, foram avaliados com o Paced Auditory Serial Addition Test (PASAT), o Nine Hole Peg Test (9-HPT) e a Caminhada Cronometrada de 25 pés (TW-25). As análises de regressão mostraram que a idade influencia mais o desempenho motor (14% de variância explicada para membros superiores e 11% para membros inferiores) enquanto a velocidade de processamento é melhor explicada pela educação (10,6% da variância explicada). Análises da Receiver-Operating Characteristic curve (ROC) apontaram declínio do desempenho cognitivo em indivíduos com menos de 10 anos de escolarização, e do desempenho motor em indivíduos com mais de 60 anos de idade. A educação e a idade são duas variáveis importantes para a avaliação dos desempenhos motor e cognitivo.

Palavras-chave: cognição; coordenação motora; envelhecimento; PASAT.


ABSTRACT

Motor and cognitive performance in neurologically healthy adults and older people was examined in a random sample of 300 individuals from Belo Horizonte, Brazil. Formal schooling ranged from 1 to 25 years, and age varied from 18 to 90 years-old. Participants were evaluated through the Paced Auditory Serial Addition Test (PASAT), Nine Hole Peg Test (9-HPT) and Timed Walking of 25 feet (TW-25). Regression analyses showed that age influences motor performance (14% of explained variance for the upper limbs and 11% for the lower limbs), while cognitive speed was better explained by education (10,6% of explained variance). Receiver-Operating Characteristic (ROC) curves analyses pointed out to a decline in cognitive performance in individuals with lower level of schooling (less than 10 years) and worse motor performance in older individuals (more than 60 years-old). Education and age are important variables to be taken into consideration in motor and cognitive assessments.

Keywords: cognition; motor coordination; aging; PASAT.


 

 

Entre as perdas mais comumente associadas ao envelhecimento, ocorre um declínio na função cognitiva, principalmente no que se refere à memória e velocidade de processamento da informação (Salthouse, 1994, 2003; Christensen, 2001), e também em funções sensório-motoras (McGibbon, Krebs & Puniello, 2001; Prince, Corriveau, Hébert & Winter, 1997; Sekiya & Nagasaki, 1998).

Esse declínio do desempenho cognitivo é um processo inevitável, esperado para o desenvolvimento normal, uma vez que aparece mesmo em indivíduos com formação acadêmica e expostos a ambientes ricos em estimulação e sem qualquer diagnóstico de demência (Christensen, 2001). Salthouse (2003) descreve resultados de estudos em que a queda do desempenho começa aproximadamente aos trinta anos, o que mostra que a piora da capacidade cognitiva pode ter início ainda na idade adulta jovem.

Existe ainda uma carência de estudos empíricos destinados a avaliar os padrões normativos de desempenho de adultos neurologicamente saudáveis na população brasileira para identificar um perfil do desenvolvimento com o avançar da idade, principalmente nas habilidades que sofrem maior prejuízo com o envelhecimento como o funcionamento motor e cognitivo. Com o aumento crescente da população de idosos no Brasil aumenta também o número de pessoas comprometidas com doenças crônicas incapacitantes associadas com o envelhecimento (Bertolucci, 2000; Bertolucci & Nitrini, 2003). Desse modo, os prejuízos decorrentes do envelhecimento normal como perda da coordenação motora e lentificação do processamento da informação são muitas vezes confundidos com os prejuízos ocasionados pelas doenças que surgem na terceira idade. A complexidade do desafio de efetuar o diagnóstico também reside no fato de que as funções cognitivas são influenciadas pelas experiências sócio-educacionais. Os testes de rastreio para disfunções cognitivas no idoso podem sofrer influência da escolaridade, o que levará, em pessoas com pouca educação, a falsa impressão de declínio cognitivo (Bertolucci, 2000; Bertolucci & Nitrini, 2003). Indivíduos com altos níveis de instrução podem constituir falsos-negativos, isto é, subdiagnóstico nas faixas superiores de educação (Elwan et al., 1997; Bertolucci, 2000; Bertolucci & Nitrini, 2003, Engelhardt, Laks, Rozenthal & Marinho, 1998).

Bertolucci, Okamoto, Brucki, Siviero, Neto, & Ramos (2001) estudaram o desempenho de idosos saudáveis e portadores de Alzheimer a partir da aplicação de uma bateria neuropsicológica (CERAD). Foi encontrada sobreposição dos escores entre os grupos, a alta incidência de escores similares entre ambos foi atribuída ao desempenho similar entre indivíduos saudáveis, com baixo nível de instrução, e indivíduos com Alzheimer, com altos níveis de escolaridade. Adler, Hentz, Joyce, Beach e Caviness (2002) observaram que os escores em tarefas que avaliam o funcionamento motor correlacionavam-se inversamente com a idade. Em outro estudo que quantificou a destreza manual de adultos idosos mexicanos, foram encontrados resultados de idosos significativamente piores em todos os testes em relação ao grupo mais jovem (Pennathur, Sivasubramaniam, & Contreras, 2003).

A esclerose múltipla é uma doença cujos prejuízos podem ser confundidos com aqueles causados pelo envelhecimento, como deficiência física e cognitiva. A partir do interesse renovado pela pesquisa em esclerose múltipla no Brasil, impulsionado pela fundação do BCTRIMS (Brazilian Committee for Treatment and Research Multiple Sclerosis) foram envidados esforços para desenvolver e validar uma versão brasileira dos testes que compõe a Multiple Sclerosis Funcional Composite Measure - MSFC (Fischer et al., 1999). A versão brasileira então chamada "MSFC-BCTRIMS" composta dos testes PASAT-3, PASAT-2, Nine Hole Peg Test (9-HPT) e Caminhada cronometrada de 25 (TW-25) pés partiu da realização de um estudo piloto inicial em que foram avaliados 15 participantes portadores de esclerose múltipla e 15 participantes do grupo controle, recrutados na rede social dos pesquisadores (Haase, Lima, Lacerda, Lana-Peixoto, & 2004). Os resultados mostraram que o PASAT-3, PASAT-2, 9-HPT e TW-25 discriminam entre portadores de EM e um grupo controle. Solari, Radice, Manneschi, Motti e Montanari (2005), investigaram os efeitos de prática e a fidedignidade da MSFC em 32 pacientes que foram avaliados 6 vezes durante o curso de 1 dia. Os coeficientes de correlação intraclasse foram excelentes, variando de 0.93 para o 9-HPT, a 0.99 para a TW-25. A fidedignidade inter-examinadores variou de 0.93 para o PASAT a 0.98 para a TW-25.

Existem evidências de importantes variações entre os desempenhos de adultos neurologicamente saudáveis das diversas culturas. Audoin et al. (2005), por exemplo, encontraram taxas de acertos no PASAT superiores em àquelas que tem sido relatadas na literatura brasileira (Haase, Lima, Lacerda & Lana-Peixoto, 2004; Rodrigues, Lana-Peixoto, Lima & Haase , 2004), o que ressalta a necessidade encontrar normas para os testes para nossa população. Assim como a educação, a cultura à qual o indivíduo foi exposto influencia a taxa de acertos nos testes sem que haja necessariamente indício de prejuízo motor ou cognitivo.

O presente estudo pretendeu responder as seguintes questões: 1) As variáveis sócio-demográficas influenciam o desempenho motor e cognitivo? 2) Qual a parcela de contribuição de cada uma? 3) Qual o ponto de corte que indica a partir de que idade e nível de escolaridade o desempenho motor e cognitivo é significativamente inferior às demais faixas de idade e escolaridade? 4) Qual a norma de acertos em cada tarefa por faixa etária e nível de educação?

 

Tabela 1

 

Método

Participantes

A amostra original foi composta por 375 participantes de dezoito a noventa anos residentes em Belo Horizonte (capital de Minas Gerais, um estado do Sudeste brasileiro que possui 2.375.329 habitantes). A amostra foi obtida a partir de uma aleatorização de bairros e ruas em cada uma das nove regiões administrativas em a cidade se divide. A testagem foi realizada no período de junho de 2004 a novembro de 2005 após aprovação pelo comitê de ética em pesquisa.

Cada domicílio foi abordado a partir de qualquer ponto da rua sorteada, e podia seguir a ordem crescente ou decrescente da numeração. A coleta de dados foi realizada por oito voluntários, estudantes de graduação em psicologia que receberam um treinamento de seis horas para abordagem dos moradores e para aplicação dos testes, o que padronizou a testagem. Os estudantes-aplicadores foram supervisionados por duas psicólogas, uma com mestrado e outra mestranda, durante todo o processo de coleta de dados. Se o morador manifestasse interesse em participar do estudo, era apresentado o termo de consentimento informado e após a leitura e eventuais esclarecimentos e assinatura do mesmo, era iniciada uma entrevista clínica inicial elaborada com o auxílio de um médico neurologista experiente para identificar portadores de doenças graves, ou que estivessem fazendo uso de medicação que pudesse comprometer o desempenho nos testes. A exclusão dos participantes foi deliberada com o mesmo médico que ajudou a elaborar a entrevista inicial cujo objetivo foi rastrear indícios de prejuízo neurológico. A partir dessa entrevista foram excluídos 63 indivíduos que possuíam históricos de doenças (acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca ou respiratória, artrite, depressão severa, hospitalizações psiquiátricas), ou ainda faziam uso de medicamentos controlados que poderiam comprometer seu desempenho motor e cognitivo (como p. ex., antipsicóticos, ou associações polifarmacêuticas de ansiolíticos e antidepressivos). Além disso, foram excluídos 12 participantes do estudo que não conseguiram entender as instruções, ou não obtiveram um mínimo de dois escores consecutivos no PASAT-3 ou PASAT-2 (fase de treino), ou ainda que não conseguiram desempenhar as tarefas propostas (incapacidade física etc.). A amostra final restringiu-se então a 300 participantes. Dados dos desempenhos de oito outliers em alguns testes foram excluídos para diminuir a assimetria da distribuição. Todos os instrumentos foram aplicados no domicílio do participante por um estudante de psicologia treinado que preenchia os testes de acordo com as respostas dos participantes e o tempo gasto pelos participantes para executar cada tarefa.

Instrumentos de testagem

Os instrumentos utilizados consistem do PASAT-3, PASAT-2, 9-HPT e TW-25. Tais testes foram selecionados por serem todos sensíveis aos efeitos do envelhecimento normal e, principalmente o PASAT, aos efeitos da escolarização (Colcombe & Kramer, 2003; McGibbon et al., 2001; Farinatti & Lopes, 2004; Carvalho & Soares, 2004; Sparrow, Bradshaw, Lamoureux & Tirosh, 2002, Bohannon, 1997; Elwan et al., 1996, 1997).

O PASAT-3 e PASAT-2 são medidas do funcionamento cognitivo que acessam a velocidade de processamento da informação e atenção sustentada como sendo os principais construtos avaliados (Grownwall & Wrightson, 1981; Deary, Langan, Hepburn & Frier, 1991; Egan, 1988; Wood, Carvalho, Rothe-Neves & Haase, 2001).

Para auxiliar a identificação dos mecanismos subjacentes ao desempenho no PASAT são realizados estudos de imagem cerebral. Uma investigação realizada através de Imagem de Ressonância Magnética Funcional buscou avaliar os sistemas cerebrais envolvidos durante a realização do PASAT em participantes normais (Audoin et al., 2005). Os resultados mostraram ativação cortical no córtex pré-frontal, área motora, córtex lateral pré-motor, giro cingulado, lobo parietal esquerdo, giro temporal superior esquerdo, pólo temporal esquerdo e áreas visuais associativas. Audoin et al. (2005) concluíram que a memória de trabalho verbal e a rede de armazenagem de memória semântica podem estar relacionadas à armazenagem de fatos aritméticos. Existem algumas limitações do PASAT relatadas na literatura. De acordo com Royan, Tombaugh, Rees e Francis (2004), a maior dificuldade consiste no fato de não ser possível prever, a partir da aplicação do PASAT, em qual velocidade o indivíduo fracassa.

O PASAT é apresentado em CD para controlar a seqüência de estímulos apresentados. Primeiro é aplicada a versão de 3 segundos e posteriormente a de 2 segundos. Dígitos simples de 1 a 9 são apresentados em seqüência pseudo-aleatorizada a cada 3 segundos (2 segundos no PASAT-2) e o participante deve somar cada novo algarismo ao dígito imediatamente anterior. O resultado do teste é o número de somas realizadas corretamente. São apresentados 60 pares de estímulos e o escore máximo é igual a 59. A versão empregada do PASAT foi realizada conforme as especificações para a o MSFC (Cutter et al., 1999). Tanto o PASAT-3, quanto o PASAT-2 possuem alta consistência interna (alfa=0,93 e alfa=0,89, respectivamente).

O Nine Hole Peg Test (Mathiowetz, Weber, Kashman & Volland, 1985) é uma medida quantitativa do funcionamento dos membros superiores (mãos e braços). Ele é o segundo teste a ser administrado e consiste em um tabuleiro com nove buracos de um lado e nove pinos do outro. O objetivo do 9-HPT é preencher, um a um, os buracos com os pinos e retirá-los logo em seguida. O participante executa a tarefa o mais rápido que é capaz, primeiramente com a mão dominante e logo depois com a mão não-dominante. Ambas as mãos são testadas duas vezes consecutivas. O escore é dado pela média de tempo cronometrado em segundos para os quatro ensaios. O cálculo da consistência interna foi feito com o tempo das quatro tentativas, duas tentativas com a mão dominante e duas tentativas com a mão não dominante e resultou em um valor de alfa igual a 0,88.

A Caminhada Cronometrada de 25 pés (Bohannon, 1997; Schwid et al., 1997) visa medir o funcionamento dos membros inferiores. A TW-25 consiste em caminhar sobre uma faixa de 7,62 metros o mais rapidamente possível. Os aplicadores transportavam uma fita com largura aproximada de três centímetros de largura e 7,62 metros de comprimento, que era fixada no solo plano e sem obstáculos, com uma fita adesiva. São realizadas duas tentativas consecutivas e o escore final consiste em uma média do tempo cronometrado em segundos para ambas. O cálculo da consistência interna foi realizado com as duas tentativas e resultou em um valor de alfa igual a 0,98.

Procedimentos

As instruções utilizadas para aplicação do PASAT, do 9-HPT e TW-25 foram feitas de acordo com instruções do manual (Cutter et al., 1999). Na execução da TW-25 o uso de muletas foi permitido, conforme a necessidade. A TW-25 era realizada duas vezes, sendo computada a média dos dois escores. O tempo limite para execução da tarefa é de 3 minutos (180) segundos. Se o participante não conseguir completar a tarefa no tempo máximo, sua medida de coordenação motora dos membros inferiores é excluída da amostra.

Para a aplicação do 9-HPT , o participante senta-se à frente de uma escrivaninha, a uma distância confortável de onde o teste se encontra. A plataforma-estojo é confeccionada de madeira e consiste de um espaço para guardar os pinos de madeira, e de uma plataforma com os buracos, que foi adquirida junto à firma SS-Worldwide (www.scienceblog.com). O tempo máximo para executar o teste é de 5 minutos (300 segundos). Se o participante não conseguir executar a tarefa em 5 minutos, é iniciada a testagem com a mão seguinte. Se ele não conseguir realizar a tarefa em cinco minutos com qualquer uma das mãos, a medida de coordenação motora dos membros superiores desse indivíduo é excluída da amostra.

Análise de dados

Primeiramente foram realizadas análises para verificar pressupostos de normalidade necessários à realização de algumas análises posteriores. As correlações realizadas visaram testar pressupostos de linearidade entre variáveis dependentes (escores dos testes) e independentes (variáveis sóciodemográficas sexo, idade e escolaridade) necessários à realização da análise de regressão. Foi realizada análise de regressão linear Stepwise retroativo para avaliar a quantidade de variância explicada pelas variáveis sócio-demográficas sobre o desempenho nos testes que avaliam o funcionamento motor e cognitivo. Primeiramente, as variáveis sexo, idade e escolaridade (VIs) entraram juntas na análise e logo após, uma a uma foi retirada. A partir daí, foi possível analisar o poder de explicação do modelo que continha as três variáveis, bem como a relação de cada uma separadamente com altos escores em cada teste.

 

Resultados

Após a realização do teste de Kolmogoroff- Smirnoff (Sachs, 1992), foi constatado que as variáveis testadas possuem distribuição normal. No total, 5 indivíduos utilizaram ajuda física (bengala, muletas) para executar as tarefas motoras. Houve correlação negativa entre idade os resultados do PASAT-3 (r=-0.285, p < 0.001) e PASAT-2 (r=-0.277, p < 0.001), indicando que quanto maior a idade, menor o desempenho nos testes que avaliam o desempenho cognitivo. A correlação entre idade e as medidas de funcionamento motor (r=0.429, p < 0.001 para 9-HPT e r=0.385, p < 0.001 para TW-25) indicam que quanto maior a idade, maior o tempo de execução das tarefas, o que significa uma piora de desempenho, com uma capacidade motora inferior à medida que avança a idade. Houve correlação positiva entre escolaridade e todos os testes que avaliam a função motora e cognitiva (r=0,41, p < 0.001 para o PASAT-3; r= 0,36, p< 0.001 para PASAT-2; r=-0,20, p< 0.001 para 9-HPT e r=-0,30, p< 0.001papa para TW-25), o que indica que altos níveis de instrução correspondem a melhores resultados nos testes.

Houve correlação entre sexo e PASAT-3 (r= 0,18, p< 0.001), PASAT-2 (r= 0,20, p< 0.001), 9-HPT (r= 0,16, p< 0.01) e TW-25 (r= -0,15, p< 0.01). Em suma, as análises de correlação evidenciaram relações de linearidade entre as variáveis dependentes e independentes, o que permitiu a realização de análise de regressão linear.

A tabela 2 apresenta os dados dos modelos de regressão linear com todas as variáveis dependentes e independentes utilizadas.

Diferenças educacionais foram mais robustas para a explicação do desempenho cognitivo ao passo que, para o desempenho motor, as diferenças etárias foram mais importantes. De acordo com a Figura 1, o modelo que inclui todas as variáveis sócio-demográficas (sexo, idade e escolaridade) explica 22% da variância de escores no PASAT-3 (r2 = 0,22). Depois de controlar a variância em sexo e idade, houve uma redução de 0,028 no valor de r2, o que indica que essas variáveis contribuem com 2,8% cada uma para a explicação da variância no PASAT-3. Portanto, a variável com o maior poder de explicação da variância no PASAT-3 foi a escolaridade, que contribuiu com 10.6% de explicação (r2 = 0.106). A educação foi particularmente importante para o PASAT-3. No PASAT-2, em comparação ao PASAT-3, o modelo que incluía todas as variáveis apresentou um r2 ligeiramente inferior, em torno de 20% (r2 =0,20). As variáveis sexo e idade possuem uma influência de 4% (r2 = 0,04) de explicação no PASAT-2, que foi superior ao percentual de explicação dessas variáveis no desempenho do PASAT-3.

A Figura 2 apresenta o perfil de desempenho cognitivo no PASAT-3 em função da idade e da escolaridade. O lado esquerdo mostra que na idade mais avançada há uma tendência de queda na taxa de acertos e um aumento na dispersão dos escores, o que reflete maior variabilidade nas faixas superiores de idade. O lado direito da figura 2 mostra que à medida que aumenta a escolaridade, há um aumento correspondente na taxa de acertos do PASAT.

A Figura 3 apresenta a proporção da variância no 9-HPT, associada com as variáveis sócio-demográficas. O modelo com todas as variáveis explica 21% (r2 = 0,21) da variância associada com os escores no 9-HPT.

Após o controle na variância relacionada com a variável sexo houve uma redução de 2% (r2 = 0,02). Ao contrário dos resultados do PASAT, a variável escolaridade contribuiu com apenas 1% (r2= 0.01) de variância explicada nos escores do 9- HPT. Em contrapartida, após o controle da variância em idade, houve uma redução de 14% (r2 = 0,14) na percentagem de variância explicada, o que indica que a idade é a variável mais importante na avaliação do desempenho motor. Em relação à TW-25, o modelo com todas as variáveis sócio-demográficas explica 22% (r2 = 0,22) da variância (ver tabela 2). Após o controle da variância na variável sexo, houve uma redução de 3% (r2 = 0.03) no poder de explicação do modelo. A variável escolaridade contribui com 4% (r2 = 0,04) de variância explicada. Após o controle da variância na variável idade, houve uma redução de 11% (r2 = 0,11) na percentagem da variância explicada pelo modelo, o que demonstra que a idade é uma variável importante na explicação da variância associada com o desempenho motor dos membros superiores e inferiores. A Figura 4 e a Figura 5 mostram o perfil de desempenho motor no 9-HPT e TW-25 de acordo com a idade e escolaridade. A idade é a variável mais importante para a explicação do desempenho motor. Quanto mais avançada a idade, mais baixo é o desempenho motor tanto no 9-HPT, quanto na TW-25. Já em relação à escolaridade, a relação com o desempenho motor é mais difusa não apresentando um padrão específico.

Uma ANOVA multivariada foi utilizada para avaliar os efeitos da idade, sexo e da escolaridade, bem como a interação entre essas variáveis sóciodemográficas em cada teste (ver tabela 3). Houve maior efeito da idade sobre o desempenho motor e da escolaridade sobre o desempenho cognitivo. Efeitos de interação foram significativos entre as variáveis sócio-demográficas somente para o PASAT-2. Para os demais testes os efeitos das variáveis sócio-demográficas foram independentes.

Foram feitas estimativas para verificar qual era o nível de escolaridade e qual a idade com melhor capacidade para discriminar os indivíduos com "desempenho superior", daqueles com "desempenho inferior" nos diversos instrumentos. Para a realização desses cálculos foi utilizada a Two Graphic-ROC (TG-ROC, Greiner, Pfeiffer & Smith, 2000), que representa a sensibilidade e a especificidade em função dos diversos pontos de corte possíveis. O ponto de corte selecionado corresponde àquele em que a sensibilidade e a especificidade se cruzam, de acordo com os critérios de Greiner et al. (2000).

Os dados encontrados mostraram que os valores são confiáveis já que as áreas sob a curva indicam uma capacidade moderada de discriminação (0.669 a 0.765.), de acordo com os critérios de Swets (1988), como mostra a tabela 4. Os limites inferiores para os intervalos de confiança das áreas sob a curva foram superiores a 0.6, o que indica que a estimativa de acurácia dos pontos de corte é segura.

Em relação ao desempenho cognitivo, o nível de 10 anos de escolaridade é o que melhor discrimina entre o grupo com desempenho superior, do grupo com desempenho inferior. Já em relação aos testes que avaliam o funcionamento motor, 60 anos de idade é o ponto de corte que melhor discrimina os indivíduos com desempenho superior daqueles com desempenho inferior. Os valores referentes à sensibilidade giram em torno de 60%, enquanto os valores referentes à especificidade estão em torno de 70%, aproximadamente, indicando uma moderada capacidade de discriminação entre os grupos.

A tabela 5 apresenta normas de desempenho nos testes a partir da idade e da escolaridade. Em relação à taxa de acertos no PASAT-3 e PASAT-2 é nítida a diferença em relação ao nível educacional.

Indivíduos com mais baixa escolarização (0 a 5anos de educação) possuem média de acertos quase 50% mais baixa do que os indivíduos com mais alta escolarização (20 a 25 anos de educação).

Os indivíduos com 70 anos são, em média, 4 segundos mais lentos para executar o 9-HPT e 2 segundos mais lentos para completar a caminhada.

 

Discussão

Nossos resultados indicaram que variáveis como idade, sexo e escolaridade podem interferir no desempenho de habilidades motoras e cognitivas. Entretanto, a influência das variáveis sócio-demográficas é distinta em relação ao tipo de habilidade desempenhada. A escolaridade, em comparação a sexo e idade, é a variável que explica a maior porcentagem de variância relacionada com o desempenho no PASAT. Por outro lado, nas habilidades motoras, a idade é o fator mais relevante para a explicação do declínio do desempenho. Os participantes com menos de 10 anos de escolaridade apresentaram um desempenho cognitivo inferior quando comparados àqueles com mais de 10 anos de instrução formal. Já no funcionamento motor, apesar de mesmo nos grupos mais jovens começar a haver um prejuízo do desempenho, o declínio das habilidades psicomotoras é mais expressivo a partir de 60 anos de idade.

Os efeitos da educação estão relacionados à aprendizagem de conhecimentos e habilidades específicos, desenvolvimento de certas atitudes, e ao aumento da eficiência geral no processamento e manejo de informação. Isso explica a influência da instrução formal sobre os testes cognitivos, uma vez que a educação aumenta a aptidão cognitiva e pode mudar a organização cerebral da cognição, o que estabelece uma associação positiva entre desempenho em um teste cognitivo e o nível de escolaridade (Ardila, 2005; Ostrosky-Solis, Ardila, Rosseli, Lopez-Arango e Uriel-Mendoza , 1998; Liu et al., 1994).

O declínio do desempenho motor com o avançar da idade pode ocorrer em função da deterioração do sistema vestibular que ocorre com o envelhecimento, bem como a perda da força pode levar à diminuição do equilíbrio, que é mais acentuado a partir da sexta década da vida, e mais evidente em pessoas do sexo feminino (Elwan et al., 1996; Carvalho & Soares, 2004). Tendo em vista que a locomoção é basicamente um processo de transferência do centro de gravidade de um pé para outro, em uma série de sucessivas perdas de equilíbrio, é natural que seja influenciada pelo envelhecimento. Uma das estratégias compensatórias usadas pelos idosos que é mais freqüentemente relatada na literatura é a lentificação da caminhada (McGibbon et al., 2001; Farinatti & Lopes, 2004).

Nossos achados corroboraram o que tem sido encontrado na literatura a respeito da influência da escolaridade no desempenho cognitivo, e sobre o declínio no funcionamento motor com envelhecimento. Engelhardt et al. (1998), Bertolucci et al. (2001), Brucki, Nitrini, Caramelli, Bertolucci e Okamoto (2003), e Elwan et al. (1996, 1997) relataram diferenças de desempenho cognitivo em relação ao nível educacional. Segundo Brucki et al. (2003), em um estudo que avaliou o desempenho cognitivo dos indivíduos de acordo com as variáveis sócio-demográficas, a escolaridade foi o principal fator que influenciou o desempenho. Ostrosky-Solis et al. (1998) em um estudo com pessoas em diferentes faixas de idade e de escolaridade sugerem que a educação possui maior influência do que a idade no desempenho em testes cognitivos.

Em relação ao funcionamento motor, Colcombe e Kramer, (2003), McGibbon et al. (2001); Farinatti e Lopes, (2004), Carvalho e Soares (2004), Sparrow et al. (2002), Bohannon (1997), Adler et al. (2002), Pennathur et al., (2003) e Elwan et al. (1996) também relataram declínio de desempenho com o avançar da idade. Elwan et al. e Carvalho e Soares, também divulgaram resultados significativamente diferentes entre pessoas abaixo de 60 anos e acima de 60 anos em tarefas psicomotoras, sendo que as pessoas mais idosas apresentaram médias mais baixas.

A percentagem da variância explicada pela variável sexo no desempenho motor e cognitivo, é baixa, variando de 2% a 4%. Logo, é possível que não haja relevância prática dessa influência. Alguns estudos apresentam desempenho entre os sexos masculino e feminino aproximadamente similares (Verkerk, Schouten, & Oosterhuis, 1990; Desrosiers, Hérbert, Bravo & Rochete , 1999; Sekiya & Nagasaki., 1998). Desrosiers et al. (1999) relataram uma piora de desempenho mais acentuada para pessoas do sexo masculino do que para indivíduos do sexo feminino, em algumas tarefas mas não em outras. Os achados de Elwan et al. (1996), apontam para um desempenho inferior das pessoas do sexo feminino em relação às pessoas do sexo masculino. Portanto, parece não haver consenso na literatura a respeito desse tema.

A influência da escolaridade sobre o desempenho no PASAT ainda não tinha sido investigada detalhadamente na literatura brasileira. Tilbery et al. (2005), em um estudo menor, com 91 participantes normais recrutados entre os familiares de pacientes portadores de EM, investigaram a padronização do PASAT, 9-HPT e TW-25 para a população brasileira. Foram determinadas normas para participantes em apenas três faixas etárias (20 a 29 anos, 30 a 39 anos e 40 a 49 anos de idade) e três níveis de escolaridade (4 a 8 anos, 9 a 14 anos, mais de 15 anos de instrução formal). Tilbery et al. também encontraram uma associação entre baixo desempenho motor e cognitivo na MSFC, em relação ao aumento da idade e ao baixo nível de educação formal. Os escores no PASAT, 9-HTP e TW-25 pés foram similares aos encontrados no presente estudo.

Os escores no funcionamento motor e cognitivo dos participantes da amostra brasileira divergem dos escores nessas tarefas que são relatados em estudos conduzidos em outros países, o que aponta para diferenças interculturais importantes. Na amostra brasileira o desempenho foi inferior quando comparado ao de participantes de outras culturas. Em um estudo conduzido na França, com indivíduos de 26 anos de idade e 15 anos de escolaridade, Audoin et al. (2005) relataram médias de acertos no PASAT-3 igual a 47, enquanto na amostra brasileira no presente estudo, a média de acertos foi igual a 40 em participantes idade e educação similares aos indivíduos franceses. Em um estudo conduzido nos EUA com 230 voluntários saudáveis de 20 a 79 anos, Bohannon (1997), relatou que a velocidade máxima da marcha para mulheres de 70 anos é de 174.9 cm/s, e para homens de 20 anos é de 253.3 cm/s. Nossos achados revelaram desempenho inferior na amostra brasileira com uma velocidade média da caminhada de pessoas do sexo feminino com 70 anos ou mais de 122.9 cm/s, e dos homens na faixa etária dos 20 anos de 173,9 cm/s.

Uma possível explicação para a diferença intercultural no desempenho motor e cognitivo pode estar na condição de vida subdesenvolvida atualmente existente no Brasil, que pode ser determinante de um envelhecimento funcional mais "veloz" que o "cronológico" (Chaimowicz & Greco, 1999). É possível que brasileiros com 65 anos apresentem taxas de dependência - e demanda por asilos - similares às de idosos europeus com 75 anos ou mais. O acesso à educação, apesar de ser um direito garantido, ainda é privilégio da minoria no Brasil. A escola pode ser considerada como uma subcultura que favorece o desenvolvimento de certas habilidades que são avaliadas na testagem cognitiva (Ardila, 2005). A diferença de desempenho encontrada em indivíduos de diferentes países ressalta a importância de entender os pressupostos de cada cultura e desenvolver procedimentos de avaliação corretamente modelados para cada uma delas.

Apesar de existirem muitos estudos que associam baixo desempenho motor com idade avançada, e baixo desempenho cognitivo com reduzida escolaridade, é importante considerar outros fatores. Existem diversas variáveis envolvidas com essa piora no desempenho como um estilo de vida sedentário, nível sócioeconômico, ou mudanças relacionadas com processos patológicos específicos ou inespecíficos como doenças ortopédicas ou neurológicas (Simoneau & Leibowitz, 1996).

Nossos achados apontam para importantes implicações clínicas, pois o crescente número de idosos na população está associado com o aumento no número de indivíduos portadores de doenças crônicas. Uma das preocupações mais comuns dos profissionais de saúde é detectar se o baixo desempenho de idosos é sinal de doenças crônicas associadas com o envelhecimento, ou se é apenas uma conseqüência esperada para idades mais maduras. Apesar de não afetar a mortalidade, doenças como Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla causam comprometimento motor e cognitivo, e os portadores freqüentemente atingem a terceira idade (Ozakbas, Cagiran, Ormeci & Idiman, 2004; Klingbeil, Baer, & Wilson, 2004; Fynlayson, Van Denend & Hudson, 2004; Mendes & Tilbery, 2004, Adler et al., 2002). A complexidade do diagnóstico diferencial também reside no fato de haver similaridades entre os sinais clínicos das doenças de Parkinson e Alzheimer e os sintomas de indivíduos idosos que possuem lentificação motora devido a outras causas. A similaridade entre o prejuízo do desempenho decorrente do avançar da idade, e aquele decorrente dessas doenças também é expresso na neurobiologia cerebral (Damasceno, 1999) o que pode dificultar ainda mais a realização do diagnóstico. Além disso, os testes de rastreio para disfunções cognitivas no idoso podem sofrer influência da escolaridade, o que levará, em pessoas com pouca educação, a falsa impressão de declínio cognitivo (Bertolucci, 2000; e Bertolucci & Nitrini, 2003).

Nossos achados sobre padrões desempenho motor e cognitivo em distintas faixas de idade e de escolaridade buscaram contribuir para uma análise mais precisa da influência de doenças crônicas nessas habilidades. Apesar da necessidade de controle das variáveis sócio-demográficas, os estudos relacionados à identificação dos prejuízos em pacientes com quaisquer doenças freqüentemente não separam os efeitos decorrentes da doença daqueles originados do envelhecimento normal e da educação (Klingbeil et al., 2004; Finlayson et al., 2004). Adler et al. (2002) sugerem que o uso de testagem motora quantitativa juntamente com exame clínico é eficaz para identificar casos possíveis e prováveis de Parkinson.

A influência da educação formal sobre o desempenho cognitivo também possui implicações diretas em estudos sobre a qualidade de vida, pois os resultados indicam que a educação pode ser considerada uma variável protetora em relação ao prejuízo do funcionamento cognitivo que ocorre com o avançar da idade. Uma questão para futuras pesquisas é avaliar se a implementação de programas de intervenção, ou até mesmo prevenção, poderia atenuar, ou até mesmo inibir a queda na velocidade de processamento da informação em idosos.

É importante apontar para algumas limitações da presente investigação. Apesar de as análises de regressão não permitirem uma inferência a respeito de relações de causa e efeito, elas fornecem uma boa explicação para o desempenho dos indivíduos e indicam alvos para intervenções potencialmente úteis, como o incentivo à educação formal, por exemplo.

Nosso estudo empregou delineamento transversal em função de restrições de tempo e de recursos. É recomendada também a realização de estudos longitudinais, que possibilitem um melhor controle de variáveis espúrias e diferenças individuais para uma avaliação mais precisa do efeito da educação e do avançar da idade no desempenho cognitivo e motor.

 

Referências

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Recebido em 02/04/2008
Aceite final em 01/08/2008

 

 

* Endereço eletrônico para correspondência: vghaase@gmail.com

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