Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.10 no.2 Florianópolis dez. 2010
ARTIGO - RELATO DE PESQUISA EMPÍRICA
Afetos no ambiente de trabalho: é possível identificar uma estrutura circumplex?
Affects in the work environment: is it possible to identify a circumplex structure?
Valdiney V. GouveiaI,* Tiago Jessé Souza de LimaI,*; Walberto Silva dos SantosII,*; Leogildo Alves FreiresI,*; Viviany Silva PessoaI,*
IUniversidade Federal da Paraíba
IIUniversidade Federal do Ceará
RESUMO
Este estudo objetivou conhecer a estrutura dos afetos vivenciados em ambientes de trabalho, avaliando a adequação de um modelo circumplex. Participaram 678 profissionais de áreas distintas, a maioria do sexo feminino (65,3%), com idade média de 34,5 anos. Com a finalidade de testar a estrutura bidimensional, realizou-se um escalonamento multidimensional (ALSCAL). Os resultados indicaram a adequação desse modelo (S-stress = 0,028 e RSQ = 0,99), apresentando as seguintes dimensões: prazer baixo e alto e ativação baixa e alta. Checou-se ainda a adequação da estrutura circumplex (máxima verossimilhança), testando três modelos com diferentes restrições. O RMSEA foi utilizado como índice de ajuste dos modelos. Apesar de não ter sido confirmada a estrutura circumplex, observaram-se evidências de um modelo quasi-circumplex. Concluindo, foi possível identificar um modelo bidimensional dos afetos no trabalho, mas não uma estrutura circumplex. Recomenda-se replicar este estudo, modificando a medida dos afetos.
Palavras-chave: afetos, trabalho, bidimensional, circumplex.
ABSTRACT
This study investigated the structure of affects experienced in work environments, evaluating the adequacy of a circumplex model. The participants were 678 professionals from a variety of work fields, most of them female (65.3%), with a mean age of 34.5 years. To test the two-dimensional structure, a multidimensional scaling was performed (ALSCAL). Results indicated the suitability of this model (S-stress = 0.028 and RSQ = 0.99), showing the following dimensions: low and high-pleasure and low and high-arousal. The adequacy of the circumplex (maximum likelihood) model was also tested by three models with different restrictions. RMSEA was used as a goodness-of-fit index of these models. Although the circumplex structure was not confirmed, evidence of a quasi-circumplex model was observed. In conclusion, a two-dimensional model of affects in the workplace was identified, but a circumplex structure was not observed. A recommendation is to replicate the current study, changing the measure of affects.
Keywords: affects, work, two-dimensional, circumplex.
Os afetos, seus determinantes e os processos psicológicos envolvidos têm sido amplamente explorados por pesquisadores da Psicologia, constituindo um campo de investigação amplo e atual (Gerber, Posner, Gorman, Colibazzi, Yu, Wang, Kangarlu, Zhu, Russell & Peterson, 2008; Posner, Russell & Peterson, 2005; Remington, Fabrigar & Visser, 2000). Embora não seja o propósito aqui discorrer acerca das diferenças teóricas sobre afetos/emoções, seguem-se alguns esclarecimentos necessários para a compreensão desse tema. Destaca-se, inicialmente, que há uma dificuldade em demarcar as diferenças entre emoções, sentimentos, estados de humor e afetos, pois estes são fenômenos correlatos e sua conceituação na literatura tende a expressar as tendências da área que os estuda, com prevalência das abordagens biológica e neurofisiológica (Gondim, Lima e Álvaro, 2006).
As emoções são concebidas como multifacetadas, em que se incluem fatores como cognição, regulação fisiológica, motivação pessoal, expressão motora (gestos, face e voz) e sensação. Segundo Gondim e cols. (2006), esses componentes agem de forma integrada e sincronizada, aumentando ao máximo as chances de adaptação do indivíduo diante de eventos que geram demandas emocionais. Os sentimentos dizem respeito à interpretação subjetiva da situação que faz durar o afeto em relação a um objeto, enquanto a memória de trabalho do indivíduo estiver focada nesse objeto. O humor é um estado afetivo mais duradouro, não dirigido a um objetivo específico, mas que repercute no comportamento do indivíduo enquanto durar o estado de humor. Já os afetos podem ser entendidos como uma categoria mais ampla que integra as emoções, os sentimentos e os estados de humor.
O interesse por aspectos afetivos e emocionais remete, primeiramente, à obra de Charles Darwin (2000), intitulada A expressão das emoções nos homens e nos animais e ao início do desenvolvimento da Psicologia como ciência no final do século XIX. No âmbito dessa disciplina, os primeiros trabalhos acerca dessa temática foram realizados por Wundt (1897). Este propôs um sistema afetivo composto por três dimensões ou eixos, que formariam um arranjo tridimensional constituído por faces primárias da experiência afetiva que se apresentam de forma antagônica (excitação - calma; prazer - dor; tensão - alívio). Esta, certamente, foi a primeira tentativa evidente de mapear a estrutura dos afetos, mas outras tiveram lugar ao longo dos anos.
Estrutura dos Estados Afetivos
Diversos modelos foram criados para explicar os afetos e suas possíveis dimensões, como, por exemplo, o modelo circumplex, de Russel (1980), a estrutura de afetos positivos e negativos, de Watson e Tellegen (1985), e as oito combinações de afabilidade e ativação, de Larsen e Diener (1992). Dentre os diversos modelos propostos, um dos que tem sido mais estudado é o modelo circumplex (Larsen & Diener, 1992; Remington e cols., 2000). Na realidade, o primeiro teórico a sugeri-lo foi Schlosberg (1941), que defendia que as emoções são organizadas em um arranjo circular, sendo melhor representadas por duas dimensões bipolares, que envolviam prazer - desprazer e atenção - rejeição. Em seus estudos, Watson e Tellegen (1985, p. 234) concluem que uma estrutura bidimensional básica dos afetos é confirmada por diferentes linhas de pesquisas e um grande número de métodos de análises de dados.
Apesar de alguns estudos discutirem a existência de três dimensões principais, como, por exemplo, Schlosberg (1954), que acrescenta mais uma dimensão (sono - tensão), formando um modelo cônico, os pesquisadores dos afetos gradualmente convergiram para uma estrutura de dois fatores, que é pressuposta neste estudo. Pesquisas com análise de expressões faciais (Cliff & Young, 1968) e vocais de emoções (Green & Cliff, 1975), além de estudos semânticos de avaliação de termos relacionados a emoções (Averill, 1975) apontam para a existência de uma estrutura bidimensional geral, denominada como prazer - desprazer e ativação ou excitação (Russell, 1980). Estudos transculturais igualmente evidenciam a existência dessa estrutura em diversas culturas e origens (Russell, Lewicka & Nitt, 1989). Por exemplo, na pesquisa desses autores foram consideradas amostras da Grécia, Estônia, Polônia e China, nas quais foram utilizados diferentes estímulos, como termos que descrevem estados afetivos e julgamento de expressões faciais. As análises, por meio de escalonamento multidimensional, apontaram forte evidência de uma estrutura circumplex.
Russel (1980) utilizou três técnicas de escalonamento (unidimensional, multidimensional e circular) para testar a estrutura bidimensional subjacente aos afetos, tendo encontrado resultados consistentes. Com base em tais resultados, esse autor propôs uma ordenação circular para as duas dimensões dos afetos, definindo um modelo circumplex. Nesse modelo, os descritores de estados afetivos podem ser arranjados sistematicamente ao longo do perímetro do círculo. Como indicado na Figura 1, o modelo circumplex apresenta uma dimensão horizontal (leste - oeste), que representa prazer - desprazer, estando ligada à visão tradicional de valência afetiva, e uma dimensão vertical (norte - sul), representando os níveis de ativação (excitação - letargia), que está voltada à visão dos afetos como ativador.
Os outros quatro afetos representados nessa figura não formam dimensões independentes, mas ajudam a definir os quadrantes do espaço (Russel, 1980). Por exemplo, entusiasmo é uma combinação de alto prazer e alta ativação; seu opositor bipolar, depressão, apresenta baixo prazer e baixa ativação. Da mesma forma, os outros dois afetos fúria e, seu opositor bipolar, contentamento apresentam baixo prazer e alta ativação e alto prazer e baixa ativação, respectivamente. De forma equivalente, todos os outros termos que indicam estados afetivos podem ser descritos como vetores nesse espaço bidimensional. Segundo Russell (1980), teoricamente, os estados afetivos representados na Figura 1 ocupam os seguintes ângulos: prazer = 0º, entusiasmo = 45º, excitação = 90º, fúria = 135º, desprazer = 180º, depressão = 225º, letargia = 270º e contentamento = 315º.
No presente estudo foi considerada a possibilidade de testar o modelo circumplex. Este oferece uma vantagem frente aos demais, representando as inter-relações entre categorias afetivas baseadas em graus de similaridade e na variação contínua em vez de apenas representar um número grande de estados afetivos desconectados (Katwyk e cols., 2000). Precisamente, no modelo circumplex a similaridade entre dois estados afetivos aumenta em função do quão próximos estes estão um do outro em relação às suas posições no perímetro da circunferência. Dessa forma, estados afetivos mais próximos apresentam maior correlação positiva e quanto mais distantes, mais díspares são os afetos e próxima a zero será a correlação entre eles. Portanto, o modelo circumplex se pauta em uma função, baseada na série de Fourier, definindo a relação entre dois estados afetivos, dado o ângulo das variáveis e o seu coeficiente de correlação (para maior aprofundamento, ver Browne, 1992). Essa função é denominada função de correlação hipotética (Figura 2).
Hipoteticamente, a correlação positiva entre dois estados afetivos apresenta uma maior magnitude (r = 1,00) quando o ângulo entre as varáveis é de 0º; à medida que o ângulo de separação aumenta, a magnitude diminui progressivamente conforme a distância entre as variáveis se aproxima de 90º. Ao atingir exatos 90º de separação, tais estados apresentam-se como não correlacionados. A partir de 90º até 180º de separação, a correlação entre as duas variáveis passa a ser negativa e aumenta progressivamente, até atingir a magnitude máxima (r = -1,00) a 180º de separação. A partir de 180º a correlação negativa entre as variáveis vai decaindo em magnitude até atingir 270º. Nesse ponto os afetos voltam a ser não correlacionados (r = 0). Entre 270º e 360º a correlação passa a ser positiva, crescendo progressivamente até atingir o seu valor máximo (r = 1,00) a 360º.
De acordo com o anteriormente descrito, um padrão circumplex perfeito ocorre quando a correlação, indicada pelo ρ, for ρ (0) = 1 e ρ (180) = -1, com os valores de ρ decrescendo monotonicamente de ρ (0) até ρ (180), e quando as variáveis são igualmente espaçadas com comunalidades constantes. Já um modelo quasi-circumplex (circumplex imperfeito) ocorre quando não há espaçamento igual entre as variáveis. Dessa forma, o modelo desenvolvido por Browne (1992), o Circular Stochastic Process Model with a Fourier Series Correlation (CSPMF), torna possível avaliar até que ponto a estrutura subjacente a uma matriz de correlações se ajusta a um modelo circumplex, possibilitando impor restrições ao testá-lo.
O que distingue as representações circumplex e bidimensional é que, na primeira, as correlações entre as variáveis podem ser descritas de acordo com o ângulo que as variáveis ocupam no diâmetro da circunferência, ou seja, em função do quão distantes ou próximas estão (Fabrigar, Visser & Browne, 1997). Portanto, a representação circumplex é bem mais específica do que a estrutura bidimensional subjacente aos construtos; ela postula que a natureza das relações entre variáveis pode ser explicada restringindo o local dessas variáveis no modelo bidimensional, por meio de sua localização no perímetro do círculo. Uma das aplicações do modelo circumplex está relacionada com a descrição das relações dinâmicas e que se estabelecem em termos de afetos, traços de personalidade e valores (Gouveia, Fonseca, Lins & Gouveia, 2008).
Modelo do Bem-Estar Afetivo no Trabalho
A afetividade é entendida como a capacidade de experimentar sentimentos e ações, estando implícito um conteúdo relacional, pois se vivenciam afetos tanto em relação a si e aos outros quanto a algum fato ou contexto concreto, como pode ser o ambiente de trabalho. Nesse contexto, os afetos podem servir como indicadores de tensão e bem-estar, sendo, pois, importantes para explicar e compreender a satisfação e o bem-estar subjetivo dos indivíduos. Os afetos são tidos, juntamente com a cognição, como componentes constituintes do bem-estar subjetivo (Gouveia, Lins, Lima, Freires & Gomes, 2009). Questionando-se se a estrutura subjacente aos afetos vivenciados em contexto livre poderia ser generalizada para um contexto específico, como o trabalho, Warr (1987) desenvolveu um modelo de bem-estar afetivo em ambiente de trabalho, baseado no modelo circumplex de Russell (1980).
Baseado nesse modelo, Katwyk e cols. (2000) desenvolveram uma medida, a Job-Related Affective Well-Being Scale (JAWS), específica para mensurar estados afetivos em ambiente de trabalho, diferentemente de outros instrumentos (por exemplo, PANAS; Watson, Clark e Tellegen, 1988), que medem os afetos por meio de crenças e atitudes no trabalho. A JAWS foi adaptada ao contexto brasileiro por Gouveia e cols. (2008), abarcando uma gama extensa de respostas afetivas que permitem considerar o efeito das dimensões de prazer e ativação em percepções, comportamentos e resultados relacionados com o trabalho (Katwyk e cols., 2000).
A JAWS foi elaborada a partir de três estudos realizados nos Estados Unidos, que tiveram, como um dos objetivos, avaliar a suposição teórica de Warr (1987) de que os afetos relacionados com o trabalho podem ser compreendidos por meio de duas dimensões: prazer e excitação. O conjunto de evidências obtidas permitiu comprovar a validade de construto e consistência interna dessa medida, além de sua validade convergente com medidas de satisfação com o trabalho e traços afetivos. Os dados obtidos foram analisados por meio de escalonamento multidimensional (ALSCAL) da matriz de similaridade dos afetos; a solução encontrada mais ajustada foi a de duas dimensões, que obteve melhores indicadores de ajuste (S-stress = 0,14; RSQ = 0,94) do que os observados para estrutura unidimensional (S-stress = 0,22; RSQ = 0,91). Dessa forma, os estímulos ficaram agrupados nas dimensões de prazer (baixo e alto) e ativação (baixa e alta), constituindo quatro subdimensões: alto prazer e alta ativação, baixo prazer e alta ativação, baixo prazer e baixa ativação e alto prazer e baixa ativação. Esses resultados corroboraram o modelo bidimensional de bem-estar afetivo no trabalho, como sugerido por Warr (1987).
Apesar do anteriormente descrito, são escassos os estudos sobre esse tema que levem em conta amostras brasileiras e que reportem o uso do modelo circumplex para explicar a estrutura dos afetos. Menos comuns são aqueles que o consideram no âmbito do trabalho, adotando abordagem estatística confirmatória. Nesse sentido, o presente estudo representa uma contribuição à literatura, objetivando testar o modelo bidimensional dos estados afetivos no contexto do trabalho, avaliando formalmente a adequação de uma ordenação circumplex.
MÉTODO
Participantes
Contou-se com a participação de 678 pessoas, com idades entre 15 e 78 anos (m = 34,5; dp = 11,8), a maioria do sexo feminino (65,3%). Quanto ao local de trabalho, 286 (42,2%) eram funcionários de um shopping center, 191 (28,2%) empregados municipais e 201 (29,6%) profissionais de saúde. Tratou-se de uma amostra de conveniência, não probabilística, tendo participado aqueles que, de acordo com a disponibilidade, concordaram voluntariamente em fazer parte do estudo.
Instrumento
Os participantes responderam a perguntas demográficas (sexo, idade e ocupação) e à medida de Bem-Estar Afetivo no Trabalho. A Escala de Bem-estar Afetivo no Trabalho (JAWS; Katwyk e cols., 2000) compreende uma medida de autorrelato, tipo lápis e papel, originalmente formada por 30 itens. Empregou-se na oportunidade uma versão post hoc, formada por 12 itens selecionados com base no estudo de Gouveia e colaboradores (2008), procurando reunir três itens por cada fator teórico: alto prazer e alta ativação (com energia, empolgado e entusiasmado), baixo prazer e alta ativação (com raiva, incomodado e furioso), baixo prazer e baixa ativação (desgostoso, desencorajado e triste) e alto prazer e baixa ativação (tranquilo, contente e satisfeito). Esses quatro fatores apresentaram correlações entre eles variando de 0,31 a 0,78. Cada item é respondido em escala do tipo Likert, de cinco pontos, variando de 1 (Nunca) a 5 (Sempre), com o ponto médio 3 (Ocasionalmente).
Procedimento
Os participantes responderam individualmente, porém em ambiente coletivo, em seu próprio espaço de trabalho. A aplicação foi realizada por três colaboradores devidamente treinados para esse objetivo, tendo sido informado aos indivíduos que sua participação seria voluntária e que poderiam declinar do estudo a qualquer momento, sem penalização alguma. Após a concordância das pessoas de participarem do estudo, os responsáveis pela coleta dos dados seguiram os seguintes passos: a) comentaram que estava sendo realizado um estudo para conhecer o quanto as pessoas têm experimentado alguns afetos no trabalho nos últimos 30 dias; b) enfatizaram a necessidade de que as respostas fossem dadas individualmente, de acordo com a vivência de cada um; e c) indicaram que toda a informação era confidencial, e que somente seriam tratadas estatisticamente de forma conjunta, garantindolhes o anonimato e o sigilo de respostas. Todos assinaram um termo de consentimento livre esclarecido. Foram necessários, em média, 10 minutos para concluir a participação no estudo.
Análise dos Dados
A digitação e a análise dos dados foram inicialmente realizadas com o SPSS (versão 15). Foi empregado o escalonamento multidimensional (MDS) para conhecer a estrutura dos afetos, partindo-se de uma matriz de similaridade. Para estabelecer a configuração de distâncias entre os pares de palavras (afetos), consideraram-se as distâncias euclidianas quadradas (algoritmo ALSCAL). De acordo com Kruskal e Wish (1981), um nível elevado de erro pode ser reduzido e a dimensionalidade pode ser mais claramente indicada se forem utilizadas as distâncias euclidianas quadradas para o cálculo da matriz de proximidade com o MDS. As variáveis (os afetos) foram transformadas em pontuações z antes de ser criada a matriz de distâncias entre elas. O S-stress e o RSQ (Coeficiente de Correlação Quadrado) foram utilizados para avaliar o ajuste do modelo. Estes covariam de forma inversa, significando que a dimensionalidade do espaço é avaliada por um decréscimo do valor do S-stress e um acréscimo correspondente do RSQ. O S-stress mais próximo de 0 e o RSQ mais próximo de 1 indicam melhor ajuste do modelo, admitindo-se, respectivamente, valores de até 0,20 e iguais ou superiores a 0,60 (Schiffman, Reynolds & Young, 1981).
Empregou-se também o programa CIRCUM (Browne, 1992), compreendendo uma rotina desenvolvida a partir de princípios de modelagem por equações estruturais (SEM) com o fim de testar a adequação de modelos circumplex. A sintaxe utilizada do CIRCUM analisou a matriz de correlações produto-momento entre os 12 afetos, procurando testar o ajuste do modelo e determinar os ângulos polares que cada afeto ocupa no perímetro do círculo. Empregou-se o método de estimação ML (Máxima Verossimilhança), tendo sido designado o afeto tranquilo como a variável de referência (fixou-se sua localização na circunferência em 0º). Portanto, o posicionamento dos demais afetos foi estimado a partir dessa decisão. Embora esta tenha sido arbitrária, sabe-se que não influencia os resultados da análise (Browne, 1992). Com o fim de conhecer a adequação do modelo, empregou-se a RMSEA (Root Mean Square Error Of Approximation), que é fornecida pelo CIRCUM. Browne e Cudeck (1992) sugerem que valores inferiores a 0,05 indicam ajuste perfeito; valores entre 0,05 a 0,08 sugerem um ajuste aceitável; valores superiores a 0,08 e inferiores a 0,10 retratam um ajuste fraco; e, finalmente, valores superiores a 0,10 indicam falta de ajuste do modelo. Considerou-se ainda o Minimum Common Score Correlation (MCSC), que fornece o valor da correlação, quando as variáveis estão distantes 180º na circunferência, sendo valores mais próximos de -1,00 indicadores de uma melhor adequação da representação circumplex.
RESULTADOS
A estrutura bidimensional dos afetos foi avaliada por meio de escalonamento multidimensional (MDS). De acordo com a regra de que a raiz quadrada do número de estímulos provê uma aproximação mais confiável do número de dimensões que podem ser encontradas no procedimento (Schiffman e cols., 1981), a solução com três dimensões (ν12 = 3,46) seria normalmente recomendada para representar os afetos. Contudo, optou-se por utilizar a solução com duas dimensões já que esse modelo é proposto pela teoria, além do que oferece uma representação espacial mais parcimoniosa e claramente interpretável.
De acordo com os resultados obtidos, a solução baseada no algoritmo ALSCAL confirmou a adequação de uma estrutura bidimensional, pois o S-stress foi 0,028 e o Coeficiente de Correlação Quadrado (RSQ) 0,99. A solução bidimensional correspondente é mostrada na Figura 3.
No passo seguinte, procurando avaliar a adequação de uma estrutura circumplex, foi utilizada a rotina CIRCUM (Browne, 1992). Três modelos foram testados. O primeiro modelo (M1) procurou testar se os afetos eram igualmente espaçados na circunferência, tendo sido restringidos seus ângulos polares como equidistantes no perímetro do círculo e os índices de comunalidade correspondentes. O segundo modelo (M2) restringiu apenas os índices de comunalidade, permitindo que os espaços entre os afetos variassem livremente. Finalmente, o terceiro modelo (M3) relaxou qualquer restrição, deixando livres para variarem os índices de comunalidade e os espaços entre os afetos (Tabela 1).
Como pode ser observado na Tabela 1, o modelo com mais restrições (M1) indicou falta de ajuste aos dados, apresentando uma RMSEA de 0,208 (IC 90% = 0,200; 0,216) e um MCSC de -0,665. Ao se retirar a restrição do espaçamento igual, modelo M2, o indicador de ajuste RMSEA apresentou uma melhora [0,090 (IC 90% = 0,081; 0,099], podendo até ser aceito, embora não seja um valor perfeito; seu MCSC foi -0,599. Por fim, o modelo sem restrições (Modelo M3) apresentou valor de RMSEA de 0,057 (IC 90% = 0,046; 0,068), sugerindo um ajuste adequado, com valor de MCSC igual a -0,628. Na Figura 4 são representados os três modelos.
Finalmente, apresentam-se na Tabela 2 as comunalidades e os ângulos polares para cada afeto nos três modelos.
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi conhecer a estrutura subjacente aos afetos vivenciados em ambientes de trabalho, testando a adequação de um modelo circumplex. Confia-se, portanto, que este tenha sido atingido. A propósito, teve-se em conta uma amostra ampla, representando diferentes seguimentos laborais, o que pode assegurar variabilidade nas respostas e definir um contexto mais adequado para teste dos diferentes modelos. Nesse sentido, elaboraramse alguns pontos em que são discutidos os resultados descritos.
Ao testar o modelo bidimensional (Figura 3), percebeu-se que dois afetos foram alocados em quadrantes diferentes dos hipotetizados. Especificamente, incomodado foi alocado no quadrante baixo nível de prazer e baixa atividade, embora devesse aparecer no quadrante baixo prazer e alta atividade; e satisfeito que foi alocado em alto prazer e alta atividade, diferente do esperado (alto prazer e baixa atividade). Isso representa uma flutuação inferior a 17%, que tem sido admitida na literatura (Schwartz & Sagiv, 1995); assim, os 83,3% de concordância na alocação dos estímulos nos quadrantes são prova de adequação do modelo bidimensional dos afetos.
A solução bidimensional encontrada pode ser facilmente interpretada. A primeira dimensão (eixo horizontal) contempla o contínuo que vai de desprazer a prazer, indicando valência afetiva. Os estímulos que indicam afetos negativos ou desprazer ficaram no extremo esquerdo da dimensão (por exemplo, triste e furioso) e os que indicam afetos positivos, estímulos prazerosos, ficaram localizados no extremo direito (por exemplo, contente e entusiasmado). A segunda dimensão (eixo vertical) pode ser interpretada em função da variação na quantidade de atividades ou nível de alerta que o estado afetivo evoca. Os estados afetivos que requerem menos atividade estão na parte inferior da dimensão (por exemplo, tranquilo e desencorajado). Por outro lado, à medida que os estímulos vão se aproximando da parte superior da dimensão, observa-se o aumento gradativo de atividades evocadas pelos estados afetivos (por exemplo, empolgado e furioso). Esses resultados corroboram claramente a solução de duas dimensões para os afetos no trabalho, como proposta na literatura (Katwyk e cols., 2000).
Contudo, a técnica de Escalonamento Multidimensional (MDS) apresenta algumas limitações, não sendo adequada para testar a possibilidade de uma estrutura circumplex dos afetos. Especificamente, a MDS evidencia um julgamento subjetivo e não quantificável da estrutura observada, não oferecendo qualquer indicador de ajuste do número de facetas, pois os valores fornecidos (S-stress e RSQ) apenas indicam a adequação do espaço bidimensional (Fabrigar, Visser & Browne, 1997). Em vista dessas limitações, embora os resultados indiquem uma solução bidimensional, não são suficientes para comprovar a estrutura circumplex. Por essa razão, optou-se por realizar análises complementares.
A análise dos dados por meio do CIRCUM mostrou a ordenação dos afetos em cada modelo testado (Figura 4). O modelo M1, que corresponde a uma representação fidedigna da estrutura circumplex (Browne, 1992), não resultou em ajuste satisfatório, segundo o indicador RMSEA (Browne & Cudeck, 1992). Contrariamente, tomando como referência esse mesmo critério, o modelo M3 apresentou valor adequado, próximo ao 0,05 recomendado. Porém, este apenas indica que os afetos não se apresentam igualmente espaçados na circunferência (pressuposto básico para a estrutura circumplex), mas sim agrupadas em dois blocos extremos. Finalmente, o modelo M2 apresentou RMSEA limítrofe, talvez sugerindo a possibilidade de admitir um modelo circumplex imperfeito ou quasi-circumplex como representando os afetos no trabalho.
Em resumo, embora seja pertinente pensar em um modelo bidimensional para os afetos, corroborando e ampliando os achados de Gouveia e colaboradores (2008), mesmo considerando uma versão reduzida da JAWS, a hipótese de estrutura circumplex não foi confirmada; como muito, admite-se uma estrutura quasi-circumplex dos afetos no trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo dos afetos no contexto do trabalho é relevante, pois se tem constatado que as emoções, especialmente aquelas advindas dessa atividade, podem gerar tanto efeitos positivos quanto negativos à saúde do trabalhador (Gouveia e cols., 2008). Os resultados apresentados oferecem considerável suporte ao modelo bidimensional do bem-estar afetivo no trabalho (Warr, 1987), cobrindo as dimensões de prazer e ativação como propostas por Russell (1980), mas não a estrutura circumplex advogada por esse autor. Resultados semelhantes aos aqui descritos foram apresentados por Katwyk e cols. (2000), os quais encontraram suporte empírico para o modelo bidimensional, tendo falhado em plotar um modelo circumplex ajustado.
Todavia, o modelo bidimensional dos afetos provê um panorama mais compreensivo dos estados afetivos quando comparado com a tipologia mais clássica de afetos positivos (prazer) e negativos (desprazer). Além disso, estudos neuropsicológicos indicam haver diferenciação entre as duas dimensões; a dimensão de valência está primeiramente relacionada a comportamentos expressivos (ativação do músculo zigomático e corrugador) e respostas cardiovasculares (Lang, Bradley & Cuthbert, 1997; Bradley, Cuthbert & Lang, 1996). Em contraste, a dimensão de atividade está relacionada a respostas eletrodérmicas (Lang, Bradley & Cuthbert, 1997). Estudos futuros podem ter em conta a relação de cada uma das quatro categorias afetivas com diversas variáveis, como os possíveis estressores no trabalho (conflito interpessoal, carga de trabalho), a satisfação no trabalho e os sintomas físicos. Por exemplo, exposição crônica a emoções negativas, particularmente aquelas que evocam estimulação alta, estão associadas com efeitos fisiológicos que a longo prazo podem levar a doenças físicas (Katwyk e cols., 2000).
Finalmente, apesar do previamente comentado, demandam-se testes adicionais do modelo circumplex dos afetos no trabalho, considerando: (a) amostras mais representativas e diversificadas, sobretudo em termos de estressores do contexto laboral e (b) itens mais adequados para representar cada faceta dos afetos. Como foi indicado, dois itens/afetos (incomodado e satisfeito) não se mostraram adequados para representar os polos teoricamente esperados. Embora tendo a ver com os afetos no trabalho, talvez não se diferenciem semanticamente ou produzam interpretações ambíguas. Sobre esse aspecto, poder-se-ia pensar em uma medida alternativa dos afetos nesse contexto, empregando uma descrição para cada etiqueta dos afetos. Confiase que esses aspectos suscitem estudos futuros nessa área, consolidando uma temática relevante em Psicologia.
REFERÊNCIAS
Averill, J.R. (1975). A semantic atlas of emotional concepts. JSAS Catalog of Selected Documents in Psychology, 5, 1-64. [ Links ]
Bradley, M. M., Cuthbert, B. N. & Lang, P. J. (1996). Lateralized startle probes in the study of emotion. Psychophysiology, 33, 156-161. [ Links ]
Browne, M. W. & Cudeck, R. (1992). Alternative ways of assessing model fit. Sociological Methods and Research, 21, 230-258. [ Links ]
Browne, M. W. (1992). Circumplex models for correlation matrices. Psychometrika, 57, 469-497. [ Links ]
Cliff, N. & Young, F. W. (1968). On the relation between unidimensional judgments and multidimensional scaling. Organizational Behavior and Human Performance, 3, 269-285. [ Links ]
Darwin, C. A (2000). A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras (originalmente publicado em 1872). [ Links ]
Fabrigar, L. R., Visser, P. S. & Browne, M. W. (1997). Conceptual and methodological issues in testing the circumplex structure of data in personality and social psychology. Personality and Social Psychology Review, 1, 184-203. [ Links ]
Gerber, J. A., Posner, J., Gorman, D., Colibazzi, T., Yu, S., Wang, Z., Kangarlu, A., Zhu, H., Russell, J. & Peterson, B. S. (2008). An affective circumplex model of neural systems subserving valence, arousal, and cognitive overlay during the appraisal of emotional faces. Neuropsychologia, 46, 2129-2139. [ Links ]
Gondim, S. M. G., Lima, M. E. O. & Alvaro, J. L. (2006). Gênero e status na atribuição de afetos no trabalho: Um estudo intercultural Brasil e Espanha. Psicologia: Organizações e Trabalho, 6, 165-195. [ Links ]
Gouveia, R. S. V., Lins, Z., Lima, T. J. S., Freires, L. A. & Gomes, A. I. (2009). Bem-estar afetivo entre profissionais de saúde. Revista Bioética, 17, 267-279. [ Links ]
Gouveia, V. V., Fonseca, P., Lins, S. B. & Gouveia, R. S. V. (2008). Escala de Bem-estar Afetivo no Trabalho (JAWS): Evidências de validade fatorial e consistência interna. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21, 464-473. [ Links ]
Green, R. S. & Cliff, N. (1975). Multidimensional comparisons of structures of vocally and facially expressed emotions. Perception and Psychophysics, 17, 429-438. [ Links ]
Katwyk, P. T. V., Fox, S., Spector, P. E. & Kelloway, E. K. (2000). Using the job-related affective well-being scales (JAWS) to investigate affective responds to work stressors. Journal of Occupational Health Psychology, 5, 219-230. [ Links ]
Kruskal, J. B. & Wish, M. (1981). Multidimensional scaling. Beverly Hills, CA: Sage Publications. [ Links ]
Lang, P. J., Bradley, M. M. & Cuthbert, B. N. (1997). Motivated attention: Affect, activation and action. In P. J. Land, R. F. Simons, & M. T. Balaban (Eds.), Attention and orienting:Sensory and motivational processes (pp. 97-136). Hillsdale: Erlbaum. [ Links ]
Larsen, R. J. & Diener, E. (1992). Promises and problems with the circumplex model of emotion. In M. S. Clark (Eds.), Review of personality and social psychology: Emotion (vol. 13, pp. 25-59). Newbury Park, CA: Sage Publications. [ Links ]
Posner, J., Russell, J. A. & Peterson, B. S. (2005). The circumplex model of affect: An integrative approach to affective neuroscience, cognate development and psychopathology. Development and Psychopathology, 17, 715-734. [ Links ]
Remington, N. A., Fabrigar, L. R. & Visser, P. S. (2000). Reexamining the circumplex model of affect. Journal of Personality and Social Psychology, 79, 286-300. [ Links ]
Russell, J. A. (1980). A circumplex model of affect. Journal of Personality and Social Psychology, 39, 1161-1178. [ Links ]
Russell, J. A., Lewicka, M. & Niit, T. (1989). A cross-cultural study of a circumplex model of affect. Journal of Personality and Social Psychology, 57, 848-856. [ Links ]
Schiffman, S.S., Reynolds, M.L. & Young, F.W. (1981). Introduction to Multidimensional Scaling. New York: Academic Press. [ Links ]
Schlosberg, H. (1941). A scale for the judgment of facial expressions. Journal of Experimental Psychology, 29, 497-510. [ Links ]
Schlosberg, H. (1954). Three dimensions of emotion. Psychological Review, 61, 81-88. [ Links ]
Schwartz, S. H. & Sagiv, L. (1995). Identifying culture-specifics in the content and structure of values. Journal of Cross-Cultural Psychology, 26, 92-116. [ Links ]
Warr, P. (1987). Work unemployment, and mental health. Oxford: Oxford University Press. [ Links ]
Watson, D. & Tellegen, A. (1985). Toward a consensual structure of mood. Psychology Bulletin, 98, 219-235. [ Links ]
Watson, D., Clark, L. & Tellegen, A. (1988). Development and validation of brief measures of positive and negative affect: The PANAS scales. Journal of Personality and Social Psychology, 54, 1063-1070. [ Links ]
Wundt, W. M. (1897). Outlines of psychology. Página WEB: http://psychclassics.yorku.ca/Wundt/Outlines (consultado em 25 de outubro de 2009). [ Links ]
Recebido em: 09.04.2010
Aprovado em: 14.01.2011
Publicado em: 28.03.2011
* Este artigo contou com apoio do CNPq por meio de bolsas de Produtividade em Pesquisa e Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UFPB) concedidas ao primeiro e segundo autores, respectivamente. Os autores agradecem a esta instituição. Toda correspondência deverá ser encaminhada à Valdiney V. Gouveia, Universidade Federal da Paraíba, CCHLA - Departamento de Psicologia - 58.051-900, João Pessoa - PB. vvgouveia@gmail.com.