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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

     

 

RESENHA

 

Assédio moral: a coerção tem muitos graus1

 

 

Nádia KienenI; Sílvio Paulo BotoméII

IDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina Professora do Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. (nadiakienen@gmail.com)
IIDoutor em Psicologia Experimental - USP. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. (botome@cfh.ufsc.br)

 

 

Coerção, uma das principais vilãs das relações entre as pessoas, pode ser detectada e, até mesmo, evitada. Se você quiser aprender a identificar relações coercitivas e a avaliar seus efeitos sobre as pessoas, não pode deixar de ler o livro "Coerção e suas implicações". Apesar de essa obra ter sido publicada no Brasil em 2001 e poder parecer desatualizada, é uma das grandes referências no que diz respeito ao estudo da coerção. O livro vale a pena ser lido devido ao detalhamento que o autor faz de aspectos importantes que constituem os processos comportamentais coercitivos nas mais diversas relações estabelecidas entre as pessoas, inclusive em situações de trabalho e em organizações de qualquer tipo. Inicia com uma discussão acerca das diferenças entre os conceitos de controle e de controle coercitivo. Essa discussão é essencial para entender o papel do controle nas relações que as pessoas estabelecem entre si.

Apesar de muitos confundirem controle com coerção, Sidman traz contribuições à compreensão das diferenças existentes entre controle social e controle coercitivo. Independente da consciência ou do desejo, o que as pessoas fazem controla aspectos do fazer de outrem e vice-versa. O controle social é um fato da natureza. Faz parte do estabelecimento de quaisquer relações das pessoas com os ambientes físicos e sociais nos quais vivem. No entanto, dizer que as pessoas são naturalmente controladas não significa dizer que são coagidas. A coerção é um tipo de controle caracterizado pelo uso de punição ou de ameaças de punição para obrigar alguém a fazer algo. E é disso que Sidman trata: do controle utilizado como meio de coerção para obrigar alguém a fazer algo sob jugo ou ameaça, ainda que essa ameaça ocorra de maneira tão disfarçada a ponto de outras pessoas dificilmente a perceberem como ameaça.

A coerção passou de castigos corporais e ameaças explícitas a violências infligidas em graus muito sutis, quase imperceptíveis a quem não é seu alvo. Controles mais sutis não significam controles menos nocivos. Quem é alvo de coerção, percebe - e muito! - o quanto isso lhe faz sofrer. No entanto, pelo fato de algumas punições ocorrerem de modo disfarçado, elas podem até ser mais nocivas do que aquelas identificadas claramente como coerção. Quando alguém é explicitamente coagido, pode encontrar meios de defesa ou de contra-controle, no sentido de controlar aqueles que lhe controlam. Já quando a identificação do controle é difícil, a possibilidade de contra-controle praticamente inexiste. Violências sutis têm efeitos semelhantes a violências explícitas. Diferem apenas pelo fato de possibilitarem escamoteamento da fonte e da natureza do controle. Produzem sofrimento sem possibilitar percepção clara acerca dos motivos pelos quais esse sofrimento é gerado. Esse tipo de produção de sofrimento, sutil, mas extremamente eficiente, em algumas circunstâncias tem sido denominado assédio moral.

O assédio moral nada mais é do que um tipo de coerção que ocorre de maneira altamente sutil, velada. Nasce como algo inofensivo. "Brincadeiras" que fazem a vítima do assédio se sentir levemente incomodada. Com a multiplicação dos ataques, esses se tornam cada vez mais hostis. "É a repetição dos vexames, das humilhações, sem qualquer esforço no sentido de abrandá-las, que torna o fenômeno destruidor" (Hirigoyen, 2002, p. 66). O assédio moral é praticamente imperceptível às pessoas que não estão diretamente envolvidas na relação coercitiva, o que o torna ainda mais lesivo por fazer a vítima parecer perturbada ou "com mania de perseguição" até mesmo para si própria. A identificação de relações coercitivas dessa natureza é dependente da compreensão dos aspectos envolvidos em processos coercitivos básicos. A falta de entendimento a respeito desses processos dificulta a identificação de relações coercitivas de qualquer natureza. Entender como funciona o assédio moral exige compreender os aspectos básicos envolvidos em relações coercitivas. A obra de Sidman é uma grande contribuição para compreender as bases da literatura sobre o assédio moral.

Os efeitos das relações coercitivas, independentemente de ocorrerem de maneira explícita ou implícita, são os mesmos: muito sofrimento, pouca produtividade e escassa criatividade. O uso de punição e de ameaças comumente funciona como ótimo controlador do comportamento: faz as pessoas fazerem aquilo que lhes é exigido. Entretanto, ao mesmo tempo, produz decorrências inesperadas e contraproducentes aos objetivos daqueles que as controlam. Como resultado, o que os controladores têm são pessoas disciplinadas, apesar de ansiosas, raramente criativas e sem iniciativa própria. Fazem o que lhes é mandado - a muito custo! -, e nada mais do que isso. Afinal de contas, "fazer novas coisas é arriscado, pois pode produzir punição!". O autor ilustra isso, por meio de uma analogia com a área médica, utilizando a expressão "efeitos colaterais" para identificar as principais decorrências do uso de controle coercitivo na sociedade.

Depois de expostos vários sofrimentos decorrentes de relações coercitivas, deixando o leitor desiludido e com uma sensação de desamparo, o autor sugere uma possível saída ao controle coercitivo. Se os comportamentos das pessoas são controlados, independente de sua consciência ou simpatia, talvez a saída seja construir relações que sejam controladas de maneira não-coercitiva. Fazer com que as pessoas trabalhem e que se mantenham trabalhando em função do que produzem possivelmente será mais efetivo do que fazê-las trabalhar a partir da ameaça de perda do emprego. Reconhecimento social, gratificações aos trabalhadores quando iniciam suas atividades no horário certo tendem a fazer com que as pessoas sejam mais saudáveis e mais produtivas do que quando apenas têm chamada sua atenção por um erro cometido ou têm descontos em seus salários ao chegarem atrasados. No entanto, não há "receitas" para planejar relações não-coercitivas entre trabalhadores, estudantes, famílias etc. Existem princípios gerais que, se bem planejados, podem produzir diferenças de desempenho e de condições de saúde das pessoas. Essas diferenças foram claramente demonstradas por Sidman em situações de laboratório especialmente planejadas para estudar as relações coercitivas de um organismo com o meio em que vive.

Explicar a ocorrência de processos coercitivos a partir da integração de dados derivados de pesquisas experimentais feitas em laboratório com ocorrências da vida cotidiana é algo que Sidman fez brilhantemente. Animais infra-humanos sob condições de punição foram alvo de estudos de Sidman para caracterizar as relações coercitivas de organismos com o mundo, bem como para avaliar as implicações dessas relações para as condições de saúde desses organismos. Por meio de procedimentos experimentais bem planejados, demonstrou como essas relações podem ser construídas e que efeitos produzem sobre aqueles nelas envolvidos (incluindo os efeitos sobre quem coage) e sobre o ambiente no qual a coerção ocorre. Os dados encontrados são, há um só tempo, brilhantes e assustadores! Derivação ou generalização desses estudos para a vida cotidiana podem ensinar muita coisa a respeito de como as relações coercitivas são construídas, como elas são mantidas e que efeitos nocivos elas produzem. Quem quiser examinar ou analisar relações coercitivas, não pode deixar de compreender a relação desses dados com a vida cotidiana.

Compreender processos básicos de coerção a partir da leitura de "Coerção e suas implicações" não é tão simples quanto parece. Exige relacionar conceitos da análise experimental do comportamento aos fenômenos comportamentais aos quais eles estão relacionados. Apesar de os conceitos estarem bem definidos e exemplificados, o que demonstra a preocupação do autor com a explicitação desses conceitos às pessoas interessadas em entender mais a respeito de como as relações coercitivas funcionam, eles exigem que o leitor se familiarize com uma linguagem pouco utilizada no cotidiano. Sidman mantém uma linguagem técnica pouco acessível àqueles não familiarizados com as produções científicas em Psicologia, o que exige do leitor esforço adicional e um pouco de persistência ao ler o livro.

O leitor empenhado na tarefa de relacionar os conceitos técnicos com fenômenos aos quais esses conceitos se referem certamente terá muitas surpresas até o final de sua leitura. O aumento de visibilidade a respeito de fenômenos coercitivos é a grande decorrência dessa leitura. São oferecidos subsídios para caracterizar as formas mais comuns de coerção na sociedade, bem como seus efeitos sobre as pessoas que submetem ou que são submetidas a esse tipo de controle. As demonstrações empíricas a partir de experimentos realizados em laboratório e as relações que o autor possibilita estabelecer com os fatos que ocorrem no cotidiano das pessoas são mais uma riqueza dessa obra. E, para aqueles que acreditam em uma sociedade mais justa e mais saudável, o autor sugere alternativas ao controle coercitivo. Parece que não custa nada tentar...

 

Referências

Hirigoyen, M.F. Assédio moral - a violência perversa no cotidiano. (3 ed.) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.         [ Links ]

 

 

1 Resenha do livro de Sidman, M. Coerção e suas implicações. (M.A. Andery, T.M. Sério, Trad.). Campinas (SP): Editora Livro Pleno, 2001. 301 p.

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