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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.10 no.1 Florianópolis jun. 2010

 

ARTIGO

 

Contrato psicológico de trabalho e a produção acadêmica no Brasil

 

Psychological contract at work and academic production in Brazil

 

 

Mino Correia RiosI; Sônia Maria Guedes GondimII

IMestre em Psicologia Organizacional pela UFBA. Professor da UNIFACS e FADBA. mino.rios@gmail.com. lattes http://lattes.cnpq.br/9533905258189964
IIDoutora em Psicologia Social e da Personalidade pela UFRJ. Professora associada do Instituto de Psicologia/NPGA/CIAGS - UFBA. sggondim@ufba.br. lattes http://lattes.cnpq.br/9725833775313298

Endereço para Correspodência

 

 


RESUMO

Reconhecido como um conceito central para a compreensão do campo de estudos do comportamento organizacional, o contrato psicológico de trabalho é um tópico de ampla tradição de pesquisa no cenário internacional, mas ainda pouco estudado no Brasil. O presente artigo discute o conceito de contrato psicológico e comenta a produção acadêmica nacional sob a forma de teses de doutorado, monografias e dissertações disponíveis no portal da CAPES, bibliotecas e nos currículos do CNPq. Os resultados obtidos indicam que a produção em relação aos contratos psicológicos no Brasil é recente, embora a expressão tenha sido cunhada desde a década de 1960. Além disso, as investigações se iniciam com a combinação do contrato psicológico com outros temas correlatos, de maneira que só nos últimos quatro anos o construto aparece como tema principal de pesquisas. O crescimento tem sido evidenciado particularmente entre autores da Administração, acompanhando a tendência internacional de perceber os contratos psicológicos como poderosa ferramenta e suporte às ações de gestão.

Palavras-chave: contratos psicológicos, revisão de literatura, contratos psicológicos no Brasil.


ABSTRACT

Recognized as a central concept for understanding in the field of organizational behavior, the psychological contract at work is a topic of broad research tradition on the international scene, yet little studied in Brazil. This article discusses the concept of the psychological contract, and critiques Brazilian academic production on this theme, focusing on doctoral theses, monographs, and dissertations available from internal sources. The results indicate that production covering psychological contracts in Brazil is recent, although the term was coined as far back as the 1960's. In addition, earlier investigations undertook to combine the psychological contract with other related topics, so that only in the last four years has the construct appeared as a main theme of research. This growth has been particularly evident in the field of Management, so it is assumed that, similar to what is happening in the international arena, psychological contracts will soon be seen as a powerful tool and support for management activity.

Keywords: psychological contracts, scientific production review, psychological contracts in Brazil.


 

 

Reconhecido como um conceito central para a compreensão do campo de estudos do comportamento organizacional o contrato psicológico de trabalho é um tópico de ampla tradição de pesquisa no cenário internacional. Definido como a "relação de trocas implícitas que existe entre um funcionário e a organização" e também como "as crenças relativas aos termos e às condições de um acordo de trocas recíprocas entre um indivíduo e um grupo" (Rousseau, 1995, p. 19), os contratos psicológicos se distinguem dos contratos formais de trabalho e se encontram associados a vários aspectos da vida laboral.

A despeito dessa importância no âmbito internacional, a produção nacional é ainda incipiente (Rios, 2007; Beyda, 2008). Enquanto são encontradas 296.000 ocorrências sobre contratos psicológicos em língua portuguesa a partir de uma busca geral* dos sítios na rede mundial de computadores (Internet), na língua inglesa elas chegam a um milhão (1.880.000) para a expressão psychological contracting e 462.000 para a de psychological contracts.

Ao focar a busca na produção acadêmica nacional as diferenças entre os resultados em língua portuguesa e inglesa são ainda maiores. Na primeira, até o ano de 2006, dos mais de 200 trabalhos identificados, somente 14 eram efetivamente relacionados ao tema, número bem distante dos 198 textos mapeados na revisão internacional (vide Quadro 1).

Resultados semelhantes foram apresentados por Beyda (2008), que afirma:

Pesquisando na base de dados ISI Web of Science encontramos 351 documentos indexados pela palavra-chave psychological contract. Entretanto, observamos haver uma lacuna de pesquisa sobre este tema no Brasil. Observamos que em dois eventos nacionais: o EnANPAD (Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - de 1997 a 2006) e o EnEO (Encontro Nacional de Estudos Organizacionais - de 2000 a 2006), num período em que ocorreram 14 eventos, apenas dois trabalhos foram apresentados abordando este tema. Pesquisamos também na base da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), onde já se encontram cadastrados mais de 20.000 itens, e encontramos apenas 7 documentos indexados pela palavra-chave" contrato psicológico". (Beyda, 2008, p.20)

Diante da discrepância numérica entre a produção nacional e internacional, e a reconhecida importância dos contratos psicológicos na compreensão dos diversos processos organizacionais, torna-se oportuno que o tema seja debatido no cenário nacional. Esse debate, contudo, não pode prescindir de uma discussão do estado atual das investigações sobre contratos psicológicos no Brasil. Com o intuito de suprir em parte essa lacuna, o presente artigo discute o conceito de contrato psicológico e comenta o tipo de produção nacional em relação a esse tema. O foco da análise recai na produção de teses de doutorado, monografias e dissertações.

Essa opção decorre do fato de a produção em relação aos contratos psicológicos estar fortemente concentrada em trabalhos de conclusão de curso na graduação e na pós-graduação, ainda que duas linhas de pesquisa tenham sido encontradas na relação de grupos de pesquisa vinculados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Ministério da Ciência e Tecnologia. Não somente isso, mas os artigos publicados em periódicos estavam relacionados a trabalhos de conclusão, com exceção de dois workpapers que discorriam sobre os contratos psicológicos no âmbito da educação. Proceder a uma discussão a partir de dissertações e teses publicadas permitiria localizar os centros de formação onde o interesse pelo tema se revela promissor para o desenvolvimento futuro da produção de conhecimento na área.

O mapeamento foi feito no banco de teses e dissertações disponível na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), vinculada ao Ministério da Educação, e nos acervos de bibliotecas de Instituições de Ensino Superior. Ademais, consultou-se a produção científica dos principais pesquisadores e orientadores associados ao tema. Nesse caso, a busca se deu, em princípio, pelo mapeamento dos nomes de pesquisadores nacionais que se dedicaram ao tema do contrato psicológico e com base nos nomes de seus respectivos orientadores. A partir daí, a busca foi efetuada na plataforma Lattes (base de dados de currículos de pesquisadores e grupos de pesquisas nacionais).

A maior parte das investigações acontece no âmbito da administração, sinalizando o distanciamento que a psicologia ainda possui desse tema. Como parece ter acontecido no cenário internacional, o trabalho de Denise Rousseau foi responsável pela caracterização e difusão do constructo contrato psicológico. Ao se considerarem os trabalhos apresentados nas três primeiras edições do Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho (CBPOT), enquanto a primeira edição (2004) não trazia trabalho algum sobre os contratos psicológicos, na segunda edição (2006), havia quatro trabalhos sobre o tema. Na edição de 2008, foram duas conferências e quatro modalidades de apresentação relacionadas ao tema. Sem dúvida, esse resultado revela a escassez de pesquisa sobre este tema no Brasil.

Diante da constatação de um quadro nacional ainda muito aquém do cenário internacional, torna-se fundamental situar de onde provêm os poucos trabalhos desenvolvidos no Brasil, visando a avaliar o seu potencial de crescimento.

Este é o objetivo do presente artigo, o de apresentar um panorama geral da produção acadêmica de trabalhos de conclusão de curso a respeito do constructo contrato psicológico, na tentativa de identificar pesquisadores, cursos de formação e programas de pesquisa dedicados ao tema. Não se tem a pretensão de fazer uma análise do conteúdo dessa produção, mas localizar o tema no cenário nacional e avaliar sua capacidade de crescimento. Os resultados serão organizados pela natureza do trabalho de conclusão de curso, tipo de investigação, caracterís-ticas da amostra ou população e aspectos gerais dos estudos. Ao final do artigo, far-se-á uma breve discussão do atual panorama.

Contratos Psicológicos: Breve Retrospectiva Conceitual

Historicamente, o tema contrato psicológico encontra diversas raízes, mas os trabalhos de Argyris (1960) e de Levinson, Price, Munden, Mandl e Solley (1962) são considerados as primeiras referências diretas. Em 1965, Schein faz referência aos contratos psicológicos de trabalho, ressaltando a sua importância para a compreensão e a gestão dos comportamentos na organização (Roehling, 1997). Embora o texto de Schein tenha servido de base para as discussões sobre contratos psicológicos nas duas décadas seguintes (década de 1970 e 1980), houve uma pluralidade de abordagens que enfatizavam diversos aspectos do fenômeno. Nessa fase inicial, eram encontrados textos sobre contratos psicológicos fora da psicologia organizacional (como na clínica, por exemplo). Essa situação se prolongaria durante um longo período, até que, em 1989, Rousseau lançasse seu artigo seminal Psychological and Implied Contracts in Organizations, sendo os trabalhos dessa autora ainda hoje reconhecidos como um marco para a compreensão dos contratos psicológicos e para toda a produção científica subsequente no campo dos estudos organizacionais.

Argyris (1960) considerava o "contrato psicológico" como um acordo não-escrito entre duas partes que se comprometem a respeitar as normas recíprocas, de natureza implícita, o que o diferenciaria dos demais tipos de contratos (Sels, Janssens e Van den Brande, 2004). O contrato psicológico era concebido na esfera das relações entre chefia e subordinado, consistindo nas expectativas mútuas de cada um dos atores para com o outro. Em resumo, a ideia de contrato psicológico surge das expectativas não-declaradas que orientam as relações entre atores sociais no contexto de trabalho. Expectativas que sinalizam tanto deveres quanto concessões feitas por cada um deles.

Levinson e col. (1962, p.21) destacaram o fato de os atores não estarem de todo conscientes das expectativas que sustentam seus contratos psicológicos, embora elas terminem por regular as relações que se estabelecem entre eles. Enquanto as expectativas dos empregados atenderiam às suas necessidades e valores pessoais diversos, sendo hierarquizadas por ordem de importância, as expectativas dos chefes seriam oriundas do ambiente organizacional em que se inserem, estando também sustentadas em valores que se traduzem em políticas e práticas da vida organizacional. É preciso reconhecer, no entanto, a natureza dinâmica das expectativas, que se modificam ao longo do tempo como resultado de mudanças pessoais e organizacionais. Em fases distintas da carreira profissional, as expectativas e valores se mostram diferenciados, do mesmo modo que mudanças na direção, estrutura e processos organizacionais desencadeiam novas expectativas e valores.

Em resumo, não só as pessoas avançam nas suas carreiras e vão alterando suas expectativas acerca do que esperar do trabalho e da organização, como também as organizações sofrem mudanças, quer por constrições externas (econômicas, políticas, ideológicas e mercadológicas), quer por vontade de seus dirigentes, o que desencadeia uma série de consequências para a configuração dos contratos psicológicos.

Em seu livro "Organizational Psychology", Schein (1970, 1982) baseia-se nos trabalhos de Levinson, mas dá ênfase a alguns outros aspectos da estrutura e dos tipos organizacionais que findam por repercutir nos contratos psicológicos. Schein se baseia em Etzioni (1967) para afirmar que o tipo de poder e a forma como ele é exercido estão relacionados a um padrão de envolvimento com a organização. Para Etzioni, há três tipos de poder organizacional: i) o coercitivo, baseado em sanções físicas e psicológicas, como, por exemplo, medo e força, ii) o material, cujo controle está assentado nos recursos econômicos, salários e benefícios, e o iii) o normativo, apoiado em símbolos e normas sociais, tais como o prestígio. O tipo de poder define o modo de ser da organização. As organizações coercitivas privilegiam o controle do comportamento do empregado por meio de prêmios e punições; as que exercem o poder material o fazem por meios utilitários ou remunerativos, como aumentos de salário; e, por último, as normativas, pelo envolvimento moral e a aceitação social. Em outras palavras, o tipo de poder organizacional também exerce um papel importante na configuração do tipo de contrato psicológico a ser estabelecido entre empregadores e empregados.

Apesar de Schein (1965; 1982) deixar subjacente a importância das promessas tácitas e suas relações com a estrutura de poder organizacional, somente a partir dos trabalhos de Rousseau (1989, 1995, 2005) esse componente assumiria um papel central na própria definição e investigação dos contratos psicológicos.

Rousseau (1995) considera a organização como um sistema vivo e dinâmico, cuja configuração depende das múltiplas interações estabelecidas nesse contexto. Ao adotar uma perspectiva cognitivista, essa autora afirma que a estrutura de poder da organização não anula completamente a vontade pessoal, e cada indivíduo age com base em suas crenças e percepções sobre as obrigações mútuas de empregadores e empregados. Assevera ainda que o contrato psicológico é uma construção unilateral do indivíduo que, ao interagir com a organização, acredita desenvolver um tipo de compromisso mútuo: o dever da organização e o dever do empregado, os direitos da organização e os direitos do empregado. Os conflitos se iniciam quando as interpretações sobre o que se espera de ambas as partes nem sempre coincidem. Como postula Rousseau (1995), as pessoas têm limites cognitivos e diferentes quadros de referência e, portanto, há variadas interpretações sobre o cumprimento ou não de promessas acordadas mutuamente.

A despeito de o primeiro estudo de natureza qualitativa a abordar os contratos psicológicos ter sido desenvolvido por Jurek (1968), foram os textos de Rousseau que marcaram a área, ao construir uma trajetória de trabalhos de abordagem quantitativa, sobretudo com a produção de instrumentos de medida psicológica que logo se tornariam amplamente difundidos por meio de traduções e adaptações para outros países e contextos culturais.

Finalmente, os trabalhos de Rousseau serviram de inspiração para estudos posteriores, principalmente sua classificação dos quatro tipos de contratos psicológicos. A proposta toma por base duas dimensões distintas, já presentes na literatura, sobre os contratos psicológicos: expectativas acerca da duração da relação entre empregado e empregador, e o grau de especificidade das obrigações recíprocas entre esses dois atores. Desse enquadre conceitual, contudo, restaram dois tipos de contrato mais amplamente conhecidos: os transacionais (com a metáfora de transação comercial, onde cada parte tem obrigações bastante específicas, numa relação de curta duração) e os relacionais (onde a metáfora é a de um relacionamento com obrigações fluidas, dentro do contexto de uma relação de longa duração ou sem um final definido).

Nesse ponto, o leitor mais familiarizado com a literatura jurídica dos contratos psicológicos argumenta em prol da teoria relacional dos contratos psicológicos de Macneil, que, desde a década de 1960, inclui os conceitos de contratos relacionais e transacionais na literatura. Rousseau, entretanto, aprofunda os conhecimentos sob esta nova ótica dos contratos psicológicos, inclusive integrando conhecimentos de múltiplos campos do saber, que não apenas os estudos em psicologia ou administração.

A forte influência de Rousseau fez com que os estudos subsequentes sobre contratos psicológicos se baseassem em suas contribuições, levando a uma forte concentração da produção em torno não tanto da sua construção, mas da violação e seus efeitos subsequentes. Poucos trabalhos se valem de outros modelos de contratos psicológicos para desenvolver seus estudos (Sels e col., 2004). Alguns autores se dispuseram a discutir o modelo de investigação dos contratos psicológicos, quer em termos de sua estrutura (Shore e Barkesdale, 1998 Janssens, Sels, e Van Den Brande, 2003), quer em termos de sua tipologia (Cavanaugh e Noah, 1999). Nesse último caso, a preocupação recaiu sobre os tipos de contrato psicológico originados da articulação de duas dimensões fundamentais: a duração temporal da relação de trocas e o grau de clareza e especificidade das obrigações recíprocas. As mudanças na dinâmica de trocas entre empresa e empregado, contudo, obrigaram esse grupo de autores a uma revisão dos elementos que caracterizam cada tipo de contrato, embora ele tenha mantido as mesmas dimensões e combinações.

Os autores que se propuseram a discutir a própria estrutura constituinte dos contratos psicológicos (Shore e Barkesdale, 1998 Janssens e col., 2003) procuraram incluir novas dimensões, tais como, i) tangibilidade, grau em que os termos do contrato são percebidos como definidos e sem ambiguidade; ii) escopo, o limite de demarcação entre as relações de trabalho e outros aspectos da vida pessoal; iii) estabilidade, referente à capacidade de se flexibilizar sem implicar renegociação dos termos de contrato, iv) estrutura temporal, relacionada às expectativas de duração da relação entre as partes; v) simetria de trocas, grau em que se percebem as diferenças em relação às trocas estabelecidas como aceitáveis (comparando o modo como alguns trabalhadores de nível hierárquico distinto são tratados em relação a outros); e vi) nível de contrato, indicando a percepção do contrato como regulado individual ou coletivamente.

A redefinição das dimensões que estruturam o contrato psicológico, no entanto, não representa uma ruptura completa com o modelo de Rousseau, o mais utilizado em investigação sobre o tema no cenário internacional, visto que reconhece o seu valor e preserva uma série de suas dimensões. Mas avança quando se dispõe a debater outras maneiras de conceber o fenômeno, considerando uma gama mais ampla de tipos de relações de troca.

Esses debates, entretanto, são fruto de uma tradição de pesquisas realizadas em cenários distintos do Brasil. Esse aspecto, por sua vez, é essencial para a compreensão do funcionamento dos contratos psicológicos. A despeito do fato de expectativas existirem em qualquer interação onde há trocas (tácitas ou explícitas), essas expectativas são reguladas por mecanismos próprios a cada contexto cultural. Rousseu e Schalk (2000) esclarecem, portanto, a possibilidade de haver variação dos modelos de contrato psicológico em diferentes países. Não se trata apenas de entender o que são os contratos psicológicos e como funcionam, mas sim o que são e como funcionam num determinado lugar e período.

Contratos Psicológicos no Brasil: um Retrato da Produção Nacional

No Brasil, embora não se encontrem investigações que se detenham mais sobre esse tópico, os primeiros textos de contratos psicológicos foram traduções de livros e manuais estrangeiros. Uma das primeiras traduções foi a do livro "Psicologia Organizacional", de Schein, em 1965. Na produção nacional, pouco material é encontrado, exceto comentários pontuais em trabalhos que versam sobre temas correlatos. Dessa maneira, os contratos psicológicos permanecem como tema pouco estudado no Brasil, ou tratado de maneira superficial, ou ainda como recurso para explicar melhor outro tema relacionado a ele.

Em anos mais recentes, esse quadro parece estar mudando. Um dos primeiros estudos nessa direção foi o de Sousa, publicado em 1997, oito anos após o artigo seminal de Rousseau, e quase quarenta após a expressão contrato psicológico ter sido cunhada por Argyris. Esse estudo explora as relações entre comprometimento organizacional (fenômeno multidimensional de vínculo com a organização que envolve afeto, identificação, vontade de permanecer e qualidade de desempenho) e as dimensões psicológicas dos contratos organizacionais. Sousa (1997) considera o contrato psicológico como um elemento de mediação na relação entre indivíduo e organização, e afirma também que os contratos psicológicos teriam impactos nas bases de comprometimento organizacional.

Outro texto pioneiro no cenário nacional foi o de Santos (2000), que focou a percepção de mudanças do contrato psicológico de empregados remanescentes da reestruturação de empresas privadas (downsizing). Dessa forma, essa fase inicial dos estudos nacionais sobre contratos psicológicos é marcada não apenas por um número bem reduzido de estudos, mas também pelo tratamento do tema em associação com outros, não sendo, portanto, o foco central.

Os trabalhos de Cardoso (2004) e Menegon (2004) marcam o início do período de inovação, ao estudar os contratos psicológicos como tema principal. Menegon (2004) avança um pouco mais ao tratar o contrato psicológico como uma variável preditora do desligamento voluntário. A partir daí, um número crescente de trabalhos com o tema começa a ser desenvolvido, competindo com aquelas investigações que abordam os contratos psicológicos como um tema secundário.

O Quadro 2 resume alguns eixos temáticos identificados na produção nacional, onde é possível visualizar os contratos psicológicos articulados a outros temas correlatos, em especial ao de comprometimento. Além disso, os processos de identificação com a organização e (ou) com a carreira também aparecem associados aos contratos psicológicos. Em se tratando dos indicadores organizacionais, há estudos que veem o contrato psicológico como uma variável preditora dos níveis de rotatividade (Menegon, 2004; Rios, 2007), motivação e desempenho (Abreu, 2006; Fontinha, 2006).

 

 

No primeiro eixo, encontram-se os trabalhos que investigam os contratos psicológicos em associação com outros construtos, como satisfação e comprometimento. Conforme visto anteriormente e assinalado por Bastos (1994), o primeiro estudo encontrado no Brasil se insere nesse eixo, discutindo o conceito de contrato psicológico a partir do comprometimento (Sousa, 1997). Essa associação é também encontrada em trabalhos recentes, como o de Almeida (2008). O segundo eixo inclui os trabalhos focados no processo de formação dos contratos psicológicos, onde a identificação do trabalhador com a empresa ocupa um papel central (Cortês, 2005, Beyda, 2008). No terceiro eixo, os contratos psicológicos são associados a indicadores organizacionais, sobretudo os resultados, tais como desempenho (Abreu, 2006) e rotatividade voluntária (Menegon, 2004).

O quarto eixo inclui trabalhos em que os contratos psicológicos de diferentes grupos são comparados, tais como os de terceirizados e não-terceirizados (Rios, 2007) e trabalhadores de diferentes níveis hierárquicos (Lobo, 2007). Finalmente, no quinto e último eixo, estão os trabalhos que discutem a articulação dos contratos psicológicos com processos organizacionais, em que se destacam os estudos sobre os impactos dos processos de downsizing (Santos, 2000; Ferreira, 2003). No entanto, temas variados surgem nesse eixo, tais como o estudo de processos sucessórios (Coutinho, 2008) e a gestão de pequenas empresas (Santos e Santana, 2007).

Associadas aos eixos temáticos dos estudos de contratos psicológicos no Brasil, encontram-se as abordagens metodológicas que dão suporte a essas investigações. O Quadro 3 sintetiza os principais achados. É fácil constatar a prevalência de estudos qualitativos e exploratórios nas investigações nacionais, distinguindo-se da tradição quantitativa no cenário internacional. De maneira geral, esses estudos qualitativos enfatizam as consequências decorrentes da percepção de violações de contratos psicológicos após a implantação de processo de downsizing (Santos,2000; Ferreira, 2003) ou de mudanças e incertezas no ambiente de trabalho (Rocha, 2004). Os primeiros trabalhos com abordagem quantitativa coincidiram com as publicações em que os contratos psicológicos eram os temas centrais. Abrem-se, então, novos caminhos para a tradução, adaptação e validação de instrumentos de medidas, principalmente para a língua portuguesa (Chambel e Alcover, Economic and Industrial Democracy, no prelo).

Em comparação com o cenário internacional, os estudos quantitativos demoraram quase uma década para aparecer no Brasil, sendo que as primeiras avaliações em relação às qualidades psicométricas para nossa cultura demoraram ainda mais um pouco. Na literatura nacional, encontram-se trabalhos sobre o processo de construção e reconstrução da identidade profissional e organizacional e do contrato psicológico (Sousa, 1997; Souza, 2005; Cortês, 2005; Beyda, 2008); estudos sobre a natureza do vínculo organizacional de trabalhadores pertencentes a duas organizações distintas (prestadora e tomadora de serviço) (Lopes, 2006); de trabalhadores de diferentes níveis hierárquicos dentro da mesma empresa (Lobo, 2007); de trabalhadores submetidos a modelos de gestão por competências (Barreto, 2007), de práticas de Recursos Humanos (Beyda, 2008); e, por último, de sucessores e membros de empresas familiares (Coutinho, 2008).

Por fim, alguns trabalhos focam os impactos dos contratos psicológicos nos resultados obtidos pelas organizações, como o seu efeito sobre o desempenho (Abreu, 2006). Nota-se, ainda, que uma parcela desses estudos associa o conceito de contratos psicológicos a outros, sobretudo o de comprometimento organizacional.

Aos poucos, no entanto, começam a surgir estudos de abordagem quantitativa, seja como abordagem exclusiva (Rios, 2007; Santos e Santana, 2007; Melo, 2008), seja combinando métodos qualitativos (Cardoso, 2004; Menegon, 2004; Migliorini, 2005; Fontinha, 2006; Almeida, 2008). Nesse outro conjunto de estudos, os focos recaem na comparação de contratos psicológicos de grupos de trabalhadores distintos: novos e antigos em relação às mudanças na organização (Cardoso, 2004); terceirizados e não-terceirizados da mesma organização (Rios, 2007); e também nas relações entre contratos psicológicos e práticas de gestão corporativa (Melo, 2008). Encontram-se também estudos dos contratos psicológicos nas rotinas das relações de trabalho (Migliorini, 2005); na gestão de pequenas e médias empresas (Santos e Santana, 2007); e seu efeito sobre resultados organizacionais como a rotatividade (Menegon, 2004), motivação e desempenho (Fontinha, 2006), e o comprometimento organizacional (Almeida, 2008).

Em resumo, os trabalhos qualitativos inicialmente estiveram focados na violação dos contratos, talvez pelo momento de mudanças econômicas e gerenciais aceleradas em nosso país, e posteriormente passaram a estar direcionados na comparação dos contratos entre diferentes grupos de trabalhadores. Os estudos quantitativos constroem trajetória semelhante, ao se voltarem para a comparação de grupos de trabalhadores e os efeitos dos contratos nas rotinas e resultados das organizações.

O Quadro 4 permite constatar que a produção acadêmica de contratos psicológicos está fortemente associada aos programas de pós-graduação stricto sensu, mais especificamente a cursos de mestrado. Os trabalhos de graduação são produzidos, em sua maioria, nos cursos de administração, sendo focados na gestão e em grupos de trabalhadores. É fácil inferir também que o tema contratos psicológicos não é muito difundido durante o processo de graduação, em parte porque, nessa fase da formação, privilegia-se uma visão mais ampla e geral do campo de conhecimento em psicologia, ao invés de temas específicos de cada uma das áreas especializadas.

 

 

Sobre os centros de produção de trabalhos de conclusão de curso e de pesquisadores interessados no tema no Brasil, a revisão permite inferir haver um grupo reduzido de investigadores que desenvolvem estudos e orientam trabalhos de dissertação nessa temática. Podem ser citados Úrsula Wetzel dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que, além de ser uma das pesquisadoras com maior número de orientações nessa linha, redigiu sua tese de doutorado sobre o tema (a mais antiga registrada no portal da CAPES), e José Roberto da Silva, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que responde sozinho por aproximadamente um terço das orientações de mestrado sobre o tema.

Foram encontrados também trabalhos associados à Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, sob orientação de Tânia Casado.

Mais recentemente, assiste-se ao crescimento da produção de trabalhos científicos sobre o tema, sob a forma de dissertações de mestrado e teses de doutorado, alguns deles atrelados a linhas de pesquisa orientadas para a investigação dos contratos psicológicos, e também de trabalhos de graduação financiados por órgãos de fomento à pesquisa e de iniciação científica, como CNPq e CAPES. Um exemplo é o estudo coordenado por Adriana Hilal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, cujo título é "Cultura Organizacional, contrato psicológico e indicadores de desempenho: estudo de compatibilidades".

Embora esse incremento das produções venha a contribuir, em um futuro próximo, para aumentar o volume de publicações e a difusão do construto, o tema é estudado na relação com outros conceitos mais consolidados na literatura nacional. Uma busca das palavraschave "comprometimento" e "trabalho", na base de dados SCIELO** , identificou 128 trabalhos sobre o comprometimento, contra apenas um de contratos psicológicos. Na Plataforma Lattes do CNPq*** , o quadro é ainda mais desproporcional, pois, enquanto foram encontrados 5.120 currículos de pesquisadores associados ao tema "Comprometimento" e 1.284 ao "Comprometimento Organizacional", encontraram-se somente 169 associados ao de "Contrato Psicológico". Ressalta-se ainda que, ao contrário do Brasil, os contratos psicológicos como ferramenta para o diagnóstico e gestão organizacional são amplamente divulgados no cenário internacional (Rousseau, 2005).

Processos organizacionais como o de seleção e de socialização, por exemplo, são realizados ignorando-se as expectativas dos atores, e não se pode negar o quanto o equilíbrio dessas expectativas contribui para o desempenho no trabalho e a adaptação do empregado ao contexto organizacional. A organização pode estar gerando ou frustrando expectativas das quais nem se dá conta, o que futuramente tende a se manifestar sob forma de comportamentos contraproducentes, insatisfação e abandono de trabalhadores talentosos.

Não apenas isso, mas os processos motivacionais e de liderança poderiam contar com contribuições do estudo das expectativas recíprocas para um melhor desenvolvimento. O planejamento estratégico da organização, a rigor, deveria ser balizado por uma avaliação mais clara das expectativas daqueles envolvidos direta e (ou) indiretamente com as metas. Mas essas contribuições podem ir além. A retenção de talentos pode ser bem sucedida, ao se entender como se configuram os contratos psicológicos, sobretudo em virtude de mudanças nas relações entre empresas e trabalhadores.

Os dados que constam no Quadro 5 sintetizam a produção nacional. É importante notar que, a despeito de o conceito de contrato psicológico estar fortemente assentado nas teorias da psicologia, a produção de autores desse campo do conhecimento não se destaca em relação a pesquisadores de outras áreas.

Conforme já assinalado em outro trecho deste artigo, um ramo do saber que tem se dedicado mais ativamente à investigação dos contratos psicológicos é o da administração, que responde por 76,2% dos estudos. Ao levar em conta os grupos de pesquisa registrados no CNPq e a análise dos trabalhos de pesquisa em andamento, essa tendência parece crescente, visto que, em sua maioria, eles pertencem ao esse campo de conhecimento.

Observa-se também uma concentração geográfica das pesquisas: 61,9% dos estudos foram realizados no Rio de Janeiro (UFRJ, UERJ e PUC-RJ). A PUC-RJ, sozinha, responde por mais de um terço das pesquisas desenvolvidas no país (38,1%). Some-se a isso o fato de as linhas de pesquisa mencionadas anteriormente estarem alocadas nessas instituições de ensino superior, e veremos claramente uma concentração que só deixará de acontecer à medida que pesquisadores de outros centros geográficos começarem a investir em estudos voltados para o tema.

Constata-se, então, uma dupla concentração: geográfica e de área de conhecimento.

Foram encontrados apenas três trabalhos em psicologia. Desses, dois comparam os contratos psicológicos de indivíduos que trabalham na mesma empresa (empregados antigos e novos, Cardoso, 2004; terceirizados e nãoterceirizados, Rios, 2007) e o terceiro aborda aspectos teóricos da relação entre envolvimento com o trabalho e os contratos psicológicos (Nascimento, 2008). É preciso ressaltar, todavia, que essa concentração na área de administração traz uma vantagem, visto que estudos nesse campo do conhecimento tendem a ser debatidos no âmbito da gestão de pessoas, ou seja, com nítidas repercussões práticas.

Ademais, constata-se uma tendência de, nos próximos anos, a discussão vir a tomar corpo, ao se observar um incremento de publicações sobre contratos em eventos de projeção como o ENANPAD (Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração).

Por outro lado, a exemplo dos rumos tomados pelas discussões sobre contratos psicológicos no cenário internacional, é necessário que também que a psicologia entre nesse debate. Um dos fatores que pode estar contribuindo para uma quantidade ainda pequena de estudos em psicologia é o número restrito de artigos publicados pelos pesquisadores. Como citado anteriormente, nem todos os trabalhos de conclusão de curso resultaram em publicações. E nenhum dos publicados foi divulgado em publicações da área de psicologia.

Algumas mudanças se vislumbram, tendo em vista o crescimento de trabalhos sobre contratos psicológicos em eventos como o CBPOT (Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho) e o crescimento do número de trabalhos com o tema em programas de pós-graduação, por meio de pesquisadores do tema. Espera-se, contudo, que tal produção ganhe espaço nos periódicos especializados de psicologia, de modo que o fomento a novas pesquisas ganhe mais força na comunidade acadêmica.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como foco discutir o contrato psicológico e apresentar um panorama geral da produção nacional sobre o tema. Foi feita uma pesquisa da produção acadêmica relativa a trabalhos de conclusão de curso em bibliotecas e no portal de teses, monografias e dissertações da CAPES. Os resultados obtidos indicam que a produção em relação aos contratos psicológicos no Brasil é recente, embora a expressão tenha sido cunhada desde a década de 1960. Além disso, as investigações se iniciam com a combinação do contrato psicológico com outros temas correlatos, de maneira que só nos últimos quatro anos o construto aparece como tema principal de pesquisas.

Observou-se, ainda, ter havido crescimento do interesse pelo tema no Brasil, não apenas pelo fato de mais da metade da produção estar concentrada nos últimos anos, mas também pelo aumento do número de trabalhos em curso que focam o tema e linhas de pesquisa com esse objeto de investigação. Parte desse crescimento pode ser atribuída, talvez, a uma formulação mais clara do construto, o que aconteceu a partir dos trabalhos de Rousseau. Uma vez que esse crescimento tem sido evidenciado particularmente no campo da administração, é ainda de se supor que, a exemplo do que acontece em cenário internacional, os contratos psicológicos serão vistos, em breve, como poderosa ferramenta e suporte às ações de gestão.

Um último comentário, contudo, deve ser feito, tendo em vista a prevalência de estudos qualitativos e exploratórios. O avanço das investigações na área, sobretudo para avaliações longitudinais e que possibilitem a geração de modelos mais amplos para investigações no Brasil, demanda a existência de ferramentas de medidas validadas. O Brasil não dispõe, até o momento, dessas ferramentas, de modo que estudos sobre os impactos dos contratos psicológicos e sua função como variável preditora de comportamento organizacional ainda não puderam ser desenvolvidos a contento. Sugere-se que futuras investigações tentem preencher essa lacuna, para que o estudo dos contratos psicológicos consiga avançar na literatura nacional, adquirindo a importância que lhe cabe na compreensão e explicação do comportamento humano em contextos de trabalho.

Uma das principais limitações desta revisão é o fato de ter se baseado em trabalhos de conclusão de curso e não na análise de artigos de periódicos nacionais sobre o tema. No entanto, cabe lembrar que se justificou tal opção pelo fato de se constatar que a literatura especializada no Brasil carece de artigos científicos sobre o tema. Mapear que temáticas estariam sendo centrais nos trabalhos de conclusão de curso e em que centros de formação de pósgraduação e por quais pesquisadores poderia ajudar a vislumbrar um cenário futuro de crescimento de estudos em um tópico que possui maturidade e se encontra bem consolidado fora do país. Ademais, serve de alerta para o fato de a psicologia do trabalho e das organizações estar tratando um tema central de modo superficial e tangencial, o que a distancia de debates que ganham corpo e importância cada vez maior fora do país e estão influenciando o pensamento contemporâneo nessa área especializada.

 

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Recebido em: 22.09.2009
Aprovado em: 16.03.2010
Publicado em: 17.09.2010

 

 

* Com base no www.google.com.br, em 14/12/2008.
** Pesquisado no www.scielo.br em 25 de maio de 2009.
*** Pesquisado no www.lattes.cnpq.br em 25 de maio de 2009
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