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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

     

 

Tendência temporal de afastamento do trabalho por transtornos mentais e comportamentais em enfermeiros (1998-2008)

 

Time trends of sick leave at work by mental and behavioral disorders of nurses (1998-2008)

 

 

Adriana FalavignaI,1; Mary Sandra CarlottoII,2

IUniversidade Luterana do Brasil
IIPontifícia Universidade do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

O absenteísmo decorrente de doenças relacionadas ao trabalho vem sendo considerado um problema de saúde pública devido ao impacto causado em termos sociais, organizacionais e individuais. O objetivo do presente estudo foi identificar a tendência temporal da prevalência dos afastamentos do trabalho por transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho em enfermeiros de um hospital geral. Trata-se de estudo exploratório de séries temporais com utilização de dados secundários. Foram analisados 375 afastamentos de enfermeiros de um hospital no período de 1998 a 2008. A análise de tendência foi realizada pelo procedimento de Prais-Winsten. A tendência de taxas de afastamento foi de aumento, em média, de 1% ao ano. As taxas mais elevadas foram de transtornos do humor (F30-39), 46,7%; e transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes (F40-48), 31,5%. A tendência de aumento reflete mudanças no perfil de morbidade dos enfermeiros. O estudo indica a necessidade de monitoramento da tendência de absenteísmo por transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho e sugere a investigação de fatores associados a fim de subsidiar intervenções de promoção, reabilitação e reintegração ao trabalho.

Palavras-chave: Estudo de séries temporais, Transtornos mentais, Enfermeiros.


ABSTRACT

The absenteeism resulting from work-related illnesses has been considered a public health problem due to social, organizational, and individual impacts. This study aimed to identify the trends over time of the prevalence of sick leave for work-related mental and behavioral disorders in nurses at a general hospital. This is an exploratory time-series study using secondary data. The record of 375 sick leave requests from nurses at a hospital, in the period from 1998 to 2008, were analyzed. The trend was analyzed using the Prais-Winsten procedure. The sick leave trend shows an increase of 1% per year on average. The highest levels were from mood disorders (F30-39), 46.7%; and neurotic, stress-related, and somatoform (F40-48) disorders, 31.5%. The trending increase reflects changes in the morbidity profile of the nurses. This study indicates the need to monitor the absenteeism trend caused by work-related mental and behavioral disorders, and suggests fuller investigation of the factors associated with this problem in order to support interventions for promotion, rehabilitation, and work reintegration.

Keywords: Time Series Study, Mental Disorders, Nurses.


 

 

O trabalho em instituições hospitalares apresenta diversos estressores ocupacionais, como exposição a riscos biológicos, regime de turnos, plantões, baixos salários e contato muito próximo com os pacientes. A atividade dos profissionais neste contexto mobiliza emoções e conflitos, tornando esses trabalhadores particularmente suscetíveis ao sofrimento psíquico e ao adoecimento em consequência do trabalho (Rios, 2008).

Entre os trabalhadores da saúde, a enfermagem é considerada como uma das ocupações com alto risco de desgaste e adoecimento (Magnago, Lisboa, Griep, Kirchhof & Guido, 2010). O trabalho do profissional enfermeiro é um processo contínuo, imprevisível, complexo e possui multiplicidade de atos que podem levar o trabalhador a um processo de desgaste (Martins, Guimarães & Vieira, 2000).

A vivência continuada desses sentimentos negativos e estressores torna o trabalhador mais vulnerável ao desenvolvimento de transtornos psicossociais, psicossomáticos e psiquiátricos, de forma genérica, denominados transtornos mentais (Noro & Kirchhof, 2004). Transtornos mentais e comportamentais são condições clinicamente significativas, caracterizadas por alterações do modo de pensar e do humor (emoções), ou por comportamentos associados à angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento. Resultam não de fatores isolados, mas de contextos de trabalho em interação com o corpo e aparato psíquico dos trabalhadores (Brasil, 2001). No Brasil, os transtornos mentais e comportamentais ocupam o terceiro lugar em quantidade de concessões de auxílio-doença acidentário. Sua ocorrência apresenta-se instável, considerando que de 2008 para 2009, o número de afastamentos do trabalho em decorrência de transtornos mentais e comportamentais aumentou de 12.818 para 13.478. Em 2010, esse número apresentou uma queda, passando para 12.150. No entanto, a concessão de auxílios-doença em função de transtornos mentais e comportamentais voltou a subir em 2011, passando para 12.337 (Brasil, 2012).

Verifica-se, atualmente, uma maior preocupação em revelar os fatores associados ao absenteísmo laboral e sua relação com os transtornos mentais e comportamentais (Fonseca & Carlotto, 2011). Roelen, Van Der Pol, Koopmans e Groothoff (2006) realizaram uma investigação com 238 trabalhadores de saúde holandeses e identificaram que os fatores relacionados ao trabalho eram preditores importantes no absenteísmo por doença. Os trabalhadores que apontavam trabalhar em piores condições de trabalho apresentavam maior quantidade de ausências laborais. Josephson, Lindberg, Voss, Alfredsson e Vingård (2009) revelam que, entre 2.293 enfermeiros suecos investigados, 16% tinham registros de alguma licença médica superior a 28 dias.

Carvalho, Matos, Souza e Ferreira (2010), em estudo realizado em um hospital do Rio de Janeiro, identificaram que os transtornos mentais e comportamentais foram o terceiro motivo mais observado de licenças de saúde, entendendo que tal problemática de saúde ocupacional pode ocorrer, no profissional de enfermagem, em razão da insuficiência de descansos e pausas para a recuperação do estresse fisiológico e mental provocado pela função, o que é traduzido em um elevado potencial para o adoecimento.

Murofuse e Marziale (2005), objetivando identificar os transtornos mentais e comportamentais apresentados por trabalhadores de enfermagem, no estado de Minas Gerais, identificaram 692 participantes com diagnósticos relacionados a transtornos mentais e comportamentais, os quais são classificados, segundo o Código Internacional de Doenças (CID), como transtornos de humor (54,3%), transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somáticos (28,7%) e transtornos mentais e de comportamento devido ao uso de substâncias psicoativas (5,5%). Foi constatado que 40,8% dos diagnósticos foram vinculados a patologias legalmente consideradas como doenças do trabalho, entre as quais, destacaram-se os episódios depressivos. Conforme a pesquisa, os transtornos mentais e comportamentais constituíram-se na segunda causa da demanda de atenção prestada pelo Serviço de Medicina do Trabalho. Noro e Kirchhof (2004) identificaram, em trabalhadores de uma instituição universitária no Rio de Janeiro, que as licenças por os transtornos mentais e comportamentais foram um fator importante de afastamento do trabalho, ou seja, de 11,79% a 25,75% das licenças foram concedidas para tratamento de saúde.

Uma investigação realizada com o intuito de descrever os afastamentos do trabalho da equipe de enfermagem por motivo de transtornos mentais, registrados no período de 1995 a 2004, realizado por Faria, Barboza e Domingos (2005), identificou 294 episódios de afastamentos na enfermagem de um hospital do interior de São Paulo por transtornos mentais e comportamentais, segundo o grupo V do CID-10. O maior registro deu-se para os transtornos do humor/afetivos (68,0%), seguidos pelos transtornos neuróticos relacionados com estresse e transtornos somatoformes (25,5%).

O absenteísmo decorrente de doenças é um problema de saúde pública e apresenta um impacto em termos sociais, organizacionais e individuais, acarretando, assim, importantes gastos sociais, devendo ser administrado para viabilizar políticas adequadas de prevenção (Schreuder, Roelen, Koopmans, Moen & Groothoff, 2010). Seu monitoramento e a avaliação sistemática podem subsidiar a tomada de decisão gerencial, assim como o aperfeiçoamento de Políticas de Recursos Humanos, Programas de Prevenção à Saúde do Trabalhador e a melhoria da Qualidade de Vida no Trabalho (Estorce & Kurcgant, 2011).

Nesse sentido, este estudo objetiva identificar a tendência temporal da prevalência dos afastamentos do trabalho por os transtornos mentais e comportamentais em enfermeiros de um hospital geral.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório de séries temporais, com utilização de dados secundários (Cunha, Blank & Boing, 2009), realizado em um hospital geral de grande porte da cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, cuja finalidade é a prestação de assistência complexa e especializada. A instituição também está voltada para o ensino e a pesquisa. Em 2009, este hospital contava com 2.004 trabalhadores de enfermagem, sendo 304 enfermeiros, com turnos de trabalho de 36 horas semanais, distribuídos nos turnos da manhã, tarde e noite.

A investigação foi desenvolvida com todos os 375 enfermeiros que tinham tido afastamento do trabalho por transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho, conforme registrado no Setor de Saúde do Trabalhador, no período de 1998 a 2008. Para levantamento de dados demográficos, profissionais e motivo de afastamento, utilizou-se a ficha padronizada, denominada de Saúde do Trabalhador - Encaminhamento.

Primeiramente, foi realizado um contato com o responsável pelo Serviço da Saúde do Trabalhador, momento no qual foram expostos os objetivos do estudo. Foi esclarecido, então, tratar-se de uma pesquisa sem quaisquer efeitos avaliativos individuais e/ou institucionais e cujos dados seriam anônimos e confidenciais. O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética da instituição - Grupo de Ensino e Pesquisa (GEP). Depois de aprovado, os dados foram disponibilizados pelo Setor de Informática, que mantém uma base de dados abrangente e integrada, possibilitando a obtenção de informações atualizadas e precisas de todos os enfermeiros, tanto no âmbito cadastral - referente à vida pessoal do funcionário - como funcional. Seus campos apresentaram adequada completude e fidedignidade.

Foram obtidas as seguintes variáveis relativas aos enfermeiros afastados: sexo, idade, tempo de trabalho, dias de afastamento, unidade de trabalho e diagnóstico médico (CID-10).

Na primeira etapa, foi realizada estatística descritiva para os afastamentos por transtornos mentais e comportamentais, por meio da distribuição de frequências. Foram, para tanto, calculadas as taxas de afastamento para os anos de 1998 a 2008, segundo Capítulo V - Transtornos mentais e comportamentais (F00-F99) da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), para cada grupo: Grupo 1 - Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos (F00-F09); Grupo 2 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa (F10-F19); Grupo 3 - Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes (F20-F29); Grupo 4 - Transtornos do humor/afetivos (F30-F39); Grupo 5 - Transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes (F40-F48); Grupo 6 - Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos (F50-F59); Grupo 7 - Transtornos da personalidade e do comportamento do adulto (F60-F69); Grupo 8 - Retardo mental (F70-F79); Grupo 9 - Transtornos do desenvolvimento psicológico (F80-F89); Grupo 10 - Transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente durante a infância ou adolescência (F90-F98); Grupo 11 - Transtorno mental não especificado (F99) (Brasil, 2001).

Para análise de tendências, usou-se o procedimento de Prais-Winsten para regressão linear generalizada; os parâmetros da regressão foram calculados com correção da autocorrelação de primeira ordem, dessa maneira, avaliando se a tendência configura-se como de ascensão, declínio ou estabilidade. Foi, portanto, quantificada a variação média anual de decréscimo ou acréscimo das taxas de afastamento e calculados os respectivos intervalos de confiança (95%), sendo consideradas em ascensão aquelas cujo coeficiente de regressão foi positivo, e de declínio, quando o coeficiente foi negativo. As taxas cujo coeficiente de regressão não se revelou diferente de zero (p>0,05) foram consideradas estáveis.

 

RESULTADOS

Os resultados obtidos evidenciam que, dos 375 enfermeiros investigados, 97,3% são mulheres, possuem idade média de 42 anos e 4 meses (± 5 anos e 6 meses) e tempo de trabalho de 13 anos (± 7 anos e 6 meses).

Entre 1999 e 2008, 375 enfermeiros foram afastados para Licença de Tratamento de Saúde (LTS), tendo ocorrido o maior número de afastamentos no ano de 2008 (18,9%); e o menor, no ano de 1999 (3,8%). O grupo transtornos do humor foi o que apresentou maior percentual de afastamentos (46,7%); e o menor percentual foi o de transtornos do comportamento e transtornos emocionais, que aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência (0,3%). Os grupos 3, 8, 9 e 11 não apresentaram ocorrências, conforme demonstrado na Tabela 1.

A figura 1 ilustra a série histórica das taxas de afastamento. O valor do coeficiente pela análise de Prais-Winstein revelou que a tendência foi de aumento (p=0,016), com uma variação anual de 1,02 (IC 95% -0,10 a 2,14), ou seja, na média, existe um aumento de 1% ao ano de profissionais que se afastam por transtornos mentais e comportamentais.

 

 

Na figura 2, apresenta-se a série histórica das taxas de afastamento do trabalho para tratamento de saúde de enfermeiros, segundo os capítulos da CID-10. Para transtornos mentais orgânicos, o valor do coeficiente pela análise de Prais-Winstein revelou que a tendência foi de aumento (p=0,037), com uma variação média anual de 0,3% (IC 95% 0,02 a 0,56). Transtornos mentais e comportamentais em consequência do uso de substâncias psicoativas apresentaram igualmente tendência de aumento (p=0,003), com variação anual média de 0,56% (IC 95% 0,26 a 0,87). Já os demais grupos assinalaram tendência de estabilidade: transtornos do humor (p=0,215; IC 95% -0,28 a 1,08), transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes (p=0,114; IC 95% -1,12 a 0,14) e as síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos (p=0,799; IC 95% -0,50 a 0,40).

 

 

DISCUSSÃO

Dos 375 enfermeiros afastados para LTS entre 1999 e 2008, verifica-se o maior número de afastamentos no ano de 2008 (18,9%); e o menor, no ano de 1999 (3,8%). O grupo investigado possui, em média, 13 anos de trabalho na instituição. Esse resultado pode ir ao encontro do que sugerem Noro e Kirchhof (2004), os quais referem que a quantidade de anos de trabalho, a exposição do profissional a fatores estressantes e a vivência continuada desses profissionais em tal ambiente negativo tornam-lhes mais suscetíveis ao desenvolvimento de transtornos mentais.

Outra questão que pode ser apontada é a mudança no perfil funcional deste profissional. As políticas de saúde, as relações de poder, de agir e de saber entre os diversos profissionais de saúde, o aumento da complexidade tecnológica e do cuidado, exigem cada vez mais que o enfermeiro assuma sua atribuição específica de gerenciamento do cuidado, o que, na escala organizacional, está em um ponto intermediário, localizado entre equipe médica e equipe de enfermagem. E, nesta esfera, tem de acompanhar os processos de atualização administrativos e tecnológicos, esperando-se que responda positivamente pela implantação das novas tecnologias e garanta o sucesso da nova prática entre os membros de sua equipe, atuando dentro de um padrão de qualidade a fim de atingir as metas institucionais e continuidade entre os turnos (Massaro & Chaves, 2009).

As transformações, no decurso do tempo, na área da saúde, podem ser denominadas, hoje, como modelos híbridos, os quais exigem uma capacidade adaptativa muito maior por parte dos enfermeiros que trabalham em hospitais (Bernardino, Felli & Peres, 2010). Esta adaptabilidade, pela qual lhes é exigido um trabalho qualificado sem, muitas vezes, possuírem reais possibilidades de execução, gera sofrimento psíquico, estresse ocupacional e outros problemas de saúde mental relacionados ao trabalho.

No atual cenário, a formação do enfermeiro e a necessidade de novos perfis exigem uma "desconstrução" de saber adquirido na escola tradicional (Bernardino, Felli & Peres, 2010). Os serviços de saúde sofreram os impactos da crise do capitalismo do final do século XX, sendo forçados a se reorganizarem para garantir a competitividade e assegurar acumulação, adotando as estratégias próprias da reestruturação produtiva (Amestoy, Cestari, Thofehrn, Milbrath & Porto, 2010).

No período investigado, o grupo transtornos do humor foi o que apresentou maior percentual de afastamentos (46,7%). Mesmo sendo um percentual bastante elevado, o resultado é inferior ao encontrado por Faria et al. (2005) em estudo sobre afastamentos de enfermeiros em um hospital do interior de São Paulo. Os autores identificaram que o maior registro ficou para os transtornos do humor/afetivos (68,0%) no período de 1995 a 2004. Os transtornos do humor caracterizam-se por alterações do afeto, no sentido de uma depressão (com ou sem ansiedade associada) ou de uma elação, cuja ocorrência de episódios individuais pode, frequentemente, ter analogia com situações ou fatos estressantes (Organização Mundial de Saúde, 1993). Este resultado pode estar relacionado aos inúmeros fatores de estresse aos quais estão expostos esses profissionais, associados às características emocionais do trabalho executado.

A profissão de enfermeiro possui uma interconexão generalizada entre o trabalho emocional, bem-estar emocional e prática profissional, que é influenciada por fatores como questões organizacionais e de trabalho, comunicação com os profissionais de saúde, limites profissionais, educação e desenvolvimento profissional (Rose & Glass, 2010). Envolve o entendimento de pessoas, seus conflitos, seus vínculos individuais e com sua família, além dos que estabelece com o próprio trabalho, sua produção e a inserção na equipe (Thofehrn, Amestoy, Porto, ArrieiraI & Dal Pai , 2011).

Os resultados deste estudo revelaram uma tendência de aumento de 1% ao ano de afastamentos por transtornos mentais e comportamentais do grupo de enfermeiros pesquisados. Segundo De Cola e Higgins (2010), aproximadamente metade dos enfermeiros investigados em um estudo transcultural afirmou que seus trabalhos são piores hoje do que há cinco anos, em termos de condições e reconhecimento.

No Brasil, o processo de precarização do trabalho tornou-se expressivo na década de 1990, no contexto da crise do sistema econômico e da consolidação do neoliberalismo como estratégia de solução, o que se caracteriza como uma situação laboral atípica e desfavorável à saúde do trabalhador e, por conseguinte, à produtividade. Os sistemas de saúde e, consequentemente, seus profissionais, estão cada vez mais vulneráveis ao estresse, não somente em consequência da natureza do cuidado da sua profissão, mas em razão do aumento de demanda e diminuição de recursos com sobrecarga dos profissionais, que, desse modo, necessitam realizar um esforço adicional em um momento no qual as instituições deveriam aumentar seu poder de fixação e satisfação no trabalho. A necessidade constante de estudo para aperfeiçoamento, treinamento de equipe e reuniões administrativas que excedem à carga horária contratada contribui para a diminuição de horas de lazer do trabalhador, assim, contribuindo para seu adoecimento. Como consequência, as ausências do trabalho acarretam um número insuficiente de profissionais, ocasionando sobrecarga de atividades, gerando insatisfação dos trabalhadores em jornada de trabalho e, inevitavelmente, queda na qualidade da assistência prestada (Carvalho et al., 2010) e aumento de afastamento de longo prazo (Clausen, Nielsen, Carneiro & Borg, 2012).

Resultados da série histórica das taxas de afastamento do trabalho, segundo capítulos da CID-10, revelam tendência de aumento dos transtornos mentais orgânicos, com uma variação média anual de 0,3% e de os transtornos mentais e comportamentais em razão do uso de substâncias psicoativas, com variação anual média de 0,56%. Este agrupamento compreende numerosos transtornos que se diferem entre si pela gravidade variável e por sintomatologia diversa, mas que têm em comum o fato de serem todos atribuídos ao uso de uma ou de várias substâncias psicoativas, prescritas ou não por um médico (Organização Mundial de Saúde, 1993).

Entre as várias funções do profissional enfermeiro, destaca-se sua responsabilidade pela supervisão e administração dos fármacos. Em estudo transversal realizado em dois hospitais públicos no Rio de Janeiro, por Barros, Rocha e Harter (2009), com 1.509 profissionais, dos quais 84,4% eram da enfermagem, foram encontradas frequências mais altas do hábito da automedicação entre os enfermeiros. Tal prática seria uma forma de atenuar situações de desgastes e enfrentamentos na jornada de trabalho. Estudo realizado por Pin (1999), com enfermeiros, identificou que a maioria dos usuários considerava o ambiente de trabalho estressante e atribuíam a problemas psíquicos o fator principal para o hábito de automedicação.

Já os grupos transtornos do humor, transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes e as síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos, embora mais prevalentes, apresentaram-se estáveis ao longo do período. Esse resultado pode estar relacionado aos avanços dos estudos e, consequentemente, da maior divulgação dos fatores de estresse e suas formas de enfrentamento. Também, pode ser resultado do que se conhece, hoje, por presentismo laboral (Flores-Sandi, 2006), ou seja, manter-se no trabalho mesmo com algum tipo de adoecimento devido a estratégias de gestão perversas, que entendem o trabalhador doente como indolente, gerando o medo de perder o emprego, trocar de função ou sofrer algum tipo de assédio moral. Conquanto o delineamento de séries temporais tenha vantagens, como baixo custo e rápida execução (Cunha et al., 2009), apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. Uma delas está relacionada à utilização de dados secundários, comprometendo, por vezes, a precisão e validade das variáveis. No estudo realizado, pode ter ocorrido subnotificação real dos agravos em consequência da legislação vigente do Conselho Regional de Medicina - Artigo 112/Resolução Conselho Federal de Medicina, nº 1.658/2002, pela qual, a colocação de CID, em atestado médico, só poderá ser feita mediante dever legal ou autorização expressa do paciente, sob pena do profissional violar o código de ética médica (Brasil, 2002).

Também, deve-se apontar o desconhecimento médico de determinadas patologias laborais relacionadas aos transtornos mentais e comportamentais, bem como de seu nexo causal (Carlotto, 2010). O modelo médico coloca a doença como o resultado da ação de agentes específicos, e sua solução, na ação curativa. O resultado dessa visão obscurece o complexo entendimento da relação entre processo de trabalho e saúde, isto é, uma parte dela é colocada fora do trabalho, como uma "doença geral"; e outra é reconhecida como decorrente do trabalho, mas restringe-se aos riscos físicos, químicos, biológicos ou mecânicos (Laurell & Noriega, 1989). Há de salientar-se que persiste o hábito de considerarem-se os afastamentos do trabalho como um problema médico, uma vez que as demandas físicas são mais fáceis de definir e medir do que as mentais (Owens, 1997).

A despeito de apresentarem alta prevalência entre a população trabalhadora, os distúrbios psíquicos relacionados ao trabalho, com frequência, não são reconhecidos como tais no momento da avaliação clínica. Essa situação pode estar relacionada às próprias características dos distúrbios psíquicos, regularmente mascarados por sintomas físicos, bem como pela complexidade inerente à tarefa de definir-se claramente a associação entre tais distúrbios e o trabalho desenvolvido pelo trabalhador (Glina, Rocha, Batista & Mendonça, 2001). Cabe destacar que, por vezes, o conhecimento do trabalhador hospitalar em relação à sua saúde, especificamente na abordagem dos riscos ocupacionais, é superficial. Embora o profissional de saúde promova o cuidado ao indivíduo doente, pouco sabe a respeito de cuidar de sua própria saúde profissional na relação saúde-trabalho-doença.

 

CONCLUSÃO

Estudos com delineamento de séries temporais não se constituem um fim em si, todavia um meio de fornecer informações e subsídios para uma consequente tomada de decisão (Morettin, 1981). Mesmo que a tendência de aumento identificada nos grupos seja considerada pequena, geralmente, percentuais inferiores a 1%, a prevalência aponta para um quadro grave de adoecimento dos profissionais enfermeiros. Esses resultados sugerem a necessidade de monitoramento sistemático das taxas de absenteísmo por os transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho, assim como a investigação de fatores associados aos adoecimentos a fim de subsidiar medidas de promoção e prevenção de agravos à saúde desses trabalhadores.

O processo de afastamento do trabalhador, temporário e/ou definitivo, por qualquer motivo, gera um impacto negativo na vida do mesmo, mas, quando esse afastamento é decorrente das manifestações psicopatológicas dos transtornos mentais e comportamentais, instaura-se o preconceito e a estigmatização em suas vidas. Além das limitações impostas nas atividades da vida diária, reduz suas potencialidades na esfera do trabalho e da convivência familiar e social (Miranda, Carvalho, Fernandes, Silva & Sabino, 2009).

Sob tal perspectiva, torna-se importante a reflexão dos resultados concernentemente aos mais diversos níveis hierárquicos e funcionais da instituição hospitalar com o intuito de, por meio de uma ação conjunta, buscarem-se alternativas a possíveis modificações, não só na esfera microssocial do trabalho do enfermeiro, mas também na ampla gama de fatores meso e macro-organizacionais os quais podem gerar um processo de trabalho saudável em busca do resgate da condição humana do sujeito-trabalhador, desse modo, viabilizando um cuidado terapêutico, humano e ético.

 

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Recebido em: 23.03.2012
Aprovado em: 10.07.2013

 

 

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