Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
ISSN 1983-8220
https://doi.org/10.36298/gerais202215e17445
ARTIGOS
Análise das teorias da personalidade e da psicoterapia de Carl Rogers
Analysis of Carl Rogers' personality and psychotherapy theories
Paulo Coelho Castelo Branco
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. E-mail: pauloccbranco@gmail.com. (orcid.org/0000-0003-4071-3411)
RESUMO
Este artigo objetiva analisar as teorias rogerianas da personalidade e da psicoterapia. Inicialmente, problematiza que elas são a base da terapia centrada no cliente e estão contidas em obras de Carl Rogers sem circulação corrente no Brasil, gerando um acesso disperso dessas ideias. Em seguida, sintetiza 19 proposições sobre a estruturação, desestruturação e reestruturação da personalidade. Além disso, aprofunda seis condições entendidas por Rogers como necessárias e suficientes para mudança de personalidade, articulando-as com as mencionadas proposições. Finalmente, discute que, na abordagem centrada na pessoa, a personalidade deixa de ser o foco das intervenções clínicas, e tais condições continuam necessárias, porém nem sempre suficientes, apontando outras condições que poderiam suplementar a relação terapêutica. Conclui que o legado de Rogers vai além das atitudes facilitadoras e recomenda revisões de outras teorias.
Palavras-chave: Carl Rogers; personalidade; psicoterapia; Teoria da Personalidade; Terapia Centrada no Cliente.
ABSTRACT
This article aims to analyze the personality and psychotherapy Rogerian theories. Initially, it problematizes that they are the basis of client-centered therapy and are contained in works of Carl Rogers without current circulation in Brazil, generating a scattered access to these ideas. Then, it synthesizes nineteen propositions about the structuring, destructuring, and restructuring of personality. Furthermore, it deepens six conditions understood by Rogers as necessary and sufficient for personality change, articulating them with the mentioned propositions. Finally, it discusses that in the person-centered approach: the personality ceases to be the clinical interventions focus; and these conditions are still necessary, but not always sufficient, pointing other conditions that could supplement the therapeutic relationship. It concludes that Rogers' legacy goes beyond facilitating attitudes and recommends revisions of other theories.
Keywords: Carl Rogers; Personality; Psychotherapy; Personality Theory; Client Centered Therapy.
Carl Rogers foi um psicólogo estadunidense pioneiro em estudos e intervenções clínicas sobre a personalidade. Durante a edificação da terapia centrada no cliente, ele estabeleceu a personalidade como seu objeto de estudo central (Rogers, 1951/1992, 1947/2008a, 1957/2008b, 1959/1977; Rogers & Dymond, 1954). Ressalta-se que tal eleição ocorreu em função de um movimento psicológico e político, pós-segunda guerra mundial, para incluir o ofício da psicoterapia, então restrito a médicos de formação psicanalítica, ao domínio da Psicologia Clínica (Castelo-Branco, Vieira, Cirino & Moreira, 2016; Vieira, Pinheiro, Moreira & Guerra, 2018).
Nesse sentido, a American Psychological Association (APA) fomentou que esse movimento fosse desenvolvido em ambientes universitários, mediante pesquisas que comprovassem essa possibilidade. No campo da Psicologia Clínica, salienta-se que a personalidade era entendida como um processo psicológico básico passível e possível de ser avaliado (Allport, 1955/1966), havendo, pois, uma tradição de estudos empíricos sobre esse objeto psicológico que excedia as teorizações psicodinâmico-psicanalíticas (J. Feist, G. Feist & Roberts, 2013/2015).
Nesse cenário, no período de 1940-1944, após uma experiência bem-sucedida em organizar uma proposta de aconselhamento psicológico não diretivo na Universidade de Ohio, Rogers foi contratado pela Universidade de Chicago, onde atuou de 1945 a 1957, com o desígnio de desenvolver estudos e intervenções sobre o que ele lançou como uma possibilidade de psicoterapia exercida por psicólogos, a partir do discurso científico de sua época (Kirschenbaum, 2007). Rogers (1942/2005) hipotetizou que um serviço de aconselhamento psicológico bem conduzido produzia, praticamente, o mesmo efeito de uma relação psicoterapêutica, o que abriu uma possibilidade para incluir a psicoterapia no campo da Psicologia Clínica, diminuindo as fronteiras entre esses dois serviços (Scorsolini-Comin, 2014). A partir disso, Rogers conduziu uma ampla formação e capacitação de psicoterapeutas para desenvolver sua proposta, alcunhada de terapia centrada no cliente, assim como orientou e trabalhou com diversos colaboradores que o ajudaram a elaborar sua teoria e prática.
Com efeito, Rogers (1959/1977) estruturou a terapia centrada no cliente conforme quatro teorias, entendidas por ele como parciais e provisórias ante a necessidade de constantes revisões, comprovações/refutações de hipóteses e possíveis modificações com base em novas descobertas. São elas as teorias da personalidade, da psicoterapia, das relações interpessoais e do funcionamento pleno, também traduzido como funcionamento ótimo.
Conquanto essas teorias estejam didaticamente organizadas e explicadas em obras rogerianas representativas daquele trabalho, como os livros Terapia Centrada no Cliente (1951), Psychotherapy and personality change (1954), Psicoterapia e Relações Humanas Volume 1 (1959) e Volume 2 (1962) e os artigos Algumas observações sobre a organização da personalidade (1947) e As condições necessárias e suficientes para mudança terapêutica da personalidade (1959), observa-se que a recepção e a circulação desses conhecimentos, atualmente, são parciais para o público brasileiro. Segundo Castelo-Branco e Cirino (2017), isso ocorre em razão de que: (1) a obra Terapia Centrada no Cliente e os dois volumes de Psicoterapia e Relações Humanas, que contêm o cerne das teorias rogerianas mencionadas, não estão sendo mais editados há décadas; (2) Psychotherapy and personality change, que apresenta em detalhes todo o programa de pesquisas que ajudou a comprovar a eficiência da terapia centrada no cliente, nunca foi traduzido para o português; (3) os aludidos artigos estão traduzidos como capítulos de um livro, intitulado Abordagem Centrada na Pessoa, organizado por John Wood e outros colaboradores, com uma edição recentemente publicada, em 2020.
A despeito da existência de espaços de compras e vendas de livros usados e das digitalizações virtuais, ainda assim essa herança rogeriana circula de modo restrito no cenário nacional, impossibilitando, por vezes, o acesso direto às teorias da personalidade e da psicoterapia que se propagam de maneira dispersa pelos seus comentadores (Justo, 2001; Gobbi, Missel, Justo & Holanda, 2005; Tambara & Freire, 2007), dos quais alguns acrescentam outras contribuições teóricas, sobretudo fenomenológicas (Moreira, 2009; Castelo-Branco, 2012, Dutra, 2016). Nota-se que, dos livros de Rogers, ainda são editados no Brasil (Castelo-Branco & Cirino, 2017): Psicoterapia e consulta psicológica (1942) antecede a terapia centrada no cliente; Grupos de encontro (1970), Sobre o poder pessoal (1977), A pessoa como centro (1977) e Um jeito de ser (1983) são representativos de trabalhos relacionados à abordagem centrada na pessoa; somente Tornar-se pessoa (1961) compila artigos publicados na década de 1950, relacionados à terapia centrada no cliente, mas apenas expõe a teoria da pessoa em funcionamento pleno e apresenta algumas elaborações decorrentes da teoria das relações interpessoais. Nenhum desses livros, contudo, apresenta minunciosamente as teorias da personalidade e da psicoterapia, como os textos indicados no parágrafo anterior.
Em uma ação contra o esquecimento, este artigo objetiva analisar as teorias da personalidade e da psicoterapia, para trazer à tona os elementos centrais que amparam a clínica de Rogers. Destarte, inicialmente, retoma a noção de personalidade como aporte central da terapia centrada no cliente e sintetiza suas proposições. Em seguida, faz uma releitura das seis condições necessárias e suficientes para mudança da personalidade. Por fim, pondera se essas condições ainda são necessárias e suficientes no plano atual da abordagem centrada na pessoa.
A personalidade como elemento base da terapia centrada no cliente
Rogers havia sido convidado para trabalhar na Universidade de Chicago com o intento de contribuir para a implementação de um centro de aconselhamento psicológico. Percebendo uma oportunidade de trabalho melhor do que Ohio, com mais liberdade e autonomia acadêmica, ele aceitou o convite e se mudou para Chicago, em 1945, alavancando sua carreira e presidindo a APA no ano seguinte (Rogers & Russell, 2002). Em seu discurso de término de mandato, em 1947, Rogers (1947/2008a) postulou a personalidade como elemento central para o entendimento do campo perceptual e do comportamento dos clientes submetidos a sua proposta, de modo que o (des)ajustamento psicológico tem uma relação com a organização do self e a terapia centrada no cliente visa à compreensão da dinâmica da personalidade de quem é atendido.
Após cinco anos de pesquisas e práticas, Rogers (1951/1992) acumulou um corpo considerável de evidências clínicas que foram organizadas segundo o que ele formulou como uma teoria da personalidade e do comportamento, composta por 19 proposições. Em suma, elas estabelecem como a personalidade se estrutura, desestrutura e pode ser reestruturada. Sintetiza-se essa teoria a seguir.
As proposições I a IV versam as relações do organismo com o ambiente. Pressupõe-se que toda pessoa existe em um mundo de experiências em que ela é o centro e que, por isso, todo comportamento é uma reação ao que é percebido e tomado como realidade (Rogers, 1951/1992). Por isso, a experiência é entendida como tudo aquilo que perpassa o organismo e está disponível para ser simbolizado pela consciência (Rogers, 1959/1977). Logo, tudo o que o cliente contata e vivencia como presença de mundo (de si, do outro e das coisas) é sentido e percebido direta e indiretamente por ele. Ao se voltar para isso, a consciência emerge como uma função organísmica de reconhecimento e simbolização (significação em termos de conteúdos) do que é sentido e deparado no ambiente. O que é sentido e significado é organizado conforme um conjunto de impressões, nomeado por Rogers (1951/1992) como campo fenomenológico (ou perceptivo), que oferece uma percepção de realidade. Como uma Gestalt, essas reações a uma realidade vivida e percebida são expressas como comportamento, que seria uma manifestação da experiência, da consciência e do campo fenomenológico no ambiente. Todo comportamento é dirigido para realização de uma meta autorreguladora, entendida em termos de tendência à realização. Esta objetiva reduzir a tensão entre o organismo e o ambiente, podendo ocorrer quatro movimentos em que o organismo busca: (1) entrar em equilíbrio (homeostasia) com o ambiente; (2) reduzir o ambiente e os seus imperativos à sua experiência; (3) se automodificar em decorrência do ambiente, adequando-se a este; (4) sair do ambiente em função de encontrar outro lugar mais realizador. Em todos esses movimentos o organismo luta para se autopreservar, aperfeiçoar-se e crescer.
A partir da quinta proposição, Rogers (1951/1992) entende que desses movimentos emerge o self como uma função autorreguladora do organismo expressa pelo seu comportamento. O psicólogo concebe a personalidade pela noção de self, entendida como a percepção e conceituação de si mesmo, compostas por representações e valores que partem do que foi experienciado, simbolizado pela consciência e organizado pelo campo fenomenológico. Na sexta proposição, alude-se que essa organização afeta o comportamento e seus movimentos em direção à realização de uma meta, acompanhada por emoções que mudam de acordo com o que é experienciado e percebido. Por isso, na sétima proposição, o foco da atenção clínica deve partir do referencial interno do que o cliente sente (experiência), percebe, significa (simboliza pela sua consciência), elabora (pelo seu campo fenomenológico) e reage (pelo comportamento). Esse processo é perpassado por emoções que expressam reações organísmicas diretas do que se passa no cliente e são carregadas de valores (juízos). Entretanto, o referencial interno do cliente somente é possível de ser apreendido pelo terapeuta conforme ocorre uma comunicação entre ambos.
Em especial, na oitava e na nona proposições, Rogers (1951/1992) elabora o que seria a gênese do self. O organismo, a partir de suas demandas internas compostas por suas experiências, simbolizações e comportamentos, contata o ambiente e se depara com demandas que lhe são externas, tais como outras experiências e ditames sociais e culturais dotados de juízos de valores. Das interseções entre as demandas internas e externas do organismo, o self surge como uma percepção total de si, do outro e do mundo, organizando um campo fenomenológico como as coisas são e/ou deveriam-poderiam ser, afetando os juízos de mundo e o comportamento nele. Na décima proposição, Rogers (1951/1992) indica que no self se encontram valores da experiência pessoal que são atribuídos positiva ou negativamente pelos outros, pelo próprio indivíduo e por ambos - podendo, ainda, haver diferenças entre essas percepções e valorações. Logo, esses valores podem ser experienciados diretamente pelo indivíduo ou podem ser introjetados, sem maiores elaborações (simbolizações) pessoais.
Assim, o self afeta a experiência, o comportamento, os movimentos de autorrealização, sendo seletivo em relação ao que o indivíduo simboliza do que vive. Por isso, consoante à proposição XI, as experiências podem ser (Rogers, 1951/1992): (1) simbolizadas conforme o que a pessoa vive e está de acordo com a sua organização de self; (2) ignoradas ou bloqueadas porque não tem uma relação com o referencial interno; (3) deformadas ou distorcidas quando incoerentes com a estrutura de self. Na proposição XII, Rogers (1951/1992) argumenta que a maior parte dos comportamentos é coerente com a estrutura de personalidade. Todavia, as proposições XIII e XIV advertem que quando isso não ocorre e as experiências e os comportamentos não são adequadamente simbolizados, contrariando a estrutura organizada de self, segundo os itens 2 e 3 da proposição XI, ocorre uma desestruturação da personalidade, entendida em termos de desajustamento psicológico. Essa desorganização é vivida como uma tensão em que a pessoa pode estar consciente ou não dos seus fatores, dado que isso é vivenciado como uma ameaça ao self e aos seus valores constituídos.
Por isso, o ajustamento psicológico, de acordo com a proposição XV, ocorre quando tudo o que é elaborado no self do cliente é sentido e simbolizado a partir de sua experiência, organizando uma relação coerente consigo mesmo. Segundo a proposição XVI, o que não é vivido como coerente ao self é percebido ou subpercebido como uma ameaça, gerando rigidez perceptual, comportamentos defensivos e falta de abertura para novas experiências (Rogers, 1951/1992). Aqui reside a gênese de tensões que podem ser vividas como problemas situacionais/pontuais, desajustes/desadaptações e, quando crônicos e intensificados, podem incorrer em sintomas e transtornos mentais. Observa-se, pois, que o self é seletivo e funciona de modo a incluir experiências aceitas, rejeitar ou distorcer experiências ameaçadoras e ignorar experiências que não estão de acordo com sua organização.
Para proporcionar uma superação desses desajustamentos psicológicos, Rogers (1951/1992) postula, na proposição XVII, que sob certas condições não ameaçadoras ao self do cliente, suas experiências e simbolizações incoerentes podem ser contatadas, percebidas e (re)examinadas de modo a entender o que as compõe e emerge delas. A partir disso, pela proposição XVIII, o cliente pode expandir suas experiências, percepções, simbolizações e campo fenomenológico, modificando a sua personalidade e alterando o seu comportamento. Dessa feita, na proposição XIX, o cliente é capaz de estabelecer novas relações consigo, com os outros e com o mundo, verificando os seus valores atuais, de onde eles procedem (de si e/ou do outro) e como eles afetam a sua experiência. Eis um processo contínuo de apreciação organísmica.
Com efeito, as proposições: I a IX expressam o que seria a base de uma teoria rogeriana do desenvolvimento humano, a partir das relações do organismo com o ambiente e de como delas emerge e funciona o self; X a XIV indicam o que seria a base de uma teoria rogeriana dos problemas de ajustamento psicológico e do que poderia ocasionar psicopatologias; XV a XVII aludem a uma teoria da psicoterapia; XVIII aponta para uma teoria das relações interpessoais; XIX acena para uma teoria da pessoa em funcionamento pleno. Os conteúdos dissertados suscintamente nessas proposições são, portanto, elementos do olhar, da escuta e da relação clínica centrada no cliente. Por isso, argumenta-se que a teoria da personalidade e do comportamento é a elaboração mais basilar para o desenvolvimento ulterior das outras teorias e conceitos de Rogers (1959/1977). Para possibilitar uma mudança consistente do comportamento no cliente, é preciso adentrar e intervir sobre a sua personalidade, que é uma manifestação da experiência. Em seguida, aprofunda-se a teoria da psicoterapia.
As seis condições necessárias e suficientes para a mudança de personalidade
Após definido o objeto de estudo de sua proposta clínica, Rogers se preocupou com a operacionalização de como acessar a personalidade do cliente, de modo a lhe proporcionar uma mudança terapêutica. Tais elaborações foram decorrentes de uma busca por ordenação do que acontece na relação entre terapeuta e cliente. Rogers (1959/1977) formula que: se são sustentadas e oferecidas certas condições (variáveis independentes) na relação clínica, então decorrerá um processo terapêutico (variável dependente) em que algumas modificações na personalidade e comportamento (variáveis dependentes) do cliente poderão ser geradas. Rogers (1957/2008b) entende que a mudança de personalidade, seja ela superficial ou profunda, implica o movimento em direção a uma maior integração do que acontece consigo, percepção da situação e como ela afeta a experiência, responsabilidade, menos conflito interno, mais gasto de energia para um viver efetivo, diminuição/afastamento de comportamentos considerados imaturos e aumento/aproximação dos amadurecidos.
De acordo com Rogers (1957/2008b, 1959/1977), expõem-se, em seguida, as seis condições estabelecidas como necessárias e suficientes para a mudança da personalidade. Ressalta-se que tais condições remetem, em especial, à proposição XVII da teoria da personalidade, e devem ser sustentadas em um espaço-tempo com o objetivo de mudança terapêutica da personalidade, podendo ser empregadas em qualquer tipo de cliente.
A primeira condição refere-se ao contato psicológico entre terapeuta e cliente. Embora Rogers não aprofunde uma teoria do contato, a exemplo da Gestalt-Terapia, ele entende essa condição como um fator mínimo de percepção em que os envolvidos na relação possam se dar conta da presença do outro. É preciso haver certo contato para que ocorra uma troca de expressões, impressões e afetos, a partir de comunicações verbais e não verbais. Contato abrange, pois, a consciência de si, do outro e da relação.
A segunda condição envolve o cliente e a percepção do seu estado por parte do terapeuta. Trata-se de atentar para a incongruência do cliente (ou seu estado de desacordo interno). Refere-se a uma discrepância entre a experiência direta do que está se passando no organismo, do que está sendo simbolizado-configurado pelo self e do que é expresso como comportamento. Em outras palavras, a incongruência é uma discrepância fundamental entre o que o cliente sente de sua situação (pela experiência), o que ele registra, simboliza e representa dela (pela consciência) e a maneira como ele age e se expressa em relação a isso (pelo comportamento). A incongruência é fonte para muitas tensões, problemas (inter)pessoais e, quando crônica, problemas psicossomáticos, sintomas e doenças mentais.
A incongruência se manifesta como um estado de vulnerabilidade quando o cliente não está consciente do que se passa em sua experiência (está em subcepção). Assim, ele não atenta para o que gera sua incongruência, perdendo a noção do que está acontecendo consigo, não se apropriando de sua experiência, simbolizações e comportamentos, ocorrendo bloqueios e distorções daquilo que não condiz ao seu self, conforme as proposições XI, XIII e XIV da teoria da personalidade. Quando o cliente apresenta certo nível de consciência sobre a sua incongruência, ou a percebe vagamente, entende-se que ela é manifesta como um estado de ansiedade, pois ele é capaz de definir seus objetos/conteúdos. Nos dois estados a incongruência provoca uma tensão que pode ser circunscrita a uma ou mais situações problemas e a percepção (mesmo sem maiores elaborações) de que algo não vai bem e ameaça o cliente (em sua estrutura de self).
A terceira condição abrange o terapeuta e sua percepção sobre si, o cliente e o que emerge da/na relação. Trata-se de uma postura de congruência (ou estado de acordo interno) que o terapeuta deve tentar sustentar durante o encontro clínico e que remete à proposição XV da teoria da personalidade. Nessa atitude, o terapeuta atenta para o que ocorre em sua experiência, consciência, campo fenomenológico e comportamento, esforçando-se para ser uma pessoa mais integrada a si e ao que acontece na relação. Efeitos do estado de congruência podem ser percebidos em manifestações de autenticidade, genuinidade, honestidade e espontaneidade.
Contudo, não é requerido que o terapeuta apresente um estado de perfeição (dentro e fora da relação), basta que ele atente para o que se passa consigo no momento do encontro, identificando o que sente, pensa e faz. Caso o terapeuta perceba alguma discrepância sobre si, sem negá-la, reconhece que ela faz parte de sua experiência (e não do cliente). O simples fato de o terapeuta perceber e se reconhecer incongruente na relação é fator de sustentação de uma congruência. O objetivo dessa condição não é o terapeuta expressar ou falar de suas emoções e seus sentimentos, mas que ele não esteja enganando a si nem ao cliente. Tal expressão, se ocorrer, deve ser útil à relação. Logo, a congruência é uma questão de grau e a falta dela pode prejudicar o processo clínico.
Assim como a condição anterior, a quarta abrange o terapeuta, o que ele percebe de si e do que o afeta durante o encontro com o cliente. Trata-se da consideração positiva incondicional, atitude que remete às proposições XI, XII, XV e XVII da teoria da personalidade.
No cotidiano, as relações interpessoais são constituídas mediante afetos da ordem de simpatia, apatia e antipatia, os quais despertam variados estados emocionais de acordo com o que se manifesta na experiência, a partir do que nela é afetado pelo outro. Se algo que o cliente expressa condiz com a experiência e o self do terapeuta, ou seja, é atestada por ele, incorre um estado de simpatia que incensa vínculos mais proximais com emoções que perpassam alegria e identificação, por exemplo. Entretanto, se aquilo que o cliente expressa não condiz com a experiência e o self do terapeuta, ou seja, é contestada por ele, ocorre um estado de antipatia que provoca vínculos de mais afastamento com emoções que transcorrem, por exemplo, raiva, tristeza e medo. Quando a expressão do cliente não provoca reações de simpatia ou antipatia, decorre um estado de apatia em que se vive certa indiferença sobre o que está se passando.
Esses três estados afetivos tendem a oscilar constantemente e a variar em suas manifestações emocionais, sendo constituídos por juízos de valores. Eis a gênese do que Rogers (1959/1977) nomeou como avaliações condicionais e considerações seletivas sobre o outro, que estão presentes em, praticamente, todas as relações interpessoais. Por isso, o psicólogo entendeu que considerar o cliente positiva e incondicionalmente implica em não o julgar, mas apreciá-lo (ação de não colocar preço-valor) sem impor condições para se relacionar. Ou seja, toda vez em que o terapeuta se perceber simpatizando, antipatizando ou apatizando o cliente, percebem-se e reconhecem-se os juízos que emergem desses afetos como seus (e não do cliente), buscando retirá-los de ação para não afetar a relação. Isso significa um cuidado que o terapeuta tem em relação ao cliente, de não o julgar em sua expressão, mas considerar aquilo que ele sente (experiência), pensa (conscientiza) e faz (comporta-se). Não implica, necessariamente, em aceitar tudo o que o cliente expressa, mas considerar que isso parte dele e de sua experiência. A aceitação decorre da consideração e a questão da positividade implica em reconhecer a experiência e o self do cliente como lócus de verdade e conhecimento válido, maior do que qualquer avaliação (juízo) que se faça dele. Tais juízos expedidos pelo terapeuta, salienta-se, podem ser alvo de uma posterior supervisão.
No esteio das condições de congruência e consideração positiva incondicional, a quinta condição estabelece uma sustentação maior por parte do terapeuta em compreender empaticamente o que se passa no referencial interno do cliente, segundo as suas experiências, consciência, campo fenomenológico, comportamento, self e valores pessoais. Contudo, precisa de certa conscientização do cliente, que este se volte para si e examine o que está se passando em sua experiência. Essa condição pode ser vinculada às proposições VII e XVIII da teoria da personalidade.
Embora Rogers (1957/2008b, 1959/1977) não faça uma distinção entre empatia e compreensão empática, é possível definir o que constitui ambas, de modo a rebuscar em que consiste perceber o referencial interno do cliente "como se" fosse o referencial do terapeuta, nunca desfocando que se trata de um "como se" e que as experiências e percepções são do outro. Em linhas gerais, empatizar o cliente implica contatá-lo, percebendo-o como alguém dotado de experiências, simbolizações, percepções e personalidade. Estes processos também estão presentes no terapeuta e lhe permitem se relacionar com o cliente como uma pessoa que, potencialmente, pode acessar e viver estados semelhantes, mas com sentidos e significados diferentes.
Por exemplo, o terapeuta pode perceber que o cliente está sentindo raiva em relação a algo. O terapeuta sabe o que é sentir raiva, embora ele não a esteja sentindo no momento, mas, sim, o cliente. Isso possibilita um acesso basilar ao que o outro sente, por ser uma vivência comum. Para além disso, é preciso apreender o significado da emoção (raiva) e saber qual é o seu conteúdo (o que o cliente simboliza e representa dela em termos de juízos). Por isso, enquanto a empatia liga o terapeuta ao cliente pela dimensão do sentido, a compreensão empática busca captar o significado do que o cliente sente (experiência), pensa (consciência), faz (comportamento) e de como isso funciona em sua personalidade e seus movimentos de busca por autorrealização.
A compressão empática ocorre, destarte, segundo um processo comunicacional de sentidos e significados entre terapeuta e cliente, o que pode ser descrito do seguinte modo: (1) O terapeuta fomenta uma expressão (verbal e/ou subverbal) do cliente ou este já faz isso na relação. (2) Ao expressar algo de sua experiência e self, o cliente afeta o terapeuta que tenta considerar isso incondicionalmente. (3) Aquilo que foi apreendido e afetou o terapeuta fica retido em sua experiência como uma impressão acerca do cliente. (4) Entretanto, isso não basta para compreendê-lo empaticamente, pois se trata de uma retenção. É preciso elaborar essa impressão e colocá-la de novo na relação, de modo a verificar se tal apreensão foi acurada ou não com aquilo que faz sentido (vivido em termos emocionais) e é significado (em termos de conteúdo) pelo cliente. Ao expressar o que foi captado, o terapeuta pode: devolver uma síntese do sentido/significado do que foi percebido; colocar as suas impressões pessoais; ou apontar elementos que lhe chamaram a atenção no processo clínico. (5) Essa atitude provoca a experiência do cliente, gerando mais contato, apropriação e elaboração do que se passa nele. Caso haja uma confirmação de que a apreensão/impressão foi acurada e se aproxima do referencial interno, ocorre uma compreensão, ou seja, uma apreensão conjunta do sentido e significado da experiência em tela. Se não, o terapeuta busca refazer o processo até chegar a tal aproximação. Eis o fator comunicacional (ação de tornar algo comum) apontado por Rogers (1951/1992).
Ressalta-se que para o autor, ainda assim, toda a compreensão do referencial interno do cliente é sempre parcial, pois somente este pode sentir integralmente tudo o que se passa em sua experiência. Logo, a compreensão empática enfatiza o aqui-agora (o momento presente) do cliente e o que ocorre em sua experiência. Por isso, a ênfase nos estados emocionais do cliente, tal como apontado na proposição VI da teoria da personalidade, pois a emoção expressa a situação mais atual da experiência. Não se controla a emergência das emoções, que são reações a algo que afeta a experiência, mas se pode controlar e manipular suas manifestações no comportamento. A dimensão do sentir é, portanto, a manifestação organísmica mais básica, sendo fonte de conhecimento direto para o que se passa no outro e está sendo adequadamente simbolizado e expresso, ou não (quando há uma incongruência).
A sexta e última condição envolve o cliente em relação ao terapeuta. Ela concerne o repercuto do que o terapeuta estabelece na relação, em termos de consideração positiva incondicional e compreensão empática, segundo a percepção do cliente. Se este perceber, em um grau mínimo, que o terapeuta está se esforçando para sustentar essas atitudes e comunicá-las em algum nível, a condição está firmada. Quando o cliente percebe que está sendo julgado (destituído de sua experiência) e/ou que não estão ocorrendo compreensões (somente retenções que não lhe fazem sentido e não se aproximam do seu referencial interno), ocorre uma deterioração da relação terapêutica, dado que ele não vai confiar plenamente no terapeuta e terá receio de se abrir na relação. Ambos, portanto, ficarão perdidos em relação ao lugar que o outro ocupa na relação. Para Rogers (1957/2008b, 1959/1977), o terapeuta não necessariamente precisa comunicar sempre o seu estado de congruência ou incongruência na relação, mas reconhece que para o fenômeno terapêutico ocorrer de modo mais satisfatório é preciso que essa condição esteja presente junto às outras.
Sobre as necessidades e suficiências das condições para mudança de personalidade no plano da abordagem centrada na pessoa e seus desdobramentos
Decerto as teorias da personalidade e da psicoterapia foram úteis ao reconhecimento e à edificação da proposta de Rogers. Após se aposentar, em 1963, ele se mudou para a Califórnia e se afastou do cenário universitário de pesquisas e intervenções na clínica, focando em uma atuação nos campos educacional e grupal, além de participar de discussões sobre perspectivas de ciências alternativas aos paradigmas positivista e comportamental (Rogers & Russell, 2002; Kirschenbaum, 2007). Nesse novo panorama, a clínica da personalidade deixou de ser a base de construção do conhecimento rogeriano, dado que: na sala de aula, o foco consiste em proporcionar aprendizagens significativas; as práticas terapêuticas grupais, que aconteciam em outros espaços fora da clínica, enfatizam o encontro como ocasião de formação e crescimento (inter)pessoal.
Logo, essas experiências, ocorridas nos anos de 1960 e 1970, culminaram na elaboração de uma abordagem centrada na pessoa (ACP) que transcendia os limites da clínica e da universidade, não mais objetivando a mudança de personalidade (foco da terapia centrada no cliente), porém conservando alguns elementos teóricos daquela época, como, por exemplo, a base experiencial, a tendência à realização e as três atitudes facilitadoras (congruência, consideração positiva incondicional e compreensão empática). Nas atuações educacionais e grupais, se houver alguma mudança de personalidade, trata-se de um efeito secundário das finalidades elucidadas.
Além disso, em uma elaboração teórica sobre a ACP, Rogers (1977/2001) continuou partindo das relações entre o organismo e o ambiente. Entretanto, argumentou que da tensão entre eles, não somente a incongruência emergia, mas também a consciência, como uma função epistêmica para reconhecer o que a gera e incensar um movimento de busca para diminuir tal tensão. Ora, nesse sentido, o self, como uma função organísmica que emerge das interseções (e tensões) entre as demandas internas (organismo) e externas (ambiente), pode ser situado no mesmo argumento. Talvez, por essa razão, acrescida da influência de Eugene Gendlin e da noção de experienciação (Brito & Germano, 2018), Rogers passou a enfatizar mais a experiência organísmica direta, ao invés de se preocupar com questões relacionadas às simbolizações (conteúdos), estruturações, desestruturações e reestruturações do self.
No transcurso desses argumentos, nota-se que a ACP avançou em elementos teóricos concernentes ao que foi elaborado na terapia centrada no cliente e que a personalidade deixou de ser a base da teoria rogeriana. Todavia, outros colaboradores de Rogers, a exemplo de Maria Bowen, continuaram pensando e desenvolvendo uma clínica centrada na pessoa, de modo que o criador da ACP não desatentou dessa atuação, chegando a demonstrar sua abordagem terapêutica individual em diversos workshops. A ACP, portanto, passou a influenciar a clínica, sobretudo por elaborações relacionadas a novas condições como a presença, o silêncio terapêutico, a intuição, a aprendizagem intra e interpessoal, além de reflexões (espirituais e cósmicas) sobre os momentos de movimento, estados alterados do self e a tendência formativa (Santos, Rogers & Bowen, 2004).
Desse modo, a partir do desenvolvimento da ACP, no âmbito clínico, resta indagar se as seis condições elucidadas anteriormente seriam, ainda, necessárias e suficientes. Em consonância com outros pensadores da teoria e prática rogeriana (Watson, 2007; Tudor, 2011), argumenta-se que necessárias, sim, porém nem sempre suficientes, dado que a personalidade da pessoa não precisa ser, prioritariamente, o alvo da intervenção terapêutica; e que o avanço temporal e clínico ocasionou outras elaborações pós-rogerianas que podem suplementar as seis condições dissertadas anteriormente. Aprofunda-se essa intelecção a seguir.
Considerando que existem pessoas que apresentam problemas de contato, o que dificulta o estabelecimento das condições seguintes, por vezes, é preciso utilizar outros recursos terapêuticos para fomentar isso, pela expressão e pelo acesso da experiência alheia. Esse problema acontece, por exemplo, em algumas pessoas diagnosticadas com problemas mais severos, como esquizofrenia, autismo e Asperger. Nestes casos, outras abordagens terapêuticas humanistas que trabalham com técnicas poderiam suplementar essa condição, como a Pré-Terapia (Prout, Van Werde & Pörtner 2002), a Focalização (Gendlin, 2005/2006; Brito & Germano, 2018), a Ludoterapia (Brito & Paiva, 2012) e as terapias expressivas desenvolvidas por Natalie Rogers (1993), filha de Carl Rogers. Além disso, existem diversas técnicas da Gestalt-Terapia (Joyce & Sills, 2014/2016) e da Análise Transacional Centrada na Pessoa (Crema, 1985) que fomentam o contato e a expressão da experiência e possibilitam sua compreensão empática, em níveis verbais e subverbais. Embora Rogers (1957/2008b) não trabalhasse com técnicas e as visse com ressalvas, o emprego delas poderia ser entendido como uma condição terapêutica suplementar.
Seguindo o raciocínio anterior, ponderando que muitos psicólogos brasileiros trabalham em dispositivos de saúde que utilizam a perspectiva psicopatológica para entender e intervir sobre os seus usuários, o recurso diagnóstico pode ser entendido como outra condição suplementar. Isso requer um exercício de conhecer as vertentes tradicionais de psicopatologia expostas nos manuais diagnósticos (CID-10 e DSM-V), as de estipe fenomenológica (Souza, Callou & Moreira, 2013) e as releituras pós-rogerianas de transtornos mentais segundo a teoria centrada na pessoa (Joseph, 2017). Rogers (1959/1977) via com restrição o uso do diagnóstico na relação terapêutica, por se tratar de uma avaliação externa da experiência do cliente. A despeito disso, ele teve de lidar com essa realidade no período em que trabalhou na Universidade de Wisconsin, entre 1957-1963, não obtendo muito sucesso em relação ao emprego da terapia centrada no cliente com pacientes esquizofrênicos, em razão dos seus problemas de contato e da dificuldade de compreendê-los empaticamente (Rogers & Russell, 2002). Contudo, à luz da Fenomenologia e da ACP, o recurso diagnóstico como condição suplementar pode servir como um horizonte hermenêutico para auxiliar a compreensão do campo fenomenológico do cliente e do que estrutura sua experiência, comportamento, personalidade e movimentos de autorrealização. Além disso, serve como pauta para discutir casos clínicos com equipes multiprofissionais que usam a lente diagnóstica. A postura centrada na pessoa permanece no reconhecimento de que antes da doença/diagnóstico existe uma pessoa singular, com uma experiência dotada de verdade e conhecimento.
Na mesma lógica do uso de recursos técnicos e diagnósticos como condições suplementares, indica-se o emprego da avaliação psicológica. Em um momento anterior ao aconselhamento não diretivo, Rogers desenvolveu em seu doutorado um inventário traço-fator de personalidade, disposto no apêndice do livro O tratamento clínico da criança problema, publicado em 1939. Na consolidação da terapia centrada no cliente, sua equipe trabalhou com diversos instrumentos de avaliação da personalidade, como o Teste de Apercepção Temática (Rogers & Dymond, 1954). Assim, o uso de instrumentos de avaliação psicológica não foi algo estranho a Rogers e à terapia centrada no cliente. No entanto, tais instrumentos eram utilizados como recursos de pesquisa e não como condições clínicas. Atualmente, existem instrumentos inspirados e baseados na teoria de Rogers, como, por exemplo, o Inventário Strathclyde, que avalia processos de mudança de personalidade (Freire, 2008). Este poderia ser adaptado à realidade brasileira e utilizado para avaliar movimentos de reestruturação da personalidade. Poder-se-ia desenvolver, também, novas escalas de processo para situar o terapeuta em relação ao movimento experiencial do cliente.
Existem, por fim, outras profícuas reflexões sobre condições/atitudes que podem suplementar aquelas seis consideradas necessárias por Rogers (1957/2008b), porém aqui argumentadas como nem sempre suficientes. Apenas para citar algumas outras possibilidades, além de Rogers, indica-se que o terapeuta centrado na pessoa pode considerar: a questão dos seus valores pessoais no manejo clínico (Araújo & Freire, 2014); as dimensões da ética, alteridade e presença ante o não saber sobre o outro (Vieira, Bezerra, Pinheiro & Castelo-Branco, 2018); os fatores envolvidos na comunicação terapêutica plena (Miranda & Freire, 2012; Amatuzzi, 2016); os tipos de compreensão empática, os quais adentram as esferas mundanas, sociais e culturais que perpassam a experiência do cliente (Moreira, 2009; Castelo-Branco, 2012).
Considerações finais
Revisadas as teorias da personalidade e da psicoterapia, argumentou-se que as seis condições elencadas na terapia centrada no cliente como necessárias e suficientes, à luz da ACP e dos seus avanços, podem não ser suficientes, existindo outras possibilidades a serem consideradas no trabalho psicoterapêutico. No âmbito clínico, a ACP não enfoca um objetivo ou um produto em termos de mudança de personalidade. No entanto, é obvio que esse processo existe e está disponível para ser adentrado e manejado na relação terapêutica. Com efeito, não se pode descartar que o self faz parte da experiência humana e pode ser objeto de estudo e intervenção.
Conclui-se, portanto, que o legado de Rogers vai muito além do aprendizado e da sustentação das populares atitudes facilitadoras (congruência, consideração incondicional e compreensão empática). Como apontamento para futuras discussões, recomendam-se uma revisão e uma análise das teorias das relações interpessoais e do funcionamento pleno, à luz da ACP e dos seus desenvolvimentos pós-rogerianos. Além disso, sugere-se uma revisão sistemática sobre as produções nacionais e internacionais relacionadas às teorias da personalidade e da psicoterapia, com o intuito de realizar uma metassíntese dos avanços desse legado rogeriano.
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Recebido em: 4/1/2019
Aprovado em: 10/4/2020