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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versão On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.12 no.1 Belo Horizonte jan./jun. 2019
https://doi.org/10.36298/gerais2019120109
ARTIGOS
Estudos brasileiros em intervenção com indivíduos com transtorno do espectro autista: revisão sistemática
Brazilian studies in intervention with individuals with autism spectrum disorder (ASD): systematic review
Thais De Souza MascottiI; Milena de Lima BarbosaII; Larissa de Oliveira MozelaIII; Érico Bruno Viana CamposIV
IUniversidade Estadual Paulista (Unesp), Bauru, Brasil. E-mail: thaismascotti@gmail.com
IIUniversidade Estadual Paulista (Unesp), Bauru, Brasil. E-mail: barbosamilena43@gmail.com
IIIUniversidade Estadual Paulista (Unesp), Bauru, Brasil. E-mail: mzl.lara@gmail.com
IVUniversidade Estadual Paulista (Unesp), Bauru, Brasil. E-mail: ebcampos@fc.unesp.br
RESUMO
Revisões sobre programas de intervenção com indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são necessárias para o conhecimento do que vem sendo ensinado e divulgado no contexto científico, para que futuras pesquisas possam replicar e estender o que já existe na literatura, como também para possibilitar o estudo de procedimentos que incidam sobre novos comportamentos alvos de ensino. O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão sistemática de artigos brasileiros de intervenções com indivíduos com TEA. Para tanto, foi pesquisado em três bases de dados, Lilacs, IndexPsi e SciELO, as palavras-chave "autismo", "Transtorno do Espectro Autista", "transtorno global do desenvolvimento", "ensino" e "intervenção". Foram encontrados quatro artigos de caráter experimental que visaram ao ensino de comportamento verbal, com poucos participantes, predominantemente do sexo masculino, com idade entre cinco e 11 anos, mostrando que há necessidade de mais pesquisas no Brasil que visem à realização de intervenções com essa população.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Ensino. Intervenção. Revisão sistemática de literatura.
ABSTRACT
Reviews addressing intervention programs dealing with individuals with Autism Spectrum Disorders (ASD) are necessary to provide knowledge about what have been taught and published in the academic context, providing guidance for future researches to replicate and extend what already is usual in literature, as well as to support investigations about procedures concerning new teaching targets behaviors. The objective of the present work was to conduct a systematic literature review about Brazilian papers addressing interventions with individuals suffering ASD. For this purpose, three databases were employed: LILACS, IndexPsi e Scielo, using the following keywords: "autism", "autism spectrum disorders", "pervasive development disorders", "teaching", and "intervention". As a result, four papers were found, covering the verbal behavior teaching experimentally, conducted with few subjects, predominantly of male gender, aged between five and eleven years, indicating the need for more efforts in this field of research in Brazil, devoted to interventions with this population.
Keywords: Autism Spectrum Disorders. Teaching. Intervention. Systematic literature review.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), como um transtorno do desenvolvimento, caracteriza-se pela manifestação precoce de deficit significativos na comunicação e interação social em conjunto com a manifestação de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesse e atividades (DSM-V, 2013). Essas características, se presentes antes dos três anos de idade, comumente impedem a ampliação do repertório comportamental, prejudicando a aquisição de habilidades fundamentais (Napolitano, Smith & Mcadam, 2010), sendo necessário um planejamento com condições de ensino sistemáticas para o estabelecimento desses repertórios deficitários (Greer & Ross, 2008).
Os programas de intervenção voltados ao TEA são diversos e consideram uma multiplicidade de fatores para sua elaboração, como a idade, os comportamentos alvos da intervenção e as estratégias a serem utilizadas (Barreto, Magalhães, Gonçalves & Andrade, 2013). A importância das intervenções tem sido reiterada como forma de aperfeiçoar o atendimento dessa população e seus familiares, de forma a impactar no desenvolvimento subsequente (Schmidt, Kubaski, Bertazzo & Ferreira, 2015).
Nas políticas públicas nacionais, o governo instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (Brasil, 2012b), em que as pessoas com TEA são consideradas como pessoas com deficiência para os efeitos legais e têm garantia de atendimento especializado. As políticas de prevenção e intervenção para crianças em situações de risco e vulnerabilidade, como no caso das que apresentam alterações na interação e na comunicação, são preconizadas nas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) como essenciais (Brasil, 2015).
O eixo de atendimento de qualquer trabalho terapêutico estabelecido para atenção e reabilitação para o autismo devem ser a ampliação de suas possibilidades comunicativas e a inserção social, com objetivo de estimular a autonomia desses indivíduos (Brasil, 2015). Ainda segundo as diretrizes do SUS, não há uma única abordagem a ser utilizada no atendimento dessa população e a escolha dos métodos a serem utilizados devem ser considerados entre equipe, atendido e família, recomendando que a escolha entre as abordagens considere sua efetividade e esteja de acordo com a singularidade de cada caso (Brasil, 2014, 2015). Embora se reconheça a necessidade das intervenções precoces pelos resultados positivos que alcançam, é reforçada também a importância do atendimento ao adulto e idoso com TEA, considerando que as dificuldades desses indivíduos ultrapassam os anos de infância e juventude (Brasil, 2014).
Entre as tecnologias de cuidado citadas para o atendimento na rede de atenção psicossocial do SUS como comprovadamente eficazes nos casos de TEA estão a Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis - ABA), que tem sido amplamente utilizada para o planejamento de intervenções e, na área de comunicação, o Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (Picture Exchange Communication System - Pecs), que foi desenvolvido especificamente para pessoas com TEA e transtornos correlatos (Brasil, 2015).
A Análise do Comportamento, em específico a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), tem sido a abordagem mais frequentemente descrita na literatura como intervenção para pessoas com TEA (Camargo & Rispoli, 2013). Os programas nela baseados buscam identificar detalhadamente os fatores ambientais e como eles interferem nos comportamentos do indivíduo, além dos fatores que provavelmente resultarão na sua repetição. Tais informações são essenciais para o delineamento e acompanhamento dos processos de intervenção. Os programas englobam habilidades verbais, de comunicação, cognitivas, acadêmicas e dificuldades de comportamento. A formação específica e consistente dos terapeutas e a participação dos pais compõem a ABA (Fernandes, & Amato, 2013). Seguindo os princípios dessa abordagem, o trabalho realizado de forma individualizada, intensiva, duradoura, precoce, sistematizada e altamente estruturada, baseando-se em práticas sustentadas por evidências empíricas, é recorrentemente reconhecido como eficaz (Lovaas, 1987; Howard, Stanisla, Green & Parkman, 2014).
A Análise do Comportamento Aplicada no TEA visa o ensino de comportamentos deficitários e redução de excessos comportamentais, identificando repertórios que precisam ser estabelecidos ou ampliados, de forma que adquiram uma função mais adaptativa, sejam generalizáveis para outros ambientes e que se mantenham por um longo período de tempo. O estabelecimento de repertório comportamental, ainda que rudimentar, seria importante para o indivíduo por permitir e melhorar a sua independência e qualidade de vida (Camargo & Rispoli, 2013).
Nesse contexto, são variadas as revisões de literatura que verificam a produção científica no Brasil sobre TEA e as que abordam diretamente o tema de intervenção para essa população. As revisões que investigam a produção científica brasileira sobre TEA abordam questões sobre diagnóstico, educação, família, genética e uso de fármacos. As revisões sobre diagnóstico reúnem pesquisas sobre construção, tradução, aplicação ou validação de instrumentos para rastrear sinais de TEA (Seize & Borsas, 2017), propriedades psicométricas de instrumentos internacionais para avaliação na população brasileira (Backes, Mônego, Bosa & Bandeira, 2014), deficit sensoriais (Caminha, & Lampreia, 2012), deficit de imitação (Timo, Maia & Ribeiro, 2001), avaliação motora (Catelli, D'Anteno & Assis, 2016), avaliação neuropsicológica de funções executivas (Czermainki, Bosa & Salles, 2013) e métodos e protocolos de diagnóstico com aplicabilidade na fonoaudiologia (Gonçalves & Pedruzzi, 2013).
Na educação foram realizadas revisões sobre o processo de escolarização formal e as dimensões curriculares voltadas para aluno com TEA e inclusão escolar (Neves, Antonelli, Silva & Capellini, 2014; Cabral & Marin, 2017). Na família, encontram-se revisões para identificar principais temáticas relacionadas à dinâmica familiar e TEA (Hamer, Manente & Capellini, 2014), impactos psicossociais e estresse (Favero & Santos, 2005) e estudos que abordam fenótipo ampliado de TEA, avaliando as características comportamentais de pais de crianças com esse diagnóstico (Cruz, Camargos-Junior & Rocha, 2013). Por fim, há revisões que abordam as questões genéticas ligadas ao TEA (Grupta & State, 2006) e o tratamento farmacológico com risperidona (Soares, Shiozawa, Trevizol, Paula, Lowenthal & Cordeiro, 2016).
Em relação às revisões sobre as intervenções no TEA, há o enfoque em diferentes comportamentos e públicos alvos, como intervenções comportamentais direcionadas ao treinamento de pais (Andrade, Ohno, Magalhães & Barreto, 2016); treinamento em habilidades sociais direcionadas a crianças e adolescentes com Asperger (Barreto et al., 2013); práticas interventivas de leitura em educandos com TEA (Nunes & Walter, 2016); programas de intervenção motora que reúne estudos sobre diferentes atividades físicas (Lourenço, Esteves, Corredeira & Seabra, 2015); intervenções com o Pecs (Mizael & Aielo, 2013); e revisões na área de fonoaudiologia sobre propostas de intervenção, descrevendo e comparando modelos e estratégias aplicadas ao autismo (Gonçalves & Castro, 2013).
Considerando a Análise do Comportamento, há revisões sobre propostas de intervenção baseadas na ABA (Fernandes & Amato, 2013); sobre o ensino da atenção conjunta (Bacelar & Souza, 2014); revisões que abordam o ensino de operantes verbais (Guerra & Almeida-Verdu, 2016); e sobre o ensino de relações arbitrárias fundamentados no modelo de equivalência de estímulos (Gomes, Varella & Souza, 2010).
Dada a importância da programação do ensino em programas de intervenção em indivíduos com TEA, revisões sistemáticas sobre programas de intervenção com essa população são necessárias para o conhecimento do que vem sendo ensinado e divulgado no contexto científico brasileiro, para que novas pesquisas sejam realizadas visando tanto a replicação e extensão do que já existe na literatura como também para possibilitar o estudo de procedimentos que incidam sobre novos comportamentos alvos de ensino. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão sistemática de artigos brasileiros de intervenções realizadas exclusivamente com indivíduos diagnosticados com TEA.
Método
A revisão foi feita sistematicamente. A revisão é sistemática quando realizada de modo abrangente, imparcial e passível de reprodução, visando responder a uma questão específica de um problema de pesquisa, localizando, avaliando e sintetizando o conjunto de evidências dos estudos científicos (Brasil, 2012).
Dessa maneira, a presente revisão foi organizada seguindo a recomendação Prisma (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), com elaboração de um fluxograma em quatro etapas que estão descritas a seguir e ilustradas na Figura 1. A recomendação Prisma consiste em um checklist com 27 itens e um fluxograma de quatro etapas, permitindo tanto melhorar o relato das revisões sistemáticas e meta-análises como auxiliar na crítica de revisões sistemáticas publicadas (Galvão & Pansani, 2015).
Etapa 1 - a busca pelos artigos foi realizada na BVS PSI (Lilacs, Scielo e IndexPsi), com os seguintes descritores: (autismo OR transtorno do espectro autista OR transtorno global do desenvolvimento) AND (ensino OR intervenção), que deveria estar presente no corpo do texto, sem restrição de ano. A busca foi feita em maio de 2017.
Etapa 2 - foi feita a leitura dos títulos para verificar sobreposição dos estudos entre os levantamentos das três bases de dados e para exclusão dos artigos anteriores a 2012.
Etapa 3 - em seguida, foi realizada a leitura dos títulos e dos resumos para verificar se os estudos se enquadravam no escopo de análise. Os critérios de exclusão foram: trabalhos que não estivessem em forma de artigo; trabalhos de revisão e teóricos; estudos que não visavam ao ensino de algum repertório para participantes com TEA ou que eram apenas de avaliação ou de aplicação de instrumentos; estudos que não envolviam exclusivamente indivíduos com TEA ou que não descreviam critérios diagnósticos; e artigos que visavam ensinar os pais/cuidadores/professores/ou outros profissionais. Foram incluídos artigos de intervenção que tinham como objetivo ensinar algum repertório comportamental exclusivamente para sujeitos diagnosticados com TEA.
Etapa 4 - por fim, foi realizada a leitura na íntegra dos artigos selecionados para posterior categorização e análise quanto ao número, idade e sexo dos participantes, repertórios ensinados e delineamento. Critérios de exclusão: estudos que, ao serem lidos na íntegra, não estavam nos critérios de inclusão.
Resultados
Os artigos selecionados para a realização da leitura na íntegra, segundo a quarta etapa, estão expostos no Quadro 1. Tais estudos serão descritos no âmbito dos objetivos, delineamento e principais resultados encontrados.
O estudo realizado por Costa e Souza (2015) comparou dois procedimentos para o ensino de linguagem receptiva para três crianças do sexo masculino (10, 7 e 5 anos) diagnosticadas com TEA. Os procedimentos comparados foram: treino de Discriminação Simples-Condicional (DSC) e treino de Discriminação Condicional (DC). Foram feitas alterações no treino de DSC tradicional a fim de adaptá-lo para evitar erros derivados de controle inadequado de estímulos (controle por posição ou persistência comportamental).
Inicialmente, foram feitas sessões de Linha de Base para selecionar os estímulos a serem usados com cada participante. Eram apresentadas três relações palavra-figura, seis vezes cada, de forma randomizada. Os pares nome-figura aos quais o participante respondia com no máximo de 50% de acerto eram selecionados para o treino. Nessas sessões não havia consequências diferenciais para acertos e erros (Costa & Souza, 2015).
Em seguida, as sessões de treino eram realizadas duas vezes por dia (uma de DSC e outra de DC), três vezes por semana com intervalo de cinco minutos entre elas. Respostas corretas eram consequenciadas com elogios e apresentação de um videoclipe ou fichas a serem trocadas por figuras autocolantes. Para respostas incorretas, era apresentada uma tela vermelha durante dois segundos e depois se apresentava uma nova tentativa. O treino de DSC foi dividido em três fases. Na Fase 1, a sessão tinha seis blocos de três tentativas (dois blocos para cada relação palavra-figura). Na Fase 2, havia nove blocos de duas tentativas (três blocos por relação). Na Fase 3, as 18 tentativas (seis de cada relação) foram apresentadas de forma randomizada. O critério de aprendizagem em cada fase foi de pelo menos cinco respostas corretas em cada relação em uma sessão. Já o treino DC foi equivalente à Fase 3 do treino DSC, porém com outras três relações de estímulo (Costa & Souza, 2015).
Foi realizado um pós-treino aproximadamente um mês após a conclusão dos treinos, a fim de avaliar a manutenção do desempenho dos participantes. O teste foi idêntico a uma sessão de DC, porém sem consequências diferenciais para acertos e erros. Os resultados demonstraram que o treino DC se mostrou mais eficiente para o estabelecimento da linguagem receptiva, mas o treino DSC foi mais efetivo para a manutenção do repertório ensinado (Costa & Souza, 2015).
Santos e Souza (2016) compararam a utilização de estímulos bi e tridimensionais em um procedimento de instrução com múltiplos exemplares (ICME) no ensino de nomeação (integração dos repertórios de falante e ouvinte) em quatro crianças diagnosticadas com TEA (10, 7, 5 e 6 anos), com atraso no desenvolvimento verbal. Avaliando também a efetividade da ICME na instalação de nomeação; se uma modalidade de estímulo (bi ou tridimensional) seria mais adequada para estabelecer esse repertório; se haveria diferenças na instalação de nomeação entre as modalidades de estímulos; e se teria transferência de aprendizagem de nomeação entre essas modalidades.
Os estímulos experimentais foram compostos por conjuntos de três formas geométricas não representacionais e suas fotos, bem como três tipos de bonecos e dinossauros. O número de conjuntos utilizados variou para cada participante em função do desempenho na fase experimental. Os estímulos consequentes foram selecionados com base na indicação dos cuidadores e profissionais que já trabalhavam com a criança e foi realizado um teste de preferência entre estímulos (utilizando comestíveis e brinquedos) antes de cada sessão experimental. Consequências na forma de elogios e aprovação também foram utilizadas (Santos & Souza, 2016).
O procedimento de ensino foi dividido em quatro fases e as sessões ocorreram pelo menos três vezes na semana, sendo no máximo duas sessões por dia (uma com estímulos 2D e outra com estímulos 3D) com intervalo de cinco minutos entre as sessões. Na Fase 1, houve duas etapas na avaliação do desempenho de linha de base do repertório de nomeação: a) discriminação condicional por identidade (DCI) + tato; e b) discriminação condicional auditiva visual (DCAV) e de tato. Prosseguia para a próxima fase quem não passasse em pelo menos uma das modalidades, nos testes dos dois repertórios ou no de tato. A Fase 2 visou ao ensino de DCI + tato e DCAV com novos estímulos por ICME. Os participantes que atingiram o critério na fase 2 eram novamente expostos à fase 1, com os mesmos estímulos, para verificar a emergência de nomeação (Fase 3). Por fim, na Fase 4, para os que demonstraram emergência de nomeação na fase 3, foi replicada a fase 1, com novo conjunto de estímulos (Santos & Souza, 2016).
Todos os participantes alcançaram o critério de aprendizagem nos treinos de DCI + tato em uma ou duas sessões em todas as fases do experimento. No entanto, a emergência de nomeação foi verificada apenas em dois participantes. Quanto à comparação de estímulos, apenas para os estímulos 2D foi verificado o repertório de nomeação. Os estímulos 3D não tiveram confirmação na fase 4, apenas o componente ouvinte da nomeação foi verificado para ambos participantes. O estudo sugere ainda que estímulos convencionais (brinquedos) apresentem melhor resultado para o aprendizado em comparação com estímulos não convencionais - formas geométricas (Santos & Souza, 2016).
Oliveira e Jesus (2016) propuseram delimitar algumas das condições contextuais sob as quais o protocolo de comunicação Pecs se apresentava efetivo para ensinar a habilidade de emitir mandos por crianças com TEA. Foram analisadas algumas variáveis na aplicação das três primeiras fases do protocolo com os participantes em dois contextos distintos: uma instituição de educação especial e as respectivas residências das crianças. Participaram do estudo quatro crianças com autismo, com idade entre seis e 12 anos, duas meninas e dois meninos.
Foram utilizadas figuras coloridas nos procedimentos de avaliação e ensino, adaptadas para facilitar o reconhecimento pelas crianças. As figuras eram impressas em papel sulfite comum e plastificadas, representando estímulos avaliados como itens reforçadores e estímulos neutros. Os itens eram coerentes com a rotina da sala de aula, tais como: brinquedos; materiais escolares; utensílios domésticos e alimentos. As sessões foram realizadas na escola das crianças, em salas de atendimento individual, duas ou três vezes por semana, com aproximadamente 15 minutos cada, na presença de três terapeutas que se dividiam entre filmagem e interação com o participante. Em cada encontro, era realizado um bloco de ensino que continha entre cinco e 20 tentativas. O critério para completar cada fase era a realização de 80% de acerto das tentativas por três sessões consecutivas (Oliveira & Jesus, 2016).
Na linha de base, foram realizadas três sessões, nas quais o participante, durante realização de atividade de sua rotina, tinha um objeto de seu interesse presente em seu campo de visão, fora de seu alcance, e uma figura do objeto à sua disposição. Caso a criança pegasse a figura e a entregasse ao experimentador, recebia o item solicitado. Em seguida, cada participante passou por uma avaliação de preferência de reforçadores, investigados previamente com os pais (Oliveira & Jesus, 2016).
O ensino consistiu no treino das três primeiras fases do Pecs com níveis crescentes de complexidade do comportamento-alvo e fornecimento de três tipos de ajuda (total, parcial ou gestual), de acordo com a necessidade do participante: a Fase 1 ensinou o comportamento de trocar a figura, composto pelas respostas de pegar a figura sobre a mesa, estender o braço em direção ao terapeuta e colocar a figura na mão dele. O item mais reforçador estava disponível, mas fora do alcance, e a figura do item era colocada à mesa, entre a criança e o item; a Fase 2 ensinou espontaneidade e consistiu em cada criança dirigir-se ao tablado, pegar a figura e entregar na mão do adulto; a Fase 3 ensinou discriminação entre estímulos diversos, em que a criança deveria escolher a figura de um item em meio a outra distratora. Nessa fase, houve algumas mudanças em relação ao procedimento original, quais sejam: a) aumento gradativo de estímulos neutros e reforçadores a fim de disponibilizar vários estímulos simultaneamente, b) diminuição do tamanho das figuras e c) retirada de todos os tipos de ajuda. Foi realizada também uma extensão da Fase 3, denominada Fase 3+, com adaptação e extensão para o ambiente natural para que as crianças emitissem mandos por itens necessários para completar uma cadeia de comportamento em atividades escolares (Oliveira & Jesus, 2016).
Três participantes adquiriram as habilidades requeridas nas três fases iniciais do Pecs e uma não finalizou o procedimento de ensino de comunicação alternativa por apresentar comportamentos repetitivos que eram concorrentes e incompatíveis aos solicitados. Os resultados do estudo permitem considerar que o Pecs foi um procedimento eficiente para o ensino de comunicação funcional, em especial para o ensino de mandos, porém o repertório de entrada do participante é variável que interfere na aquisição e na velocidade de ensino da comunicação. O estudo ainda discute a necessidade de maior identificação e controle de variáveis no ensino do Pecs, além de descrição das especificidades do treino a fim de que seja atestada a sua eficácia para maximizar seu uso na educação (Oliveira & Jesus, 2016).
O estudo de Gomes e De Souza (2016) propôs o ensino direto de nomeação de sílabas simples e de nomeação de figuras, com o intuito de estabelecer leitura combinatória com compreensão. Participaram três meninos com diagnóstico de autismo, não alfabetizados e com repertório inicial de condição para nomeação para figuras e palavras. As sessões experimentais tinham duração aproximada de 50 minutos e eram realizadas uma vez por semana em uma sala com poucos estímulos, utilizando-se de caderno, canetinhas, figuras e palavras impressas.
O ensino de nomeação de palavras impressas (C-D) ocorreu por meio do ensino direto de sílabas simples e regulares, do tipo consoante-vogal. As sílabas foram divididas em seis conjuntos silábicos composto por dois ou três grupos silábicos. O ensino dos grupos silábicos era realizado em três etapas sequenciais, as quais consistiam em tentativas de nomeação de sílabas e de palavras, tentativas de emparelhamento multimodelo por identidade, com palavras impressas, e nomeação oral das figuras selecionadas para os testes do conjunto silábico treinado, com critérios de 100% de acertos para ir para a fase seguinte. Antes do início do ensino de um grupo silábico novo, eram realizadas, por meio do caderno, tentativas de revisão dos grupos silábicos que consistiam na leitura oral das sílabas e das palavras escritas ensinadas anteriormente. Outra estratégia empregada para auxiliar na manutenção das sílabas aprendidas era o uso das sílabas ensinadas anteriormente no ensino de grupos silábicos novos e em todas as atividades de ensino os acertos eram consequenciados com estímulo potencialmente reforçadores para cada um dos participantes (Gomes & De Souza 2016).
Em cada conjunto silábico, antes do ensino das relações C-D (nomeação de palavra impressa), por meio do ensino das sílabas, e B-D (nomeação de figura) nos grupos silábicos, os participantes eram expostos a tentativas de pré-teste com estímulos específicos para cada um dos conjuntos (Gomes & De Souza 2016).
Os resultados mostraram que o procedimento de ensino foi efetivo para promover a aprendizagem de leitura combinatória com compreensão com poucas sessões de ensino (15 a 26) e com baixo número de erros durante o ensino. No entanto, Gomes e De Souza (2016) destacaram que os participantes desse estudo tinham autismo leve/moderado, eram falantes e capazes de nomear pelos menos as vogais antes do início do experimento e que tais resultados não podem ser generalizados para pessoas com autismo grave e não falantes.
Dada a breve exposição sobre os artigos que se enquadravam nos critérios de análise do presente estudo, o Quadro 2 expõe uma síntese das informações sobre o número, idade e sexo dos participantes, além dos repertórios-alvo de ensino.
Todos os estudos têm poucos participantes, três (Costa & Souza, 2015; Gomes & De Souza, 2016) e quatro crianças (Santos & Souza, 2016; Oliveira & Jesus, 2016), com idade entre cinco e 11 anos. Há, predominantemente, participantes do sexo masculino, sendo que apenas um estudo selecionou duas crianças do sexo feminino (Oliveira & Jesus, 2016) e, a análise dos programas de intervenções evidencia que todos os artigos visaram ao ensino de comportamento verbal, com base na Análise do Comportamento.
Em relação às divergências entre os estudos analisados, tem-se a utilização de diferentes procedimentos para o ensino do mesmo repertório, qual seja, o de nomeação. Assim, Santos e Souza (2016) realizaram uma comparação entre a utilização de estímulos bi e tridimensionais em um procedimento de instrução por múltiplos exemplares (ICME) e Gomes e De Souza (2016) verificaram os efeitos de um procedimento de leitura para sílabas e figuras com base no paradigma da equivalência de estímulos.
Discussão
Como os estudos encontrados na presente revisão apresentam poucos participantes e não têm grupos-controle para comparação, os resultados das intervenções expostas apresentam limitações e não podem ser generalizados. Esse dado indica, também, a necessidade de mais estudos brasileiros que visem à intervenção com adultos e adolescentes e formas de intervenção precoce.
Uma justificativa para a predominância de estudos com participantes na referida faixa etária pode ser a maior participação de crianças em escolas especializadas em comparação aos jovens adultos que, seja em função de comorbidades, seja pelos sintomas se apresentarem de forma mais branda, acabam não recebendo o diagnóstico de TEA ou participando de forma mais restrita em algum tipo de intervenção (Seltzer, Krauss, Shattuck, Orsmond, Swe & Lord, 2003), ainda que existam intervenções com adultos na literatura internacional que se mostram efetivas (Bloh, 2008).
O maior número de participantes do sexo masculino pode estar relacionado ao que a literatura afirma sobre a maior quantidade de diagnósticos de TEA em crianças do sexo masculino em relação ao sexo feminino (Lai, Lombardo & Baron-Cohen, 2014).
O fato de os programas de intervenções priorizarem o ensino de comportamento verbal pode ser justificado pela relação do comportamento verbal com outras áreas, como educacional, cognitiva, social e o brincar, sendo que seu prejuízo afetaria diretamente o desenvolvimento destas (Greer & Ross, 2008). Além disso, um dos eixos de atendimento preconizados para intervenção em pessoas com TEA é a ampliação dos repertórios de comunicação (Brasil, 2015). Há a necessidade de que novos estudos analisem procedimentos que incidam sobre outros comportamentos alvos de ensino, além do comportamento verbal.
Outro aspecto importante, comum entre os estudos, é quanto à utilização da abordagem comportamental como base para programação de ensino de comportamento verbal. A Análise do Comportamento, em específico a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), tem sido a abordagem mais frequentemente descrita na literatura como intervenção para pessoas com TEA (Camargo & Rispoli, 2013), o que corresponde às propostas da rede de atenção psicossocial do SUS, que apresenta a ABA e o Pecs como comprovadamente eficazes (Brasil, 2015).
Considerações Finais
O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão sistemática de artigos brasileiros de intervenções realizadas com indivíduos com TEA, visando não restringir a busca em termos de um comportamento específico, mas sim investigar exatamente o que vem sendo alvo de ensino nos artigos brasileiros, de maneira geral, com essa população.
A análise das categorias selecionadas apontou uma linearidade quanto ao que vem sendo produzido na literatura nacional, principalmente quanto ao comportamento verbal como repertório de intervenção e à análise do comportamento aplicada, como referencial teórico; o que também está em conformidade com os procedimentos gerais utilizados em modelos de tratamento preconizados e consolidados em termos de políticas públicas.
Tendo em vista o baixo número de artigos encontrados que se encaixavam nos critérios de inclusão adotados, é necessário que pesquisadores e profissionais se atentem para pessoas com TEA, de todas as faixas etárias, em especial para a programação de ensino, visando a intervenções para pessoas com esse diagnóstico no Brasil. Possivelmente, a escolha das palavras-chave, das bases de dados e os critérios de exclusão adotados pode ter restringido de forma significativa os resultados da pesquisa.
Futuros estudos podem considerar pesquisas excluídas da análise no presente trabalho para averiguar se, por exemplo, em pesquisas com outro formato que não o de artigos, como teses e dissertações, há mais publicações. Não obstante, pesquisas que ampliem as bases de dados também podem contribuir, além de ser interessante considerar uma análise de todos os estudos encontrados em um levantamento sem restrição de ano, acrescentando aqueles que incluíam pais ou cuidadores na intervenção.
Nessa mesma direção, podem ser realizadas pesquisas que incluam a literatura internacional e comparem com o panorama nacional, considerando, também, artigos sobre intervenções realizadas no Brasil, mas que foram publicadas em revistas e base de dados internacionais (Nunes, Araújo, Walter, Soares & Mendonça, 2016; Bagaiolo, Mari, Bordini, Ribeiro, Martone, Caetano, Brunoni, Brentani & Paula, 2017) e que não foram incluídos na revisão de literatura proposta por este trabalho por uma limitação ao considerar trabalhos encontrados apenas nas três bases de dados nacionais escolhidas.
Referências
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Recebido em: 13/7/2017
Aprovado em: 17/4/2018