13 1 
Home Page  


Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

     

https://doi.org/10.36298/gerais2020130101 

ARTIGOS

 

Individualização em Gêmeos: uma Revisão Integrativa

 

Individualization in Twins: an Integrative Literature Review

 

 

Beatriz Cristina GalloI; Maria Elizabeth Barreto Tavares dos ReisII; Silvia Nogueira CordeiroIII

IUniversidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil. E-mail: gallobeatriz@gmail.com
IIUniversidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil. E-mail: bethtavaresreis@gmail.com
IIIUniversidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil. E-mail: silvianc2000@gmail.com

 

 


RESUMO

O processo de individualização em gêmeos se mostra mais complexo se comparado com filhos singulares, envolvendo maiores questões em relação à separação entre o bebê e a mãe, também entre os próprios cogêmeos. Devido ao aumento de nascimentos de gêmeos, o assunto é atual, porém ainda são poucos os estudos na área. O trabalho teve por objetivo investigar a produção científica brasileira sobre o processo de individualização em gêmeos na atualidade. Para isso, realizou-se uma revisão bibliográfica integrativa em bases de dados online, de artigos e teses referentes à temática. Foram selecionados e analisados 14 trabalhos científicos que atenderam aos critérios de inclusão. Verificou-se dificuldade em estudar o processo de individualização em gêmeos devido a algumas de suas particularidades, como a genética e ambiente de criação compartilhados, intensificando, consequentemente, as ideações e práticas culturais sobre o desenvolvimento gemelar. Assim, entende-se a necessidade de estudos mais aprofundados.

Palavras-chave: Gêmeos. Individualização. Relações paternas. Relações fraternas. Revisão bibliográfica.


ABSTRACT

The process of individualization of twins appears to be more complex when compared with individual children, involving major issues regarding the separation between the baby and the mother and also among the twins themselves. Because of the increase in births of twins, this is a current subject, although there are still few studies in the area. This study aimed to investigate the Brazilian scientific production about the individualization process in twins today. For this, an integrative literature review of online databases was conducted, including papers and theses concerning the subject. A total of 14 scientific studies that met the inclusion criteria were selected and analyzed. While studying the process of individualization of twins, some challenges appeared, mainly due to particularities like shared genetics and raising environment, which consequently intensify the ideation and cultural practices related to the growth of twins. Thus, further studies are considered necessary.

Keywords: Twins. Individualization. Parental relationships. Fraternal relationships. Literature review.


 

 

Introdução

O índice de nascimentos de gêmeos no Brasil tem aumentado, sendo que em 2005 nasceram 46.303 bebês provenientes de partos duplos, representando 1,61% do total de nascidos vivos, e em 2015 foram 58.837 (1,99%) (Sistema IBGE de Recuperação Automática, 2016), fato que tem contribuído para incrementar as pesquisas sobre as peculiaridades do desenvolvimento físico e emocional dos gêmeos no país (Ferreira et al., 2016; Segal, 2016; Reis, 2015).

A formação da identidade e da singularização dos indivíduos é um processo complexo influenciado por aspectos biológicos, ambientais e vivências pessoais(Machado, 1980). A concepção de individualização em gêmeos é questionada, dando a ideia de que passam pelas mesmas experiências e percepções, porém, cada um tem experiências e impressões particulares(Machado, 1980). Os gêmeos passam por dificuldades semelhantes aos demais indivíduos em relação à identificação do "eu" e do "outro" em seu desenvolvimento (Zazzo, 1986).

Os pais de gêmeos podem se sentir desafiados criando duas crianças que demandam atenção em dobro(Machado, 1980), entretanto alguns cuidados simples, como utilizar roupas diferentes nos filhos, nomes com sonoridades distintas, são medidas que auxiliam os bebês a começarem a se identificar como dois e não um "pacote" de indivíduos(Malmstrom & Poland, 2004).

Salienta-se a importância de os pais identificarem as diferenças e singularidades de cada cogêmeo, respeitando suas características pessoais. A mãe deve proporcionar tratamento diferenciado aos bebês, pois cada um tem uma demanda própria(Scalco & Donelli, 2014). É importante também que a mãe os ajude a identificar e nomear emoções, contribuindo igualmente para a formação de suas identidades e na diferenciação de um em relação ao outro, aprimorando seus relacionamentos(Winnicott, 1982; Reis, 2015).

O processo de individualização dos gêmeos vai além do ambiente familiar, implicando também a escola e a sociedade como um todo onde, da mesma forma que qualquer outro indivíduo, possam se constituir a partir de suas características e relacionamentos(Vieira & Branco, 2010).

Em estudo realizado recentemente (Reis, Nogueira & Simon, 2018), considerando o diagnóstico adaptativo por meio da Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (Edao) e o processo de individualização em gêmeos, verificou-se que os próprios gêmeos solicitavam mais cuidados quanto ao processo de individualização ao sugerir que os cuidadores deveriam "tratar os cogêmeos como pessoas diferentes e procurar perceber as características individuais de cada cogêmeo" (Reis, Nogueira & Simon, 2018, p. 154), denotando assim a necessidade de cada gêmeo separar-se do seu cogêmeo e também de ser reconhecido de forma individualizada pelos seus cuidadores desde o início da vida. O estudo também evidencia que, mesmo passando pelas mesmas situações, vivenciando juntos determinadas circunstâncias, os irmãos gêmeos têm entendimentos diferentes do ocorrido, demonstrando que cada um tem sua própria percepção.

Tais fatos parecem chamar a atenção para a necessidade de verificar de que forma os estudiosos têm considerado o processo de individualização em gêmeos, assim decidiu-se elaborar o presente estudo com o objetivo de investigar a produção científica brasileira sobre o processo de individualização em gêmeos na atualidade.

 

Método

A pesquisa foi realizada por meio de uma Revisão de Literatura Integrativa, que, segundo Mendes, Silveira e Galvão (2008), envolve a tomada de estudos que contribuam para a construção de uma prática clínica, reunindo o conteúdo de determinado assunto e, inclusive, possibilitando que novas pesquisas sejam realizadas para alcançar pontos que ainda não puderam ser abordados em iniciativas anteriores.

A revisão de literatura integrativa tem seis passos: a escolha do tema e a identificação da pergunta que norteará a pesquisa; delimitar critérios que farão parte da escolha/exclusão de material a ser utilizado na revisão, amostras, literatura ou estudos; identificar, no material já selecionado, quais pontos serão abordados e categorizados para estudo; identificar e avaliar o material encontrado; interpretar o conteúdo encontrado em pesquisa a partir de sua pergunta inicial e, finalmente, apresentar e detalhar o conteúdo da pesquisa em forma de resultados (Mendes, Silveira & Galvão, 2018).

Realizou-se a busca de artigos online nas bases de dados SciELO, Pepsic e Lilacs com os termos: gêmeos, nascimentos múltiplos e múltiplos. Também foram utilizadas combinações do termo "gêmeos" com um dos seguintes: Psicologia, Psicanálise, individualidade, individuação, individualização, psicopatologia, temperamento, Psiquiatria e Medicina. Devido ao escasso material encontrado, fez-se necessário abranger a busca para as teses nas bases Biblioteca Digital USP; Repositório ISPA - Instituto Universitário Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida; Repositório Institucional - Universidade de Brasília UnB; Repositório aberto U. Porto, Instituto Universitário de Lisboa Repositório (ISCTE IUL); Repositório Institucional Unesp e, inclusive, Google Acadêmico.

Convém ressaltar que no presente estudo foram priorizadas as publicações brasileiras, visando atingir o objetivo proposto. Tendo em vista a importância dos aspectos afetivos e emocionais implicados no processo de individualização e individuação, optou-se por abordar a temática também pelo viés da Psicanálise.

O critério de inclusão foi constituído por artigos, livros e teses que referissem aos aspectos emocionais, individualização e individuação em gêmeos, sem restrição de datas de publicação.

Primeiramente realizou-se a leitura dos resumos dos artigos encontrados para verificar se atendiam ao critério de inclusão. Caso houvesse alguma dúvida, havia a leitura do texto completo. Posteriormente os artigos, teses e livros selecionados foram lidos por inteiro. Em seguida houve a análise e categorização dos assuntos encontrados relativos ao tema do presente estudo. Finalmente, apresentou-se a análise qualitativa dos resultados obtidos.

 

Resultados

Por meio da busca de artigos com a palavra "gêmeos", foi encontrado grande número de textos não relacionados ao critério de inclusão, temas como horóscopo, questões apenas biológicas, malformações congênitas, entre outros. Assim, a busca foi ampliada com a utilização das palavras "múltiplos" e "gemelares". Foram encontrados 4.164 trabalhos (723 artigos e 3.441 teses), sendo selecionados apenas 10 artigos e cinco teses.

A seguir foram utilizadas as combinações da palavra "gêmeos" com as palavras "Psicologia", "Psicanálise", "individualidade", "individualização", "individuação", "psicopatologia", "temperamento", "Psiquiatria", "Medicina" e a combinação "nascimentos múltiplos". Foram encontrados 1.202 trabalhos, 75 artigos e 1.127 teses, sendo selecionados apenas 12 artigos e 15 teses.

No total foram selecionados 43 textos que contemplavam os critérios de inclusão, sendo que 27 destes se repetiram, logo foram utilizados 14 textos (Quadro 1).

Os conteúdos dos textos selecionados foram agrupados em cinco categorias de análise: aspectos socioculturais; práticas educativas na família; práticas educativas na escola; relação mãe-filhos e relacionamento entre os cogêmeos.

 

Discussão

Aspectos socioculturais

Autores como Viotto (1993), Ito e Guzzo (2002), Barbetta, Panhoca e Zanolli (2008), Teixeira (2014) e Vieira (2011) mencionam que a maioria dos estudos com gêmeos abordam a influência genética e cultural no comportamento, sendo que os gêmeos univitelinos, especialmente, permitem a comparação de análises dos fatores biológicos e sociais, considerando terem a mesma herança biológica.

Embora os autores Vieira e Branco (2010), Teixeira (2014) e Vieira (2011)ressaltem pesquisas publicadas sobre influência genética no comportamento e a relação de âmbitos socioculturais na formação da personalidade do indivíduo, outros como Viotto (1993) e Teixeira (2014) apontam as dificuldades em verificar quais fatores ambientais poderiam contribuir para as semelhanças ou diferenças entre os cogêmeos, uma vez que geralmente são criados na mesma família.

As relações estabelecidas pelos gêmeos ao longo da vida, entre si e com as outras pessoas do seu convívio, influenciam diretamente nas respostas de cada um em relação às situações vividas, contribuindo para o desenvolvimento da individualidade de cada cogêmeo (Barbetta et al., 2008; Tavares, 2007). Ainda, com monozigóticos, algumas práticas sociais parecem acompanhar a ideia do nascimento gemelar (Barbetta et al., 2008): usar roupas iguais, nomes parecidos, tratar as duas crianças como se fossem uma só - práticas que, quando presentes no meio familiar e social, apenas dificultam o processo da individualização.

A família é o primeiro núcleo social da criança, inserida em uma comunidade sob influência de várias atividades, principalmente da mídia(Vieira & Branco, 2010). Concepções, crenças e valores são transmitidos por uma cultura complexa e diversificada, produzindo conhecimentos ou incertezas que ditam os padrões de educação e estilo de vida de crianças e adultos (Valsiner apud Vieira & Branco, 2010).

Muitas vezes, a gemelaridade é vista na família como a chegada de "dois" bebês iguais considerados como se fossem apenas "um", sendo seu processo de individuação desconsiderado(Teixeira, 2014). Por outro lado, apesar de haver vários impactos negativos no desenvolvimento da identidade das crianças gêmeas, sugere-se que a relação próxima com o irmão gêmeo é uma possibilidade da construção de si mesmo "como indivíduo a partir e não apesar de a relação fraterna gemelar" (Teixeira, 2014, p. 169).

Os trabalhos relativos às questões socioculturais encontrados indicaram a influência dos aspectos culturais na maneira como os gêmeos são percebidos, contribuindo significativamente para a individualização de cada cogêmeo. Percebe-se a preocupação com a forma de os gêmeos serem percebidos e identificados pelas famílias como tema recorrente, demandando ainda estudos aprofundados a respeito.

Práticas educativas na família

A relação familiar é um dos aspectos fundamentais no desenvolvimento de um indivíduo, sendo o estudo das interações pais-gêmeos extremamente importante. A gemelaridade ainda é um assunto com vários mitos, agindo sobre os próprios gêmeos e os pais, que se sentem muito angustiados não sabendo como agir (Vieira & Branco, 2010; David, Azevedo, Russi, Berthoud & Oliveira, 2000; Lucion & Escosteguy, 2011; Vieira, 2011).

Malmstrom (apud David et al., 2000) apontou a importância da diferenciação dos gêmeos pelos pais entre os 18 meses e três anos de idade, facilitando o desenvolvimento das características individuais. Algumas práticas como vestir as crianças iguais, dar nomes parecidos, tratá-las como uma só, torna provável o surgimento de dificuldades psicológicas. Os pais devem ter uma postura diferente, com cuidado diferenciado com cada filho, respeitando suas individualidades e temperamentos, estabelecendo, assim, um apego saudável. Indica-se ainda que é eficaz utilizar vestimentas diferentes, brinquedos diferentes, que cada filho seja chamado pelo próprio nome, e que cante parabéns duas vezes no aniversário deles, possibilitando uma separação entre os dois e auxiliando no processo de individualização de ambos sem violar o contato íntimo que os gêmeos têm um com o outro (David et al., 2000).

Outro fato para o qual os pais devem se atentar é a competição, comum entre os cogêmeos. Desde o início de suas vidas eles têm alguém para competir, principalmente pela atenção dos pais, a qual ocorre em forma de tríade: entre ambos os gemelares e a mãe/pai(Limpo, 2014). Pesquisas encontradas apontaram que a gravidez gemelar desperta na mãe fantasias primitivas sobre um produto fragmentado, ou seja, em vez de ser visto como um resultado único, é dividido e fragmentado (Candeias, 2013). Essa "divisão complementar" poderia ser uma das defesas e as idealizações ou pontos rejeitados pelos pais seriam projetados em um dos gêmeos. Pode haver uma diferenciação exagerada, quando os gêmeos são encarados como opostos radicais um do outro, indicando aceitação ou rejeição de um deles(Candeias, 2013).

A visão dos pais sobre a gemelaridade influencia muito nos cuidados desempenhados para cada filho gêmeo (Vieira & Branco, 2010; Lucion & Escosteguy, 2011). As características mostradas pelos pais de sentido identificatório, como um gesto afetuoso, o modo de falar e tratar os bebês, consistem numa forma de investimento psíquico para os filhos(Lucion & Escosteguy, 2011).

A maneira como os cogêmeos são identificados e cuidados são de extrema importância nos textos analisados e sugerem a necessidade de orientar os pais de gêmeos a respeito.

Práticas educativas na escola

A escola, ambiente de socialização e aprendizagem, contribui para a formação da identidade dos indivíduos. Autores como Vieira e Branco (2010) e David et al. (2000) abordam a separação dos gêmeos na pré-escola, indicando que, quando são mantidos juntos, funcionam melhor acadêmica e socialmente e, quando separados, se tornam mais ansiosos apresentando dificuldades para aprender e socializar com os outros.

Por outra perspectiva, Vieira (2011) aponta a separação dos gêmeos como uma ação saudável, considerando que os irmãos não precisam, necessariamente, viver sempre no mesmo ambiente. Falou-se também sobre a competição entre gêmeos também na escola, sendo muitas vezes comparados como quem é mais inteligente ou mais rápido.

O desenvolvimento cognitivo dos gêmeos foi abordado por Viotto (1993), ressaltando a influência de fatores genéticos e ambientais. No entanto, verifica-se ainda a dificuldade em isolar as variáveis ambientais pertinentes ao estudo (família e escola), sendo necessários estudos mais aprofundados. Mesmo em gêmeos aparentemente idênticos, criados no mesmo ambiente, as estruturas cognitivas podem se desenvolver em ritmos desiguais(Viotto, 1993). A maneira como cada um vivencia situações cotidianas, em função do desenvolvimento cognitivo individual e a forma como percebem as situações, devem interferir nas respectivas diferenças individuais(Viotto, 1993).

Verificou-se que poucos estudos abordam a questão da escolaridade em gêmeos, denotando a necessidade de ampliar esse campo de investigação.

Relação mãe-filhos

A relação mãe-bebê tem fundamental importância no processo de individualização, disponibilizando recursos para o desenvolvimento autônomo do filho. Autores como Vieira e Branco (2010), David et al. (2000), Scalco e Donelli (2014), Lucion e Escosteguy (2011), Passos, Fonseca e Lima (2013), Limpo (2014) e Tavares (2007) trazem perspectivas direcionadas para os cuidados da mãe com os bebês gêmeos, considerando que o processo de individualização deles pode ser mais complexo do que em bebês únicos.

Ao nascer, o bebê precisa de um cuidador que satisfaça suas necessidades e se ofereça como objeto de identificação e estímulo para suas ilusões primárias, sendo investido com afetos, construindo um vínculo primário, base para os outros vínculos que terá quando crescer (Winnicott, 1982; Scalco e Donelli, 2014; Passos et al., 2013; Tavares, 2007). Winnicott (1982) ressalta a importância da mãe, pois ela se torna o ambiente do filho, seu primeiro contato com o mundo externo.

A mãe deve perceber que é uma tarefa difícil cuidar de dois bebês ao mesmo tempo, demandando muito cuidado de sua parte e, por mais que se dedique, os tratamentos nunca serão idênticos, não atendendo totalmente a ambos os bebês (Winnicott, 1982). O contato materno suficientemente bom indica que a mãe deve saber dosar entre os momentos de agrados para o filho e os momentos de frustração, que ajudam no crescimento do bebê, desenvolvendo recursos internos para seu amadurecimento (Winnicott, 1982). No caso de gêmeos, isso se aplica para ambos os indivíduos.

Limpo (2014) questiona se a atenção da mãe demandada pelos filhos gêmeos demonstra uma situação triangular entre eles,tendo a mãe uma ligação com cada bebê, e se o processo de individualização dos gêmeos ocorre de forma diferente, considerando a ocorrência de uma separação dupla: entre mãe e bebê e entre os cogêmeos.

A compreensão do relacionamento entre os irmãos gêmeos no início da vida é tão importante quanto o relacionamento que ambos têm com a mãe (Tavares, 2007). Foi demonstrado que a presença do outro gêmeo é capaz de satisfazer algumas necessidades do irmão, como ampará-lo quando ele tem sentimentos de separação em relação à mãe (Candeias, 2013). Porém, conclui-se que a mãe ainda é tomada como figura provedora de conforto, mesmo sendo a ligação entre os irmãos muito forte.

Relacionamento entre os cogêmeos

E como ocorre, então, a separação entre os gêmeos? Aspectos sobre esse ponto foram estudados por Marquez (2006), Teixeira (2014), Limpo (2014) e Reis (2015), considerando o estabelecimento das relações objetais entre gêmeos e a maior complexidade da separação entre eles. Convém ressaltar que foram poucos os autores encontrados trabalhando tal temática.

Desde o início a gestação gemelar é diferente, uma vez que os bebês compartilham espaço no útero da mãe e espaço no psiquismo dos pais. Em contrapontocom a ideia trazida anteriormente, Marquez (2006), Candeias (2013) e Reis (2015) apontam que a figura materna pode ser substituída pela fraterna, preenchendo a falta. O gêmeo desloca para o irmão a mãe fálica, sendo assim, cada irmão seria o eu ideal do outro, o próprio eu, e substituiria a mãe ideal da díade pré-edípica, quando ocorre a identificação primária (Marquez, 2006).

As identificações projetivas e introjetivas vivenciadas nas relações entre os cogêmeos, podem contribuir para a confusão nas identidades(Reis, 2015). Em alguns momentos, o irmão é capaz de satisfazer algumas das necessidades do outro irmão, porém, a mãe ainda é o objeto de completude de ambos os sujeitos, o que pode ser observado principalmente, no momento da alimentação, quando a rivalidade e a raiva direcionada ao cogêmeo é sinalizada: irmãos começam a ver a divisão entre eles (Marquez, 2006; Reis, 2015). Percebe-se que são comuns as vivências de relações triangulares entre os cogêmeos e a mãe(Reis, 2015).

Da mesma forma que os gêmeos monozigóticos e os dizigóticos compartilham os ambientes nos quais são criados, determinando uma história compartilhada e parecida, é possível que cada um reconheça suas semelhanças, diferenças e características individuais(Teixeira, 2014). Assim, quando um indivíduo se sente pertencente a um sistema coeso, como a família, consegue progressivamente se diferenciar e buscar sua individualidade, tomando escolhas e consolidando autonomia próprias.

Percebe-se que os estudos das relações entre os cogêmeos e as suas implicações no desenvolvimento da individualidade ainda é restrito e demanda novas investigações, tais como a pesquisa realizada e publicada recentemente no Brasil (Reis, Cordeiro & Simon, 2018).

 

Considerações finais

O processo de individualização em gêmeos é complexo e merece atenção de estudiosos na área. É possível perceber que a formação de todo indivíduo sofre influência de fatores genéticos, culturais e do ambiente em que vive, sendo aqui ressaltadas a família e a escola. Com gêmeos tais fatores não são diferentes. Porém, encontra-se certa dificuldade em estudar o processo de individualização em gêmeos devido a algumas de suas particularidades, como a genética e o ambiente de criação compartilhados, intensificando, consequentemente, as ideações e práticas culturais sob o desenvolvimento gemelar.

Estudos mais aprofundados nessa área são pertinentes, tendo em vista a orientação aos pais e educadores, visando à prevenção de problemas na saúde mental dos gêmeos.

 

Referências

Barbetta, N. L., Panhoca, I., & Zanolli, M. L. (2008). Gêmeos monozigóticos - revelações do discurso familiar. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13(3), 267-271. Doi: 10.1590/S1516-80342008000300011.         [ Links ]

Candeias, M. F. C. (2013). A Representação materna da ligação mãe-filho na gemelaridade. Tese de mestrado, ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa.         [ Links ]

David, L. D., Azevedo, E. C., Russi, E. M. S., Berthoud, C. M. E., & Oliveira, A. L. (2000). Tríade de contato íntimo: apego entre mãe e filhos gêmeos. Revista biociência, 6(1), 57-63. Recuperado em 12 julho, 2016, de http://periodicos.unitau.br/ojs-2.2/index.php/biociencias/article/view/29.         [ Links ]

Ferreira, P. H., Oliveira, V. C., Junqueira, D. R., Cisneros, L. C., Ferreira, L. C., Murphy, K., Ordoñana, J. R., Hopper, J. L., & Teixeira-Salmela, L. F. (2016). The brazilian twin registry. Twin Research and Human Genetics, 19(6), 687-691. Doi: 10.1017/thg.2016.83.         [ Links ]

Gomes, I. S., & Caminha, I. O. (2014). Guia para estudos de revisão sistemática. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS, 20(1), 395-411.         [ Links ]

Ito, P. C. P., & Guzzo, R. S. L. (2002). Temperamento: características e determinação genética. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15(2), 425-436. Doi: 10.1590/S0102-79722002000200019.         [ Links ]

Limpo, V. V. C. G. (2014). Os processos de autonomização identitária dos irmãos gémeos: Trajetos na família, na escola e no grupo de pares. Tese de mestrado, ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa.         [ Links ]

Lucion, M. K., & Escosteguy, N. (2011). Relação mãe-cuidadores de gemelares no primeiro ano após o nascimento. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 21(2), 307-318.         [ Links ]

Machado, D. V. M. (1980). Meus filhos gêmeos. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Malmstrom, P. M., & Poland, J. (2004). Criando filhos gêmeos: as alegrias e os desafios de educar filhos gêmeos e outros múltiplos. São Paulo: M. Books.         [ Links ]

Marquez, I. S. M. A. B. (2006). Gêmeos: semelhança revelada. Pulsional: Revista de Psicanálise, 19(185), 26-34.         [ Links ]

Mendes, K. D. S., Silveira, R. C. de C. P., & Galvão, C. M. (2008). Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm., 17(4), 758-64.         [ Links ]

Passos, M. C., Fonseca, C. M. S. M. S., & Lima, A. O. (2013). O desafio de se tornar mãe de múltiplos bebês: reflexões sobre o processo de singularização dos filhos. Aletheia, 40, 146-158.         [ Links ]

Reis, M. E. B. T., Cordeiro, S. N., & Simon, R. (2018). Diagnóstico adaptativo e individualização em gêmeos: estudo exploratório. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(1), 142-156.         [ Links ]

Reis, M. E. B. T. (2015). Bebês gêmeos: relacionamento afetivo e cuidados parentais. Curitiba: Juruá Editora.         [ Links ]

Scalco, M. O., & Donelli, T. M. S. (2014). Os sintomas psicofuncionais e a relação mãe-bebês gêmeos aos nove meses de idade. Temas em Psicologia, 22(1), 55-65.         [ Links ]

Segal, N. L. (2016). Brazilian Twin Registry: A Bright Future for Twin Studies/Twin Research: Twin Study of Alcohol Consumption and Mortality; Oxygen Uptake in Adolescent Twins/In the News: Superfecundated Twins In Vietnam; Adolescent Twin Relations; Twin and Triplet Co-Workers; A Special Twin Ultrasound; Monozygotic Twins With Different Skin Color; Identical Twin Returns from Space. Twin Research and Human Genetics, 19(3), 292-296. Doi: 10.1017/thg.2016.31.         [ Links ]

Sistema IBGE de recuperação automática. SIDRA. (2016). Estatísticas do Registro Civil [tabela]. Recuperado de http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=2612&z=t&o=27.         [ Links ]

Tavares, M. E. B. P. (2007). Situações triangulares em gêmeos durante o primeiro ano de vida: conjecturas sobre o complexo de Édipo. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Teixeira, R. B. D. (2014). Famílias com gêmeos: um estudo sobre o relacionamento fraterno e a dinâmica das relações familiares. Tese de mestrado, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", São Paulo.         [ Links ]

Vieira, A. O. M., & Branco, A. U. (2010). Cultura, crenças e práticas de socialização de gêmeos monozigóticos. Psicologia em revista, 16(3), 575-593.         [ Links ]

Vieira, A. O. M. (2011). Idênticos e diferentes: crenças, práticas e interações na socialização de crianças gêmeas. Tese de doutorado, Universidade de Brasília, Brasília.         [ Links ]

Viotto, M. E. B. T. (1993). Gêmeos. Psicologia: Ciência e Profissão, 13(1-4), 34-38. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98931993000100007.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1982). A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: Editora LTC.         [ Links ]

Zazzo, R. (1986). Les Jumeaux: le couple et la persone. Paris: Presses Universitaires de France.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 9/12/2016
Aprovado em: 19/12/2018

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License