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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.1 Brasília jan./mar. 2018

https://doi.org/10.17652/rpot/2018.1.13015 

Política de prevenção de acidentes na construção civil: uma análise das práticas da inspeção do trabalho

 

Accident prevention policy in building construction: an analysis of practices of labor inspection

 

Política de prevención de accidentes en la construcción civil: análisis de las prácticas de la inspección del trabajo

 

 

Filipe Colares Nascimento; Celso Amorim Salim

Fundacentro, São Paulo, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo avalia a política do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para reduzir a incidência de acidentes de trabalho típicos registrados na construção civil do município de São Paulo, entre 2002 e 2011. A partir dos dados contidos no Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT), analisam-se as ações dos auditores-fiscais do trabalho em reduzir a reincidência do desrespeito à saúde e à segurança dos trabalhadores por parte dos empregadores, nos canteiros de obra, comparando-se, ao cabo, os resultados de duas práticas: a conciliadora e a penalização ao comportamento ilegal do infrator. Se tais ações contribuíram para reduzir a persistência dos empregadores nas práticas geradoras da maioria absoluta acidentes de trabalho, especialmente entre 2002 e 2009, de forma concreta, as fiscalizações com autos de infração mostraram-se mais efetivas. Por conseguinte, discute-se a alternativa de aplicá-los face à tese da pedagogia de conciliação como estímulo institucional da inspeção ao empregador, considerando-se que os resultados estatísticos obtidos para um período de dez anos sugerem a pertinência de se coibir ao tempo e à hora o comportamento impune.

Palavras chave: inspeção do trabalho; construção; políticas públicas.


ABSTRACT

This study evaluates Brazil´s Labor Ministry policy for reducing the incidence of typical building construction occupational accidents registered in São Paulo City during the years 2002-2011. Using data extracted from the Labor Inspectorate Federal System (SFIT), the labor inspectors actions aimed at reducing the reoccurrence of employer disrespect for OSH on construction sites were analyzed. The results between two inspectorate methods were compared: conciliatory and punitive. Such actions helped decrease employer persistence in allowing most of the factors generating occupational accidents, mainly between 2002-2009, with the inspectorate actions using fines being more effective. Consequently this article discusses the alternative to applying the conciliatory method as an institutional incentive, from the labor inspectorate to employers, considering that statistical results obtained from a decade of data suggest the relevance of restraining the unpunished behavior.

Keywords: Labor inspectorate; construction; public policies.


RESUMEN

Este estudio evalúa la política del Ministerio de Trabajo para reducir la incidencia de accidentes en la construcción civil en el municipio de São Paulo, entre 2002 y 2011. Se trata de una investigación en la que se analizan las acciones de los auditores fiscales del trabajo para reducir el incumplimiento patronal a la salud y a la seguridad de los trabajadores. Se comparan los resultados de dos prácticas: la conciliadora y la penalización al comportamiento ilegal del infractor. Entre 2002 y 2009, concretamente, las fiscalizaciones con autos de infracción se mostraron más efectivas. Por lo tanto, se discute la alternativa de aplicarlos ante la tesis de la pedagogía de conciliación como estímulo institucional de la Auditoría Fiscal del Trabajo al empleador, considerando que los resultados estadísticos obtenidos para un período de diez años sugieren la pertinencia de cohibirse al tiempo y a la hora el comportamiento impune.

Palabras clave: inspección del trabajo; construcción; políticas públicas.


 

 

A indústria da construção civil é uma atividade econômica já historicamente conhecida por seus altos índices de acidentes de trabalho, em grande parcela, graves. Acidentes que, quando não interrompem a vida do trabalhador, deixam sequelas permanentes que transformam profundamente sua existência. Tal situação agrava-se diante do processo de precarização das condições de trabalho, também presente no setor.

Nas últimas décadas, essa atividade tem seguido uma trajetória de crescimento acentuado no País. No período pós-Plano Real, com a estabilidade macroeconômica, o ritmo de crescimento da produção do setor em termos reais acelerou e vem aumentando seu significado econômico no País (Fochezatto & Ghinis, 2011). De acordo com as taxas reais de crescimento divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa atividade cresceu 11,6%, em 2010, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 7,5%. Comparativamente, em 2004, ainda segundo o IBGE, enquanto o PIB nacional era de 5,7%, a construção civil cresceu 6,6% (CBIC, 2012).

A capacidade produtiva na construção civil, no estado de São Paulo, unidade federativa que possui o maior BIP do País, e também a cidade de São Paulo, como o município brasileiro mais rico, concentrava, em número de trabalhadores, 45% deles, em média, na sua capital, entre 2002 e 2009. No entanto, quanto ao efeito dos acidentes de trabalho sobre essa capacidade, em 2002, 48,5% dos desligamentos daqueles trabalhadores devidos a acidentes de trabalho no estado ocorreram no município de São Paulo, enquanto, em 2007, chegaram a 68,6% (MTPS, 2014).

Foco central do presente estudo, essa problemática traz em seu lastro uma motivação maior, que é analisar a efetividade da inspeção do trabalho em reduzir a presença dos fatores que geram acidentes de trabalho típicos nos canteiros de construção civil, na cidade de São Paulo.

Os acidentes de trabalho na indústria da construção vêm mantendo uma participação relativamente alta no cômputo geral dos casos registrados no País. Ao longo do período de 2002 a 2011, observa-se que estes cresceram em termos absolutos, segundo os dados de vários anos do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho. Em período anterior, quando referida ao conjunto do setor industrial brasileiro, a participação relativa da construção civil manteve-se praticamente constante em torno de 1/6, entre 1997 e 2003 (Salim, 2005). Entretanto, quando se consideram todos os demais ramos de atividade do país, incluindo aqueles dos setores primários e secundários, a participação da construção civil, que ocupava, em ordem decrescente, posição de primeiro e segundo lugares no quadro geral dos registros acidentários, evoluiu para o 6º lugar no triênio 2003-2006, mantendo-se, no quadriênio seguinte, em quarto lugar, ou seja, entre 2007 e 2011.

A proximidade entre a Inspeção do Trabalho, atribuída no Brasil à Auditoria-Fiscal do Trabalho do MTE, e os atores sociais associados à SST na construção civil, com o intuito de promover melhorias nas condições de trabalho, também é feita de forma tripartite por meio dos Comitês Permanentes Regionais (CPR) sobre Condições e Meio Ambiente do Trabalho na Indústria da Construção, conforme a Norma Regulamentadora sobre Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção (NR-18). Esses comitês são compostos de 3 a 5 representantes da Auditoria-Fiscal do Trabalho, dos empregadores e dos empregados, podendo haver representantes de entidades técnico-científicas ou de profissionais ligados ao setor econômico. Tal composição objetivaria o aperfeiçoamento da regulamentação em construção civil para se alcançar a maior proximidade das exigências das Normas Regulamentadoras às necessidades da segurança do trabalho no setor produtivo (Barros Jr., 2013).

Os CPR têm atribuição de propor medidas para o controle e a melhoria das condições de trabalho, de implementar a coleta de dados sobre acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, de apresentar e participar de campanhas de prevenção de acidentes, de incentivar debates visando ao aperfeiçoamento das normas regulamentadoras, de encaminhar suas propostas ao Comitê Permanente Nacional sobre Condições e Meio Ambiente do Trabalho na Indústria da Construção (CPN). O CPN delibera a respeito das propostas apresentadas pelos CPR e encaminha ao Ministério do Trabalho as propostas aprovadas (MTPS, 2013).

Dessa maneira, a atuação da Inspeção do Trabalho na promoção da prevenção de acidentes não seria restrita às visitas a empresas com lavraturas de autos de infração e aplicações de embargos. A Inspeção atuaria também no diálogo com os representantes patronais e dos trabalhadores visando a estimulá-los na tomada de medidas preventivas para reduzir riscos de acidentes nos ambientes de trabalho. Tais medidas refletiriam na redução dos índices de acidentes pelos quais a Inspeção do Trabalho planeja suas ações.

Há de se considerar ainda que os custos à sociedade provenientes dos acidentes de trabalho são vultosos (SESI/DN, 2012) e que a implementação da política de SST realizada na maioria das vezes pela Inspeção do Trabalho na Construção Civil, na maior parte do período entre os anos de 2002 a 2011, era de conciliação, através da regularização transitória do ambiente de trabalho, em vez da sanção às empresas infratoras (Filgueiras, 2012), e que a incidência de acidentes, embora diferenciada, indica um processo de redução relativa ao longo do tempo, em que pesem os números absolutos ainda alarmantes para a atividade da construção. Diante disso, aqui busca-se avaliar se, de fato, essa redução na indústria da construção civil no município de São Paulo, no período citado, refletiria diretamente a efetividade de tais práticas dos auditores-fiscais do trabalho.

Elementos em convergência contribuíram para a escolha do período compreendendo os anos de 2002 a 2011. Entre eles, o fato de que o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT) permite o registro de novos relatórios de acidentes de trabalho pelos auditores-fiscais até dois anos após a ocorrência do acidente. Assim, relatórios de acidentes ocorridos em 2011 teriam sido registrados até o ano 2013, possibilitando sua análise retrospectiva. Em contrapartida, o período demarca uma década inteira de história da Inspeção do Trabalho. Também cobre dois ciclos inteiros do Plano Plurianual (PPA), ou seja, 2004 a 2007 e 2008 a 2011, além de praticamente toda a vigência do atual Regulamento de Inspeção do Trabalho, instituído em 2002. Por último, o fim desse período culmina com ano anterior à instituição da nova Política Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho (PNSST) (MTPS, 2012), datada de 2012.

 

Método

A pesquisa que suporta este artigo se restringiu à identificação e à mensuração das inspeções e das análises de acidentes realizadas por auditores-fiscais das Gerências Regionais da capital e da Superintendência Regional do Trabalho nas obras do município de São Paulo, durante os anos de 2002 a 2011, e registradas no SFIT, com a categorização dos termos fundamentais relacionados às questões a serem respondidas, como suporte alternativo ao método misto de abordagem adotado. Para o período, também foram pesquisados, nos desdobramentos por quadriênio do PPA, conteúdos para se analisar a implementação das políticas públicas de redução de acidentes na construção civil, no município de São Paulo.

Em primeiro lugar, foi realizado um levantamento abrangente e sistemático englobando fontes primárias e secundárias, incluindo as estatísticas oficiais disponíveis, de forma a possibilitar o aprofundamento do tema. Em seguida, os dados relativos à inspeção do trabalho foram limitados à justeza do conjunto de relatórios de análises de acidentes registrados no SFIT e de Relatórios de Inspeção (RI) contidos no mesmo sistema relativos àquele período, bem como à legislação da época referente à inspeção do trabalho.

Para o estudo da análise da efetividade da fiscalização de segurança e saúde realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, privilegiou-se um método misto sequencial de pesquisa com o intuito de melhor reter e explorar as razões por que cada inspeção contribuiu para o resultado mostrado por análise estatística sobre o número de inspeções em empresas e de acidentes ocorridos entre os anos de 2002 a 2011. Inclusive, para se ter ideia do efeito de cada iniciativa dos inspetores do trabalho a partir da legislação que rege seu comportamento.

As medidas para a coleta de dados foram exclusivamente não invasivas (Gray, 2012), sendo suas fontes compostas por dados secundários de arquivos administrativos contidos no SFIT, cujas informações foram extraídas a partir de seu módulo extrator para, em seguida, serem convertidas em planilhas eletrônicas. Para o restante das análises, foram utilizados os desdobramentos do PPA e os relatórios de análises de acidentes registrados no SFIT pelos auditores-fiscais do trabalho.

A atividade de inspeção do trabalho realizada pelos auditores-fiscais do MTE envolve tanto a promoção de esforços de prevenção de acidentes no trabalho por meio do CPN e dos CPR, agindo no entendimento tripartite pela SST, quanto nas visitas aos estabelecimentos de empregadores. A avaliação da efetividade da política de inspeção foi restrita à estratégia de promoção da prevenção de acidentes por meio das visitas dos auditores-fiscais do trabalho aos estabelecimentos de empregadores. Isso porque a concordância dos representantes patronais com uma alteração nas Normas Regulamentadoras em um CPR não seria garantia de que seus representados a aplicariam, tendo em vista a possibilidade de eles considerarem a obrigação de segui-la somente a partir da visita de um auditor-fiscal.

• Para a análise estatística realizada sobre o número de inspeções feitas em cada empresa e as ocorrências de acidentes de trabalho, foram utilizadas as frequências anuais de inspeções resultantes de toda a população de RI inseridos no SFIT entre 2002 e 2011 que contivessem CNPJ associado ao setor econômico da construção civil.

• Para a análise qualitativa, foram utilizadas as causas de acidentes registradas em toda a população de relatórios de análise de acidentes típicos registrados no SFIT relativos aos sinistros ocorridos naquele período, para explicar as causas determinantes dos resultados quantitativos obtidos.

Foi realizado um estudo retrospectivo de caso-controle mediante a aplicação de teste de hipótese estatística com odds ratio como medida de intensidade de associação no caso, ou seja, a possibilidade de ocorrência de um evento em determinada população, inserindo, em tabelas de frequência, os números tanto de empresas inspecionadas em que houve reincidência de regularizações quanto daquelas em que não houve reincidência no prazo de dois anos civis. Assim, foram estratificados os dados nos seguintes grupos, para cada biênio, no período de 2002 a 2011: (a) número de empresas inspecionadas sem autuação e com reincidência de regularizações; (b) número de empresas inspecionadas sem autuação e sem reincidência de regularizações; (c) número de empresas autuadas e sem reincidência de regularizações; e (d) número de empresas autuadas e com reincidência de regularizações.

A escolha da análise em biênios vem da possibilidade de as empresas escolherem elaborar estratégias para eliminar a prática de irregularidades geradoras da maioria dos acidentes, no mesmo ano de exercício em que seus canteiros são inspecionados ou no início do ano seguinte de exercício, quando analisam seus resultados produtivos e elaboram diretrizes de produção para o restante do ano.

O grau de significância de 0,05 foi escolhido de modo a se obter 95% de confiança no resultado do cálculo estatístico.

As classes de Classificação Nacional de Atividades Econômicas versão 2.0 (CNAE 2.0) analisadas incluem as divisões: 41 Construção de Edifícios; 42 Obras de Infraestrutura; 43 Serviços Especializados para Construção.

A análise de conteúdo dos relatórios de análise de acidente entre 2002 e 2011 foi realizada estratificando-se os dados nos temas citados a seguir como sendo fatores causais dos acidentes analisados, de acordo com o critério orientado pela MPTS (MTPS, 2001): (a) fatores do ambiente, (b) fatores da tarefa, (c) fatores de projeto, (d) fatores de gerenciamento da produção, (e) fatores de gerenciamento de terceirizados, (f) fatores de gerenciamento de pessoal, (g) fatores de gerenciamento de materiais, (h) outros fatores de gerenciamento da empresa, (i) fatores do material, (j) características individuais do trabalhador, e (k) fatores de manutenção.

Como foram necessários dados integrantes de sistema interno do Governo Federal, foi concedida pela Chefia da Seção de Saúde e Segurança no Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de São Paulo autorização para realizar a pesquisa com a utilização dos dados do SFIT. Além disso, junto às medidas não invasivas e impessoais, todos os dados, impossíveis de serem individualizados atrelam-se a agregados quantitativos relativos ao banco de dados especializado com informações não sigilosas contido no SFIT.

Infelizmente, não são disponibilizados pelo Ministério da Previdência Social dados específicos sobre os acidentes de trabalho segundo as atividades econômicas e mesmo por setor produtivo no plano municipal, mas, sim, os dados consolidados correspondentes ao conjunto de todas as atividades econômicas de cada município, que, após totalizados, são distribuídos anualmente por motivo do acidente e o total de óbitos. Situação a ser superada apenas com o acesso a tabulações avançadas ou a análise amiúde dos microdados. Diante disso, estrategicamente, optou-se também pela utilização das informações sobre acidentes de trabalho produzidas pela Secretaria Municipal de Saúde.

Na Tabela 1, uma comparação entre essas duas fontes, em que as diferenças são evidentes, embora se refiram única e exclusivamente ao total de acidentes no município, ou seja, sem especificações quanto aos setores e ramos de atividade.

 

 

Segundo a Previdência Social, os acidentes totais cresceram cerca 57,5% no interregno de 10 anos, passando de 40.277 registros, em 2002, para 63.514, em 2011. Apenas os registros sem CAT corresponderam a 19,9% dos registros de 2011. Os acidentes típicos no município de São Paulo, embora bem mais elevados do que os de trajeto e as doenças ocupacionais, cresceram 26,8% no período, passando de 30.289 para 38.419 registros. Vale observar que os acidentes típicos, em queda a partir de 2010, embora não diretamente relacionados com a construção civil, coincidem com o marco do novo paradigma de atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho (MTPS, 2010).

Sobre os acidentes de trajeto, embora a Inspeção do Trabalho tenha pouca intervenção sobre eles, já que sua prioridade é a visita aos estabelecimentos de trabalho, são sempre ascendentes, corroborando uma tendência geral no país. Já o comportamento da curva das doenças do trabalho não refletiria a real situação de adoecimento dos trabalhadores desse e de outros ramos de atividade, considerando-se, por exemplo, as imbricações entre o nexo técnico epidemiológico e as constatações das relações entre trabalho, saúde e dano (Cruz, 2010) ou, mais diretamente, as questões relativas ao reconhecimento do caráter acidentário dos agravos à saúde do trabalhador (Lima, 2010).

A partir dos registros da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP, 2014), cujas magnitudes são inferiores aos da Previdência Social, pode-se constatar, no momento de sua classificação por agrupamentos de setores econômicos da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) pelo número de trabalhadores, que a construção civil no município de São Paulo, no período 2005-2011, apresentou considerável queda na incidência de acidentes típicos. Pode-se, comparativamente, perceber inclusive a tendência a ocupar patamares inferiores de incidência do que outros setores produtivos, principalmente a partir do ano de 2010, quando aparentemente nova tendência de queda se iniciou (Figura 1).

 

 

Deve-se registrar que a construção civil é um setor que envolve toda a Seção F da estrutura de divisões de CNAE (versão 2.0). Os agrupamentos de setores produtivos utilizados nessa seção como referência de comparação envolvem a Seção B para a Indústria Extrativa, a Seção C para a Indústria, as Seções D, E e H em diante para Serviços, e a Seção G para o Setor de Comércio. Também cabe assinalar que a cobertura de análise nas tabelas e nos gráficos seguintes é relativa ao período 2005-2011 devido ao fato de a RAIS, anteriormente a esse período, não especificar o local de trabalho dos empregados contratados, já que grande parte deles é contratada por construtoras na capital do estado, mas alocada em obras no interior.

Sobre os indicadores calculados com base nos dados da SMS-SP, cabe ponderar que a prioridade de um posto de saúde não é notificar um acidente de trabalho, mas prestar assistência médica como um dos componentes do Sistema Único de Saúde (SUS). Todavia, exige-se que tais órgãos notifiquem os acidentes de trabalho por meio do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde, desde a publicação da Portaria 1470/02 pela mesma Secretaria. De qualquer forma, apesar das diferenças nos volumes de notificações, é possível ainda afirmar que a construção civil no município de São Paulo segue o padrão observado no estado para a atividade econômica, pois está entre os três setores produtivos com maior incidência de acidentes típicos, segundo os dados da Previdência Social (Nascimento, 2014).

Quanto ao número de inspeções realizadas no período analisado pelo estudo, a Tabela 2 mostra o seu aumento, notando-se que, na maioria delas, não ocorre autuação, sendo estas, no mínimo, 11,34 vezes (entre os anos 2005 e 2011) mais frequentes do que aquelas com lavratura de autos. No entanto, pode-se perceber também que a proporção entre as inspeções dos dois estilos foi a mesma entre 2010 e 2011, que é o mesmo período em que as fiscalizações no setor econômico passaram a ser formalmente direcionadas para efeitos setoriais e não pontuais, ou seja, a partir de 2010 (MTPS, 2010).

 

 

Contudo, o mesmo levantamento no SFIT mostrou que, desde o início do período pesquisado, a quantidade de itens de normas regulamentadoras regularizados nas obras de construção quintuplicou no município, de 723 itens em 2002 para 3480 itens em 2011.

 

Resultados

Antes do teste de hipótese com odds ratio, foram levantados os fatores imediatos de morbidade registrados nos relatórios de análise de acidente elaborados pela Auditoria-Fiscal do Trabalho e armazenados no SFIT. Por meio disso, percebeu-se que 80,7% dos acidentes analisados pelos auditores-fiscais do trabalho foram causados por contato com forças mecânicas inanimadas e por quedas de altura, com forte predominância deste último causador.

A partir dos fatores imediatos, que possibilitam delinear o perfil de morbidade nos acidentes analisados pelos AFT segundo registros feitos por eles no SFIT (MTPS, 2001), foi possível levantar as irregularidades que originaram esse percentual de acidentes que diziam respeito a itens exigidos pela NR-18 em trabalho em altura e próximo a escavações e máquinas, detalhadas por códigos especiais do SFIT descritos nas portarias em que foram instituídos (MTPS, 2002; MTPS, 2008; MTPS, 2011).

Análise Quantitativa

Assim, realizou-se o teste estatístico considerando a hipótese estatística de que a solicitação de fiscalização no canteiro de obra para eliminar os itens irregulares nele, acompanhada da lavratura de autos de infração, seria bem mais efetiva em inibir a reincidência pela empresa, no prazo de dois anos civis, das irregularidades que originaram 81% dos acidentes analisados pelos auditores-fiscais do trabalho, do que a visita deles solicitando regularização sem a lavratura de auto de infração. Portanto, subdividiram-se as hipóteses testadas da seguinte forma: para Ho, os grupos são iguais; e, para H1, a reincidência do grupo com lavratura é maior do que a do grupo sem lavratura.

Na filtragem das planilhas das inspeções em que foi percebida a prática dessas irregularidades, foram montadas tabelas de frequência cujos dados alimentaram o software Open Epi com valor do "nível de significância" de 0,05. O produto dos testes de hipótese foi organizado pelo software em tabelas com as medidas de associação exatas e qui-quadrado, além de estimativas de pontos e intervalos de confiança para cada um dos biênios escolhidos.

Os resultados emitidos pelo software estatístico confirmaram a hipótese de maior efetividade da Auditoria-Fiscal do Trabalho em inibir a reincidência das irregularidades que geraram 81% dos acidentes na indústria da construção, exclusivamente para o período dos anos 2002 a 2009. Os parâmetros P das medidas de associação e qui-quadrado foram inferiores a 0,05, e o número 1 estava fora dos intervalos de confiança. Para o restante do período compreendido pela pesquisa, ou seja, de 2010 a 2011, não foi possível confirmar a hipótese estatística, pois os parâmetros mencionados não convergiram nesse sentido. Nos relatórios de análise de acidentes para o período de 2002 a 2009, constatou-se a distribuição dos fatores causais conforme o apontado na Tabela 3.

 

 

Já nos relatórios de análise de acidentes para o período de 2010 a 2011, a distribuição de fatores causais ocorreu como aponta a Tabela 4.

 

 

De fato, os fatores causais dos acidentes analisados pela Auditoria-Fiscal sofreram alteração no que diz respeito à ordem de participação daqueles que têm os maiores percentuais em originar os sinistros. No período de 2002 a 2009, os fatores do ambiente tinham a terceira maior participação na distribuição, passando para a quinta participação no período de 2010 a 2011, não chegando nem mesmo a 10% do total de frequências em geração de acidentes.

A partir dos dados disponíveis no SFIT, os resultados estatísticos do estudo de caso-controle em odds ratio, no software Open Epi, indicaram que, de 2002 a 2009, a fiscalização dos canteiros de obra com lavratura de autos de infração foi mais efetiva em coibir a reincidência de irregularidades que correspondem a 80,7% das causas de acidentes de trabalho analisados pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, do que a fiscalização exclusivamente para orientação e solicitação de ajustes no canteiro. A partir do ano de 2010, não foi mais possível suportar essa hipótese estatística.

Apesar disso, o valor do parâmetro estatístico odds ratio foi maior do que a unidade em todos os resultados de teste de hipótese, indicando fortemente que as fiscalizações com lavratura de auto de infração coíbem mais a recorrência de irregularidades que causam 81% dos acidentes analisados pela Auditoria-Fiscal do que as fiscalizações de orientação. Além disso, o ano de 2010, a partir do qual a hipótese estatística não pôde mais ser suportada, é o mesmo do início da vigência da nova metodologia de planejamento da Auditoria-Fiscal do Trabalho visando a um maior impacto coletivo do que demandas pontuais.

Análise Qualitativa

Na análise qualitativa foi possível perceber que, a partir do ano 2010, a participação dos fatores geradores de risco foi alterada nos acidentes analisados pela Auditoria-Fiscal do Trabalho. Se até 2009 os fatores do ambiente ocupavam o terceiro lugar em participação na geração dos acidentes, a partir de 2010 não passaram nem mesmo a ter 10,0% de presença. Inclusive, é útil observar que os fatores do ambiente perderam lugar para os fatores de material e os fatores de gerenciamento de pessoal, mas esses dois últimos mantiveram suas colocações relativas um ao outro. Ou seja, a análise qualitativa indica que houve resultado maior pela fiscalização em reduzir o risco dos fatores do ambiente de causar acidentes.

No entanto, os fatores de gerenciamento da produção e os fatores da tarefa mantiveram-se no topo da classificação de frequência de fatores causais dos acidentes analisados pela Auditoria-Fiscal. Isso pode indicar certa dificuldade da Auditoria-Fiscal do Trabalho em coibir a prática abusiva de horas extras nos canteiros e a realização de procedimentos da maneira mais segura pelos operários (a realização da tarefa de fato e não da prescrita).

Aparentemente, a inspeção dos itens das normas regulamentadoras relacionados às condições ambientais do trabalho têm surtido maior efeito em inibir a reincidência dos fatores imediatos de morbidade nos canteiros de obra e, consequentemente, contribuído para uma maior redução da incidência de acidentes nas empresas inspecionadas, a partir da implementação da nova metodologia de planejamento pela Auditoria-Fiscal do Trabalho em 2010. Segundo Vianna (1998), essa metodologia faz as ações dos auditores seguirem a interpretação de risco ocupacional, pela qual, com a criação da Seguridade Social na Constituição de 1988, o risco deixou de ser um problema individual, passando a abranger toda a população, incluindo, além do contribuinte beneficiário típico, outros segmentos sociais, como aqueles mais vulneráveis - idosos, trabalhadores infanto-juvenis e outros.

Apesar disso, o mesmo teste de inferência mostrou, entre as análises de 2009-2010 e 2010-2011, aumento de pouco mais de 5 vezes no parâmetro odds ratio, bem como de 2,3 vezes no parâmetro "Fração Etiológica na População", respectivamente, de um biênio para o seguinte. Em adição, pelo fato de que, no ano de 2009, a proporção de inspeções sem lavratura de autos foi ainda bem superior às daquelas com lavratura (no mínimo 11,34 vezes entre os anos 2005 e 2011), persiste forte evidência estatística de que a presença de certa coerção tornaria a inspeção mais efetiva do que uma inspeção sem ela, já que, para os anos 2010 e 2011, a proporção entre os dois tipos de inspeção foi praticamente a mesma (13,2 e 12,8 vezes, respectivamente).

 

Discussão

O estudo indica uma possibilidade que corrobora as características da política adotada majoritariamente pela Auditoria-Fiscal do Trabalho nos últimos 20 anos, segundo Filgueiras (2012). O fato de existir ampla liberdade na adoção de estratégia com a participação de autos de infração ou de uma pedagogia de conciliação com o empregador por cada auditor pode levar o empregador sob procedimento fiscal a ver com estranheza o fato de que menos de um décimo das inspeções realizadas faz uso de lavratura de autos de infração. Tal desproporcionalidade na diferença de postura entre um procedimento e outro pode levar o infrator à esperança de ser sempre visitado pelo "bom auditor". As pressões do empresariado sobre o auditor "fora do padrão" para se unir ao perfil de uma maioria durante uma inspeção poderiam extinguir um caráter que os resultados estatísticos sobre os últimos dez anos indicam ser essencial para coibir o comportamento impune.

Como a realização dos planos do empresariado é garantida por quem faz o gerenciamento da produção - fator já citado como per-sistente nos primeiros lugares do ranking de fatores geradores dos acidentes de trabalho analisados pela Auditoria-Fiscal -, a regulação estatal sobre a saúde e segurança na construção civil pode se complicar em um futuro próximo. Isso ocorre porque, considerando a transitoriedade de fases na execução de um projeto de construção, a necessidade de trabalhadores em tarefas específicas para cada uma delas, o consequente oportunismo das construtoras em terceirizar mão de obra para os vários trabalhos contidos em cada etapa daquelas, a expectativa dessa terceirização se generalizar no plano setorial e também em nível mais amplo diante das mudanças em curso na legislação sobre a matéria, especialmente com o Projeto de Lei Federal recém-aprovado na Câmara dos Deputados, PL 4330/04, pode o patronato delegar a gestão do cumprimento das normas regulamentadoras em saúde e segurança no trabalho às inúmeras empresas terceirizadas presentes em um único canteiro de obra (Brasil, 2015). Dessa maneira, existe a possibilidade de, em curto prazo, a Auditoria-Fiscal do Trabalho ter necessidade de multiplicar seus esforços pelo número de terceirizadas contratadas para um canteiro de obra.

Estrategicamente, diante da redução drástica no número de auditores-fiscais observada atualmente, a adoção de recursos de inteligência envolvendo estudos estatísticos e de prospecção de empresas mais carentes de uma atuação efetiva da Inspeção do Trabalho deveria ser priorizada como instrumento de grande valia na proteção à saúde e à dignidade do trabalhador (Barbosa, Corseuil, & Reis, 2012; Nascimento, 2014). Portanto, sendo um contrapeso ao trabalho em sua relação desigual com o Capital, incansável na busca do controle sobre o indivíduo hipossuficiente.

Por fim, pondera-se que, nesta pesquisa, foram encontrados resultados pontuais de um estudo centrado em recorte setorial exclusivamente para uma das atividades econômicas, a indústria da construção civil, porém, referido ao município de São Paulo e a um período delimitado de 10 anos, ou seja, entre os anos de 2002 a 2011. Exatamente por isso, sua continuidade e maior abrangência seriam vitais para um melhor balizamento da questão central que o move rumo à compreensão do papel efetivo da Inspeção do Trabalho na prevenção dos acidentes: penalização ou conciliação?

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Filipe Colares Nascimento
Fundacentro
Rua Capote Valente, 710, Pinheiros
05409-002, São Paulo SP - Brasil
E-mail: filipe_nascimento@yahoo.com.br

Recebido em: 19/10/2016
Primeira decisão editorial em: 26/07/2017
Versão final em: 26/07/2017
Aceito em: 26/07/2017

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