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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

     

https://doi.org/10.17652/rpot/2018.3.13919 

Resenha - aprendizagem e orientação por erros em pequenos empreendedores

 

 

Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

Universidade Federal do Ceará, Ceará, Brasil

 

 

Livro: Coelho, D. P. (2015). Aprendendo com os Erros. 1. ed. Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, v. 1. 84p

 

Aprendendo com os Erros

Aprendendo com os erros é o título do livro derivado da dissertação de mestrado do ex-aluno e ora professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Ms. Denis Pontes Coelho. O desafio de resenhar a obra do colega professor vem do reconhecimento do trabalho original em forma de dissertação Aprendizagens, orientação por erros e perfil do empreendedor: um estudo em empreendedores de PME de Gastronomia de Fortaleza-CE, apresentado em 2011 junto ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Uece. Trata-se do primeiro trabalho científico que utilizou, para sua fundamentação, estudos sobre empreendedorismo na perspectiva de estratégias e de perfil de personalidade de pequenos empreendedores, conforme abordado, compreendido e descrito por Frese (1991), professor e pesquisador na Universidade de Singapura e nas universidades de Giessen e de Lüneburg, ambas na Alemanha. O autor reconhece o valor desse trabalho como ponto de partida para suas indagações e pesquisa, o que nos aproxima no campo teórico em questão e me deixa à vontade para apresentar e discorrer sobre seu trabalho de dissertação, que foi publicado como livro a convite da editora alemã Novas Edições Acadêmicas. Minha proximidade e apreço ao tema e seus estudiosos facilitam e justificam o meu interesse em escrever esta resenha, bem como minha disponibilidade e apreço. Desse modo, deixo claro que, além da proximidade temática, existe também uma proximidade científica e afetiva com o trabalho do autor e com aqueles considerados para embasar sua pesquisa. As diversas ideias dos que contribuíram para trilhar esse campo de estudo, ainda pouco explorado, principalmente entre acadêmicos brasileiros, vêm ao encontro daquelas do autor e de sua pesquisa, permitindo uma acurada análise do problema central pesquisado, nomeadamente a percepção, o lidar e o aprender com erros no âmbito dos pequenos negócios.

O fascínio pelo estudo sobre pequenos negócios é incomum no campo da psicologia. Porém, o autor se provou fascinado pelo tema, abordando-o com perspectiva própria e em novo ambiente, ainda não explorado. O livro é, portanto, interessante de muitas maneiras, com a abordagem psicológica de pequenos negócios gastronômicos, o lócus do estudo na cidade de Fortaleza, Ceará, e seu ponto de partida: estratégias de pequenos empresários e o modo como lidam eficazmente com os próprios erros e aprendem a partir deles.

Tratar do empreendedorismo gastronômico pode não suscitar novidade. No entanto, a abordagem e a forma como o autor descreve seus objetivos dão um colorido autêntico e despertam novo interesse para um tema que tem sido explorado mais por diletantismo e menos por empenho científico, como merece. Tratar o empreendedorismo como um domínio de estudos psicológicos torna-o algo fundamentalmente pessoal sem destituí-lo de sua importância econômica e social. Isso pressupõe sua dependência de visão, intenção e trabalho para conceber e converter ideias de negócio em produtos e serviços de sucesso, e define também uma necessidade de se compreender quem é o empreendedor e como pode ser abordado "psicologicamente". Nesse contexto, o autor fala sobre erros que, por vezes, permeiam o cotidiano de trabalho e as estratégias dos empresários e sobre como, em vez de a eles sucumbir, conseguem superá-los, resultando em aprendizado e crescimento pessoal e empresarial. Dentro do universo que o autor considerou para estudar o tema, encontramos uma realidade agressiva e hostil para esse tipo de negócio, que se contrapõe a chances e oportunidades aparentes que o rodeiam. O grau de competitividade, o pouco profissionalismo e o ambiente externo muitas vezes menos favorável do que percebido pelo empresário podem contribuir para o fracasso anunciado do negócio. Muito do que concorre para esse fracasso pode estar relacionado a erros de percurso ou estratégicos. Erros de planejamento, de percepção, de visão ou de gerenciamento parecem onipresentes, o que exige lidar com eles em vez de apenas tentar evitá-los. Não pode ser desconsiderada a função das micro e pequenas empresas - MPE no desenvolvimento da economia local. É, portanto, esclarecedora a análise de fatores que possam contribuir para a mortalidade precoce de micro e pequenas empresas no cenário gastronômico de Fortaleza, especialmente no que diz respeito à experiência do empreendedor e outros aspectos relacionados à própria empresa e a seu ambiente externo.

No que pode ser um ponto fraco dos empreendedores temos, no atual trabalho, o ponto forte: a lacuna de conhecimento sobre a forma como o empreendedor aprende, com base em vivências e em especial nos erros que comete. Ele necessariamente terá de lidar com esses erros, aprender e buscar melhoria e crescimento em vez de a eles sucumbir e engrossar as estatísticas de mortalidade precoce das pequenas empresas. Nessa perspectiva, surge Michael Frese e sua teoria sobre a gestão de erros, que pressupõe a necessidade de gerenciamento de erros para que haja aprendizagem, visando superar a ideia de que evitar esses erros é, necessariamente, a melhor maneira de crescer nos negócios. Frese será tomado como base deste estudo sobre aprendizagem com erros para ilustrar o que significa evitar erros e que tipo de aprendizagem pode resultar quando estes são reconhecidos e gerenciados. Isso significa um passeio detalhado pela compreensão da aprendizagem a partir de erros à luz de pesquisas empíricas realizadas em diferentes realidades de treinamento. Michael Frese traz sua teoria da ação ou da regulação da ação para explorar a sequência, a estrutura e o foco de ações empresariais, vendo essas ações como comportamento orientado para metas e organizado em modos específicos segundo tais metas. Trata-se, ademais, da integração de informação, planejamento e feedback que pode ser regulada conscientemente ou por meio de rotinas. Isso orienta também o procedimento e o tratamento dos erros enquanto tipo de comportamento e ação para se aprender. Some-se aos princípios dessa teoria da ação de Frese aqueles da teoria da aprendizagem significativa (TAS) de Ausubel (1963), que preconiza a forma significativa como o sujeito aprende ao associar um conhecimento inédito com outro já existente e presente em sua estrutura cognitiva. Essas duas abordagens teóricas permearam e deram o contorno do trabalho sobre erros com empreendedores reais na cidade de Fortaleza.

Há muitos méritos a serem reconhecidos neste livro. Além de trazer o empreendedorismo para o campo de estudo da psicologia e do comportamento organizacional, abre uma nova perspectiva na abordagem de erros de empreendedores. Estes geralmente são vistos em dois extremos, ora como pessoas infalíveis, ora fadadas ao fracasso caso reconheçam seus erros e os apontem sem medo.

O estudo chega a um conhecimento satisfatório sobre os empreendedores abordados em Fortaleza, tornando possível e aceitável a relação "aprendizagem e reconhecimento de erros» entre empreendedores reais, que devem levar adiante negócios reais. A busca por aprendizado dos empreendedores de pequenos e médios negócios do ramo de alimentação em Fortaleza e a maneira como eles lidam com seus erros pareceram ser fatores definidores para os bons resultados em seus empreendimentos. Novas relações são definidas, a exemplo do crescimento ou sucesso, a partir do próprio comportamento do empreendedor, ou a partir do seu perfil de empreendedor, mais especificamente o modo como ele se orienta por seus erros.

Empreendedores identificados como bem-sucedidos atualmente também podem ter passado por momentos difíceis, obstáculos, erros e pequenos fracassos, porém, como empreendedores que atuaram proativamente a partir de seus erros, o que confirma perfis já descritos na literatura acerca de determinação, persistência e coragem para enfrentamento. Essas e outras características pessoais e/ou estratégias que resultam da aprendizagem com os próprios erros, ou com aqueles dos colaboradores e das pessoas mais próximas, conforme descrito na literatura específica considerada para o estudo, puderam ser ratificadas nas situações reais dos pequenos negócios pesquisados. A consequência positiva foi a provável sobrevivência e o crescimento desses negócios. Identificou-se, portanto, uma relação positiva entre aprendizagem a partir de pequenos fracassos e as atitudes/ações, o incremento e o sucesso dos empreendimentos que participaram do estudo.

A questão vista é que eles souberam lidar bem com os erros, sem desistir, mas sim tentando se reinventar e mudar nas oportunidades que tinham. Nesse tipo de comportamento empreendedor, em alguns casos, notou-se a coerência com o conceito de aprendizagem por exploração cunhado por Ausubel, Novak & Hanesian (1980). Considerando tal modelo de aprendizagem, não foi estranho constatar, na prática, que empreendedores pareciam ter comportamentos de gestão de erros, um modelo que contempla comportamentos de experimentação das experiências, porque assim já concebem os erros e sabem como lidar com eles, aumentando a curiosidade, ousadia, autoestima e assim viabilizando testes para sua aplicação.

Dessa forma, como se confere na pesquisa realizada, foi feito um paralelo viável entre as duas teorias: aprendizagem significativa de Ausubel e orientação por erros de Frese. Esse paralelo se viabilizou pelo laço do comportamento de exploração presente em ambas as teorias.

As muitas contribuições do estudo que origina o livro resenhado podem ser apropriadas por pesquisadores para outros estudos acerca dos pequenos negócios, seus empreendedores e suas estratégias de sucesso, bem como pelos próprios empresários e seus colaboradores, que podem se ver em exemplos de negócios reais, em que a compreensão da aprendizagem com erros é uma condição sine qua non de crescimento e viabilidade de seus empreendimentos. Pequenos negócios devem buscar bons resultados ao longo de sua trajetória. Necessitam, portanto, de condições psicológicas satisfatórias para atingir o objetivo de sobrevivência e êxito. Apesar de o autor não ter investido na busca de conhecimento sobre os processos cognitivos dos empreendedores em si, há uma larga contribuição, na perspectiva das condições psicológicas, nomeadamente no que tange aos produtos da aprendizagem. Os fundamentos que sustentam o bom ou mau desempenho empreendedor ainda são pouco conhecidos. Isso carece de uma abordagem mais científica e menos diletante. Creio que o livro preenche esse vazio e traz avanços para o tema do empreendedorismo e suas estratégias.

Finalmente, vale a pena lembrar que todo o conhecimento aqui adquirido acerca da relação entre erro e sua consequente aprendizagem foi obtido por meio da análise do discurso dos próprios empreendedores engajados em negócios gastronômicos, o que nos garante sua autenticidade e realismo. Das simples expressões dos participantes brotaram novas ideias que, fundamentadas teoricamente, podem colaborar com os empreendedores e com futuros estudos na área. Conforme constata nosso autor, o que parece óbvio, banal ou comum, dito de forma mais simples, foi tratado, relativamente, como mais relevante nas experiências desses empreendedores sobre seu cotidiano de trabalho e sua experiência empreendedora. Este foi o escopo final e, voltando-se aos ganhos que trouxe o trabalho em questão, ressalta-se a sugestão de imprimir novamente uma preocupação sobre o perfil empreendedor à luz da psicologia. Entra na pauta desses estudos a necessidade de se pensar e repensar continuamente o tema do erro e suas consequências no âmbito do comportamento organizacional, mais especificamente, da psicologia e do empreendedorismo, levando em conta também o tipo de negócio ou sua inserção cultural - enfim, a inclusão da questão de saber lidar com os erros e ter a habilidade de aprender com as experiências.

 

Referências

Ausubel, D .P., Novak, J. D., & Hanesian, H. (1980). Psicologia Educacional. Rio de Janeiro, ed. Interamericana.         [ Links ]

Ausubel, D. P. (1963). The psychology of meaningful verbal learning. Oxford, England: Grune & Stratton.         [ Links ]

Frese, M. (1991). Error management or error prevention: Two strategies to deal with errors in software design. In H.-J. Bullinger (Ed.). Human aspects in computing: Design and use of interactive systems and work with terminals (pp. 776-782). Elsevier Science Publ.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá
Departamento de Psicologia
Av. da Universidade 2762 Benfica
60020-024, Fortaleza, CE-Brasil
E-mail: c_tupinamba@hotmail.com

Recebida em: 06/07/2017
Aceita em: 18/01/2018

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