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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

     

https://doi.org/10.36298/gerais2019110109 

ARTIGOS

 

Relações entre violência, clima familiar e transtornos mentais na adolescência

 

Relationships between violence, family atmosphere and mental disorders in the adolescence

 

 

Raquel Fortini PaixãoI; Naiana Dapieve PatiasII; Débora Dalbosco Dell'AglioIII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. E-mail: raquelfortinipaixao@yahoo.com.br
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. E-mail: naipatias@hotmail.com
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. E-mail: dddellaglio@gmail.com

 

 


RESUMO

Este estudo investigou as relações entre violência intrafamiliar, clima familiar e sintomas de transtorno mental na adolescência. Participaram 359 adolescentes de 13 a 19 anos (M=15,77; DP=1,40), estudantes de escolas públicas de Porto Alegre, RS. Os adolescentes responderam questões sobre violência no contexto familiar, o Inventário do Clima Familiar (ICF) e um questionário para avaliar sintomas de transtornos mentais (SRQ-20). Os resultados indicaram diferença significativa entre os sexos no SRQ, com média mais elevada para as meninas. Uma regressão linear múltipla indicou que as variáveis ​​familiares independentemente associadas aos sintomas de transtornos mentais foram conflito, apoio e violência intrafamiliar, que, juntas, explicaram 23,3% da variação dos escores no SRQ. Discute-se a importância de intervenções familiares para promoção de saúde mental na adolescência.

Palavras-chave: Adolescência. Violência na família. Transtorno mental.


ABSTRACT

This study investigated the relationship between family violence, family atmosphere and symptoms of mental disorders in the adolescence. The participants were 359 adolescents with ages from 13 to 19 (M = 15.77; SD = 1.40), from public schools in Porto Alegre, Brazil, who answered questions about violence in their family context, the Inventory of Family Atmosphere (ICF) and a questionnaire to assess symptoms of mental disorders (SRQ-20). The data indicated a significant difference between genders in SRQ, with a higher average for girls. Multiple linear regression analysis indicated that family variables independently associated with symptoms of mental disorders were conflict, support and family violence, which together explained 23.3% of variation in the scores of the SRQ. The importance of family interventions for mental health promotion in adolescence is also discussed.

Keywords: Adolescence. Family violence. Mental disorder.


 

 

A família é um importante e privilegiado contexto no qual se encontram as diretrizes essenciais para o desenvolvimento da criança e do adolescente (Wagner & Levandowski, 2008). De fato, ela representa a primeira fonte de suporte social, contexto do qual se espera uma atmosfera afetiva comum de aquisição de competências e de interação entre seus membros (Pelzer, 1998).

Estudos têm indicado que a adolescência envolve uma série de mudanças biopsicossociais que demandam modificações na forma de agir da família com o filho adolescente (Schoen-Ferreira, Aznar-Farias & Silvares, 2010; Surjadi, Lorenz, Wickrama & Conger, 2011). Para Pratta e Santos (2007), na adolescência, o indivíduo sai de um estado de intensa dependência dos pais para uma condição de autonomia pessoal. Nesse sentido, o processo de desenvolvimento da autonomia demanda mudanças no relacionamento familiar e no exercício da autoridade, sendo importante que os pais busquem formas de mantê-la num contexto familiar mais igualitário. Um estudo de revisão de literatura (Barbosa & Wagner, 2013) demonstrou que um clima familiar negativo marcado por coerção, punição e sem afeto tende a ser associado a menores índices de autonomia.

Os estudos psicológicos nacionais e internacionais que têm investigado a influência dos processos familiares ao longo do desenvolvimento de crianças e adolescentes (Donovan & Brassard, 2011; Matjasko, Grunden & Ernst, 2007) revelam que o clima familiar é um componente de influência importante. A investigação desse construto tem sido realizada, frequentemente, com a avaliação de quatro dimensões, que são: coesão, conflito, apoio e hierarquia. A primeira dimensão, a coesão, é caracterizada pela presença de vínculo emocional entre os membros. O conflito está relacionado à presença de relação agressiva e crítica. O apoio, terceira dimensão, refere-se ao suporte material e emocional recebido; e a última dimensão, a hierarquia, está relacionada à diferenciação clara de poder, na qual as pessoas mais velhas têm maior influência nas decisões (Teodoro, Allgayer & Land, 2009).

Sobre o ambiente familiar, alguns estudos indicam que, nesse contexto, muitos adolescentes estão expostos a inúmeras situações de risco, tais como: negligência, violência física, psicológica, sexual, além de padrões parentais de cuidado e supervisão inadequados e rigidez nas práticas educativas (Siqueira & Dell'Aglio, 2007; Souza, Baptista & Baptista, 2015). Interações familiares conflituosas e negativas desempenham papel significativo no desenvolvimento de problemas emocionais e de comportamento em adolescentes. Por exemplo, dentre as várias consequências da violência intrafamiliar, estão as relativas à saúde mental que, comumente, referem-se às repercussões na autoestima, na competência social e na resolução de problemas de crianças e adolescentes (Benetti, Pizetta, Schwartz, Hass & Melo, 2010; Greenfield & Marks, 2010; Teodoro, Cardoso & Pereira, 2011). Além disso, esse tipo de relacionamento familiar pode contribuir para o aparecimento de transtornos mentais, os quais estão subdivididos em duas grandes categorias, a saber: os internalizantes (depressão e ansiedade) e disruptivos ou externalizantes (comportamentos agressivos e antissociais) (American Psychiatric Association [APA], 2014; Ho & Cheung, 2010; Mrug & Windle, 2010). De fato, os estudos realizados na área de exposição à violência em diversos contextos têm indicado que vivências negativas na infância e adolescência, especialmente situações experenciadas no contexto familiar, aumentam o risco do adolescente, a curto, médio e longo prazo, se expor a situações de vulnerabilidade, dificultando o seu processo de desenvolvimento (Gabalda, Thompson & Kaslow, 2010; Greenfield & Marks, 2010).

Sobre as situações de vulnerabilidade relativas ao contexto familiar, no estudo de Teodoro, Cardoso e Freitas (2010) foram encontradas associações significativas entre as medidas de relacionamento familiar (afetividade e conflito) e a intensidade dos sintomas depressivos. A afetividade correlacionou-se negativamente, enquanto o conflito vinculou-se positivamente à patologia. Os autores ressaltaram a importância da identificação dos aspectos do sistema familiar que estariam relacionados ao bom funcionamento cognitivo e emocional de seus membros. Sendo assim, o clima familiar tanto pode potencializar o surgimento de psicopatologias quanto promover o bem-estar de seus membros.

Estudos apontam que o relacionamento familiar e a qualidade dessa interação, independentemente da cultura em que a criança ou o adolescente se encontra, exerce uma importância fundamental à estruturação psíquica e saúde mental do indivíduo (Benetti et al., 2010; Herrenkohl, Kosterman & Hawkins, 2012). Por exemplo, estudo realizado com 187 adolescentes de 11 a 16 anos, de escolas públicas de duas cidades do Rio Grande do Sul, investigou a relação entre o clima familiar e os problemas emocionais e de comportamento dos estudantes. Os resultados indicaram que sintomas internalizantes e externalizantes estão positivamente associados a alto conflito e diferenciação hierárquica entre gerações e baixo apoio e coesão (Teodoro, Hess, Saraiva & Cardoso, 2014).

Em um estudo de revisão sistemática da literatura nacional e internacional sobre sintomas internalizantes na adolescência e relações familiares, Hess e Falcke (2013) verificaram que há, no Brasil, uma escassez de estudos relacionando os dois construtos. No entanto, os estudos analisados pelas autoras indicam que o suporte e o clima familiar positivo têm sido relacionados à diminuição dos sintomas de internalização na adolescência.

Considerando que o contexto familiar tem influência significativa no desenvolvimento emocional dos seus membros, o objetivo deste estudo foi investigar as relações entre violência intrafamiliar, clima familiar e sintomas de transtorno mental na adolescência, além de verificar se diferentes configurações familiares, faixa etária e sexo estão relacionados a essas variáveis.

 

Método

Delineamento

Foi realizado um estudo exploratório e transversal, de abordagem quantitativa, a partir de uma base de dados coletados em um estudo maior, conduzido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Adolescência (Nepa), intitulado "Adolescência em Diferentes Contextos: Família e Institucionalização", e que investigou características pessoais e familiares de adolescentes em diferentes contextos.

Participantes

O estudo foi desenvolvido a partir dos dados de 359 adolescentes, com idades entre 13 e 19 anos (M=15,77; DP=1,40), de ambos os sexos, estudantes entre a 7ª série do Ensino Fundamental e o 3° ano do Ensino Médio de escolas públicas da cidade de Porto Alegre, RS. A amostra foi constituída de forma aleatória por conglomerados a partir do sorteio entre todas as escolas públicas de Porto Alegre, conforme lista disponibilizada pela Secretaria de Educação. Para cada escola selecionada, foi sorteada uma turma de cada nível para participar. O número de participantes foi obtido por meio de um cálculo amostral, considerando o total de alunos matriculados no Ensino Fundamental e Ensino Médio em escolas públicas de Porto Alegre no ano de 2009, com margem de erro de 4% (Barbetta, 2001). A coleta foi realizada em 13 escolas de diferentes bairros da cidade, sendo 12 estaduais e uma municipal. Para este estudo, foram selecionados adolescentes que pertenciam a famílias dos tipos monoparental, reconstituída e nuclear, tendo sido desconsiderados participantes com outras configurações familiares.

Instrumentos

Foram utilizados três instrumentos. O primeiro, Questionário da Juventude Brasileira (QJB versão II, Dell'Aglio, Koller, Cerqueira-Santos & Colaço, 2011), tem por objetivo investigar fatores de risco e proteção na adolescência. Para as análises realizadas neste estudo, foram utilizadas as questões de dados sociodemográficos e a questão 31, que se refere à violência intrafamiliar. Esta engloba cinco itens, respondidos de forma dicotômica (0=Não, 1=Sim): "ameaça ou humilhação", "soco ou surra", "agressão com objeto", "mexeu no meu corpo contra minha vontade" e "relação sexual forçada". O escore total foi computado somando-se o número de respostas positivas. Quanto à configuração familiar, foi observado, a partir da questão 6, com quem o adolescente mora, determinando, dessa forma, se a família é nuclear (mora com pai e mãe), monoparental (apenas com o pai ou a mãe) ou reconstituída (com a presença de padrasto ou madrasta). Nos casos em que o adolescente referiu viver com outros cuidadores (por exemplo, avós, tios, irmãos mais velhos), as famílias foram classificadas como "outra configuração" e, por serem poucos casos, foram excluídos das análises.

O segundo instrumento utilizado foi o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 1994) e validado para o Brasil por Mari e Williams (1986), composto por 20 questões dicotômicas (0=Não; 1=Sim) que avaliam sintomas de transtorno mental, tais como: insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas. Pontuações altas estão relacionadas a um pior nível de saúde mental. O SRQ-20 apresenta como ponto de corte ideal 7/8, com sensibilidade de 86,33% e especificidade de 89,31%. As propriedades psicométricas do SRQ-20 foram avaliadas por Santos, Araújo e Oliveira (2009), que indicaram coeficiente de consistência interna de 0,80.

O terceiro instrumento utilizado foi o Inventário do Clima Familiar (ICF), construído e validado para o Brasil por Teodoro et al. (2009). É composto pelas subescalas coesão (5 itens), hierarquia (6 itens), apoio (5 itens) e conflito (6 itens), que estão distribuídas em 22 itens dispostos no formato likert de cinco pontos. Os valores de alpha de Cronbach para cada subescala foram: coesão=0,82, apoio=0,68, hierarquia=0,67 e conflito=0,87, sendo que na escala total a consistência interna do instrumento foi de 0,86.

Análise dos Dados

Os dados foram digitalizados no programa SPSS versão 22.0. Análises das médias e desvios padrão das variáveis foram realizadas. Além disso, a fim de comparar diferenças entre os sexos e faixas etárias nas variáveis, utilizou-se teste U de Mann-Whitney. Correlações de Spearman e regressão linear múltipla foram obtidas a fim de verificar a associação entre as variáveis familiares, exposição à violência e sintomas de transtorno mental.

Procedimentos e Considerações Éticas

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da UFRGS sob o parecer nº 2009060. A direção das escolas sorteadas assinou o Termo de Concordância para a realização da pesquisa e foi garantida a voluntariedade da participação nesta, o sigilo das informações pessoais e a possibilidade de desistência a qualquer momento. Também foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) dos pais ou responsáveis, assim como a assinatura do Termo de Assentimento pelos adolescentes. A aplicação foi coletiva, em sala de aula, tendo duração máxima de 60 minutos.

 

Resultados

Na Tabela 1 são apresentados os dados descritivos das variáveis analisadas, SRQ, ICF e o total da Violência Intrafamiliar, por sexo, configuração familiar e faixa etária.

Em relação ao SRQ, uma análise por meio do teste U de Mann-Whitney indicou diferença significativa entre os sexos (p < 0,001), com uma média mais alta para as meninas (maior número de sintomas). Em relação ao ICF foi observada uma diferença marginal (p = 0,053), com médias mais altas para os meninos, que percebem o clima familiar de uma forma mais positiva do que as meninas. Quanto à faixa etária, adolescência inicial (de 13 a 15 anos) e adolescência final (de 16 a 19 anos), não foi observada diferença significativa em nenhum dos instrumentos utilizados. Para comparação das diferentes configurações familiares (monoparental, nuclear e reconstituída), foi utilizado o teste Kruskal-Wallis, o qual não indicou diferença estatisticamente significativa em nenhuma das variáveis analisadas.

Na Tabela 2 são apresentadas as correlações obtidas por meio do teste de Spearman entre o SRQ, VIF, ICF e os fatores (coesão, conflito, hierarquia e apoio) do clima familiar.

Observou-se correlações moderadas do SRQ com as subescalas conflito e coesão, assim como correlações baixas com as subescalas hierarquia e apoio. Além disso, a escala SRQ obteve correlações baixas com o total da VIF. Quanto à VIF, foram observadas correlações baixas com as subescalas coesão, apoio, conflito e hierarquia do ICF.

Com o objetivo de verificar quais variáveis familiares estão independentemente associadas aos escores de sintomas de transtornos mentais dos adolescentes, realizou-se uma regressão linear múltipla pelo método stepwise (Tabela 3). As variáveis familiares de interesse neste estudo foram o total da violência intrafamiliar - VIF (psicológica, física e sexual), o ICF e suas subescalas apoio, coesão, conflito e hierarquia. Observou-se que o modelo que melhor explicou essa relação incluiu as subescalas conflito e apoio do ICF e o total da violência intrafamiliar (VIF), que explicaram juntas 23,3% da variação nos escores do SRQ.

 

Discussão

As diferenças por sexo observadas por meio dos resultados do SRQ e do ICF, com a prevalência de mais sintomas de transtorno mental entre as meninas e percepção mais positiva do clima familiar entre os meninos, podem ser explicadas devido a diferentes hipóteses. Por exemplo, alguns estudos indicam que meninos vivenciam maior número de eventos traumáticos quando comparados com as meninas. No entanto, as meninas tendem a desenvolver mais problemas de saúde mental como resultado disso (Zona & Milan, 2011). Assim, tem sido observada uma maior incidência de transtornos internalizantes envolvendo sintomas de ansiedade e depressão entre as meninas, quando comparadas com os meninos, especialmente na adolescência (Avanci, Assis & Oliveira, 2008; Carvalho et al., 2011). No estudo de Souza et al. (2015), com estudantes universitários, também foi observada uma média mais alta de sintomas no SRQ entre as mulheres. Várias hipóteses têm sido propostas para explicar essa diferença de gênero nos sintomas de depressão e ansiedade, incluindo fatores biológicos, tais como a estrutura e o funcionamento cerebral, a transmissão genética e a função reprodutiva, bem como fatores ambientais, como exclusão social, ambiente familiar e experiências adversas na infância, papéis sociais e normas culturais (Ribeiro, Andreoli, Ferri, Prince & Mari, 2009).

No que diz respeito à configuração familiar, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas nas variáveis SRQ, VIF e ICF. Esse aspecto sugere que a configuração familiar não está correlacionada de maneira significativa com a saúde mental, o clima familiar e a exposição à violência intrafamiliar. Outros estudos (Sbicigo & Dell'Aglio, 2012; Mota & Matos, 2009) também encontraram o mesmo resultado, demonstrando que as relações que se estabelecem na família, e não a composição ou configuração familiar, têm maior influência na vida dos filhos. Esse resultado contraria a crença do senso comum de que diferentes configurações familiares, que não a tradicional, podem estar relacionadas a mais problemas no desenvolvimento dos filhos.

Associações significativas entre o SRQ, a violência intrafamiliar e a subescala conflito do ICF indicam que as relações familiares têm impacto, podendo influenciar no aumento dos sintomas de transtornos mentais. Sobre esses resultados, estudos com adolescentes têm indicado que relações familiares violentas e com maiores níveis de conflitos não resolvidos tornam os adolescentes mais vulneráveis a transtornos mentais (Benetti et al., 2010; Mrug & Windle, 2010). Por exemplo, testemunhar ou ser vítima de violência em casa poderá desencadear problemas psicológicos em adolescentes, com a manifestação de sintomas que podem ser tanto internalizantes - ansiedade e depressão - quanto externalizantes - transtornos disruptivos e agressividade (Hernández & Díaz, 2013; Mrug & Windle, 2010).

Por outro lado, houve associação entre aspectos familiares como apoio e a coesão entre os membros e menores níveis de sintomas de transtornos mentais. Segundo Povedano, Hendry, Ramos e Varela (2011), a percepção do clima familiar positivo, o qual fomenta coesão e apoio, por exemplo, favorece dinâmicas de comunicação aberta e empática, o que potencializa o desenvolvimento dos recursos pessoais do adolescente, como a autoestima. Além disso, essa percepção pode mitigar os riscos de situações de estresse em outros contextos, se constituindo como um fator de proteção ao desenvolvimento. Outro estudo, realizado por Sbicigo e Dell'Aglio (2012), indicou que a coesão e apoio familiar estão relacionados ao ajustamento psicológico dos adolescentes, contribuindo para autoestima e autoeficácia. Esses resultados são importantes, pois baixa autoestima e autoeficácia têm sido relacionadas com sintomas de transtornos mentais, como a depressão, ansiedade e estresse (Argimon, Terroso, Barbosa & Lopes, 2013; Ribeiro, Medeiros, Coutinho & Carolino, 2012).

A coesão familiar foi negativamente associada à violência intrafamiliar, sugerindo que a ausência de diálogo e vínculo entre os membros pode desencadear situações de violência. Por outro lado, essa associação demonstra que um contexto familiar no qual os problemas são resolvidos na base da violência e agressividade poderá romper laços afetivos e de confiança entre os membros tão importantes para um desenvolvimento saudável (Herrenkhol, Kosterman, Hawkins & Mason, 2009; Patias, Siqueira & Dias, 2013).

Os resultados da regressão linear demonstraram que a violência intrafamiliar, o conflito e o apoio foram variáveis que se associaram para explicar os sintomas de transtornos mentais. Observou-se que a violência intrafamiliar e o conflito podem explicar a maior presença de sintomas de transtornos mentais, conforme também observado em estudos anteriores (Hernández & Díaz, 2013; Jenkin, Turner & Wang, 2009). Por outro lado, o apoio da família na adolescência pode exercer um papel de proteção, atenuando os riscos e afetando de maneira positiva a saúde mental dos adolescentes.

 

Considerações Finais

Os resultados deste estudo sugerem a importância de características positivas na família que podem mitigar o aparecimento de sintomas de transtornos mentais em adolescentes, especialmente um clima familiar com presença de apoio e menores níveis de conflito e violência. Nesse sentido, enfatiza-se a importância de intervenções com familiares para a promoção da saúde mental em adolescentes, com o objetivo de refletir a respeito de possíveis problemáticas e dificuldades que podem se manifestar nesse período, bem como das práticas educativas e formas de funcionamento da família ao longo do desenvolvimento dos filhos. Esse tipo de intervenção torna-se necessário porque a família vem passando por uma série de modificações, tanto na sua configuração como nas funções que exerce com os filhos, podendo se constituir tanto num fator de proteção como de risco. Assim, as famílias podem ser ajudadas em momentos de vulnerabilidade, de forma que suas potencialidades possam ser valorizadas e que possam exercer seu papel protetivo, contribuindo para o bem-estar de seus filhos.

Dentre as limitações deste estudo, devem ser consideradas aquelas advindas do fato de que somente adolescentes cujos pais assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido participaram do estudo. Essa exigência ética pode ter levado a vieses na amostra (Sbicigo, Tronco & Dell'Aglio, 2013), por exemplo, a não inclusão daqueles adolescentes cujas famílias têm altos índices de violência, ou ausência de diálogo, união e apoio entre os membros. Ainda, é importante mencionar o fato de que, neste estudo, a avaliação da violência intrafamiliar foi realizada a partir de apenas cinco itens. Dessa forma, sugere-se que em novos estudos possam ser utilizados instrumentos que avaliem de forma mais completa as diferentes formas de violência intrafamiliar, assim como sua intensidade e frequência. Além disso, os participantes deste estudo eram adolescentes que viviam com suas famílias e que pertenciam a classes sociais mais baixas, visto que a amostra foi formada por estudantes de escolas públicas da cidade de Porto Alegre. Portanto, não se pode generalizar os resultados para todos os adolescentes. Novos estudos comparando adolescentes de escolas particulares e públicas seriam necessários, a fim de observar se recursos materiais e oportunidades diferentes de vida, por exemplo, apresentariam impacto sobre as variáveis analisadas.

Embora se considere que a família tem importante papel na vida dos filhos, cabe ressaltar que neste estudo foram considerados apenas alguns dos aspectos familiares que podem estar relacionados à etiologia dos sintomas de transtornos mentais em adolescentes. Além dos fatores familiares, devem ser ainda considerados, por exemplo, aspectos genéticos, cognitivos, sociais e culturais. Dessa forma, essas variáveis podem ser investigadas de forma mais ampla em futuros estudos. Por fim, sugere-se que estudos longitudinais possam ser realizados, verificando a forma como fatores de risco e proteção interferem na saúde mental de adolescentes e interagem ao longo do desenvolvimento.

 

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Recebido em 31/01/2017
Aprovado em 11/05/2017

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