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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

     

 

ARTIGO - RELATO DE PESQUISA EMPÍRICA

 

A psicologia organizacional e do trabalho no Brasil: uma análise a partir das redes sociais de pesquisadores da pós-graduação

 

Work and organizational psychology in Brazil: a social network analysis of post-graduate researchers

 

 

Elaine Rabelo NeivaI,*; Ariane Agnes Corradi II,*

IUniversidade Católica de Brasília, Universidade de Brasília. elaine_neiva@uol.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/5495905961378269
IIInternational Institute of Social Studies, Universidade Erasmus de Rotterdam, Haia. ariane_corradi@yahoo.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/0749387846459820

 

 


RESUMO

Este artigo descreve a configuração da Psicologia Organizacional e do Trabalho brasileira a partir da análise das redes sociais informais de seus pesquisadores. O estudo foi realizado com base no autorrelato dos pesquisadores da pós-graduação em Psicologia no Brasil. Foram investigados alguns tipos de conteúdo intercambiado entre os pesquisadores e fatores que influenciam os relacionamentos entre eles. Os dados foram analisados por meio dos softwares UCINET, NetDraw e SPSS. A classificação dos atores como pertencentes à área de Psicologia Organizacional e do Trabalho foi feita por meio da análise de conteúdo de seus Currículos Lattes. Os resultados mostraram que a rede de Psicologia Organizacional e do Trabalho apresenta conectividade voltada para subgrupos e maior ênfase na construção de relacionamentos com pesquisadores estrangeiros do que com pesquisadores de áreas afins. Há pouca relação entre as atividades de networking e a produtividade individual dos atores, quando se considera a ocupação de papéis centrais por bolsistas de produtividade. A conclusão aborda as dinâmicas de evolução da área e o papel de variáveis individuais e institucionais para a interpretação dos resultados.

Palavras-chave: redes sociais, pesquisadores, produção de conhecimento científico, Psicologia Organizacional e do Trabalho.


ABSTRACT

This paper describes the informal networks of researchers in the field of Work and Organizational Psychology in Brazil. Post-graduate researchers self-reported on a set of content exchanged between them and on factors that influence their relationships with one another. Data was collected with an online questionnaire and the analysis used UCINET, NetDraw, and SPSS tools. The classification of the actors in the area of Work and Organizational Psychology was based on information available in their Curriculum Lattes. Results showed higher connectivity within sub-groups and more emphasis on the establishment of relationships with foreign researchers than with Brazilian researchers in related areas. There is limited participation of productivity fellowship holders in central roles, showing a weak relationship between networking and productivity. The conclusion discusses the evolutionary dynamics of the area and the role of individual and institutional variables in interpreting the results. Some suggestions for scientific knowledge policies are also presented.

Keywords: social networks, scholars, production of scientific knowledge, Work and Organizational Psychology.


 

 

A década de 1990 marca o início do uso do termo Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) para designar uma subárea de estudos composta por dois grandes eixos de fenômenos psicossociais e suas tradições de pesquisa: organizações e trabalho (Bastos, 2003). Revisões de literatura em POT mostram que a área se encontra em franco desenvolvimento no Brasil (Bastos, França, Pinho & Pereira, 1997; Borges-Andrade, Oliveira-Souza, Pilati, Nonato, Silvino & Gama, 1997; Tonelli, Caldas, Lacombe & Tinoco, 2003; Tonetto, Amazarray, Koller & Gomes, 2008). As revisões de literatura de Borges-Andrade e cols. (1997) exploraram a temática de comportamento organizacional. Tonelli e cols. (2003) incluíram várias temáticas no campo das organizações em sua revisão dos principais periódicos de administração e anais do EnANPAD (Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração) de 1991 a 2000.

Tonelli e cols. (2003) identificaram expressivo crescimento da produção científica na área de recursos humanos, redução de trabalhos sobre funções de RH e crescimento de estudos que analisam políticas de RH (ou seja, qualidade de vida no trabalho e qualificação). De acordo com os dados da revisão, aumentaram estudos sobre comportamento organizacional (comprometimento, estresse, aprendizagem, gênero, saúde), que se tornaram temas dominantes na área a partir de 1998.

A primeira revisão da literatura brasileira na área a englobar ambas as temáticas de organizações e trabalho, tratando-as claramente como parte de uma subárea da Psicologia, foi publicada por Tonetto e cols. (2008). Essa revisão abrangeu maior número de publicações, agrupadas em nove áreas temáticas, com trabalhos empíricos e teóricos. Essas temáticas são: comportamento organizacional; avaliação e medidas; gestão de pessoas; trabalho, identidade e subjetivação; trabalho e saúde; trabalho infanto-juvenil; trabalho e gênero; trabalho, violência e responsabilidade social; formação e atuação profissional. Observa-se, portanto, temáticas tanto típicas da área de organizações quanto da área de trabalho.

Sendo assim, quais fatores estão relacionados a um desenvolvimento tão profícuo da área? Tonetto e cols. (2008) destacam as características dos veículos de divulgação, diversidade temática e metodológica, preocupações com as mudanças sociais, políticas, econômicas e tecnológicas do contexto em que ocorre a produção científica, produção de conhecimento voltada tanto para subsidiar o planejamento e execução de intervenções quanto para o desenvolvimento teórico da área, e conceituação de trabalho como "um dos elementos centrais no processo de formação da identidade" (Tonetto e cols., 2008, p. 172). Todos esses fatores podem ser interpretados como componentes do paradigma científico da área e da formação de comunidades científicas que o legitimam pelo compartilhamento de informações entre seus membros (Kuhn, 1970). Revisões de literatura, portanto, são uma ferramenta importante para descrever a evolução de uma área científica com base em elementos formais da produção de conhecimento, as publicações dos pesquisadores. No nível microssocial, essa análise conduz às relações, predominantemente informais, diretas ou intermediadas entre os membros da disciplina científica.

Redes originalmente mais circunscritas aos seus contextos institucionais de origem (universidades, institutos de pesquisa, empresas, governos) têm se expandido para além deles, obtendo crescente autonomia (Castells, 2000). A cooperação transnacional entre instituições de ensino e pesquisa e instituições corporativas vem assumindo grande importância, tornando-se norma nos centros desenvolvidos e critério para avaliação da qualidade dos programas de pós-graduação nacionais (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES], 2008).

Dada a importância dos relacionamentos entre pesquisadores para o desenvolvimento científico e tecnológico, este artigo investiga a configuração atual da comunidade científica de Psicologia Organizacional e do Trabalho no Brasil e os fatores associados a sua formação. Os resultados apresentados e discutidos neste artigo provêm de pesquisa mais ampla sobre as redes de pesquisadores de pós-graduação em Psicologia (Neiva & Corradi, 2008). Os objetivos desse recorte de pesquisa são:

• Descrever os conteúdos transacionais trocados entre os pesquisadores de pós-graduação em POT no Brasil;

• Investigar as características estruturais, relacionais e posicionais das redes sociais desses pesquisadores;

• Relacionar os temas de pesquisa e características dos relacionamentos identificados na área com o sistema de produção de conhecimento em organizações e trabalho.

Redes Sociais de Pesquisadores

Uma rede social pode se configurar em um arranjo grupal, organizacional ou extraorganizacional formado por atores que se articulam - ou são articulados por uma autoridade - com a finalidade de realizar objetivos complexos e inalcançáveis de forma isolada. A rede é caracterizada pela condição de autonomia das pessoas/organizações e pelas relações de interdependência que estabelecem entre si. Assim, a análise de redes sociais permite investigar trocas de informação e de conhecimento entre pesquisadores de uma ou mais organizações. As redes estimulam a exposição, discussão e análise de ideias, por meio do compartilhamento de conhecimentos com liberdade e criatividade, incentivando novas abordagens para resolução dos problemas (Scherer-Warren, 1993).

Quando a análise se expande para o nível de grupos ou instituições, é possível estabelecer quais trocas são realizadas entre essas entidades, com que frequência e qual o material trocado, as formas existentes de apoio entre grupos, áreas carentes de pessoal e intercâmbio com outros grupos.

O engajamento dos diversos atores está geralmente associado a questões concretas, imediatas, ou a questões de compartilhamento de posições teóricas. Também pode estar associado a estratégias de ação e a oportunidades de poder que configuram uma articulação de interesses difusos na busca de alianças sustentadas em vários eixos - âmbito geográfico de vida ou grupo social, posições políticas ou teóricas, distribuição de recursos, etc. (Dabas & Najmanovich, 1995).

A análise de redes é um meio para se estudar as relações intragrupais e intergrupais por meio das variáveis que interferem nessas relações. Com isso, podem-se detectar problemas locais ou estruturais e, consequentemente, buscar soluções. Assim como descreve Marteleto (2001, p. 72), "a análise de uma díade (interação entre duas pessoas) só tem sentido em relação ao conjunto das outras díades da rede, porque a sua posição estrutural tem necessariamente um efeito sobre sua forma, seu conteúdo e sua função".

As primeiras formulações sobre redes sociais de pesquisadores datam de 1963, com Price (Balancieri, 2004). Ele formulou a expressão "colégios invisíveis", que consiste nas trocas de informações e experiências, informalmente, entre pesquisadores de grande importância para a disseminação de conhecimento. Essa formulação foi posteriormente contestada por Collins, em 1974, por assumir a existência de grupos fechados com estrutura interna muito coerente em ciência; quando o que se observa são relações, ainda que fracas, entre diferentes grupos (Granovetter, 1983).

A colaboração ou cooperação entre pesquisadores é definida por Katz e Martin (1997) como o trabalho conjunto de pesquisadores para alcançar o objetivo comum de produzir novo conhecimento científico. Um dos conteúdos transacionados mais importantes para a produtividade científica é a produção de artigos e pesquisas conjuntas. Dois pesquisadores podem ser considerados conectados se tiverem coautoria em um ou mais artigos juntos; e a probabilidade de um pesquisador, em particular, adquirir novos colaboradores aumenta com o número de pesquisadores com quem ele colaborou no passado. A cooperação caracterizada pela coautoria também é encontrada em outros estudos, como o de Landers e Nudelman (Balancieri, Bovo, Kern, Pacheco, & Barcia, 2005) e Subramanyam (Balancieri e cols., 2005).

Balancieri (2004) traz algumas taxonomias para o estudo de redes de pesquisadores. Na rede de citação, os pesquisadores são os nós e as citações são as ligações. Na rede de coautoria, a colaboração por coautoria é a ligação. Entre as propriedades estatísticas para redes de coautoria estão: número de artigos escritos por autor, número de autores por artigo, número de colaboradores dos pesquisadores, a distância entre a rede de um pesquisador e outra rede, bem como uma variedade de medidas de conectividade dentro da rede, tais como proximidade e intermediação.

Balancieri (2004) identificou também os fatores que contribuem para a colaboração, que são: colaboração de formação (orientador - orientando), colaboração teórica e experimental, proximidade na colaboração, produtividade e colaboração, confiança inspirada pela qualidade de colaboradores, interdisciplinaridade, nível de especialização, compartilhamento de recursos e reconhecimento pelos pares.

O nível de cooperação pode estar relacionado à área a que o pesquisador pertence. Estudos de Storer, Carpenter e Frame e Gordon e Lodahl (Balancieri e cols., 2005) afirmam que as ciências básicas e naturais apresentam um índice maior de cooperação do que as ciências aplicadas e sociais. Katz e Martin (1997) afirmam que experimentalistas tendem a colaborar mais do que teóricos. Alguns estudos demonstram que os trabalhos individuais predominam na área de humanidades, como Newman (2004).

Rossoni (2007) realizou um estudo brasileiro com pesquisadores da área de organizações e estratégia com o objetivo de entender a dinâmica de relacionamento entre os pesquisadores e suas relações com a produção científica. Ele mostrou que a produção científica nas áreas de organizações e estratégia vem crescendo, além da colaboração entre os pesquisadores. Segundo o estudo, os pesquisadores dessas áreas vêm produzindo mais artigos; no entanto, há muitos pesquisadores publicando pequena quantidade de artigos, o que afeta a produtividade da rede. Apesar de apresentar uma densidade crescentemente baixa, os pesquisadores continuam altamente agrupados e, ao mesmo tempo, conectados a pesquisadores fora de seus grupos por meio de intermediários.

O estudo também mostrou que o relacionamento entre os pesquisadores tem forte influência do vínculo que esses apresentam nas instituições. Assim, Rossoni (2007) encontrou maior cooperação entre pesquisadores de maior produção com aqueles que apresentam produção intermediária. Além disso, foram identificados três fatores associados à maior probabilidade de alta produção: competência em se relacionar com vários colaboradores, com pesquisadores bem posicionados e penetração em diferentes grupos de pesquisadores. Também foi observada homogeneidade de temas em cada agrupamento, o que reforça a coesão dos pesquisadores como influenciadora do conteúdo por eles desenvolvido. A coesão foi um facilitador de práticas isomórficas de pesquisa e de construção de regras e de normas, as quais retroalimentam os níveis de coesão. As perspectivas adotadas no passado pelos pesquisadores atuaram como elemento condutor de pesquisas em momentos posteriores, o que ocasionou baixa diversidade de temáticas nos agrupamentos entre os diferentes momentos.

Em nível de programas de pós-graduação, Guimarães, Gomes, Odelius, Zancan e Corradi (2009) estudaram redes sociais na pós-graduação em Administração no Brasil. Os conteúdos transacionados estudados foram pesquisas conjuntas, produção intelectual compartilhada, realização de eventos científicos, disciplinas compartilhadas, intercâmbio de professores, intercâmbio de estudantes e participação em comissões examinadoras de dissertações e teses. Os dados foram baseados no relato dos coordenadores de programas de pós-graduação sobre os pesquisadores de seus programas. A estrutura da rede foi analisada em termos de atributos dos programas: localização geográfica, tipo de instituição de ensino (pública ou privada), linhas de pesquisa e conceito, de acordo com a avaliação da CAPES. O conteúdo mais frequentemente transacionado foi participação em comissões examinadoras de dissertações e teses (72% dos programas), item específico no modelo de avaliação da CAPES. Houve também agrupamentos de programas por região: Sudeste, Nordeste, Sul e São Paulo (que apareceu como um grupo específico). Embora a proximidade geográfica seja um fator agregador para o estabelecimento de redes sociais (Katz, Lazer, Arrow & Contractor, 2004), o fator similaridade entre os programas levou a distinções entre os grupos Sudeste e São Paulo. O conceito na avaliação da CAPES também pareceu influenciar pouco o posicionamento dos programas na rede, uma vez que dois programas com conceito mais elevado (6) ocuparam posições opostas na estrutura da rede. Por outro lado, nenhum programa com conceito 5 ou 6 se mostrou isolado em termos de centralidade na rede. Quanto à análise de prestígio (definido por indicações de relacionamento recíprocas ou não com o programa), os três programas com conceito 6 ocuparam as três maiores posições de prestígio. Além do conceito na CAPES, identificaram-se outros fatores associados ao prestígio dos programas: a força da imagem de uma das instituições e a proximidade geográfica.

Neiva e Corradi (2008) realizaram uma pesquisa sobre redes sociais de pesquisadores da pós-graduação em Psicologia no Brasil, em geral e por subáreas de pesquisa. A pesquisa teve por objetivo caracterizar as redes de pesquisadores brasileiros e estrangeiros (a partir de conexões com brasileiros) envolvidos com a pós-graduação brasileira em Psicologia. O questionário online usado para a pesquisa incluiu questões sobre as características das redes sociais sob o ponto de vista dos próprios pesquisadores em relação a laços existentes entre eles, tipo de conteúdo transacionado e fatores motivadores dessas ligações.

Este artigo apresenta e discute os resultados da mencionada pesquisa na subárea Psicologia das Organizações e do Trabalho.

 

MÉTODO

Instrumentos

A coleta de dados da pesquisa foi realizada em 2007, por meio de um questionário eletrônico, que foi respondido por vários pesquisadores vinculados a programas de pós-graduação da área de Psicologia no Brasil.

Cada pesquisador podia escolher no máximo cinco outros pesquisadores com quem mantivesse relacionamentos. Após a seleção dos nomes, o respondente qualificava o relacionamento por meio da indicação dos conteúdos transacionados com esses pesquisadores. Os conteúdos investigados foram: participação em comissões examinadoras de dissertações e teses, participação conjunta em simpósios e/ou mesas redondas, publicações conjuntas, realização de pesquisas conjuntas, organização conjunta de eventos científicos, intercâmbio de estudantes entre os pesquisadores, produção de coletânea de material bibliográfico compartilhado, orientação compartilhada de pós-graduandos, oferta compartilhada de disciplinas, atividades de extensão conjuntas, convites compartilhados a pesquisadores estrangeiros, produção de material didático compartilhado, convite para ser pesquisador visitante.

Cada conteúdo selecionado era então avaliado em uma escala de frequência (fluxo contínuo, frequentemente, ocasionalmente) e uma de importância (pouco importante, importante, muito importante). Em seguida, os pesquisadores avaliavam quais fatores influenciam os relacionamentos entre si, além de responder a questões sobre o papel da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) no fomento aos intercâmbios entre pesquisadores. Essa parte do questionário foi respondida somente pelos pesquisadores vinculados aos grupos de trabalho da ANPEPP no período da pesquisa. Ao final, o pesquisador também indicava relacionamentos com pesquisadores estrangeiros, com pesquisadores de outras áreas do conhecimento ou, ainda, com pesquisadores da Psicologia que não se encontravam no banco de dados.

Amostra

A amostra da pesquisa selecionada para este artigo foi constituída por:

• 42 pesquisadores que responderam completamente a pesquisa e que pertencem à área de POT;

• 312 indicações de pesquisadores entre membros de grupos de trabalho de 2006 da ANPEPP, outros pesquisadores no Brasil e pesquisadores estrangeiros.

• 220 pesquisadores que foram os indicados no total de 312 indicações da área de Psicologia Organizacional e do Trabalho1.

Procedimentos

Como a pesquisa de redes sociais necessita de um conjunto estruturado de possíveis participantes da rede, foi elaborado um banco de dados com informações sobre os pesquisadores cadastrados nos grupos de trabalho do XI Simpósio da ANPEPP, ocorrido em 2006. Informações adicionais sobre os pesquisadores e os programas foram obtidas pelo cruzamento entre as bases de dados da ANPEPP, CAPES e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Esse banco de dados foi composto pelos nomes dos pesquisadores e seus respectivos e-mails, grupos de pesquisa do CNPq, programas de vínculo e área de pesquisa. Esses dados foram validados pelos programas de pós-graduação brasileiros2.

Adicionalmente, os pesquisadores podiam inserir nomes que não estivessem no banco de dados. Esse recurso foi utilizado sobretudo para a inserção de nomes de pesquisadores estrangeiros e pesquisadores de outras áreas do conhecimento.

O questionário online foi elaborado e tecnologicamente desenvolvido para esta pesquisa. Os pesquisadores cadastrados no banco de dados recebiam e-mails com convites para participar da pesquisa. O sítio da pesquisa ficou disponível por dois meses e os dados foram analisados com softwares específicos para análise de redes sociais (UCINET e NetDraw).

A análise dos dados obtidos por meio de escalas e outras análises inferenciais foram realizadas por meio do pacote estatístico SPSS. Para a análise de dados, foram elaboradas redes gerais (com todos os programas) e redes parciais por grandes áreas de atuação.

Neste artigo serão apresentadas, analisadas e discutidas as características da rede social de POT. A classificação dos pesquisadores por área foi feita por meio da análise de conteúdo do Currículo Lattes dos pesquisadores, em plataforma disponibilizada pelo CNPq. Com a classificação dos pesquisadores da área de POT, foi possível identificar, por meio de análise de conteúdo, os principais temas de pesquisa da área, permitindo comparar o conteúdo da produção com a estrutura da rede de pesquisadores nessa subárea.

 

RESULTADOS

A rede de Psicologia Organizacional e do Trabalho possui características muito peculiares. Trata-se de uma rede com 220 atores (dos 1.344 atores participantes da pesquisa), constituindo uma rede de tamanho intermediário quando comparada às outras subáreas da Psicologia3. Os 220 atores relataram 312 indicações de relacionamentos com outros pesquisadores na rede social. Considerando a proporção de relações existentes no que se refere às relações possíveis, a densidade da rede é de 0,6%, um índice de densidade elevado, dados os 220 atores que compõem a rede4. O índice de coesão da rede está em torno de 1,5%, o mais alto entre as subáreas da Psicologia, enquanto a distância média entre os atores (distância geodésica) é de 2,97 atores, sendo a mais alta entre as subáreas da Psicologia. Essa distância geodésica indica que cada pesquisador da rede precisa, em média, de 2,97 contatos intermediários para se relacionar com qualquer outro ator da rede social. O diâmetro (maior distância entre atores) da rede de Psicologia Organizacional e do Trabalho é de sete atores. Aproximadamente 90% da rede apresenta uma distância geodésica entre dois e cinco atores, conforme Tabela 1.

 

 

Na rede de Psicologia Organizacional e do Trabalho, há o maior índice de pesquisadores estrangeiros (69 estrangeiros para 220 atores na rede, o que totaliza 31,4% dos atores) em comparação com as outras subáreas. Os conteúdos trocados com maior frequência entre os pesquisadores são participação em bancas de dissertações e teses (69,2% do total de relações na área) e participação em simpósios e mesas redondas em congressos (67,2%). Esses dados seguem a tendência de todas as subáreas da Psicologia. Em seguida, estão realização de pesquisas conjuntas (56%) e publicações em coautoria (57%).

Em relação à análise relacional, verificou-se a presença de 38 cliques, o maior número de cliques entre as subáreas da Psicologia (existem redes com 19 ou 25 cliques e 338 e 269 atores respectivamente). Os cliques constituem subgrupos coesos na rede, que se caracterizam por relações recíprocas entre todos os pesquisadores do subgrupo.

A Figura 1 mostra os papéis desempenhados pelos pesquisadores na rede. A figura ilustra que 12 pesquisadores (destacados por um círculo) não possuem qualquer tipo de conexão com a rede social, formando um pequeno subgrupo isolado. Os atores marcados com vermelho são expansores de fronteira na rede enquanto os atores com a cor amarela constituem conectores centrais. O ator marcado com verde é o único que atua em ambos os papéis. Os atores marcados em azul claro fazem parte de outras áreas do conhecimento e os atores marcados em azul escuro são pesquisadores estrangeiros.

Dos 220 pesquisadores, 12 (5,46%, marcados em vermelho) atuam como expansores de fronteiras, responsáveis por realizar a conexão entre os diferentes subgrupos que constituem essa rede social. Dois desses expansores de fronteira são pesquisadores estrangeiros que estabelecem conexões entre alguns subgrupos no Brasil. A presença desses pesquisadores estrangeiros no papel de expansores de fronteira mostra a possibilidade de intercâmbio entre grupos nacionais apesar de eles representarem tendências diferenciadas na rede social. Outros 16 pesquisadores (7,27%, marcados em amarelo) desempenham o papel de conectores centrais que se encarregam de manter a ligação entre os membros em cada subgrupo da rede. O conector central repassa conteúdos transacionados entre os próprios membros do subgrupo. Alguns atores atuam em ambos os papéis (conectores e expansores); no caso da Psicologia Organizacional e do Trabalho, apenas um pesquisador (0,45%) do total de pesquisadores atua nessa dupla função (marcado em verde) na área.

Quanto ao atributo bolsas de produtividade do CNPq, a rede de POT é composta por 36 bolsistas (16,36%), índice mediano em comparação com as outras subáreas da Psicologia (variação entre 11,17% e 20,49% de bolsistas de produtividade). A Figura 2 apresenta os bolsistas na rede social de POT.

A análise a seguir relaciona os papéis desempenhados na rede social e a produtividade de pesquisadores, considerada a partir do critério bolsa de produtividade do CNPq. Do total de conectores e expansores da rede social (28 pesquisadores), somente 10 (36%) deles são bolsistas de produtividade do CNPq. Do total de 36 bolsistas de produtividade da área, 28% desempenha papéis centrais na rede social. Esse resultado mostra que apenas 1/3 dos pesquisadores com papéis centrais apresenta produtividade superior e é recompensado pelo órgão de fomento. Além disso, esse dado mostra uma minoria de bolsistas (28%) dedicados tanto ao estabelecimento e manutenção da rede (networking) quanto à produção de conhecimento. Os demais bolsistas se configuram como periféricos, com produtividade individual ou restrita aos seus subgrupos de pesquisa, como ilustra a Figura 2.

A Figura 3 ilustra a distribuição dos pesquisadores da área de POT pelo critério de distribuição geográfica. Os 220 atores estão distribuídos pelo território nacional da seguinte forma: 24 pesquisadores do Nordeste, 40 pesquisadores de São Paulo, 5 do estado de Minas Gerais, 15 do Rio de Janeiro, 1 do Espírito Santo, 31 da região Centro-Oeste e 35 da região Sul. Não foram identificados pesquisadores de POT na região Norte. A região Sudeste precisou ser dividida na pesquisa em função da alta concentração de pesquisadores por estado. É uma rede com pesquisadores centrados em São Paulo, Região Sul e Centro-Oeste (mais especificamente no Distrito Federal).

Desses 220 atores, 69 (31,36%) são pesquisadores estrangeiros e 34 (15,45%) são pesquisadores de outras áreas do conhecimento (Administração, Sociologia, Antropologia, etc). Trata-se de uma rede com os índices mais altos de presença de pesquisadores estrangeiros e com a menor presença percentual de pesquisadores de outras áreas, em comparação a outras subáreas da Psicologia.

Os fatores que mais influenciam o desenvolvimento de parcerias entre pesquisadores brasileiros da área de Psicologia Organizacional e do Trabalho são: abordagem teórica (média=2,36 e DP=0,72), afinidades pessoais (média=2,34 e DP=0,71) e abordagem metodológica (média=2,24 e DP=0,70)5. Esses resultados indicam elevado grau de congruência entre os pesquisadores quanto à importância dos fatores destacados. Esses dados, em certa medida, reproduzem as tendências na

Psicologia de maneira geral, com inversão de ordem entre afinidades pessoais e abordagem metodológica.

Temas de Pesquisa em POT no Brasil e Inserções Institucionais e Geográficas

Dos 58 programas de pós-graduação em funcionamento durante a pesquisa Brasil, apenas dois programas adotam os termos Psicologia Organizacional e do Trabalho em sua nomenclatura formal. Ambos são classificados com o conceito 5 na CAPES. Outro programa, que também é constituído por pesquisadores que investigam temas similares, adota os termos Psicologia Social e Institucional em sua nomenclatura. A maioria dos pesquisadores da área, participantes como respondentes ou como atores da rede, está vinculada a Programas de Pós-graduação em Psicologia. São poucas as citações de pesquisadores desvinculados da pós-graduação.

Os currículos dos 151 pesquisadores brasileiros (excluídos os estrangeiros) em Psicologia Organizacional e do Trabalho foram objeto de análise de conteúdo e classificação dos temas de pesquisa por 3 pesquisadores. O objetivo foi identificar temas de interesse dos pesquisadores e sua distribuição geográfica como elementos agregadores nas redes interpessoais. Não foram feitas análises sobre consistência dos currículos individuais em relação aos seus programas de origem (Borges-Andrade, 2003). A Tabela 2 mostra a classificação e distribuição geográfica desses temas. A classificação, por meio do autorrelato indicado pelo Currículo Lattes, demonstra uma ampla possibilidade de objetos que são classificados como da Psicologia Organizacional e do Trabalho, enfatizando desde temas mais vinculados ao indivíduo tanto quanto temas vinculados ao contexto social e organizacional, entre outros.

Ressalte-se que a classificação desses temas se configurou como um trabalho árduo, uma vez que o objeto de pesquisa muitas vezes era apresentado sob a forma da abordagem teórica adotada pelo pesquisador. Como se trata de uma análise de conteúdo com procedimento indutivo, observa-se sobreposição entre temas de pesquisa e abordagem teórica.

O tema que concentrou o interesse dos pesquisadores da área foi Saúde Mental e Trabalho, aglutinando pesquisadores com interesse em saúde mental, adoecimento psíquico, interface entre psiquiatria e adoecimento no trabalho. Nota-se que esses pesquisadores distinguem o termo "Saúde mental e Trabalho" em seus currículos, ao contrário de outros estudiosos desses temas. O segundo tema mais frequente é a conexão subjetividade, subjetivação, análise institucional, processos grupais e trabalho. Trata-se de um tema com interface com a abordagem sócio-histórica e com a ideia de intervenção e atuação em organizações sociais.

Há um conjunto de temas, marcados com asterisco, que são desenvolvidos por pesquisadores da área de Psicologia Social, Psicologia Ambiental, Conjugal e Familiar, Desenvolvimento e Psicanálise. Nesses temas, observam-se interfaces da área com outras subáreas da Psicologia.

De maneira geral, os temas relacionados ao contexto de trabalho são ligeiramente predominantes nesse levantamento: 15 temas com foco em trabalho e 13 em organizações; cinco temas foram classificados com foco em ambos. Há temas em organizações com relação íntima com trabalho, uma vez que focam basicamente condições sociais e organizacionais e situações que favorecem o adoecimento e, em última instância, afetam a saúde do trabalhador.

Quando somados os conjuntos de temas com foco em organizações e abordagem psicossocial, os temas mais caracterizados como Psicologia das Organizações também são frequentes, mas em menor escala que os demais. Dez temas têm enfoque psicossocial, com abordagem mais cognitivista. Há uma predominância do nível micro-organizacional de análise. Contudo, no nível macro-organizacional, foram identificados os temas:

• Análise institucional, trabalho, processos grupais e subjetividade;

• Análise social, desemprego, globalização, trabalho, organizações, precarização, exclusão social, políticas públicas;

• Cultura, valores, poder, justiça, práticas, comportamento e bem-estar nas organizações;

• Cultura organizacional, aprendizagem organizacional e responsabilidade social;

• Mudança organizacional, gestão, inovação.

Três temas de interface entre Psicologia Social, Psicologia Conjugal e Familiar e Psicologia Organizacional e do Trabalho podem ser classificados nos níveis micro e mesossociais, por abordarem aspectos relacionados aos grupos organizacionais e sociais:

• Processos grupais, processos sociais, comunidades, trabalho e subjetividade;

• Processos grupais, processos sociais e cognição e organizações;

• Família e trabalho.

Essa divisão em micro e macro-organizacional se reflete, por exemplo, quando o estudo da aprendizagem nas organizações é investigado. Os pesquisadores claramente se distinguem em pesquisadores da aprendizagem organizacional e pesquisadores da aprendizagem nas organizações. Os pesquisadores que se autodenominam interessados em aprendizagem organizacional estão muito vinculados também a cursos de administração e assumem o vínculo do tema com outros temas, como cultura organizacional.

Alguns temas são bastante restritos a áreas geográficas como os temas de aprendizagem, treinamento, desenvolvimento e educação e gestão por competência. Mudança organizacional, gestão e inovação estão restritos à região Centro-Oeste; e o tema trabalho, organizações, envelhecimento, idosos, serviço social e aposentadoria está restrito ao estado de São Paulo. Contextos de trabalho e organizações típicos de cada uma dessas regiões podem estar relacionados a essas tradições locais de pesquisa - aspecto a ser investigado em estudos futuros sobre a geografia da produção científica em POT.

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A rede de pesquisadores de pós-graduação em Psicologia Organizacional e do Trabalho é uma rede com um razoável índice de conectividade, considerando seu tamanho e sua densidade em relação às redes das outras subáreas da Psicologia. Não se trata de uma rede com índices elevados de fragmentação, ou índices reduzidos de coesão e densidade. Contudo, há uma distância geodésica média entre atores relativamente alta para o tamanho da rede e o diâmetro também é alto para uma rede com tais proporções, principalmente se forem considerados os resultados para outras subáreas da Psicologia (Neiva & Corradi, 2008).

Portanto, a conectividade da rede está relacionada ao seu alto índice de subgrupos, à distribuição geográfica de temas e a tendências regionais de produção científica. Assim, a distância geodésica alta, a presença de subgrupos desconectados da rede principal e a presença de muitos subgrupos reforçam a ideia de conectividade intra-subgrupos e de subgrupos distanciados entre si.

Muitos subgrupos são voltados para conexões com pesquisadores estrangeiros e para alguma imersão na rede nacional. Dois pesquisadores estrangeiros aparecem conectando subgrupos diferenciados na rede nacional, levando à interessante constatação de que pesquisadores estrangeiros contribuem para a coesão nacional entre subgrupos de POT. Essa imersão na rede nacional ocorre via subgrupos que agregam pessoas em torno de temas e tendências. Desse modo, discute-se o papel que os subgrupos com conexões recíprocas têm no processo de endogenia grupal (Silva, 2003). Os grupos, nesse caso, se mantêm por meio da reprodução de procedimentos, normas e crenças e da formação de novos membros que reproduzem nichos de produção científica mesmo quando passam a atuar em outras instituições. Tem-se, portanto, um processo de institucionalização de práticas de pesquisa legitimadas pelos participantes do grupo.

Revisitar as posições e os papéis dos atores fornece suporte à discussão do processo de endogenia. A rede de Psicologia Organizacional e do Trabalho parece possuir, no momento, mais possibilidades de fortalecimento das relações internas do que de crescimento. Isso porque há mais pesquisadores (17 ao todo) realizando as atividades de repasse de conteúdos, materiais e informações entre os membros de seus subgrupos; ao passo que 13 pesquisadores são responsáveis pela conexão entre as partes mais diferenciadas da rede. Os primeiros, que são conectores centrais, são fundamentais para a manutenção das conexões internas e para sua expansão. A presença maior de conectores centrais tende a reforçar a manutenção do status quo nos subgrupos e dificulta o acesso a recursos (inputs) de pesquisa, tais como a entrada de novos membros com perspectivas inovadoras. Por extensão, o processo de endogenia pode retardar o desenvolvimento científico das temáticas estudadas nesses subgrupos, uma vez que a informação em circulação tende a ser redundante em vez de inédita (p.ex., Granovetter, 1983). Por outro lado, subgrupos mais fortalecidos, com grande número de representantes, tendem a aumentar o acesso a recursos de fomento, uma vez que haverá maior tendência de as práticas do grupo serem vistas como legítimas e, portanto, merecedoras de aportes financeiros para seu desenvolvimento - ainda que endógeno. Faz-se, contudo, a ressalva de que a presente análise é limitada pelo corte transversal da pesquisa, o que nos remete a necessidade de relativizar essa afirmação. Como se trata de um fenômeno social, outros fatores podem interferir no crescimento do sistema ao longo do tempo. Esse tipo de estudo, entretanto, requer desenhos de pesquisa longitudinais que permitam descrever processos mais dinâmicos, ou seja, análises de tendência de crescimento do sistema de pós-graduação em POT.

Na análise dos papéis sociais, as recomendações da área para uma definição adequada de papéis e eliminação de ambiguidades de atuação (Hackman, Oldman, Janson & Purdy, 1975) são seguidas por seus membros, à medida que apenas um pesquisador realiza papel duplo nas atividades da rede (expansor e conector). Papéis duplos representam sobrecarga para esses indivíduos, portanto, a ausência de papéis duplos pode indicar que os psicólogos organizacionais têm balanceado suas funções na rede.

Ao se analisar a ocupação de papéis centrais por bolsistas de produtividade, somente 10 (36%) conectores e expansores da rede são bolsistas de produtividade do CNPq. Dos 36 bolsistas de produtividade, 28% exercem papéis centrais na rede, ou seja, apenas 1/3 dos atores com papéis centrais apresentam produtividade reconhecida pelo órgão de fomento. Menos de 1/3 dos bolsistas (28%) se dedica ao estabelecimento de redes de contatos para ampliação da produtividade, ao passo que os demais bolsistas se configuram como especialistas periféricos, com produtividade individual ou restrita aos seus subgrupos mais próximos. Esses dados permitem múltiplas interpretações. Uma delas é que, como networking e produção científica sob a forma de publicações podem ser, muitas vezes, atividades concorrentes - sem mencionar outras atividades acadêmicas que também concorrem pelo tempo e energia do pesquisador -, ocupar um papel central na rede de pesquisadores e também ter altos níveis de produção acadêmica pode ser um grande desafio (Corradi & Neiva, 2008). Consequentemente, muitos bolsistas exercem o papel de especialistas periféricos, cujo conhecimento produzido é veiculado na rede por conectores e expansores ou por outros mecanismos como citações de publicações.

Associado a isso, pode haver certa hierarquia nas relações entre bolsistas com papéis centrais e atores de produtividade intermediária (provavelmente ex-orientandos) como forma de manter a si e ao seu grupo de pesquisa conectados com a rede maior de produção de conhecimento em POT. Esse é um aspecto fundamental para a institucionalização de práticas de pesquisa que caracterizem a área de POT como tal (Rossoni, 2006). Novamente, pesquisas futuras de caráter longitudinal poderão explorar mudanças de papel dos pesquisadores ao longo do tempo como um dos aspectos dinâmicos da rede.

De acordo com Corradi e Neiva (2008), um dos fatores que interferem no aproveitamento e produção da rede está relacionado à proximidade geográfica e acesso a recursos. Em alguns casos, a localização geográfica pode ser mais importante que atividades de networking para ter acesso a recursos de pesquisa, como bolsas, equipamentos, material acadêmico, estudantes de graduação e pós-graduação e outros pesquisadores. Por exemplo, o acesso a amplo acervo bibliográfico permite contato com o conhecimento produzido por outros autores sem a ocorrência de relacionamentos interpessoais entre os pesquisadores. Pesquisadores vinculados a programas mais estruturados, com mais recursos instalados (recursos materiais, humanos e financeiros), podem optar por diferentes estratégias de produção de conhecimento que em certa medida prescindam as redes de contatos fora de seu subgrupo. O mesmo não seria verdadeiro para pesquisadores vinculados a programas iniciais, geograficamente mais isolados, de menor porte, com menos estudantes de pós-graduação e menor acesso a recursos materiais e financeiros. Para esses pesquisadores, relacionar-se com programas, pesquisadores ou instituições com os quais possam partilhar tais recursos se torna crucial para sua inserção na comunidade científica e consequentemente para sua produção acadêmica.

Pode-se inferir que a rede de POT está dividida entre as atividades de networking e fomento à produção em grupo, ambas tão necessárias à construção do conhecimento. Mais ainda, a produção em grupo pode ocorrer mais em alguns grupos e menos em outros, o que pode diminuir o aproveitamento geral da rede social. A concentração do número de pesquisadores em alguns estados também pode ser dificultador da expansão qualitativa da produção - conforme já argumentamos em relação à endogenia e às facilidades da proximidade geográfica.

Outro fator fundamental para a produção acadêmica de pesquisadores e para o desenvolvimento científico-tecnológico de uma área do conhecimento é a cooperação formal entre pesquisadores, por exemplo, sob a forma de publicações conjuntas e intercâmbios entre pesquisadores e alunos.

A cooperação no nível individual pode ser definida pela área à qual o pesquisador pertence. Estudos de Storer, Carpenter e Frame e Gordon e Lodahl (Balancieri e cols., 2005) e Newman (2004) mostram que as ciências básicas e naturais apresentam um índice maior de cooperação do que as ciências aplicadas e sociais. Katz e Martin (1997) mostram que experimentalistas tendem a colaborar mais do que teóricos.

No âmbito institucional, os sistemas de recompensa exercem forte pressão sobre as dinâmicas de cooperação entre pesquisadores (Dasgupta & David, 1994). Um exemplo é a maior frequência do conteúdo transacionado "Participação em bancas de dissertações e teses" (Neiva & Corradi, 2008; Guimarães e cols., 2009), que é um item de avaliação da CAPES. Se outros dos relacionamentos pesquisados fossem também critérios na avaliação da CAPES, prova-velmente a frequência deles aumentaria, uma vez que notas mais altas significam acesso a mais recursos. Entretanto, o que se observa nas redes de POT é que 2/3 dos bolsistas de produtividade canalizam informação veiculada por outros pesquisadores para suas produções individuais ou restritas a seu subgrupo de pesquisa. Esse comportamento pode estar associado ao sistema de fomento corrente, no qual a concessão de recursos está mais associada à produção acadêmica individual per se do que a atividades de estruturação e fortalecimento da rede de produção de conhecimento. Ressalte-se aqui a necessidade de mais estudos que considerem o papel da dimensão institucional no desenvolvimento de POT e outras áreas da Psicologia, incluindo outros programas de fomento além das bolsas de produtividade.

De acordo com Borges-Andrade e Zanelli (2004), a produção do conhecimento na área de POT está relacionada a crenças do pesquisador e a normas ou características da maneira científica de pensar. Pela classificação de temas e sua distribuição geográfica, parece razoável considerar que cisões teóricas e metodológicas da área ainda permanecem institucionalizadas. Um exemplo é a maior ênfase na abordagem teórica do que nos objetos de pesquisa em parte dos Currículos Lattes analisados, enfatizando mais os interesses individuais (nichos de pesquisa) do que uma visão de pesquisa institucionalizada em redes de colaboração (Borges-Andrade, 2003). A afirmação de Borges-Andrade (2003) de que uma mesma denominação pode se referir a fenômenos diferentes foi corroborada, mesmo quando divergências entre concepções teóricas e metodológicas não estavam presentes. Assim, é recomendável que os pesquisadores invistam na coerência entre seus temas de interesse, linhas de pesquisa e áreas de concentração. A coerência entre níveis do sistema de pós-graduação (pesquisadores, linhas de pesquisa, áreas de concentração e programas) é fundamental para o fortalecimento e crescimento do próprio sistema. Para fins da análise neste artigo, inserções nas publicações dos autores foram necessárias para que o levantamento de temas fosse realizado adequadamente.

Apesar da institucionalização de questões teórico-metodológicas e da dificuldade em coletar informações coerentes entre níveis diferentes do sistema, uma perspectiva evolutiva da área, baseada nas revisões de literatura, mostra que tem havido esforços convergentes. Os resultados da revisão de literatura de Tonetto e cols. (2008) já apontavam a diversidade e a complexidade da área e as rápidas e profundas mudanças em sua configuração. O presente estudo explorou essa diversidade e complexidade em termos dos relacionamentos entre os pesquisadores e seus papéis em rede.

Um aspecto preocupante, no que diz respeito a uma área da Psicologia de interface com outras áreas, é o reduzido número de pesquisadores de áreas afins, o que não corrobora as afirmações de Zanelli e Bastos (2004) e Bastos (2003) sobre a necessidade de atuação conjunta e da interface com outras áreas do conhecimento. Esse dado da rede social também não corrobora os achados de Tonetto e colaboradores (2008) quanto à literatura produzida na área. Os 178 artigos revisados indicaram multidisciplinaridade nas fundamentações teóricas, provenientes de diferentes áreas do conhecimento, tais como Administração, Ciências Sociais, Educação, Filosofia, Economia, Ciências Biológicas, Saúde Coletiva, Ergonomia e Direito, além da própria Psicologia. Ainda que sob influência internacional (35,5% de referências estrangeiras), Tonetto e colaboradores (2008) identificaram avanços quanto à construção de uma POT mais autônoma, ao contrário do que foi observado por Tonelli e colaboradores (2003), em que a produção brasileira ainda espelhava produção internacional.

Atribui-se o contraste entre esses resultados ao desenho da presente pesquisa, que coletou o autorrelato das relações entre pesquisadores. Parece que, embora outras áreas do conhecimento estejam contribuindo para a construção de conhecimento em POT, essa contribuição não se traduziu em redes sociais entre os pesquisadores dessas diferentes áreas na mesma proporção. A expansão da rede de pesquisadores da Psicologia com outras áreas do conhecimento, portanto, é um potencial para o desenvolvimento da comunidade científica e da ciência psicológica.

Quanto aos temas de pesquisa, observa-se a presença da maioria dos temas elencados por Tonetto e colaboradores (2008) e suas concentrações geográficas. Tonetto e cols. (2008) destacaram Comportamento Organizacional, concentrado no Centro-Oeste, Nordeste e Sul. O presente trabalho identificou vários itens de Comportamento Organizacional nessas mesmas regiões (Tabela 2), como aprendizagem organizacional e emoções nas organizações. A categoria Avaliação e Medidas, cuja concentração estava no Centro-Oeste, também aparece no Sul. Em Trabalho, Identidade e Subjetivação, as regiões de concentração são as mesmas nos dois estudos: Sul e Rio de Janeiro. Para Trabalho e Saúde, aparecem Centro-Oeste e Sul. Para temas em Gestão de Pessoas, ambas as pesquisas apontaram concentrações do tema no Centro-Oeste, Sul e Nordeste. Por fim, para Trabalho Infanto-Juvenil, Tonetto e cols. (2008) encontraram concentração geográfica no Nordeste, o que não foi corroborado por este estudo. A maior dispersão geográfica dos temas no presente estudo pode estar associada à fonte dos dados (Currículos Lattes em vez de publicações) e aos procedimentos de análise de conteúdo. Nesta pesquisa, buscou-se preservar a riqueza e diversidade de áreas que, embora aparentemente agrupáveis, contam com fundamentações teóricas distintas e metodologias próprias que são fatores de impacto para a formação de redes sociais entre pesquisadores.

A tradição de pesquisa com definição do objeto da Psicologia Organizacional e do Trabalho como mais voltada para os fenômenos do nível micro (Staw, 1984; O'Reilly III, 1991) continua predominante nas práticas dos psicólogos da rede de POT. Apenas cinco dos 23 temas têm enfoque macro-organizacional.

Pesquisas futuras são necessárias para investigar melhor as relações entre networking e produtividade na rede. Quais as vantagens de posições periféricas para bolsistas de produtividade? Quais as vantagens de ocupar papéis centrais para não bolsistas de produtividade? Quais os impactos dessa configuração da rede de POT nos níveis de produção da área como um todo? Com que dinamismo esses papéis se alteram ao longo do tempo?

Ressalta-se também que as conclusões desse artigo estão limitadas aos pesquisadores vinculados a pós-graduação. Outras análises das redes com base nas produções e a partir dos dados da CAPES e CNPq poderiam ampliar os resultados e gerar novos insights sobre a configuração e as dinâmicas da rede de pesquisadores em POT.

Destaca-se que a institucionalização de práticas restritas a subgrupos representa um risco à compreensão mais ampla dos fenômenos que cercam o mundo do trabalho e das organizações e à compreensão integral do ser humano. Políticas de fomento a práticas interinstitucionais e multidisciplinares (como eventos multidisciplinares, pesquisas conjuntas, intercâmbio de pesquisadores e estudantes, etc.), bem como a avaliação de tais práticas como fatores de estruturação da produção da área são elementos-chave para o fortalecimento e o avanço da produção científica em POT.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 23.03.2010
Aprovado em: 14.01.2011
Publicado em: 28.03.2011

 

 

* Endereço para correspondência: SQN 203, bloco C, apto. 306, Asa Norte, CEP 70.833-030, Brasília (DF).
1 O número de indicações é maior porque há pesquisadores indicados mais de uma vez no grupo de 220.
2 A plataforma tecnológica para o estabelecimento dos contatos com os programas e pesquisadores foi fornecida pela diretoria e pela secretaria da ANPEPP.
3 A maior rede das nove subáreas possui 403 atores; a menor possui 36 atores.
4 Os índices de densidade variaram entre 0,4% a 0,9% entre todas as áreas da Psicologia.
5 A escala de medida do questionário variava de 0 (não é importante) a 3 (muito importante).

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