Revista Psicologia Organizações e Trabalho
ISSN 1984-6657
Cultura organizacional, coping e bem-estar subjetivo: um estudo com professores de universidades brasileiras1
Organizational culture, coping and subjective well-being: a study with brazilian's universities professors
Helenides MendonçaI; Maria Cristina FerreiraII; António CaetanoIII; Claudio Vaz TorresIV
IPontifícia Universidade Católica de Goiás
IIUniversidade Salgado de Oliveira
IIIInstituto Universitário de Lisboa
IVUniversidade de Brasília
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo analisar as relações entre cultura organizacional, coping e bem-estar subjetivo, operacionalizado em termos dos afetos positivos e negativos. Participaram do estudo 514 professores universitários. Foram aplicados os seguintes instrumentos avaliativos: Instrumento Brasileiro de Acesso à Cultura Organizacional, Escala de Coping Ocupacional e Escala de Afetos Positivos e Negativos no Trabalho. Os resultados das análises de correlação demonstraram que as práticas culturais de orientação e de iniciativa, assim como os valores culturais de profissionalismo cooperativo estão associados ao bem-estar subjetivo. Os resultados das análises de regressão hierárquica demonstraram que os efeitos da cultura organizacional sobre o bem-estar subjetivo no trabalho se manifestaram de maneira diferente para os afetos positivos e negativos. Os valores culturais de cooperação estão associados aos afetos positivos e os valores de competição aos afetos negativos. As estratégias de coping de manejo dos sintomas mediaram a relação entre práticas culturais de iniciativa e o bem-estar subjetivo. Este estudo contribui para explicar as variâncias das emoções no trabalho dos professores.
Palavras-chave: Cultura, coping, bem-estar subjetivo.
ABSTRACT
This study aimed to analyze the relationship between organizational culture, coping and subjective well-being. The subjective well-being was operationalized in terms of positive and negative emotions.514 university professors took part in the study. The following instruments were used: Brazilian Instrument for Assessing Organizational Culture, Occupational Coping Scale and Scale of positive and negative emotions at work. Correlation analysis results showed that the cultural practices of orientation and initiative, as well as the cultural values of cooperative professionalism are associated to subjective well-being. Results for the hierarchical regressions showed that the organizational culture effect on the subjective well-being at work are expressed in different manner to the positive and negative emotions The cooperation cultural values are associated to positive emotions and competitive values to the negative ones. The coping strategies of symptoms management mediated the relationship between initiative cultural practices and subjective well-being. This study contributes to explain the emotions variances at work.
Keywords: Culture, coping, Subjective well-being.
A categoria profissional dos professores universitários brasileiros tem se mostrado particularmente vulnerável às mudanças ocorridas, na última década, no âmbito da educação superior. Assim, no Brasil do século XXI, a atividade docente no contexto universitário tem sofrido pressões das mais diversas ordens. Esses profissionais devem ser capazes de lidar com novas tecnologias de ensino-aprendizagem, atender à crescente demanda por produtividade acadêmica, responder às exigências de aprimoramento intelectual e de qualidade na educação e ainda colaborar para o melhor posicionamento das Instituições de Educação Superior (IES) perante o ranking avaliativo nacional. Além disso, eles costumam ser alijados do processo decisório e das atividades estruturais que influenciam diretamente o seu trabalho (Sousa & Mendonça, 2009). Nesse sentido, Carlotto e Câmara (2008), após amplo levantamento, que incluiu profissionais das mais diversas áreas, como saúde, educação e segurança, constataram ser a atividade docente uma das mais suscetíveis ao adoecimento. Em outras palavras, as exigências impostas a esses profissionais podem acabar impactando sua vivencia de bem-estar subjetivo.
O bem-estar subjetivo refere-se à análise feita pelas pessoas sobre as suas experiências relacionadas aos afetos positivos, à felicidade, à alegria e à satisfação com a vida (Diener, Suh, & Oishi, 1997). Ele emerge, assim, como resultado da proeminência dos afetos positivos sobre os negativos, o que é significativamente relevante para o ajuste emocional, assim como para a saúde geral das pessoas (Diener et al., 2010; Diener & Chan, 2011). O estudo do bem-estar subjetivo e de outros aspectos positivos da vida em sociedade sofreu grande impulso após a introdução da perspectiva da psicologia positiva (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000) na literatura sócio-psicológica. Os autores que focam essa vertente têm se dedicado a compreender as vivências favoráveis obtidas em diferentes domínios da vida pessoal, incluindo o contexto de trabalho.
As características do trabalho têm se constituído em aspectos chave para a compreensão do bem-estar do empregado (ver, por exemplo, de Lange, Taris, Kompier, Houtman, & Bongers, 2003; van Veldhoven, Taris, de Jonge, & Broersen, 2005). Tais características expressam, no entanto, a cultura da organização, isto é, crenças, valores e pressupostos básicos compartilhados pelos membros organizacionais, os quais lhes permitem lidar com os problemas de adaptação interna e externa com que se defrontam (Schein, 1992).
Os estudiosos da cultura organizacional defendem que ela se desdobra em vários tipos ou dimensões (Cameron & Quinn, 1999; Cooke & Rousseau, 1988; Hanges & Dickson, 2004; Hofstede, Neuijen, Ohayv, & Sanders, 1990; O'Reilly, Chatman & Caldwell, 1991; Wallach, 1983) e vem desenvolvendo instrumentos especificamente destinados a avaliar tais dimensões. Hofstede et al. (1990), por exemplo, enfatizam que a cultura de uma organização se manifesta por meio de valores e práticas organizacionais. Fundamentando-se em tal arcabouço teórico, Ferreira et al. (Ferreira, Assmar, Estol, Helena & Cisne, 2002; Ferreira & Assmar, 2008) desenvolveram um instrumento destinado a avaliar a cultura de organizações brasileiras, que, no que diz respeito aos valores, se compõe de três dimensões: profissionalismo cooperativo; profissionalismo competitivo; satisfação e bem-estar do empregado. De modo similar, Fischer et al. (2014) construíram e validaram, em seis diferentes países, incluindo-se o Brasil, um instrumento de avaliação das práticas organizacionais, composto de três dimensões: orientação para o empregado; iniciativa; burocracia e formalização.
A cultura de uma organização impacta os modos de perceber, sentir e agir de seus membros (Schein, 1992), ou seja, suas atitudes, sentimentos e comportamentos (Ashkanasy, Wilderom, & Peterson, 2000; Glisson & James, 2002). Desse modo, torna-se relevante a investigação não apenas das relações entre as diversas características do trabalho e o bem-estar do empregado, mas também das relações diretas entre a cultura organizacional e o bem-estar do empregado.
Diversos estudos (Bellu, 2011; Huang & Wu, 2000; Lok & Crawford, 2004; Lund, 2003; McKinnon, Harrison, Chow, & Wu, 2003; Odom, Box, & Dunn, 1990; Platonova, Hernandez, Shewchuk, & Leddy, 2006, Silverthorne, 2004) têm fornecido evidências sobre os efeitos que diferentes tipos e dimensões da cultura exercem sobre a satisfação no trabalho. Embora a satisfação no trabalho tenha sido considerada como sinônimo de bem-estar no trabalho durante muito tempo (Souza-Poza & Souza-Poza, 2000), outros indicadores vem sendo também adotados atualmente nas investigações sobre o bem-estar laboral, como é o caso do bem-estar psicológico (Dagenais-Desmarais & Savoie, 2012) e dos afetos positivos e negativos (Daniels, 2000; van Katwyk, Fox, Spector, & Kelloway, 2000; Warr, 2007).
No entanto, as relações dos valores e práticas organizacionais com os afetos positivos e negativos ainda permanecem inexploradas. Ademais, os estudos brasileiros sobre o bem-estar em professores ainda são escassos. Nesse sentido, foi localizado um único estudo (Traldi & Demo, 2012) com esse foco nas bases de dados pesquisadas, na medida em que a maioria dos estudos brasileiros (Carlotto & Câmara, 2007; Carlotto & Palazzo, 2006; Codo, 2006; Mazon, Carlotto, & Camara, 2008) têm se concentrado na análise do estresse e do burnout em professores. Ainda assim, somente um deles (Canova & Porto, 2010) se dedicou à análise das relações entre valores organizacionais e estresse nesse grupo ocupacional. Justificam-se, dessa forma, estudos adicionais que se mostrem capazes de contribuir para o alargamento da compreensão acerca do efeito exercido pela cultura sobre o bem-estar subjetivo de docentes brasileiros. Fundamentando-se nessas considerações, o presente trabalho teve como um de seus objetivos examinar as relações entre os valores e práticas organizacionais e os afetos positivos e negativos, em professores universitários brasileiros.
Considerando-se, porém, o fato de que na presença de um ambiente organizacional adverso, os indivíduos costumam lançar mão de estratégias de coping que os auxiliem a enfrentar os problemas vivenciados na atividade laboral e garantir seu bem-estar (Folkman & Lazarus, 1988; Lazarus, 1991), é possível que tais estratégias de coping exerçam também um papel mediador nas relações entre a cultura organizacional e o bem-estar subjetivo. Desse modo, o presente trabalho teve como segundo objetivo identificar o papel mediador desempenhado pelas estratégias de coping nas relações entre cultura organizacional e afetos positivos e negativos, em professores universitários.
Cultura organizacional e bem-estar subjetivo
A análise do bem-estar considera geralmente duas vertentes - a objetiva e a subjetiva (Cummins, 2000; Diener & Suh, 1997). A objetiva define as experiências positivas numa perspectiva materialista, de acordo com um conjunto de parâmetros socioeconômicos. Essa abordagem refere-se à avaliação feita pelo indivíduo ao seu rendimento ou à contribuição dos bens e serviços que o dinheiro pode comprar para o seu bem-estar. Por sua vez, o campo subjetivo compreende as avaliações cognitivas e afetivas das pessoas a respeito de suas vidas, que incluem julgamentos relacionados à satisfação com a vida e avaliações afetivas relacionadas ao humor e às emoções, como sentimentos positivos e negativos.
De acordo com Diener (1984) o bem-estar subjetivo engloba três componentes primários: satisfação com a vida global, afetos positivos e baixos níveis de afetos negativos. Em síntese, a dimensão cognitiva refere-se ao julgamento da satisfação global com a vida e da satisfação com os diferentes domínios da vida, como trabalho e família. A dimensão afetiva diz respeito às reações emocionais dos indivíduos aos eventos e circunstâncias que ocorrem em suas vidas, compostas por afetos positivos (alegria, elação, contentamento), bem como por afetos negativos (culpa, vergonha, tristeza). Nesse sentido, um bom nível de bem-estar subjetivo ocorre quando o indivíduo, em sua avaliação, reconhece um elevado nível de satisfação global com a vida, assim como um balanço positivo da vivência de afetos positivos e negativos (Diener & Suh, 1997). Desse modo, na perspectiva adotada por Diener e colaboradores (Diener, 1984; Diener & Chan, 2011; Diener & Suh, 1997; Diener, Suh, Lucas & Smith, 1999), o bem-estar subjetivo ou felicidade encontram-se intrinsecamente associados ao modo pelo qual as pessoas avaliam suas próprias vidas.
Este estudo abordará o bem-estar subjetivo, sobretudo as dimensões afetivas deste construto. Tais dimensões se subdividem em emoções positivas como alegria, elação, interesse, contentamento e amor, e emoções negativas, como ansiedade, tristeza, ira e desespero (Fredrickson, 2000; 2001).
Dentre as variáveis contextuais potencialmente capazes de impactar o bem-estar subjetivo dos professores encontram-se os valores e as práticas organizacionais. As práticas organizacionais constituem o lado visível da cultura e se manifestam por meio de símbolos, heróis e rituais, enquanto os valores encontram-se associados a sentimentos inconscientes e indiscutíveis, que não podem ser diretamente observados, muito embora se revelem através de comportamentos alternativos (Hofstede et al., 1990). As práticas e os valores organizacionais mantêm, portanto, uma íntima relação, na medida em que as práticas são grandemente influenciadas pelos valores básicos da organização, embora estejam também sujeitas à influência de outros fatores internos (sistemas de controle de gerenciamento) e externos (pressões competitivas ou imitação) a ela (Verbeke, 2000).
Para a avaliação dos valores e práticas característicos do contexto universitário, o presente estudo recorreu à adaptação dos instrumentos anteriormente validados para a avaliação dos valores (Ferreira et al., 2002; Ferreira & Assmar, 2008) e das práticas (Fischer et al., 2014) em organizações brasileiras. Essa adaptação para o contexto universitário resultou em duas dimensões de valores - profissionalismo cooperativo e profissionalismo competitivo - e três dimensões de práticas - orientação para o professor; iniciativa; burocracia e formalização. O profissionalismo cooperativo se associa à valorização da eficácia e competência em equipe, o que implica o espírito de colaboração e dedicação, enquanto o profissionalismo competitivo diz respeito à valorização da competição e recompensa dos esforços individuais. As práticas de orientação ao professor associam-se à promoção de um ambiente organizacional amigável e cooperativo, destinado a fornecer suporte aos docentes. As práticas de iniciativa enfatizam a criatividade, a procura de novas oportunidades e a propensão ao risco. Por fim, as práticas de formalização enfatizam a centralização, a burocracia e o uso de regras claramente definidas como forma de se alcançar a eficiência.
No que concerne às associações da cultura organizacional com o bem-estar dos empregados, o modelo teórico saúde-trabalho-cultura, desenvolvido por Peterson e Wilson (2002), identifica a cultura organizacional como uma causa primária da saúde no trabalho. De acordo com os autores, a cultura da organização, mediante seus pressupostos acerca das pessoas e do modo mais adequado de elas interagirem para alcançar o sucesso empresarial, define a forma de o indivíduo agir, pensar e comportar-se, funcionando como um filtro cognitivo através do qual ele vê a realidade de forma estável e previsível. Tais pressupostos irão assim influenciar os estilos gerenciais, isto é, a forma de os gerentes transmitirem a cultura da organização, por meio das práticas que implementam (comportamentos) e da forma com que organizam o trabalho (estrutura). Logo, a percepção de uma cultura associada a condições organizacionais desfavoráveis contribui para elevar os níveis de estresse vivenciados na execução das tarefas, acabando por afetar a saúde da organização e do trabalhador e, consequentemente, a qualidade de vida e bem-estar no trabalho, consubstanciada em atitudes e percepções negativas acerca das tarefas, dos colegas, do ambiente e, principalmente, da organização.
Os pressupostos do referido modelo vem se evidenciando em estudos empíricos nos quais têm sido constatadas associações positivas e significativas entre o bem estar do empregado (operacionalizado por indicadores de satisfação com a vida, satisfação no trabalho e baixos níveis de estresse) e culturas que valorizam a justiça, a inclusão, o suporte social (Findler, Wind, & Mor Barak, 2007), o suporte organizacional (Berson, Oreg, & Dvir, 2008), as políticas formais e informais de apoio à integração trabalho-família (Thompson & Prottas, 2005). Ademais, relações tanto negativas (Berson et al., 2008) quanto positivas (Joiner, 2011) têm sido observadas entre culturas mais burocráticas e formalizadas e o bem-estar do empregado. Fundamentando-se, portanto, no modelo teórico de Peterson e Wilson (2002) e nos estudos empíricos citados, foram formuladas as seguintes hipóteses:
Hipótese 1a: Os valores culturais de profissionalismo cooperativo estão positivamente associados aos afetos positivos e negativamente associados aos afetos negativos;
Hipótese 1b: Os valores culturais de profissionalismo competitivo estão negativamente associados aos afetos positivos e positivamente associados aos afetos negativos;
Hipótese 2a: As práticas culturais de orientação para o professor e de iniciativa estão positivamente associadas aos afetos positvos e negativamente associadas aos afetos negativos;
Hipótese 2b: As práticas culturais de formalização estão negativamente associadas aos afetos positivos e positivamente associadas aos afetos negativos.
Cultura organizacional, coping e bem-estar subjetivo
A vivência de emoções positivas costuma se mostrar mais difícil em atividades profissionais em que o desgaste psicológico é maior (Carver & Connor-Smith, 2010). Esse é o caso, por exemplo, do trabalho desenvolvido pelos profissionais da educação, sobretudo os professores, que convivem diariamente com uma série de pressões para a melhoria dos índices educacionais e sobrevivência no contexto das IES. Tais exigências elevam a necessidade do aprimoramento intelectual e da qualidade dos serviços prestados por esses profissionais (Sousa & Mendonça, 2009).
Para lidar com essas demandas e obter uma qualidade de vida alicerçada no bem-estar e na saúde, esses profissionais necessitam utilizar estratégias eficazes de enfrentamento dos problemas laborais. Nessa perspectiva, o coping surge como uma importante variável na compreensão dos fenômenos que levam à vivência de emoções positivas, que servem como sinalizadores e igualmente fazem o bem-estar florescer.
O conceito de coping foi proposto por Lazarus e Folkman (1984), que o definiram em termos de esforços cognitivos e comportamentais dirigidos à administração das demandas internas e externas percebidas como sobrecarga ou excedentes aos recursos pessoais. As estratégias de coping refletem, portanto, ações, comportamentos ou pensamentos usados para lidar com um estressor (Folkman, Lazarus, Dunkel-Schetter, DeLongis, & Gruen, 1986), que atuam como mediadoras das respostas emocionais que ocorrem em um relacionamento dinâmico e mutuamente recíproco (Folkman & Lazarus, 1988). Outrossim, elas sofrem modificações constantes, decorrentes da avaliação e reavaliação contínuas das relações que os indivíduos estabelecem com seu ambiente.
A dinamicidade do conceito de coping demonstra ser este um construto multidimensional que envolve estratégias de resolução de problemas cognitivos e comportamentais. Apesar do grande número de estudos sobre coping, poucos são os que se focam no contexto ocupacional, que pode ser avaliado e enfrentado de modos diferentes daqueles usualmente adotados no enfrentamento do estresse da vida em geral (Lazarus, 1995; Cartwright & Cooper, 1996).
Dentre eles, vale destacar o modelo desenvolvido por Latack (1986), e validado no Brasil por Pinheiro, Trocolli e Tamayo (2003), que tem como foco a compreensão do coping ocupacional e procura ampliar a relação entre ação direta e estratégias de regulação da emoção, integrando ações e cognições em uma mesma estratégia. O referido modelo apresenta três categorias de coping: controle, esquiva e manejo de sintomas. O controle envolve ações e reavaliações cognitivas proativas, voltadas para a resolução do problema; a esquiva inclui ações e reavaliações cognitivas que envolvem um modo escapista de ver a situação e o manejo de sintomas consiste na adoção de estratégias para lidar com os sintomas relacionados ao estresse no trabalho, em geral. Essa estratégia não foca o problema em si, mas sim o sintoma.
Os efeitos positivos da cultura organizacional sobre as estratégias de coping têm sido apontados em diferentes estudos. Nesse sentido, tem-se verificado que, culturas que endossam o suporte social de supervisores e colegas facilitam o uso de estratégias ativas de coping orientadas para a ação e a solução de problemas (Shimazu, Shimazu, & Odara, 2005; Snow, Swan, Raghavan, Connell, & Klein, 2003); que as culturas com maior endosso da justiça processual tendem a contar com menores índices de adoção de estratégias de coping, de evitação ou esquiva (Zellars, Liu, Bratton, Brymer, & Perrewé, 2004); e que as culturas profissionais que valorizam o comprometimento com profissionalismo e a qualidade da supervisão, exercem efeitos positivos sobre as estratégias de coping de controle (Lee, Forster & Rehner, 2011). Em resumo, as culturas que valorizam o suporte e o profissionalismo tendem a eliciar mais estratégias de coping ativo (associadas à resolução do problema), enquanto aquelas em que prevalece a falta de justiça tendem a eliciar em maior grau as estratégias de coping passivas ou de evitação. Com o apoio de tais resultados, foi formulada, então, a seguinte hipótese:
Hipótese 3: Os valores de profissionalismo cooperativo estão positivamente associados ao coping de manejo e de controle, enquanto os valores de profissionalismo competitivo estão positivamente associados ao coping de esquiva.
No que diz respeito ao efeito do coping sobre o bem-estar do empregado, Rao, Apte e Subbakrishna (2003) constataram que a adoção de estratégias de coping associadas à busca de suporte social constituiu-se em um preditor positivo do bem-estar. De modo semelhante, Mendonça e Costa-Neto (2008) verificaram que as estratégias de coping de manejo de sintomas e de controle apresentaram efeito negativo sobre o estresse ocupacional e que a estratégia de esquiva teve um efeito positivo sobre o estresse ocupacional. Os achados empíricos têm demonstrado, portanto, que as estratégias ativas de coping atuam como facilitadoras do bem-estar (Muhonen & Torkelson, 2011), enquanto as estratégias passivas dificultam o bem-estar (Guppy & Weatherstone, 1997). Tais resultados ensejaram, assim, as seguintes hipóteses:
Hipótese 4a: As estratégias de coping de controle e de manejo dos sintomas estão associadas positivamente aos afetos positivos e negativamente aos afetos negativos.
Hipótese 4b: A estratégia de coping de esquiva está associada positivamente aos afetos negativos e negativamente aos afetos positivos.
O fato de o coping atuar como um moderador ou um mediador das relações entre o contexto organizacional e o bem-estar tem sido objeto de debates na literatura. Assim, por exemplo, as estratégias de coping com foco no problema e na emoção atuaram como moderadoras das relações entre estressores e burnout, no estudo de Kohan e Mazmanian (2003). Outrossim, a investigação de Baghat et al. (2010) apontou que as estratégias de coping com foco no problema exerceram efeito moderador na relação entre a percepção de papéis organizacionais e a satisfação, o envolvimento e o comprometimento no trabalho, em países individualistas, enquanto as estratégias de coping com foco na emoção se constituíram em moderadoras de tais relações em países coletivistas.
Por outro lado, efeitos mediacionais do coping foram amplamente hipotetizados com base nos postulados do modelo de coping de Lazarus e Folkman (1984; Lazarus, 1991). Atendo-se ao papel mediador do coping, evidências empíricas indicam que as estratégias de coping ativo mediam a relação entre o endosso ao suporte social e a qualidade de vida (Kershaw et al., 2008), enquanto as estratégias de coping com foco na emoção mediam a relação entre a falta de endosso ao suporte social e a depressão (Trouillet, Gana, Lourel, & Fort, 2009). O estudo de Chen e Cunradi (2008), por sua vez, demonstrou que estratégias de coping de evitação mediavam a relação positiva entre estressores e burnout.
A abordagem transacional do estresse (Lazarus, 1991) considera, porém, as estratégias de coping como mediadoras das transações que se estabelecem entre o indivíduo e seu ambiente. Desse modo, quando ele percebe as demandas de seu ambiente como ameaças a seu bem-estar, lança mão de estratégias de coping destinadas a lidar com tais demandas, de modo a impedir que seu bem-estar seja ameaçado. (ver, por exemplo, Ben-Zur & Michael, 2007; Devereux, Hastings, Noone, Firth & Totsika, 2009). Fundamentando-se, portanto, na abordagem transacional, o presente trabalho também concebeu as estratégias de coping como mediadoras das relações entre cultura organizacional e bem-estar. Nesse sentido, foi formulada a seguinte hipótese:
Hipótese 5: As relações entre a cultura organizacional (valores e práticas) percebida e o bem-estar subjetivo são mediadas pelas estratégias de coping utilizadas pelo professor universitário.
MÉTODO
Procedimentos e participantes
Para o desenvolvimento deste estudo houve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Salgado de Oliveira. Como critérios de inclusão na amostra foram sorteados aleatoriamente duas universidades de cada macrorregião do Brasil (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste), sendo uma pública e outra privada. Participaram do estudo apenas IES que são classificadas como universidades de acordo com os critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Optou-se por não realizar a pesquisa junto a professores que pertenciam a Centros Universitários e Faculdades Isoladas. Em seguida, foram acessados os e-mails dos professores pelo site das universidades. Os pesquisadores utilizaram o software Qualtrics para encaminhar os e-mails e convidar os professores a participarem do estudo.
O termo consentimento livre e esclarecido acompanhava o conjunto de questões com o propósito de informar os respondentes sobre os objetivos do estudo, a garantia de confidencialidade de suas respostas e de que a participação era voluntária. O acesso ao questionário era permitido apenas para os professores que aceitavam participar do estudo, após os devidos esclarecimentos.
No total, foram encaminhados 3.727 e-mails, obtendo-se uma taxa de respostas de 14,57 por cento, perfazendo um total de 514 professores que colaboraram voluntariamente no estudo. Dentre os participantes, 53,9% pertencem ao sexo masculino, 79,6% trabalham em Universidades Públicas, e 20,4% em Universidades Privadas, sendo que destes 58% trabalham em mais de uma universidade. A média de tempo de trabalho na docência universitária é de 16,23 anos (DP = 10,99). Os respondentes procediam das cinco grandes regiões do Brasil na seguinte proporção: Sul (23,7%); Sudeste (30,6%); Centro-Oeste (18,6%); Nordeste (19%) e Norte (8%). Desse total, 53,9% eram do sexo masculino, com faixa etária média de 46,83 anos (DP = 10,27).
Medidas
Para a avaliação dos valores e práticas característicos do contexto universitário, foram adaptados dois instrumentos anteriormente validados para a avaliação dos valores (Ferreira et al., 2002; Ferreira & Assmar, 2008) e das práticas (Fischer et al., 2014), em organizações brasileiras. A medida original de valores e práticas possui 23 itens, dispostos em cinco fatores: Práticas de orientação; Práticas de iniciativa; Práticas de burocracia e formalização; Valores de profissionalismo cooperativo; Valores de profissionalismo competitivo. As escalas de valores e práticas culturais na organização sofreram adequações para aplicação em contexto universitário e passou primeiramente pela análise fatorial exploratória para identificar se os itens se estruturavam de acordo com a medida de Ferreira et al. (2002). Em seguida, foi conduzida a Análise Fatorial Confirmatória. A escala de valores ficou composta por cinco itens, sendo que três referem-se à dimensão profissionalismo cooperativo (α=0,80) e dois ao profissionalismo competitivo (r=0,48). Um exemplo de item para cada uma das dimensões de valores, respectivamente, é: "O esforço e a dedicação ao trabalho são qualidades bastante apreciadas"; "A competição é vista como indispensável à obtenção de bons resultados". A escala de práticas ficou composta por 7 itens distribuídos em três fatores: orientação para o professor, com 2 itens (r=0,75); iniciativa, com 3 itens (α=0,75); burocracia e formalização, com 2 itens (r=0,47). São exemplos de itens para cada uma das dimensões de práticas, respectivamente: "Os professores recebem suporte do coordenador de curso"; "Os professores estão sempre a procura de desenvolver novas práticas ou melhorar as já existentes"; "As regras e políticas formais são uma das características marcantes".
O bem-estar subjetivo foi operacionalizado pela Escala de Experiências Positivas e Negativas, desenvolvida por Diener et al. (2010) e validada para a língua portuguesa por Caetano e Silva (2011). Essa medida foi adaptada para o contexto do trabalho, pois as medidas originais eram direcionadas aos afetos em relação à vida em geral, composta por 12 itens. A versão utilizada neste estudo ficou composta por 10 itens distribuídos por dois fatores - afetos positivos (6 itens) e afetos negativos (4 itens), que obtiveram, respectivamente, coeficientes Alfa de Cronbach iguais a 0,93 e 0,87. Os itens estão dispostos em uma escala de cinco pontos, variando de 1 (muito raramente ou nunca) a 5 (muitíssimas vezes), segundo os sentimentos vividos no ambiente de trabalho, nas últimas quatro semanas.
As estratégias de enfrentamento a problemas foram medidas por meio da escala de coping ocupacional (Pinheiro et al., 2003). A medida de coping ficou composta por 11 itens, que correspondem a diferentes maneiras de enfrentar o estresse e estão estruturados em três fatores: manejo dos sintomas (5 itens), controle (3 itens) e esquiva (3 itens). Tais fatores obtiveram, respectivamente, coeficientes de consistência interna (Alfa de Cronbach) iguais a 0,62; 0,58 e 0,63. Apesar de esses índices não terem se mostrado muito satisfatórios, se mostram, ainda assim, consistentes com estudos prévios que analisam características psicométricas de medidas de coping (Forns, Amador, Kirchner, Gómez, Muro, & Martorell, 2005; Zanini, Mendonça, Forns & Kirchner, 2010). O respondente deve avaliar qual a frequência com que desenvolve suas atividades conforme especificado em cada uma das afirmações, quando se sente estressado no trabalho. Para a emissão das respostas utiliza-se uma escala de cinco pontos, variando de 1(nunca) a (5) sempre. Um exemplo de item para as dimensões manejo de sintomas, controle e esquiva são, respectivamente: "Tiro alguns dias para descansar"; "Dou atenção extra ao planejamento"; "Tento manter distância da situação".
Análise de dados
Os dados coletados receberam tratamento estatístico por meio do software PASW Statistics 20. Primeiramente foi realizada a análise exploratória dos itens para analisar se estes se estruturavam de acordo com as escalas originais.
Considerando que as variáveis do estudo foram acessadas por auto-relato e em um único momento, a variância comum entre os construtos poderia influenciar as relações examinadas (Podsakoff, MacKenzie, Lee & Podsakoff, 2003). Portanto, a fim de testar a validade discriminante dos construtos realizou-se a Análise Fatorial Confirmatória utilizando-se o Amos 19.0. Nessas análises, para avaliar o ajuste global do modelo pode-se levar em conta vários indicadores (Bollen, 1986). Dentre eles destacam-se o X2 calculado, a razão entre o valor de X2 e os seus graus de liberdade - X2/gl (Watkins, 1989), o Comparative Fit Index - CFI (Bentler, 1988), o Goodness of fit index - GFI (McDonald & Ho, 2002) e o Root Mean Square Error of Aproximation - RMSEA (Browne & Cudeck, 1993). Considera-se o modelo adequando quando o valor do X2 não é significativo, pois indica que não há diferença entre a estrutura teórica e a subjacente aos dados analisados (Bentler & Bonett, 1980), ou quando a razão X2/gl for inferior a 3, o CFI e GFI apresentarem coeficientes iguais ou maiores que 0,90 (Kline, 1994) ou ainda quando se obtiver valores de RMSEA inferiores a 0,10 (Browne & Cudeck, 1993).
As análises fatoriais confirmatórias foram conduzidas para testar a validade discriminante dos construtos. O modelo hipotetizado com os dez fatores incluídos (valores de profissionalismo cooperativo, valores de profissionalismo competitivo, práticas de orientação, práticas de iniciativa, práticas de burocracia e formalização, coping de manejo, coping de controle, coping de esquiva, afetos positivos e afetos negativos) foi comparado com o modelo de três fatores de segunda ordem (cultura organizacional, coping e afetos positivos). Controladas as covariâncias e seguindo as recomendações de Bagozzi e Yi (1988), excluiu-se variáveis observáveis cuja estimativa da variância estraída foi inferior a .50. Depois de realizadas tais adequações ao modelo, os resultados da análise fatorial confirmatória oferecem subsídios empíricos concernentes à adequação do modelo que inclui os 10 fatores (X2356 = 738.49; p < 0,001; X2/gl = 2,1; CFI = 0,94; GFI = 0,91; RMSEA = 0,05).
A fim de avaliar se o modelo de 10 fatores se beneficia da variância comum do método, seguiu-se as recomendações de Podsakoff et al. (2003), realizando-se o teste do modelo com a inclusão da variável latente, método. Os resultados desta análise indica um discreto incremento no ajuste do modelo CFI= 0,95; GFI = 0,913; RMSEA = 0,046. Neste estudo, o fator método explica 26,7% da variação dos dados, o que não é tão pouco assim, apesar de estar na média de 25% especificada por Williams, Cote e Buckley (1989).
Para análise da mediação foram seguidos os procedimentos estabelecidos por Baron e Kenny (1986) de acordo com o qual para analisar o efeito mediacional de uma variável é necessário que as seguintes condições sejam observadas: 1) a relação entre a variável preditora e a variável critério deve ser significativa; 2) a variável preditora deve estar relacionada à variável mediadora; 3) o mediador deve relacionar-se com a variável critério após o efeito da variável preditora ter sido controlado. Se estas condições são asseguradas, o efeito da variável preditora na variável critério deverá ser menor na equação que inclui a variável mediadora no modelo. A mediação total é assegurada se o efeito da variável preditora na variável critério deixa de ser significativo quando a mediadora é controlada. Por fim, o nível de significância da relação mediada foi avaliado por intermédio do teste de Sobel (Baron & Kenny, 1986).
RESULTADO
Analises descritiva e correlações entre as variáveis em estudo, estão apresentadas na Tabela 1.
Os resultados dessas análises demonstram que as relações entre os valores de profissionalismo cooperativo estão positivamente associados aos afetos positivos, e negativamente associados aos afetos negativos (r=0,38, p <0,01; r= -0,10, p <0,01, respectivamente), sustentanto a Hipótese 1a. Por outro lado, em relação aos valores de profissionalismo competitivo os dados confirmam parcialmente a Hipótese 1b, ao demonstrarem que esses valores estão positivamente associados aos afetos negativos, mas não apresentam relação significativa com os afetos positivos (r=0,14, p <0,05; r= -0,02, ns, respectivamente). Os dados evidenciam também que as práticas de orientação (r=0,25, p <0,01), e iniciativa (r=0,36, p <0,01), estão associadas positivametne com os afetos positivos. A relação entre as práticas de orientação e de inciciativa com os afetos negativos está na direção hipotetizada, apesar de a relação não ser significativa, apoiando apenas parcialmente a Hipótese 2a. Ao contrário do que foi hipotetizado a respeito das práticas de formalização, os resultados demonstraram uma associação positiva dessa variável com os afetos positivos (r=0,22, p <0,01), não apresentando relação significativa com os afetos negativos, resultado que desconfirma a Hipótese 2b. As variáveis culturais relacionadas às práticas de orientação, iniciativa e burocratização estão associadas numa direção positiva às estratégias de coping de manejo dos sintomas (r=0,18, p <0,01; r=0,19, p <0,01; r=0,16, p <0,01, respectivamente), de coping de controle (r=0,54, ns; r=0,68, p <0,01; r=0,56, p <0,01, respectivamente) e de coping de esquiva (r=0,07, ns; r=0,12, p <0,01; r=0,12, p <0,01, respectivamente), conforme previsto na Hipótese 3a. Por seu lado, os valores de profissionalismo cooperativo estão associados positivamente às estratégias de coping de manejo dos sintomas e de controle (r=0,18, p <0,01; r=0,701, p <0,01, respectivamente) e os valores de profissionalismo competitivo estão associados positivamente ao coping de esquiva (r=0,11, p <0,05), pelo que esses resultados apoiam a Hipótese 3b. As estratégias de coping de manejo dos sintomas, de controle e de esquiva estão positivamente associadas aos afetos positivos (r=0,15, p <0,01; r=0,30, p <0,01; r=0,09, p <0,05, respectivamente) mas não apresentam relações significativas com os afetos negativos, resultados que sustentam parcialmente a Hipótese 4a.
Podemos afirmar que quanto maior for a percepção de cultura organizacional focada nas práticas culturais de orientação, iniciativa e formalização, assim como nos valores de profissionalismo cooperativo, maior é a experiência de afeto positivo e menor a de afeto negativo (H1a e H2a), o que demonstra estarem esses variáveis culturais associadas ao bem-estar subjetivo dos trabalhadores. Entretanto, quanto maior forem os valores de profissionalismo competitivo maior é a experiência de afetos negativos (H1b). Ademais, os dados demonstram que as práticas culturais das organizações estão associadas aos três tipos de estratégias de coping - manejo de sintomas, controle e esquiva. Quanto maior a cultura organizacional estiver focada nos valores de profissionalismo cooperativo, maior é a utilização de estratégias de coping de manejo dos sintomas e de controle, além de que quanto maior for o foco nos valores competitivos, maior será a utilização de estratégias de esquiva.
Para análise do modelo de mediação foram realizadas regressões hierárquicas. Os afetos negativos não entraram nas análises de mediação por não apresentarem correlações significativas com as variáveis mediadoras. Cada bloco de variáveis foi introduzido na equação de acordo com o modelo de análise. Para o controle dos efeitos sobre os afetos positivos, as variáveis de práticas e valores culturais foram incluídas no primeiro bloco, enquanto no segundo bloco foram adicionadas as estratégias de coping.
Os resultados da regressão hierárquica demonstraram, no primeiro bloco, que as dimensões culturais focadas nas práticas de iniciativa (β = 0,18; t = 2,87; p <0,01) e nos valores de profissionalismo cooperativo (β = 0,26; t = 4,23; p <0,01) explicam 16% da variância dos afetos positivos (R2ajustado = 0,16; F (5,508)= 22,835; p <0,001).
No segundo bloco, introduziu-se a variável mediadora (coping), sendo que entraram na equação de regressão apenas as estratégias de coping de manejo dos sintomas (β = 0,14; t = 3.35; p <0,001). Com a inclusão da variável mediadora, o efeito das práticas culturais de iniciativa (β = 0,15; t = 2.53; p <0,05) diminuiu. Em relação aos valores de profissionalismo cooperativo (β = 0,26; t = 4,34; p <0,01) esse efeito se manteve estável. O poder explicativo do modelo teve um discreto aumento (R2ajustado = 0,18; F (4,509)= 25,165; p <0,001).
A análise dos efeitos das variáveis preditoras sobre as mediadoras demonstraram (R2ajustado = 0,06; F(4,509) = 8,409; p < 0,001) que neste estudo as práticas iniciativa são os únicos preditores do coping de manejo dos sintomas (β = 0,16; t = 2,40; p <0,001). Assim é que apenas o coping de manejo dos sintomas se configurou como mediador na relação das práticas e dos valores culturais nos afetos positivos, exercendo uma mediação parcial.
O efeito mediacional (ver Figura 1) foi, portanto, exercido apenas pelo coping de manejo dos sintomas na relação entre as práticas culturais de iniciativa e o bem-estar subjetivo, operacionalizado pelos afetos positivos no trabalho. Os resultados demonstram uma mediação parcial e suportam apenas parcialmente a Hipótese 5.
O modelo mediacional foi confirmado pelo teste de Sobel (Z = 1,75; p ˂ 0,05), proposto por Baron e Kenny (1986). Esses resultados demonstram que quando os professores trabalham em ambientes que estimulam em maior grau a iniciativa, eles se mostram mais propensos a utilizar estratégias de enfrentamento aos problemas com foco no manejo dos sintomas do estresse e na aproximação aos problemas, como forma de controlá-los e resolvê-los, o que os leva a vivenciarem mais afetos positivos no trabalho.
DISCUSSÃO
Os objetivos desta investigação foram avaliar as relações entre as percepções da cultura organizacional (valores e práticas) e as vivências do bem-estar subjetivo (afetos positivos e negativos) em professores universitários brasileiros e testar o poder mediacional das estratégias de enfrentamento a problemas na relação entre percepções de cultura organizacional e o bem-estar subjetivo de professores universitários.
Os afetos positivos no trabalho, caracterizado pelo contentamento, alegria, felicidade e experiências boas e agradáveis estão associados às práticas culturais de iniciativa, que focam na inovação, no desenvolvimento de novas ideias, na busca de melhorias das práticas em vigor, assim como no investimento em pesquisas como forma de incentivo acadêmico. Essas práticas culturais estão estruturadas por normas e procedimentos formais, assim como por rotinas que seguem regras rígidas (Fischer et al., 2014).
As relações obtidas para valores de cooperação e competição seguem uma lógica inversa, relacionando-se aos afetos positivos e negativos, respectivamente. Os resultados desta investigação corroboram os achados de Kuppens, Realo e Diener (2008), para quem a satisfação com a vida não inclui a competição entre os pares no contexto de trabalho. Ademais, tais achados podem ser vistos como uma confirmação do modelo saúde-trabalho-cultura desenvolvido por Peterson e Wilson (2002), no qual a cultura organizacional é considerada como uma causa primária da saúde no trabalho, na medida em que certos valores e práticas culturais associaram-se a experiências afetivas positivas e negativas de bem-estar subjetivo que interferem na saúde dos professores universitários.
Para atender a hipótese de mediação, foram seguidos os passos especificados por Baron e Kenny (1986). Essa análise demonstrou que a única estratégia de enfrentamento a problemas associada à relação entre cultura organizacional e bem-estar subjetivo foi o coping de manejo de sintomas. Isso significa que a percepção dos professores universitários de que a IES em que trabalham possui uma cultura organizacional com foco nas práticas de iniciativa, está relacionada à adoção de estratégias de coping de manejo de sintomas, as quais, por sua vez, estão associadas às experiências de afetos positivos no trabalho. Esses achados condizem com os resultados obtidos por Mendonça e Costa-Neto (2008), que constataram que as estratégias de manejo demonstram adaptabilidade na obtenção do bem-estar, pois estão negativamente associadas ao estresse ocupacional. Para esses autores, as estratégias de manejo de sintomas, que envolvem situações prazerosas como viajar, fazer relaxamento e aproveitar o lazer e as coisas boas da vida, possuem natureza motivacional, em razão de promoverem o senso de gratificação pessoal e a busca de prazer, o que as leva a propiciarem a vivência de experiências afetivas positivas.
Nesta investigação, os resultados demonstraram não haver relação das variáveis mediadoras (coping) com os afetos negativos, razão pela qual a análise de mediação ocorreu apenas para os afetos positivos. No grupo amostral investigado não há um padrão de uso de estratégias de enfrentamento a problemas que levem a vivência de afetos negativos, ao contrário do que demonstrou o estudo de Mendonça e Costa-Neto (2008) em relação ao estresse ocupacional, o qual todas as estratégias de enfrentamento a problemas - manejo, controle e esquiva - estavam associadas ao estresse laboral.
Limitações e direções para futuras pesquisas
Este estudo possui limitações que devem ser consideradas. Primeiramente, trata-se de um estudo de corte transversal, cujas variáveis foram medidas com um único instrumento, num único momento do tempo, o que impede qualquer inferência de causalidade. Em segundo lugar, a amostra possui limitações que impedem a generalização dos dados.
Considerando o fato de a investigação ter sido feita com dados autorrelatados e em um único momento do tempo, os dados podem, de alguma forma, estar sendo beneficiados pela variância comum do método. Entretanto, a variância explicada do fator método está na média especificada por Williams et al. (1989) e, portanto, ainda assim os resultados representam efeitos importantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo foi desenvolvido no contexto das Instituições de Educação Superior brasileiras e a sua principal contribuição está relacionada a um padrão de práticas e valores culturais que influenciam o bem-estar subjetivo dos professores universitários. O que se constata é que as práticas de iniciativa colaboram para que o bem-estar subjetivo desses profissionais prospere. Esses resultados são de fundamental importância para o processo decisório dos gestores das IES, que devem lidar de modo efetivo com as mudanças ocorridas na educação superior sem, contudo, levar os professores à vivência de experiências negativas no trabalho e ao consequente adoecimento. As práticas de burocratização e formalização são indispensáveis para a boa gestão de qualquer universidade. Apesar dessa inevitabilidade, os gestores universitários devem ter atenção à conveniência de restringi-las ao mínimo, assegurando a qualidade do ensino e investigação na universidade.
Outra importante contribuição refere-se ao teste do modelo mediacional do coping de manejo na relação entre práticas culturais de iniciativa e os afetos positivos no trabalho. Os resultados demonstram que as estratégias de enfrentamento a problemas que focam nos sintomas advindos do estresse laboral mediam parcialmente a relação entre as práticas laborais de inovação, desenvolvimento de novas ideias, busca de melhorias dos processos de trabalho e incentivo acadêmico e os afetos positivos no trabalho, caracterizados pelo contentamento, alegria, felicidade e experiências boas e agradáveis. Em adição, a associação dos valores competitivos aos afetos negativos demonstra que o modelo de produção acadêmica influenciado por rankings de desempenho podem gerar sérios prejuízos para o processo educativo, ao contrário dos benefícios advindos de uma cultura valorativa focada na cooperação acadêmica.
Como limitação é importante ressaltar o fato de este estudo ser autorrelatado, de corte transversal, medido com um único instrumento e em um único momento do tempo o que impossibilita o aumento da variância comum e dificulta a possibilidade de generalização dos resultados obtidos e impede uma discussão aprofundada sobre os efeitos das constantes mudanças a ocorrerem na educação superior brasileira.
A análise conjunta dos resultados obtidos neste estudo, em comparação com estudos anteriores, demonstra a necessidade de se desenvolverem investigações que abarquem diferentes grupos amostrais, o que permitirá observar a existência de um padrão de relações entre a cultura organizacional, as estratégias de coping sobre o bem-estar subjetivo no trabalho. Somando-se a isso, futuras pesquisas devem direcionar para desenhos de investigação longitudinais, experimentais ou cuja coleta de dados seja feita a partir de múltiplas fontes ou múltiplos momentos do tempo.
Espera-se que estes resultados possam contribuir para que os gestores das IES brasileiras estabeleçam suas decisões com base em estratégias gerenciais que foquem na promoção de práticas de inovação, iniciativa e busca de autonomia, visando dotar os docentes de condições de trabalho que levem à vivência de afetos positivos, promotores da saúde e do bem-estar. Outrossim, eles podem ser úteis à elaboração de programas de desenvolvimento profissional e adoção de práticas de gestão mais humanizadas, dirigidas à saúde dos professores, que são, juntamente com religiosos, lideres comunitários e familiares, os maiores formadores de opinião.
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Endereço para correspondência:
Helenides Mendonça
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António Caetano, Email: acae.iscte@gmail.com
Claudio Vaz Torres, Email: claudio.v.torres@gmail.com
1 Este trabalho foi parcialmente financiado pelo CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil.