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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

     

 

ARTIGOS

 

Funcionamento Diferencial de Itens (DIF) e experiência de afeto: questões de gênero

 

Differential Item Functioning and affect: gender issues

 

 

Pedro PiresI,1; Alberto FilgueirasII; Rodolfo RibasI; Cristina SantanaII

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IIPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


RESUMO

O presente estudo teve por objetivo contemplar o critério de justiça dos itens da Escala de Afeto Positivo e Afeto Negativo (PANAS), considerando contribuições das últimas décadas sobre a evidência de diferenças de gênero na manifestação dos traços em questão. Com esse objetivo, a PANAS foi aplicada em 354 participantes, de ambos os sexos. Os dados foram avaliados sob o paradigma da TRI, segundo o modelo para itens politômicos sugerido por Andrich (1988), e o critério de justiça de acordo com o Funcionamento Diferencial de Itens, conforme os parâmetros sugeridos por Linacre (2011), comparando amostras com sujeitos do sexo feminino e masculino. As evidências do presente estudo apontam para itens que favorecem determinadas características dos grupos em questão.

Palavras-Chave: DIF, Psicologia positiva, Diferenças de gênero, PANAS.


ABSTRACT

This article is an investigation into the justice criterion for the items of the Positive Affect and Negative Affect Schedule (PANAS) considering contributions from the last decades on gender differences as to emotion and affect experience. For this purpose, the PANAS was administered to 354 participants of both genders. Data was evaluated under the paradigm of IRT, according to the model of polytomous responses suggested by Andrich (1988), and the criterion of justice in accordance with the Differential Item Functioning on the parameters suggested by Linacre (2011) comparing male and female samples. Evidence indicates differential item functioning for specific items, favoring groups according to their characteristics.

Key-words: DIF, Positive psychology, Gender differences, PANAS.


 

 

O afeto é um construto de marcante rele-vância na psicologia. Consiste em reações instintivas do organismo, sendo importante na formação de emoções complexas (Za-jonc, 1980). Na perspectiva cognitiva, o afe-to cumpre um papel importante no julga-mento e realização de escolhas dependendo da sua valência (e.g. raiva, medo e tristeza) (Lerner & Keltner, 2000). Ainda assim, Thompson (2007) aponta que o afeto gan-hou importância na psicologia após os estu-dos de Bradburn, em 1969, e o estudo de Zajonc, em 1980, nos quais as dimensões do afeto foram tratadas como positivas ou ne-gativas. Posteriormente, o tema foi investi-gado em diversos estudos (Diener & Em-mons, 1984; Watson & Tellegen, 1985). Diener (1984) aponta também que o afeto cumpre um papel importante ao caracterizar o bem-estar subjetivo, principalmente ao conju-gar os afetos positivo e negativo com os construtos vitalidade e satisfação com a vida.

A operacionalização do afeto na escala foi realizada por Watson, Clark e Tellegen (1988), que observaram a predominância de dois fatores principais em diversos estudos (Watson & Clark, 1994): afeto positivo e afeto negativo. Os autores realizaram um sumário desses estudos, no qual demonstra-ram forte evidência da existência uma díade fatorial encontrada a partir de soluções rota-cionadas pelo método varimax. Normalmen-te essa solução empírica define as dimensões como: afeto positivo e afeto negativo. Con-tudo, em soluções não rotacionadas, foram contempladas dimensões de prazer-desprazer e excitação. Watson, Clark e Tellegen (1988) afirmam que até o momento do seu desenvolvimento, os instrumentos disponíveis não apresentavam um grau satis-fatório de confiabilidade, sendo alguns deles desenvolvidos por análise fatorial, mas mui-tos por análises ad hoc.

Watson, Clark e Tellegen (1988) definem "afeto positivo" como o quanto que uma determinada pessoa sente de entusiasmo, atividade e alerta. Altos níveis de "afeto po-sitivo" corresponderiam à energia, à concen-tração e ao engajamento prazeroso em ativi-dades, em que um baixo nível de "afeto po-sitivo" é caracterizado por tristeza e letargia. Em contraste, "afeto negativo" (Watson, Clark & Tellegen, 1988) é uma dimensão geral para o sofrimento subjetivo e engaja-mento desagradável, que normalmente refle-te estados de raiva, desgosto, culpa, medo e nervosismo, sendo que um baixo nível de "afeto negativo" estaria relacionado a um estado de calma e serenidade.

A PANAS foi criada para representar os traços mencionados acima e foi inicialmente estruturada como uma lista composta por 60 itens, organizados em 20 categorias diferen-tes. Cada uma das 10 categorias corresponde às dimensões do afeto: negativa e positiva (Watson, Clark & Tellegen, 1988). Os itens foram estruturados com uma única palavra cada, com o objetivo de refletir os estados afetivos. A versão inicial da PANAS foi de-nominada como PANAS-X. A versão final do instrumento consiste de 20 itens selecio-nados a partir das características psicométri-cas do modelo completo. Watson, Clark e Tellegen (1988) reportam que a escala em sua forma completa possui uma qualidade marcante a respeito de sua consistência in-terna. Essa propriedade foi verificada através do alfa de Cronbach, com valores acima de α = 0.84 (o menor valor obtido para a escala de "afeto negativo", usando a instrução de tempo de como a pessoa se sentiu durante o ano) e resultados consistentes na forma de validade por teste-reteste com diferentes instruções temporais, como: "no momento", "hoje", "durante os últimos dias", "durante a última semana", "ano" e "geral". Os índi-ces de confiabilidade obtidos não mudaram de forma significativa para cada uma das diferentes instruções oferecidas.

Ainda que a estrutura fatorial ortogonal apoiada na contribuição de Watson, Clark e Tellegen (1988) apresentou uma interpre-tação sólida, avanços foram realizados re-centemente na discussão da sua estrutura fatorial. Leue e Beauducel (2011) colocam que, durante a última década, tem ocorrido um número crescente de estudos, inclusive transculturais, investigando modelos por análise fatorial confirmatória. Desses estu-dos, não apenas modelos ortogonais foram aceitos, mas também modelos oblíquos, considerando afetos positivo e negativo co-mo correlacionados. Além do modelo de dois fatores, alguns estudos têm sugerido inclusive novos modelos fatoriais para a PANAS (e.g. modelo de três fatores, mode-los hierárquicos, entre outros derivados das formas resumidas e expandida da PANAS). Pires, Filgueiras e Ribas (no prelo) apresen-tam a possibilidade de interpretação dos fatores através de modelos oblíquos explora-tórios em amostra brasileira.

Em função de suas fortes propriedades psicométricas, a escala tem sido amplamente utilizada também no Brasil. A versão tradu-zida para o português brasileiro pode ser observada nos estudos de Pereira, Calvano e Cunha (1992), porém o estudo não contou com uma investigação de suas propriedades psicométricas ou parâmetros. Os autores implementaram modificações às instruções, especialmente incluindo a expressão "sinto-me", com o objetivo de ajudar os participan-tes a alcançar uma resposta a nível pessoal. O tipo de resposta promovido também foi modificado, consistindo em níveis de con-cordância com o que é expresso no item. A versão original (Watson, Clark & Tellegen, 1988) contém respostas que representam a intensidade do afeto retratado pelo item. As propriedades psicométricas dessa versão foram recentemente investigadas pelo estu-do de Pires, Filgueiras e Ribas (no prelo), em que a escala mostrou ser válida e com boas características psicométricas sobre a sua es-calabilidade no paradigma de "teoria de res-posta ao item".

O campo de contribuições não se restrin-ge ao plano psicométrico. Uma vez que o afeto é uma resposta emocional expressada ou observada, ele guarda correlatos neurais largamente estudados. Emoções positivas relacionadas a prazer, euforia e outras que corresponderiam à operacionalização pro-posta em Watson, Clark e Tellegen (1988) seriam moduladas por regiões ligadas ao sistema de recompensa. Gazzaniga e Heater-ton (2005) colocam, por um lado, que essa ativação positiva estaria associada a um aumento de dopamina. Por outro lado emoções como raiva, medo e tristeza teriam maior conotação de acordo com a operacio-nalização para afeto negativo, cuja modu-lação seria fortemente associada a um au-mento de noradrenalina (Gazzaniga & Hea-terton, 2005). A questão dos correlatos neu-rais para o afeto ganha importância confor-me contribuições apontam para compa-rações de gênero na modulação de emoções, mais achados psicométricos. Há ainda pouco consenso tanto nas neurociências, quanto nas investigações em psicometria.

Kring e Albert (1998) realizaram dois es-tudos para observar essas diferenças. Em um primeiro estudo, foi proposto que estu-dantes de graduação veriam cenas de filmes com forte teor emocional. Comparadas aos homens, mulheres se mostraram com maior expressividade, apesar de não diferir ao re-portar a experiência emocional, demons-trando padrões diferenciados de resposta de condutância da pele. No segundo estudo realizado, Kring e Albert (1998) tomaram por base o mesmo procedimento, mas averi-guando escalas de autoavaliação de expressi-vidade emocional (Emotional Expressivity Scale), expressividade familiar (Family Ex-pressiveness Questionnaire) e características de gênero (Bem Sex-Role Inventory). No contexto desses instrumentos, Kring e Al-bert (1998) apontam que o termo expressi-vidade consiste na exteriorização de com-portamentos relacionados ao construto ava-liado. Os resultados foram replicados de acordo com o estudo prévio, sendo que ca-racterísticas de gênero e expressividade familiar se mostraram moderadores do relacio-namento entre gênero e a expressividade emocional.

Os achados concordam em parte com a investigação de Fujita, Diener e Sandvik (1991), em que foi observado também maior intensidade de experiência de afeto em mulheres, mas, ainda assim, para o construto felicidade, gênero teria um impacto inferior a 1% se considerando a variância do objeto, enquanto que 13% quando se trata de inten-sidade do afeto. Os resultados em Fujita, Diener e Sandvik (1991) indicam que a ex-periência de felicidade é minimamente expli-cada pelas diferenças de gênero, enquanto que a magnitude da experiência de afeto seria mais intensamente regulada por essas diferenças. Fujita, Diener e Sandvik (1991) afirmam também que suas observações não entram em conflito com os achados acerca do impacto da depressão em mulheres, em que foi visto que elas possuem uma ex-periência mais intensa de afeto negativo. Para os autores, a capacidade averiguada das mulheres em sentir com maior magnitude emoções positivas serviria para equilibrar a sensação contrária.

McRae, Ochsner, Mauss, Gabrieli e Gross (2008) observam as dificuldades me-todológicas e a escassez de contribuições, o que motivou seu estudo com uso de res-sonância magnética. McRae, Ochsner, Mauss, Gabrieli e Gross (2008) investi-garam, por uso de imagem em ressonância magnética funcional, a regulação emocional de homens e mulheres: foi pedido a partici-pantes de ambos os gêneros que utilizassem regulação cognitiva das emoções através da estratégia de reestruturação para figuras apresentadas com conotação negativa. A regulação cognitiva abordada na tarefa con-siste na reapresentação ou recontextuali-zação de um estímulo negativo de uma for-ma menos emotiva. Foi observado durante o estudo realizado que tanto homens, quanto mulheres foram capazes de reduzir a emoção negativa sentida, porém neurologi-camente as diferenças de gênero emergiram. McRae, Ochsner, Mauss, Gabrieli e Gross (2008) constataram que, em comparação às mulheres, os homens mostraram um aumen-to menor na atividade de regiões pré-frontais, que são associadas à reestruturação cognitiva, redução significativa nas amígda-las, que estariam associadas à resposta emo-cional e menor envolvimento de regiões ventrais estriadas, associadas ao processa-mento de recompensas. McRae, Ochsner, Mauss, Gabrieli e Gross (2008) oferecem duas explicações possíveis para isso: a primeira seria que homens se engajariam menos na regulação cognitiva das emoções, utilizando-se provavelmente de processos de cunho mais automático, o que o estudo não pôde verificar de forma mais específica em função de limitações metodológicas (os pro-cessos automáticos não foram operacionali-zados nem mensurados no estudo); a segun-da explicação, que não seria concorrente, seria que as mulheres talvez usassem mais emoções positivas para reavaliar emoções negativas em sua maior parte.

Tendo em vista esse campo de contri-buições, resta compreender se diferenças de gênero poderiam interferir com o critério de justiça no funcionamento dos itens. O crité-rio de justiça remete ao fato de que um de-terminado item deveria a priori ter um fun-cionamento que não favoreça populações específicas. Isso significa que aspectos cultu-rais possam interagir com o construto, pro-duzindo um resultado que reflete o traço latente, mas também outras variáveis (Sisto, 2006). Everson e Osterlind (2009) indicam que o papel central do Differential Item Fun-ctioning (DIF) é identificar quando um parti-cipante oferece respostas a determinados itens que estão conectados de forma siste-mática a características pessoais, sem estar relacionados ao construto do teste. No pre-sente estudo, tomam-se as diferenças bioló-gicas e de desenvolvimento emocional como passíveis de interação com os construtos presentes na escala PANAS (Watson, Clark & Tellegen, 1988).

A importância de estudos como o presen-te seria em prevenir que, ao ser utilizado um instrumento psicológico, ele subestime ou superestime diferenças entre grupos con-forme características que não seriam relevan-tes para o traço sendo avaliado. Esse esforço permite que futuros instrumentos incluam construtos que possam favorecer determi-nados grupos para então colaborar para a tomada de decisão em pesquisas de elabo-ração de medidas, para que não sejam elabo-rados itens com os mesmos problemas em questão (Osterlind & Everson, 2009; Sisto, 2006).

 

Método

Participantes

A presente pesquisa contou com 354 participantes, sendo 239 do sexo feminino e 115 do sexo masculino, idade média de 29,5 (DP = 10,18) anos. Considerando o nível educa-cional, 148 participantes (41,8%) possuem até o ensino médio, 121 (34,18%) tem nível universitário e 85 (24,01%) tem pós-graduação em andamento. A amostra con-tou com ampla diversidade de sujeitos de localidades distribuídas pelo território brasi-leiro em função de sua aplicação online. Não ocorreram exclusões por formulários em branco, uma vez que a ferramenta de pes-quisa do Google Docs desconsidera esses casos. Por outro lado, foi empregado proce-dimento de conversão dos escores da escala em escores Z, com o objetivo de detectar e eliminar outliers.

Instrumento

O instrumento é antecedido por um ter-mo de consentimento, contemplando aspec-tos éticos da pesquisa, como o conhecimen-to sobre o conteúdo da pesquisa, anonimato, liberdade para interromper o procedimento, ausência de riscos e ônus, assim como bene-fícios imediatos ou retorno financeiro. Se-guido ao termo de consentimento, há uma lista de variável sociodemográfica pertinente ao estudo. A versão utilizada da PANAS para o presente artigo foi obtida da tradução e ajustes realizados por Pereira, Calvano e Cunha (1993), contando com respostas na forma de uma escala do tipo likert, com cin-co graus de concordância, devendo os parti-cipantes reportar o estado afetivo no mo-mento em que respondem. O uso repetido da expressão "sinto-me" foi mantido de acordo com a sugestão de Pereira, Calvano e Cunha (1993) no sentido de reforçar ao par-ticipante a percepção do próprio afeto como uma sensação.

Procedimento

A aplicação foi realizada pela internet, uti-lizando a ferramenta de criação de formulá-rios do Google Docs, com divulgação do link através de comunidades virtuais de sites de relacionamento (Orkut e Facebook), di-vulgação presencial na Universidade Federal do Rio de Janeiro e por listas de e-mail. Se-gundo Gosling, Vazire e Srivastav (2004), o rápido crescimento da internet promoveu novas oportunidades para pesquisadores, com uma nova forma de acesso a respon-dentes para pesquisas do tipo survey. Os autores apontam, tendo por base uma amos-tra total de 361.703 participantes, obtida em 510 publicações, que há uma diversidade amostral de gênero, status socioeconômico, região geográfica e idade no ambiente vir-tual. Além disso, os resultados contempla-dos em Gosling, Vazire e Srivastav (2004) indicam uma concordância entre os achados de estudos realizados com survey pela inter-net com os respectivos dados obtidos de forma convencional.

Análise dos dados

O modelo de análise do modelo de crédi-tos parciais (PCM) foi aplicado, uma vez que as respostas contam com um total de cinco categorias (politômica) sugerido por Andrich (1988), derivado do modelo Rasch (1960). Esse modelo possui uma vantagem de man-ter as propriedades dos modelos Rasch (1960) de estimativa individual de parâmetros, sendo menos população-dependente se comparado aos demais modelos. Este realiza uma avaliação diferenciada para cada catego-ria de resposta dos itens, contando com um parâmetro próprio, em que a resposta se torna provável a partir de um determinado nível de aptidão ou traço. Para esse fim, o modelo de PCM dicotomiza as categorias para compor as respectivas curvas de proba-bilidade da categoria (CPC) (Ostini & Nering, 2006).

Para a detecção do funcionamento dife-rencial do item (DIF), a análise foi executada pelo programa Winsteps. Os critérios utili-zados foram: DIF Medida, que fornece a dificuldade do item para as diferentes amos-tras avaliadas; DIF S.E., que indica a possi-bilidade de se observar a ocorrência de DIF com os dados obtidos; DIF Contraste, o qual reflete a diferença entre a dificuldade do item para cada amostra; ao passo que a pro-va de Welch t oferece uma estatística de sig-nificância para o DIF.

 

Resultados

Primeiramente, os pressupostos de uni-dimensionalidade (Ayala, 2009) foram verifi-cados para cada escala separadamente, atra-vés dos índices de uma análise fatorial con-firmatória. Respeitado o pressuposto de unidimensionalidade do modelo utilizado, procedeu-se com uma análise da precisão das escalas.

O índice de precisão do instrumento na subescala de "afeto positivo" obtido foi de 0,88 para as pessoas e 0,97 para os itens (ín-dices item e person reliability do Winsteps). O erro de medida médio para as pessoas foi de 0,51 (DP = 0,10), enquanto que para os itens foi de 0,08 (DP = 0,01). Por sua vez, para a subescala de "afeto negativo", foram obtidos índices de precisão 0,87 para as pes-soas e 0,99 para os itens. O erro de medida médio encontrado para a dimensão de "afe-to negativo" foi de 0,41 (DP = 0,14) para as pessoas, enquanto que para os itens foi de 0,06 (DP = 0,01). A Tabela 1 apresenta o sumário de medidas de ajuste e parâmetros quanto aos itens para ambas as escalas.

 

 

A média de infit foi de 1,02 (DP = 0,18) para afeto negativo e 0,99 (DP = 0,18) para afeto positivo, indicando que, num aspecto geral, grande parte dos itens foi respondida dentro do padrão esperado para um ideal de 1,00 (Ayala, 2009). Os resultados apontam um intervalo de infit entre 0,70 e 1,33 para afeto negativo, enquanto que, para a subescala de afeto positivo, o intervalo foi entre 0,75 e 1,24, sendo possível constatar que todos os itens se enquadraram no parâmetro entre 0,50 e 1,50 (Ayala, 2009; Linacre, 2011), indicativo de bom ajuste. Vale ressaltar que, em análises prévias, em estudo ainda não publicado por Pires, Filgueiras e Ribas (no prelo), o item "sinto-me alerta" foi excluído da análise em função de problemas de ajuste, indicando ambos os problemas dimensionais e nas estatísticas de fit, não se comportando como item da dimensão de afeto positivo. Para o presente artigo, o item foi excluído das análises por apresentar um viés de dimensionalidade, o que foge ao escopo do presente estudo.

As estatísticas de outfit, por sua vez, indicam uma média de 1,05 (DP = 0,20) para a subescala de afeto negativo e 1,01 (DP = 0,19) para afeto positivo, apontando boa adequação dos itens ao MCP. Os valores máximos de outfit foram maiores se comparados aos de infit, apesar de ainda localiza-dos dentro dos parâmetros aceitos de 0,5 a 1,50. O intervalo obtido para o outfit foi de 0,71 a 1,40 para a subescala de afeto negati-vo, sendo que para afeto positivo o intervalo foi de 0,74 a 1,35.

Acerca do grau de dificuldade para os itens das escalas, o item com maior facilida-de foi "sinto-me tenso" na subescala de afe-to negativo para um parâmetro de dificulda-de (b) de -0,87, enquanto que, na subescala de afeto positivo, o item "sinto-me interessado" apresentou b = -1,01. Os itens com maior b para as respectivas escalas foram "sinto-me transtornado" com b = 0,87 e "sinto-me seguro" em que apresentou b = 0,67. Os resultados apontam que traços de sensação de transtorno e segurança foram os mais difíceis de serem expressados, havendo maior expressão de interesse e tensão.

Os resultados para as análises de DIF apontam que os dados se comportam de forma a tornar possível a investigação de ocorrência do funcionamento diferencial para todos os itens no índice DIF S.E. acima de 0,00 como sugerido por Linacre (2011). Para prosseguimento na análise de DIF, serão observados ambos o contraste e a sig-nificância de acordo com o teste t de Welch (Linacre, 2011). Preocupa-se em não só abordar critérios de significância (p<0,05), mas também o tamanho do DIF como aler-tado na bibliografia sobre o tema (Linacre, 2011; Ayala, 2009). Zwick, Thayer e Lewis (1999) classificam os contrastes de DIF em uma escala em que valores acima de logit > 0,64 indicam um DIF moderada à intensa, valores acima de logit > 0,43 indicam DIF leve a moderada, enquanto que, para valores abaixo, seriam irrelevantes.

Tendo em vista os critérios abordados, para afeto positivo podem ser contemplados dois itens que apresentam DIF leve à mode-rada (Tabela 2), sendo esses os itens "sinto-me seguro" (contraste logit = -0,58) e "sin-to-me dinâmico" (contraste logit = 0,46), sendo o primeiro com DIF moderada, em função de sua proximidade com o limite superior da classe. Os respectivos valores para o teste t de Welch foram t = 3,68 (p = 0,001 , significativo para p < 0,05) e t = 2,91 (p = 0,003 , significativo para p < 0,05). A sensação de segurança foi mais facilmente manifestada por participantes do grupo masculino, em que o item apresentou um grau de dificuldade de b = 0,28 em contraste ao grupo feminino, em que o item obteve b = 0,86. Por outro lado, o item "sinto-me dinâmico" foi expressado com favorecimen-to ao grupo feminino para um b = 0,05, o que no grupo masculino foi de b = 0,51.

Em afeto negativo, pode ser observado que há um total de três itens com DIF irre levante, entretanto se verifica a presença de ao menos um item com DIF leve à modera-da (Tabela 3). O item que apresentou o fenômeno foi "sinto-me transtornado" (con-traste logit = -0,57). O teste t de Welch aponta para um contraste significativo para t = -3,80 (p = 0,001).

Os resultados indicam favorecimento pa-ra a manifestação do traço no grupo mascu-lino, com b = 0,50 de dificuldade no item para a categoria, ao passo que o grupo femi-nino apresentou b = 1,07.

Apontados os problemas de funciona-mento dos itens, o presente estudo prosse-gue com a discussão sobre as implicações dos presentes achados, assim como possí-veis evidências na bibliografia comentada.

 

Discussão

Os dados encontrados no presente estudo apontam que há itens na escala PANAS (Watson, Clark & Tellegen, 1988) que favo-recem características próprias de cada gênero, levando-se em consideração o método de detecção de DIF por contraste (Zwick, Thayer, & Lewis, 1999) e os níveis de significância oferecidos pelo teste t de Welch (Linacre, 2011). A presente discussão se fez necessária uma vez que a bibliografia apoia que há diferenças de gênero em manifestações afetivas e emocionais (McRae, Ochsner, Mauss, Gabrieli, & Gross, 2008; Kring & Albert, 1998; Fujita, Diener, & Sandvik, 1991).

Para a subescala de afeto positivo, foi ob-servado que os homens apresentam uma maior sensação de segurança, provavelmente em função do locus de controle desenvolvi-do ao longo da infância sobre o desenvolvi-mento de papéis sociais, apesar das corren-tes transformações no paradigma do mundo do trabalho (Shaffer & Kipp, 2009). Haveria uma cobrança sobre as dificuldades da in-serção da mulher no mercado, o que poderia provocar uma menor sensação de segurança. Por outro lado, as mulheres teriam um mel-hor desempenho na sensação de dinamismo. A facilidade na reestruturação cognitiva de eventos poderia também ser a razão dessa sensação de dinamismo (McRae, Ochsner, Mauss, Gabrieli, & Gross, 2008), além de elementos relacionais.

Considerando a dimensão de afeto nega-tivo, para os resultados obtidos, foi verifica-do que há uma probabilidade maior da sen-sação de transtorno para participantes do sexo masculino. Conforme já comentado acerca dos achados de McRae, Ochsner, Mauss, Gabrieli, & Gross (2008), novamente a possibilidade de reestruturação cognitiva poderia contribuir para a apresentação do traço no público masculino.

As diferenças aproximadas também po-deriam ser explicadas em um paradigma de-senvolvimentista. Marini (1988) observou que, tendo em vista o processo de sociali-zação, há claras diferenças no desenvolvi-mento humano em relação ao gênero. Crianças do sexo masculino seriam mais encora-jados a expressar comportamentos tradicio-nalmente relacionados ao modelo mascu-lino, reforçando agressividade e competitivi-dade, que seriam barreiras para o desenvol-vimento de intimidade, mas cumprem um papel forte em questão de assertividade - remete-se ao sentimento de segurança. Já crianças do sexo feminino seriam mais enco-rajadas a uma competitividade e agressivida-de mais restritas, sendo estimuladas a exibir comportamentos mais relacionados com aspectos sentimentais e de amparo (Marini, 1988), o que justificaria uma manifestação maior de dinamismo interacional como ob-servado. Gilligan (1982) também apoia que a socialização dentro dos papéis de gênero leva as mulheres a desenvolverem um senso moral mais intenso na direção de questões ligadas a cuidados com as pessoas. Vale res-saltar que a generalização dos dados obtidos no presente estudo é restrita em função da metodologia de aplicação online. Como po-de ser observado na sessão Participantes, o nível educacional deles não é composta de forma a retratar a população brasileira. Ape-sar dos resultados apontados por Gosling, Vazire, Srivastava, & John (2004), o uso de questionários online torna impossível o con-trole adequado de variáveis que possam in-tervir com as respostas.

Por fim, para Everson e Osterlind (2009), quando uma quantidade razoável de DIF é encontrada em um instrumento, é possível que haja dimensões diferenciadas em in-teração com os traços sendo investigados. O presente estudo encontrou DIF para três itens, o que representa 15% dos itens da escala (para um total de vinte itens). Em estudo a ser realizado, pretende-se verificar propriedades de dimensionalidade tendo em vista as questões apresentadas sobre a in-fluência de gênero em uma quantidade ra-zoável de itens. Conforme os achados reco-rrentes, é importante que a elaboração de novas escalas leve em consideração as di-mensões de gênero para itens que corrobo-rem melhor com a problemática na instru-mentação voltada para avaliação do afeto não apenas com respaldo em achados psi-cométricos, mas também levando em consi-deração toda a bibliografia que aponta para esses contrastes sociais existentes.

Considerando a PANAS, recomenda-se cautela no emprego da escala em pesquisas futuras em função de os resultados obtidos neste estudo apontarem para a sensibilidade do instrumento para a variável gênero, o que é desfavorável para pesquisas considerando esse tipo de corte amostral. Ainda assim é necessária uma investigação com um desen-ho de pesquisa que permita uma maior gene-rabilidade dos resultados, especialmente considerando o método e a amostra aborda-da, para definir a adequação ou inadequação da PANAS para pesquisas de gênero.

 

Referências

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Recebido: 06/12/2011
Aceito: 19/12/2012

 

 

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