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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

     

 

ARTIGO - RELATO DE PESQUISA EMPÍRICA

 

Satisfação no trabalho e responsabilidade social empresarial: uma análise multinível

 

Job satisfaction and corporate social responsibility: a multilevel analysis

 

 

Milton Mattos de Souza1; Jacob Arie Laros2

Universidade de Brasília

Endereço para Correspodência

 

 


RESUMO

A satisfação no trabalho se torna cada vez mais importante para as empresas que precisam adotar uma postura socialmente mais responsável para permanecerem no mercado. Dados de 5.990 trabalhadores de 103 empresas foram analisados utilizando o modelo de regressão multinível com o objetivo de verificar os impactos das ações de responsabilidade social empresarial na satisfação do público interno. Aplicou-se um modelo multinível de estrutura hierárquica de dois níveis, sendo trabalhador a unidade de nível 1 e empresa a unidade de nível 2. A variável resposta foi o nível geral de satisfação no trabalho. No modelo final, pelo menos 57,4% da variância do nível 1 e 95,4% da variância do nível 2 foram explicados. No nível 1, a percepção de ações voltadas para a gestão, para a saúde e para a educação teve maior impacto no nível de satisfação geral. No nível 2, o número de acidentes de trabalho foi a única variável com efeito significativo, porém negativo, sobre a satisfação no trabalho. Este estudo mostrou evidências de componentes importantes, do ponto de vista dos colaboradores, que aumentam a percepção de melhoria no ambiente do trabalho por meio das ações de responsabilidade social empresarial.

Palavras-chave: satisfação no trabalho, análise multinível, responsabilidade social empresarial.


ABSTRACT

The topic of job satisfaction is becoming increasingly important for companies that need to develop a more socially responsible posture to remain in the market. Data on 5,900 employees from 103 companies were analyzed using a multilevel regression model to explore the relationship between the employees' degree of job satisfaction and their perception of actions related to social responsibility. A multilevel model with two levels was applied, employee being the level 1 unit and company the level 2 unit. The dependent variable in the model was the general satisfaction level at work. In the final model, at least 57.4% of the variance of level 1 and 95.4% of the variance of level 2 was explained. At level 1, the perception of actions related to administration, to health issues, and to education had the strongest impact on general job satisfaction. At level 2, the number of accidents at work was the only variable with a significant, but negative, effect on general job satisfaction. This study showed evidence of major components, from the employee viewpoint, that increase the perceived improvement in the work environment through actions of corporate social responsibility.

Keywords: job satisfaction, multilevel analysis, corporate social responsibility.


 

 

As primeiras manifestações do que podemos considerar ações socialmente responsáveis foram ações filantrópicas, pontuais, decorrentes da boa vontade de empresários ou dirigentes de empresas. Ao longo do tempo, com mudanças e transformações nas sociedades e nas empresas, a questão da responsabilidade social empresarial foi mudando até chegar à situação atual, em que se defende a inserção das práticas socialmente responsáveis na estratégia empresarial como um diferencial competitivo para posicionamento no mercado, fato que demanda uma preparação específica das empresas para esse fim, pois não se trata mais de desenvolver ações tópicas e pontuais. Nesse sentido, para compreensão da responsabilidade social empresarial torna-se necessário conhecer a perspectiva histórica dos relacionamentos entre as empresas e a sociedade em que se inserem.

Para entendermos a atuação social das empresas e o efetivo papel na sociedade, é necessário voltarmos ao final do século XIX, quando o discurso ético passa a acompanhar mais de perto as ideias liberais. Torres (2002) salientou que, para a democracia liberal, o termo "liberal" se relaciona a uma maior igualdade de direitos e oportunidades para que todos os indivíduos possam desenvolver suas capacidades e não à liberdade associada à concorrência que legitima o poder do mais forte eliminar o mais fraco, segundo as regras do livre mercado.

Com esse sentido, as origens conceituais que embasam o envolvimento das organizações com a realização de ações socialmente responsáveis estão relacionadas às ideias da democracia liberal que buscavam, ao final do século XIX e início do XX, construir uma sociedade em que as pessoas pudessem concretizar suas potencialidades e capacidades (MacPherson, 1978). Portanto, no início do século XX, são encontradas manifestações que defendiam que as empresas não deveriam limitar sua atuação somente à busca incessante do lucro, mas que deveriam ter um compromisso com a sociedade onde se inseriam. Assim, a responsabilidade das empresas em relação à sociedade é a base para o seu funcionamento, pois a não atenção às obrigações decorrentes das consequências de suas ações podem trazer perdas não só ao meio externo como à própria empresa.

Responsabilidade Social Empresarial (RSE)

A temática da responsabilidade social empresarial chamou a atenção nos Estados Unidos na primeira metade do século XX em discussões que questionavam alguns conceitos do capitalismo. A premissa fundamental da legislação norte-americana referente a uma corporação era a de que ela tinha como propósito a realização de lucros para seus acionistas (Ashley, 2002).

Na década de 1930, surgiu o New Deal que responsabiliza as empresas por parte dos problemas do país. As empresas foram, então, solicitadas a trabalhar em relação mais estreita com o governo, para elevar a renda familiar. Na década de 1950, o mesmo movimento é modificado e novos assuntos entram em uma pauta cuja resolução demandaria dedicação das empresas com a responsabilidade ambiental e com os direitos civis (Ferrell, Fraedrich & Ferrell, 2001).

O repúdio crescente da opinião pública ao engajamento bélico dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã (1964-1973) deu início a um boicote à aquisição dos produtos e das ações na bolsa de valores das empresas identificadas com a guerra na Ásia. Da mesma forma, afetou negativamente a imagem dessas empresas que se beneficiaram economicamente daquele episódio. Esses fatos foram determinantes para o início de uma mudança na prática e na cultura empresarial nos Estados Unidos e em outros países (Torres, 2002).

Sucupira (1998) associou a origem e consolidação da ideia de responsabilidade social empresarial a esses acontecimentos da década de 1960 nos Estados Unidos, vinculando a emergência do debate sobre responsabilidade social empresarial ao crescimento dos movimentos sociais, movimentos críticos estudantis e de protesto contra a Guerra do Vietnã. Afirmou também que essa ideia se instaurou como uma reação que, em parte, se devia às pressões de setores organizados da sociedade, exigindo uma nova postura ética e um novo tipo de ação empresarial em função das questões sociais, ambientais e em relação aos interlocutores das empresas.

Algumas empresas passaram efetivamente a mudar suas práticas e a estabelecer nova forma de relação com funcionários, consumidores e meio ambiente. De acordo com Neto e Froes (2002, p.78), a Responsabilidade Social das Empresas consiste na sua "decisão de participar mais diretamente das ações comunitárias na região em que está presente e minorar possíveis danos ambientais decorrentes do tipo de atividade que exerce". A responsabilidade social empresarial se consolida como uma obrigação que a empresa assume com a sociedade e significa que ela deve procurar minimizar os efeitos negativos , enquanto deve maximizar os efeitos positivos sobre esta (Ferrel & cols., 2001).

Para Oliveira (2005), não há uma lista rígida de ações que uma empresa deve seguir para ser socialmente responsável, ou seja, não há uma definição consensual. Responsabilidade social envolve uma gestão empresarial mais transparente e ética e a inserção de preocupações sociais e ambientais nas decisões e resultados das empresas. Oliveira (2003) verificou que as empresas que conseguem se perpetuar em seus negócios são aquelas capazes de agregar valor à sociedade. Portanto, desenvolver um trabalho social garante não apenas o respeito de seus consumidores, como também de seus colaboradores, que cada vez mais satisfeitos no seu trabalho terão, consequentemente, maior produtividade.

Nesse contexto, este estudo procura identificar as ações de responsabilidade social empresarial percebidas pelos colaboradores e o impacto no nível de satisfação com o trabalho.

Satisfação no Trabalho

Para um grupo de teóricos como Vroom (1964), Loffquist e Davis (1969), Orpen (1974), Landy (1978, citado em Toulson & Smith, 1994), as reações afetivas dos indivíduos dependem da interação entre eles e seu meio. Para outro grupo, no qual estão Herzberg, Mausner e Snyderman (1959) e Locke (1976), o indivíduo precisa satisfazer necessidades ou atender a valores para se sentir satisfeito no trabalho.

Revendo os estudos da área, pode-se perceber que a satisfação no trabalho tem sido definida quanto a seus aspectos causais mais relevantes, assim como ao modo como eles podem ser combinados. Segundo Martins (1984), poucos autores se preocuparam em definir satisfação no trabalho como conceito integrado que reúna na mesma definição os mais variados aspectos relacionados na literatura ao conceito de satisfação no trabalho.

Locke (1976) definiu satisfação como um estado emocional agradável ou positivo, que resulta de algum trabalho ou de experiências no trabalho, definição que tem, ainda hoje, o impacto mais importante para o conceito. Martins (1984), baseada na definição de Locke, afirmou que o homem usa de sua bagagem individual de crenças e valores para avaliar seu trabalho e essa avaliação resulta em um estado emocional que se for agradável produz satisfação e se for desagradável leva à insatisfação. Portanto, satisfação no trabalho é uma variável de natureza afetiva e se constitui em um processo mental de avaliação das experiências no trabalho que resulta em um estado agradável ou desagradável.

Orpen (1981) defendeu a influência dos valores na satisfação no trabalho, abordando satisfação, portanto, como uma atitude. Postulou Orpen que, se os valores do indivíduo não estão sendo respeitados nas situações de trabalho, muito provavelmente os trabalhadores se sentirão insatisfeitos. Essa teoria tem sido reforçada por achados de estudos como os de Levin e Stocks (1989), Staw e Ross (1985) e Staw, Bell e Clausen (1986).

Segundo Veloso, Bosquetti e Limongi-França (2005), a satisfação no trabalho pode ser analisada e inserida em três abordagens: (i) sistemas de qualidade - o que envolve as políticas e os programas de Qualidade Total, Certificação ISO 9000, entre outros métodos e práticas centradas na satisfação do cliente; (ii) potencial humano - o que envolve capacitação, motivação, desenvolvimento profissional da mão-de-obra, entre outros aspectos importantes para o desenvolvimento de potencialidades; e (iii) saúde e segurança do trabalho - o que envolve a preservação, prevenção, correção ou reparação de aspectos humanos e ambientais, a fim de neutralizar riscos nas condições de trabalho.

Portanto, depois de seis décadas de estudos, ainda não há acordo na literatura sobre as causas e os componentes da satisfação no trabalho. Há, de um lado, uma tendência a investigar o aspecto disposicional do indivíduo (Davis-Blake & Pfeffer, 1989; Gerhart, 1987; Staw, 1984) e do outro, uma tendência mais atual de definir o construto como sendo de natureza afetiva, atitudinal e determinado por variáveis multiníveis individuais, grupais ou organizacionais segundo afirmaram Brief e Weiss (2002). Como se pode deduzir pela breve apresentação dos modelos teóricos, começou a se consolidar a noção de que a empresa também era responsável pela satisfação do trabalhador.

Nesse contexto, este estudo aborda a contribuição das ações de responsabilidade social das empresas, reveladas nas práticas inseridas nas abordagens de Veloso e cols. (2005), no nível de satisfação geral no trabalho do ponto de vista dos colaboradores.

 

MÉTODO

Para pesquisar os fatores relacionados à percepção da satisfação no trabalho é preciso utilizar instrumentos de modelagem que envolvam um nível comparável de complexidade. Uma metodologia estatística que pode ser utilizada nesse contexto é a análise de regressão múltipla, que consiste na construção de um modelo matemático que visa descrever o relacionamento entre variáveis. Entretanto, nesse modelo de análise, os indivíduos são considerados entidades que atuam independentemente da estrutura grupal em que estão inseridos, no caso empresas, e os possíveis efeitos das influências dessas estruturas são ignorados. Diante dessas limitações, o uso de análises de regressão multinível apresenta vantagens práticas. Basicamente, nesse tipo de análise são considerados os níveis em que as variáveis estão inseridas (Kreft & De Leeuw, 1998; Natis, 2001; Snijders & Bosker, 1999).

A análise multinível é aplicada a uma população com estrutura hierárquica. A obtenção de uma amostra dessa população se dá em vários estágios pela escolha aleatória das unidades de nível micro e nível macro. Esse procedimento descreve de forma resumida a técnica adequada para se conseguir uma amostra na qual o pressuposto de independência entre sujeitos não é violado. Porém, em muitos casos a seleção das unidades de nível macro não é feita de maneira aleatória, mas de acordo com a conveniência ou disponibilidade de recursos. Nesses casos, ocorre uma violação do pressuposto de independência das observações. Quanto maior essa dependência, tanto mais necessária se torna a análise multinível (Laros & Marciano, 2008).

Segundo Puente-Palácios e Laros (2008), no campo da Psicologia Organizacional, a utilização da análise multinível faz com que o pesquisador analise o fenômeno tanto em uma perspectiva micro quanto macro. Na adoção desses modelos podem ser levados em conta tanto o sujeito quanto seu entorno organizacional. Ainda segundo esses autores, nos modelos multiníveis o efeito de variáveis referentes aos indivíduos, aos grupos e à própria organização é considerado quando o objetivo é a compreensão de um evento do nível micro. Dessa forma, independente dos níveis que forem escolhidos pelo pesquisador, eles devem ser claramente descritos e apresentados com o objetivo de estabelecer os segmentos representados pelos níveis 1 e 2. Ainda no campo da psicologia organizacional, a utilização de pesquisa multinível tem sido considerada quando o objeto de interesse é a satisfação no trabalho, como apontam Elovainio, Kivimäki, Steen e Kalliomäki-Levanto (2000) e Huang e Van der Vliert (2004).

O modelo multinível da regressão para dois níveis é dado pela equação (1), conforme Hox (2002, p.49):

Neste trabalho serão utilizados os cinco passos apresentados por Hox (2002, p.49-71) para a elaboração do modelo multinível, conforme descritos a seguir.

Passo 1

O primeiro modelo é conhecido como modelo somente de intercepto ou modelo vazio, ou seja, sem qualquer variável explicativa. É dado pela equação (2):

Na equação (2), γ00 é o intercepto da regressão e o u0j e eij são os resíduos nos níveis da empresa (ou nível 2) e no nível do trabalhador (ou nível 1), respectivamente. O modelo vazio é útil porque permite uma estimativa da correlação intraclasse p pela aplicação da equação (3):

Onde σ 2u0 é a variância dos resíduos u0j do nível da empresa e σ 2e é a variância dos resíduos eij do nível do trabalhador. O modelo vazio proporciona uma medida de referência do deviance (deviance inicial) que constitui uma medida do grau de falta de ajuste do modelo que pode ser usado para comparar modelos: quanto menor o deviance, maior o ajuste obtido.

Passo 2

Nesse modelo, são introduzidas todas as variáveis explicativas do nível 1 (trabalhadores), porém, com a especificação de que são fixas. Isso significa que os coeficientes de regressão correspondentes são fixados em zero. A decisão de inserir primeiro as variáveis do nível mais baixo se deve ao maior número de observações disponíveis nesse nível, levando à geração de coeficientes mais acurados. Esse modelo é descrito pela equação (4).

Onde os Xpij são as p variáveis explicativas no nível 1. Nesse passo, estima-se a contribuição de cada variável explicativa na redução da variância, desse nível, na variável critério.

Passo 3

Acrescentam-se as variáveis explicativas do nível da empresa, nível 2:

Onde os Zqj são as q variáveis explicativas do nível da empresa.

Os modelos dos passos 2 e 3 são chamados modelos de componentes de variância, por decomporem a variância do intercepto em componentes distintos para cada nível hierárquico. Na equação (5), assume-se que o intercepto varia entre as unidades macro, mas os coeficientes de regressão são considerados fixos.

Passo 4

Nesse passo é avaliado se algum dos coeficientes de regressão das variáveis explicativas do nível do trabalhador (micro) tem um componente significativo de variância (ou seja, diferente de zero) entre as unidades do segundo nível referentes às empresas. Esse modelo, denominado modelo de coeficientes randômicos, é dado pela equação (6).

Onde os upj são os resíduos do nível 2 dos coeficientes das variáveis explicativas Xpij do nível 1.

Passo 5

São adicionadas as interações "entre níveis" entre as variáveis explicativas do nível da empresa e aquelas variáveis explicativas do nível do trabalhador que tiveram participação significativa de coeficientes no passo anterior (4). Isso conduz ao modelo completo apresentado na equação (7):

Participantes

Para a realização desse estudo, foram coletados dados de 5.990 trabalhadores de 103 empresas do ramo industrial de um estado da região sudeste do Brasil no período de março a novembro de 2006. A seleção da amostra foi feita por conglomerados em dois estágios, sendo a empresa o conglomerado e a unidade primária o trabalhador, e independentemente em cada estrato definido pelo porte de empresa (pequena, média ou grande). O tamanho da amostra por empresa foi determinado por meio de uma amostra aleatória simples de acordo com o porte da empresa, definido como pequena de 20 a 99 empregados, média de 100 a 499 empregados e grande com mais de 500 empregados.

A Tabela 1 mostra estatísticas descritivas de algumas variáveis para caracterizar a composição da amostra dos trabalhadores que participaram dessa pesquisa. Observa-se que a maioria dos trabalhadores analisados pertence ao gênero masculino (67,8%). A distribuição etária mostra que 60,2% tem de 26 a 45 anos e, quanto à escolaridade, 69,4% tem o ensino médio completo. O setor de produção absorve mais de 60% da mão de obra e cerca de 50% da força de trabalho tem de 2 a 10 anos de serviço.

 

 

A Tabela 2 mostra as características das empresas incluídas no nível 2 da análise multinível e coletadas pelos questionários preenchidos pelas empresas.

 

 

Instrumentos

As informações das empresas foram coletadas por meio de questionário próprio para as empresas. Esse questionário, além dos dados de identificação da empresa, incluiu as informações apresentadas na Figura 1.

Baseando-se nos conceitos de Veloso e cols., (2005), o nível de satisfação sobre vários aspectos relacionados às condições e ao ambiente de trabalho das empresas e com as ações de responsabilidade social promovidas foi aferido por um instrumento elaborado para este estudo, baseado em pesquisa qualitativa por meio de grupos focais com trabalhadores de indústrias. Utilizando uma escala Likert de 10 pontos, com 20 itens objetivos abordando 5 temas: Gestão; Educação e Desenvolvimento; Saúde, Segu-rança e Meio Ambiente; Lazer e Cultura; e Ações Sociais. Essa escala global obteve um índice de confiabilidade λ2 de Guttman de 0,96.

O tema Gestão, constituído de cinco itens, aborda o conjunto de ações concernentes ao estilo gerencial (formas de liderança), às relações interpessoais praticadas, ao sistema de recompensa e ao reconhecimento do trabalho individual ou de equipe, ao sistema de comunicação interna e externa, ao clima existente no ambiente de trabalho e à satisfação do cliente interno, como fatores de melhoria do processo produtivo. Essa subescala obteve um λ2 de Guttman de 0,82.

O tema Educação e Desenvolvimento contém quatro itens e trata do conjunto de ações voltadas para o crescimento profissional e pessoal do colaborador, da elevação da escolaridade e da formação continuada da força de trabalho com vistas à inserção produtiva e incorporação de inovações nos processos de trabalho. Essa subescala obteve um λ2 de Guttman de 0,93.

O tema Saúde, Segurança e Meio Ambiente contribui com cinco itens e relaciona ações que visam a promoção da saúde do colaborador, a garantia de um ambiente de trabalho saudável e seguro e o monitoramento do processo produtivo no sentido de não interferir negativamente no meio ambiente. Essa subescala obteve um λ2 de Guttman de 0,90.

O tema Lazer e Cultura compreende três itens e aborda ações voltadas para o apoio à prática de atividades físicas durante o horário de trabalho, à ocupação prazerosa do tempo livre - proporcionando o entretenimento - à superação de desgaste físico e mental e à participação ativa no fazer cultural. Essa subescala obteve um λ2 de Guttman de 0,88.

Por último, o tema Ações Sociais, com três itens, trata de ações realizadas por meio de projetos e campanhas sociais para atender às comunidades nas áreas de saúde, educação, alimentação, meio ambiente, desenvolvimento comunitário, entre outras, podendo estender aos colaboradores e familiares. Essas iniciativas podem ser desde ações eventuais até projetos mais estruturados. Essa subescala obteve λ2 de Guttman de 0,91.

A avaliação geral da satisfação no trabalho foi obtida por meio de um único item com o objetivo de verificar a satisfação dos trabalhadores em relação às condições gerais de trabalho oferecidas pelas empresas.

Análise de Dados

Foi utilizado o software SPSS 16.0 para a realização da análise de componentes principais. Para a análise de regressão multinível utilizou-se o programa MLWin 2.10 desenvolvido por Rasbash, Browne, Healy, Cameron, e Charlton (2008). As variáveis explicativas analisadas nos modelos elaborados foram constituídas por itens simples obtidos a partir dos instrumentos aplicados aos trabalhadores e às empresas. A variável grau de satisfação no trabalho foi definida como variável critério e avaliada como item simples do instrumento de trabalhadores.

A Tabela 3 apresenta algumas estatísticas das variáveis consideradas na análise de regressão multinível. Todas as variáveis foram aferidas em uma escala politômica de 1 a 10. Para o cálculo da fidedignidade das subescalas foi utilizado o lâmbda 2 de Guttman (λ2), pois é o mais recomendado em escalas com poucos itens (Ten Berge & Zegers, 1978).

Na Tabela 4, observam-se as médias da variável critério em cada segmento da amostra. É possível verificar, por exemplo, que não há diferença significativa no nível de 5% entre o grau de satisfação no trabalho entre homens e mulheres. Os trabalhadores com mais de 55 anos obtiveram um grau de satisfação mais alto do que os trabalhadores mais jovens, assim como os trabalhadores pós-graduados.

Inicialmente, foi rodado o modelo nulo ou vazio que serve de base de comparação para os modelos subsequentes (Kreft & De Leeuw, 1998; Snijders & Bosker, 1999). Em seguida, procurouse controlar as características dos trabalhadores a fim de identificar quais as outras fontes de variação entre as empresas eram passíveis de intervenção. Posteriormente, seguindo as recomendações de Hox (2002) e Puente-Palácios e Laros (2008), foram incluídas as variáveis explicativas do nível do trabalhador, nível micro, com efeito fixo. O próximo passo foi inserir as variáveis explicativas do nível macro, nível das empresas. Em seguida, foi verificado se alguns dos coeficientes de inclinação das variáveis explicativas do nível 1 possuíam componente de variância significativo entre as empresas, ou seja, foi avaliado se as variáveis tinham efeito diferenciado entre as empresas. Por último, foram testadas possíveis interações das variáveis entre os níveis, combinação conhecida como interação cross-level ou transversal (Van den Eeden & cols., 1990).

 

RESULTADOS

Seguindo os passos de modelagem multinível propostos por Hox (2002), inicialmente foi estimado o modelo vazio, sem variáveis explicativas.

A estimativa desse modelo se fez necessária para o cálculo do coeficiente de correlação intraclasse (ICC), que é a razão entre a variância do nível macro e a variância total, portanto variando entre 0 e 1. Quando o valor do ICC é nulo ou próximo de zero, significa que as empresas são homogêneas entre si e que a satisfação no trabalho não depende do tipo de empresa na qual o funcionário trabalha, tornando desnecessário o uso da análise multinível. Segundo Hox (2002) e Kreft e De Leeuw (1998), ignorar uma correlação intraclasse significativamente diferente de zero e analisar os dados somente no nível 1 resulta no aumento de erros tipo I nos testes estatísticos.

Neste estudo, conforme a Tabela 5, os dados indicam que 29% da variância do grau de satisfação no trabalho estão associados à variabilidade entre as empresas, o que implica no uso de modelos de regressão multinível. Ainda com base na Tabela 4, pode-se verificar que a média global do grau de satisfação no trabalho é de 7,59, em uma escala de 1 a 10, e que a estimativa de variância entre as empresas é de 1,34 (com e.p. de 0,20) e a estimativa de variância intraempresa é de 3,29 (com e.p. de 0,06). O modelo de referência é o modelo com as variáveis de controle do nível 1 e do nível 2. Gênero, idade, escolaridade, setor de trabalho e tempo de empresa são variáveis de controle do nível 1 e porte da empresa é variável de controle do nível 2.

 

 

A medida de ajuste do modelo é o deviance (-2 log verossimilhança ou -2 log likelihood). Para o modelo vazio, esse valor foi de 24,455. Esse valor é utilizado como referência para comparação com os modelos posteriores. O deviance reflete a falta de ajuste entre os dados e o modelo. Para a interpretação, deve-se comparar a magnitude das diferenças entre o seu valor e aquele encontrado no modelo seguinte (Snijders & Bosker, 1999). Se a diferença dos deviances for significativa, o modelo com menor deviance é considerado melhor ajustado aos dados (Kreft & De Leeuw, 1998). No caso do modelo de referência, o valor deviance diminuiu 62 pontos em comparação com o deviance do modelo vazio ou nulo, sendo estimados 6 parâmetros a mais no modelo 2 de referência. Assim, o valor do teste χ2 resultou em 10,33.

Esse valor é obtido pelo quociente da diferença entre os deviances (D1-D2) dos dois modelos e a diferença entre o número de parâmetros estimados. Esse quociente deve ser maior do que 1,96 para possuir um nível de significância de 5%. Uma vez que 10,33 é consideravelmente maior do que 1,96 o modelo de referência é muito mais ajustado que o anterior com um nível de significância menor do que 1% (Laros & Marciano, 2008)

Por considerarem o contexto de grupo das observações, os modelos hierárquicos levam em conta a correlação intraclasse produzindo erros padrão dos coeficientes que consideram o chamado efeito de delineamento. O efeito de delineamento é a quantidade de vieses nos erros padrão em decorrência de observações dependentes (Hox & Maas, 2005). Kish (1965) corrigiu o erro padrão usando a equação (8):

Onde s.e.eff é o erro padrão efetivo, nclus é o tamanho do cluster e ρ é a correlação intraclasse. Uma variação dessa fórmula calcula o tamanho da amostra eficaz como na equação (9):

Onde n é o tamanho total da amostra e neff é o tamanho efetivo da amostra. Usando essa fórmula, o tamanho efetivo da amostra deste estudo é de 342, o que representa uma redução de 94% no tamanho original.

No modelo de referência, a inserção das variáveis de controle possibilitou explicar 6,6% da variância do grau médio de satisfação no trabalho entre as empresas. A correlação intraclasse diminuiu para 0,28 com a inserção das variáveis de controle, significando que ainda 28% da variância do grau de satisfação no trabalho pode ser atribuido às empresas. Deve-se lembrar que nos modelos multiníveis a significância dos coeficientes de regressão é verificada por meio da divisão do parâmetro estimado pelo erro padrão. Essa divisão resulta em um escore z: qualquer escore z maior do que 1,96 indica que a estatística estimada é significativa no nível de 5%.

Na Tabela 5 ainda podem ser observados os efeitos das variáveis de controle. Todos são estatisticamente significativos com exceção da variável gênero. O modelo de referência revela que os trabalhadores mais insatisfeitos são os de maior escolaridade, que trabalham no setor da produção e com mais tempo de trabalho na empresa. Os mais satisfeitos são os que estão em empresas grandes e com mais idade.

Seguindo os passos de Hox (2002) foram incluídas as demais variáveis do nível do trabalhador (Modelo 3), apresentadas na Tabela 6. Verificou-se que duas variáveis de controle saíram do modelo por não apresentarem efeito significativo com a inclusão das variáveis explicativas do nível 1, foram elas setor e tempo de trabalho na empresa. Todas as variáveis explicativas do nível 1 apresentaram efeito significativo, sendo a percepção das ações voltadas para gestão a variável que mais contribuiu para elevação do grau de satisfação no trabalho dos empregados.

 

 

Ainda no modelo 3, foi observada uma explicação de 57,7% da variância do grau de satisfação no trabalho no nível 1. Já no nível 2, foi verificada uma explicação de 95%. Como as variáveis de controle foram responsáveis por 6,6% da explicação do grau de satisfação no nível da empresa e 0,9% do grau de satisfação no nível do trabalhador, verifica-se que, depois da inserção das variáveis de controle, as variáveis explicativas do nível do trabalhador foram responsáveis por 88,4% da variância do nível da empresa e por 51,1% do nível do trabalhador. Esse expressivo percentual explicando a variância do nível 2 pelas variáveis explicativas do nível 1 é relatado por Hox (2002) como uma possível desigualdade na composição dos grupos e não reflete um efeito real do contexto, nesse caso, deve-se ao fato das empresas serem diferentes em sua característica de porte.

O passo seguinte foi a inclusão das variáveis do nível da empresa, conforme a Tabela 7. No nível 2, a única variável com efeito significativo, porém negativo, foi número de acidentes de trabalho indicando que quanto menor número de acidentes de trabalho nas empresas, maior é o grau de satisfação dos seus colaboradores com as condições gerais de trabalho (Modelo 4). Nesse modelo, observa-se uma pequena diminuição na explicação da variância do grau de satisfação no trabalho do nível 1, de 57,7% para 57,4%. A variável do nível da empresa incluída no modelo, nº de acidentes de trabalho, foi responsável pelo aumento de 0,4% na variabilidade do grau médio de satisfação no trabalho das empresas.

 

 

No último modelo testado, apresentado também na Tabela 7, foi verificado o efeito randômico dos coeficientes de inclinação das variáveis do nível do trabalhador que já haviam entrado no modelo. O objetivo foi verificar se essas variáveis têm comportamentos diferentes entre as empresas. As variáveis que não apresentaram coeficientes de regressão com coeficientes aleatórios foram novamente estimadas com os coeficientes de regressão fixos.

O modelo 5 ajustou-se melhor do que o modelo 4, uma vez que a razão da diferença dos deviances e os graus de liberdade foi significativa (D4-D5/g.l=43) no nível 0,1%. Dentre as variáveis que apresentaram efeito randômico, significando que se comportam diferentemente entre as empresas, estão: idade (0,06); gestão (0,29); saúde (0,24); educação (0,15); ações sociais (0,15). As variáveis gênero, escolaridade e lazer não apresentaram efeitos diferenciados sobre o grau de satisfação no trabalho entre as empresas.

O último passo da modelagem multinível proposto por Hox (2002) é verificar efeitos de interação entre os níveis (cross-level). Frente à complexidade da modelagem já alcançada, sua alta porcentagem de explicação da variância da variável critério e o número elevado de variáveis explicativas, optou-se por não testar efeitos de interação entre os níveis de análise. Segundo Hox (2002), os efeitos da interação são de difícil compreensão e os pesquisadores devem ter cuidado ao tratá-los.

Seguindo as recomendações de Snijders e Bosker (1999), os pressupostos de normalidade e heterogeneidade preconizados pela análise multinível foram verificados por meio da análise dos resíduos padronizados do modelo final.

A não observância dos pressupostos pode invalidar os procedimentos utilizados na estimativa dos parâmetros da regressão. A análise dos resíduos padronizados do modelo final foi feita com base em dois gráficos: um com os escores preditos e outro com os escores normais. Ambos indicaram normalidade para a distribuição da variável critério.

 

DISCUSSÃO

Este estudo teve o objetivo de identificar as variáveis explicativas que afetam a percepção da satisfação dos trabalhadores de empresas em relação às ações de responsabilidade social empresarial, com vistas à melhoria da qualidade de vida dentro do trabalho. Neste estudo, a satisfação no trabalho foi refletida nas ações das empresas que envolvem: a implementação de melhorias gerenciais e tecnológicas no ambiente de trabalho; promoção de um ambiente seguro e saudável; e o desenvolvimento do potencial humano.

Para estudar a complexidade de fatores relacionados à percepção de satisfação no trabalho, foram utilizados instrumentos de modelagem multinível uma vez que, no campo da Psicologia Organizacional, esse tipo de modelagem tem sido bastante considerado quando o objeto de interesse é a satisfação no trabalho, como apontam Elovainio e cols., (2000) e Huang e Van der Vliert (2005).

Nessa abordagem, procurou-se identificar as variáveis que explicam a percepção de satisfação com as condições gerais de trabalho oferecidas pelas empresas. No primeiro nível de análise foram consideradas as variáveis pertinentes aos trabalhadores. Variáveis como gênero, idade, escolaridade, setor de trabalho e tempo de serviço foram definidas como variáveis de controle. As percepções dos trabalhadores em relação às ações da empresas voltadas para gestão, saúde, educação, lazer e ações sociais, foram medidas e consideradas como variáveis explicativas no modelo multinível.

No segundo nível de análise foram consideradas as variáveis do contexto das empresas. Porte da empresa foi considerado variável de controle. O esforço das empresas em promoverem a melhoria das condições do ambiente de trabalho foi refletido no grau de realização de ações voltadas para gestão, saúde, educação, lazer e ações sociais. Outras variáveis como nº de acidentes de trabalho, nº de ações voltadas para atividade físicas, nº de demissões, entre outras, também foram consideradas na análise.

Foram seguidos os passos de Hox (2002) para elaboração do modelo multinível, uma vez que o cálculo do coeficiente intraclasse (0,29) mostrou ser mais prudente utilizar a análise multinível do que o modelo de regressão linear múltipla. Assim, o modelo inicial, ou modelo nulo, contou apenas com o intercepto que estimou a média global do nível de satisfação no trabalho. É importante observar o efeito do delineamento neste estudo que reduz o tamanho da amostra de 5.990 para 342. As análises, se baseadas nos modelos de regressão múltipla, estariam violando os pressupostos de independência das observações, ocasionando estimativas dos erros padrão e de testes estatísticos convencionais pequenas demais, o que pode levar a muitos resultados "significativos" espúrios. Pode-se observar neste estudo que a variável critério teve seu erro padrão da média estimado em 0,028. Quando utilizado o modelo multinível, que considera o efeito do delineamento e o tamanho real da amostra, o erro padrão da média da variável critério passa a ser 0,11.

No modelo de referência, constituído das variáveis de controle, apenas 6,6% da variância do nível de satisfação médio entre as empresas foi explicado. No modelo final, as variáveis de controle que permaneceram foram: gênero (-0,120); idade (0,059); escolaridade (-0,042) e porte de empresa (-0,071). Esses resultados mostram que a percepção de satisfação com as condições de trabalho é menor entre os homens; é também menor quanto maior for o grau de escolaridade e maior o porte da empresa. Os resultados nessas variáveis não apresentaram diferenças entre as empresas. Já quanto aos resultados nos diversos níveis de idade, estes tiveram variação significativa entre as empresas, indicando que os trabalhadores com mais idade estão mais satisfeitos.

A influência que as ações de responsabilidade social das empresas exercem no nível de satisfação no trabalho é bastante significativa. As ações de gestão são as mais captadas pelos trabalhadores como iniciativas empresariais em benefício de um melhor ambiente de trabalho. Essas ações devem obedecer a um modelo organizacional e a um planejamento estratégico, instrumentos únicos de gestão fazendo com que essa variável tenha um componente aleatório significativo, ou seja, a variável percepção dos trabalhadores em relação às ações de gestão das empresas se comporta diferentemente entre as unidades do nível 2. As variáveis saúde, educação e ações sociais têm o mesmo comportamento com efeitos positivos na percepção de satisfação no trabalho.

Outra variável com efeito significativo na percepção de satisfação no trabalho foi o número de acidentes de trabalho na empresa. Seu efeito negativo (-0,046) demonstra a preocupação dos trabalhadores com a saúde e segurança no ambiente de trabalho, indicando que, naquelas empresas em que é alto o resultado dessa variável, a satisfação no trabalho tende a ser menor.

 

CONCLUSÃO

Podemos perceber que as relações entre as organizações e a sociedade se transformam e mudam de acordo com as expectativas e cobranças da sociedade, bem como decorrem de mudanças pró-ativas e reativas dos responsáveis pelas organizações, ora em função das exigências sociais, ora, também, como uma forma de compreender a necessidade de mudança comportamental a partir de uma perspectiva de estratégia nos negócios.

Podemos concluir, portanto, que o conceito contemporâneo de responsabilidade social empresarial é complexo e dinâmico e está relacionado a diferentes ideias, mas, principalmente, se enraíza na responsabilidade irrestrita das pessoas que representam as empresas pelas consequências dos impactos das operações da empresa sobre o seu ambiente interno e externo.

A satisfação no trabalho não é um simples modismo pós-industrial, mas uma exigência do processo de globalização dos mercados. Se antes a principal preocupação era com os resultados econômicos e financeiros, hoje é com as pessoas que produzem tais resultados. Este estudo mostra evidências de componentes importantes, do ponto de vista dos colaboradores, que aumentam a percepção de satisfação no trabalho por meio de ações de responsabilidade social empresarial.

 

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Recebido em: 28.03.2010
Aprovado em: 06.09.2010
Publicado em: 28.03.2011

 

 

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