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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.21 no.2 Brasília abr./jun. 2021
https://doi.org/10.5935/rpot/2021.2.editorial
O legado da pandemia da COVID-19 para a psicologia das organizações e do trabalho
The legacy of the COVID-19 pandemic for the psychology of organizations and work
El legado de la pandemia COVID-19 para la psicología de las organizaciones y del trabajo
Roberto Moraes CruzI; Jairo Eduardo Borges-AndradeII; Alexsandro Luiz De AndradeIII; Daniela Campos Bahia MosconIV; João ViseuV; Marcos Ricardo Datti MichelettoVI; María Elisa Ansoleaga MorenoVII; Mª Inmaculada López NúñezVIII; Mussa AbacarIX; Nádia KienenX; Germano Gabriel Lima EstevesXI; Paola Barros DelbenXII; Maria Nivalda de Carvalho-FreitasXIII
IEditor-Chefe - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil
IIEditor Sênior - Universidade de Brasília (UnB), Brasil
IIIEditor Associado - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Brasil
IVEditora Associada - Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil
VEditor Associado - Universidade do Algarve (UAlg), Portugal
VIEditor Associado - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Brasil
VIIEditora Associada - Universidad Diego Portales (UDP), Chile
VIIIEditora Associada - Universidad Complutense de Madrid (UCM), Espanha
IXEditor Associado - Universidade Rovuma (UniRovuma), Moçambique
X Editora Associada - Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil
XIEditor Júnior - Universidade de Rio Verde (UniRV), Brasil
XIIEditora Júnior - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil
XIIIPresidente da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT), Brasil
No momento em que é escrito esse editorial, 20 de junho de 2021, foram confirmados 178.268.289 casos de COVID-19, 3.861.485 óbitos e 2.596.625.788 doses de vacinas administradas. No Brasil, os números são relevantes: ultrapassamos a marca dos 500.000 óbitos por COVID-19, com 17.883.750 casos confirmados e 80.986.713 doses de vacinas administradas (Johns Hopkins University, 2021). Esses indicadores, acompanhados sistematicamente ao longo de 2020 e no primeiro semestre de 2021, permanecem refletindo incertezas e inseguranças sem precedentes na organização da vida social, doméstica e de trabalho, em escala global.
Infelizmente, respostas políticas e gerenciais atrasadas e inconsistentes à crise sanitária, social e econômica provocada pela pandemia da COVID-19 ocorreram em muitos países e refletiram desfavoravelmente na capacidade científica, técnica e logística das organizações governamentais em adotarem diretrizes e ações práticas relevantes ao combate, controle e mitigação dos problemas gerados pela pandemia a curto, médio e longo prazos. Nesse sentido, promover essas diretrizes e ações faz parte do contrato social que os governos têm com os seus cidadãos, conforme afirma Arias-Valencia (2017). Ou seja, um pacto político-jurídico em que se supõe garantir a vida e a segurança do indivíduo ao privilegiar interesses coletivos supervenientes - a denominada esfera pública.
Houve um fracasso em cumprir as responsabilidades em detectar, evitar, controlar, tratar e agir com rigor jurídico e imediatez política para coibir quaisquer desvios de recursos técnicos e financeiros dirigidos à crise da pandemia. Esse aspecto reflete a instrumentalização do Estado para fins não coletivos e o uso da estrutura governamental de forma ineficaz e, ainda, infelizmente, sobre o espectro do descaso com o bem público e da corrupção. Do ponto de vista da população, teme-se que o vírus SARS-CoV-2 permaneça, ainda, por muito tempo em circulação, em função da sua letalidade e das mutações desenvolvidas em diferentes países. Além disso, aguarda-se, também, pelo fim das restrições de mobilidade e de distanciamento social, assim como da aceleração dos programas de vacinação e de outras medidas sanitárias eficazes.
São graves as consequências da pandemia da COVID-19 para a saúde das populações, desproporcionalmente acentuadas para os grupos mais vulneráveis, assim como para a sustentabilidade econômica das pessoas (Cruz et al., 2020). De forma ampla, essas consequências trouxeram como legado a necessidade de administração de um passivo significativo de problemas para a administração dos governos e demais organizações produtivas. São especialmente preocupantes os problemas relacionados à capacidade de empregabilidade, à defasagem nos processos de educação, à acentuação nas desigualdades na renda e no acesso a serviços e produtos de consumo, acentuados na pandemia da COVID-19.
Historicamente, eventos pandêmicos, tais como o da COVID-19, impactaram severamente o mundo do trabalho e das organizações públicas e privadas, de várias maneiras: nas tentativas de conter o desemprego em massa, na adoção de leis específicas à saúde e segurança do trabalhador, nas mudanças na relação jornada/remuneração (Cohn, 2007; Rudolph et al., 2021). No âmbito desta pandemia, foram acentuados o uso intensivo de tecnologias de informação e comunicação para fins gerenciais, a adoção de sistemas de teletrabalho e a flexibilização de rotinas de trabalho, em função da necessidade de administrar o cenário de intensas mudanças. Cabe, portanto, analisar os efeitos dessas mudanças no mundo do trabalho, nas ocupações, na saúde e na produtividade (Castro, Oliveira, Morais, & Gai, 2020).
Que aspectos do legado da pandemia da COVID-19 que podem ser objeto de contribuições teóricas, metodológicas e instrumentais por parte da Psicologia das Organizações e do Trabalho (POT)? Quais os desafios e oportunidades podem surgir para aqueles que atuam no campo da POT? Perguntas como essas podem incentivar pesquisadora(e)s e demais profissionais vinculados ao campo da POT a visualizarem possibilidades de produção de conhecimentos e de propostas de intervenção baseadas na avaliação, monitoramento, desenvolvimento e promoção de comportamentos e práticas gerenciais sustentáveis, baseadas nos melhores benefícios à saúde, à segurança e à qualidade de vida das pessoas nas diferentes modalidades de trabalho.
Dentre esses aspectos, é importante salientar os efeitos na saúde física e mental dos trabalhadores, o trabalho precário, a segurança e higiene ocupacional nos locais de trabalho, a necessidade de equilibrar papéis domésticos-familiares e profissionais, a adoção do teletrabalho e suas variações nas rotinas de trabalho. Há igualmente os desafios à liderança e às estratégias de reorganização de práticas gerenciais a curto, médio e longo prazos, os impactos nas carreiras e a necessidade de desenvolvimento de novos repertórios adaptativos aos riscos e às mudanças nos processos organizacionais provocados pela pandemia (Kniffin et al., 2021; Rudolph et al., 2021).
De forma mais específica, a adaptação ao trabalho remoto e a acentuação de rotinas de trabalho baseadas na conectividade on-line foram ampliadas no período de pandemia. Nem todos os empregos permitem essa flexibilidade, especialmente para os profissionais que permaneceram em deslocamento para o ambiente de trabalho, por diferentes necessidades. A crise sistêmica provocada pela COVID-19 exigiu das organizações ajustes de curto e médio prazo nas rotinas e entregas, a fim de alinhar estrategicamente processos de trabalho e capacidade produtiva. Mudanças culturais na gestão e no comportamento individual tiveram que ser implementadas para garantir o controle da disseminação da COVID-19, com o aumento dos critérios para higienização dos ambientes de trabalho e na adoção de cuidados de higiene pessoal. Nessa direção, um desafio importante para os profissionais da POT será manter e disseminar mudanças gerenciais e comportamentais que enfatizem práticas sustentáveis baseadas nos cuidados com a segurança e saúde coletivas nos locais de trabalho.
Além disso, possivelmente, o legado da pandemia da COVID-19 provocará, seja na esfera pública ou privada, um conjunto de discussões sobre as experiências de adaptação das organizações ao cenário de crise sistêmica. Há experiências de gestão de pessoas e dos processos gerenciais de modernização tecnológica e da produtividade que podem ser analisados sob o prisma das contribuições teóricas e técnicas produzidas no campo da POT.
Particularmente, alguns conceitos e práticas associadas provavelmente devem retornar à ordem do dia, no âmbito da governança corporativa. Dentre os quais, pode-se destacar: a compliance - que se refere a padrões de decisão e de adesão a requisitos, diretrizes ou regulamentos que preservam a integridade da organização; a accountability - que compreende os processos de gestão subordinados a compromissos éticos, à transparência e à prestação de contas às pessoas que trabalham nas organizações e à sociedade; e a responsiveness - que designa a capacidade de resposta adaptativa e proativa das organizações às necessidades provocadas por elas mesmas e pelo cenário de mudanças econômicas e sociais (Brinkerhoff, 2004; Justice, Melitski, & Smith, 2006).
A rPOT, por meio dos seus editoriais, tem convidado pesquisadora(e)s e profissionais da área da Psicologia das Organizações e do Trabalho a promoverem pesquisas empíricas sobre o tema: impactos da pandemia da COVID-19 no trabalho, na saúde e nos processos organizacionais. Salientamos que, independentemente do fluxo contínuo adotado para a avaliação e publicação de manuscritos enviados à Revista, dedicaremos, prioritariamente, ao n. 3/v. 21 da rPOT (previsto para setembro de 2021), a publicação de artigos aprovados pelo nosso time de pareceristas e editores sobre o tema referido.
Referências
Arias-Valencia, S. (2017). Epidemiología, equidad en salud y justicia social. Revista Facultad Nacional de Salud Pública, 35(2),186-196. https://doi.org/10.17533/udea.rfnsp.v35n2a03 [ Links ]
Brinkerhoff, D. W. (2004). Accountability and health systems: toward conceptual clarity and policy relevance. Health policy and planning, 19(6),371-379. https://doi.org/10.1093/heapol/czh052 [ Links ]
Castro, B. L. G. D., Oliveira, J. B. B. D., Morais, L. Q., & Gai, M. J. P. (2020). COVID-19 e organizações: estratégias de enfrentamento para redução de impactos. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 20(3),1059-1063. https://doi.org/10.17652/rpot/2020.3.20821 [ Links ]
Cohn, S. (2007). After the Black Death: Labour legislation and attitudes towards labour in late-medieval Western Europe. Economic History Review, 60(3),457-485. https://doi.org/10.1111/j.1468-0289.2006.00368.x [ Links ]
Cruz, R. M., Borges-Andrade, J. E., Moscon, D. C. B., Micheletto, M. R. D., Esteves, G. G. L., Delben, P. B., ... & Carlotto, P. A. C. (2020). COVID-19: emergência e impactos na saúde e no trabalho. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 20(2),I-III. https://doi.org/10.17652/rpot/2020.2.editorial [ Links ]
Johns Hopkins University (2021). Coronavirus Resource Center. Recuperado de https://coronavirus.jhu.edu/map.html [ Links ]
Justice, J. B., Melitski, J., & Smith, D. L. (2006). E-Government as an Instrument of Fiscal Accountability and Responsiveness: Do the Best Practitioners Employ the Best Practices? The American Review of Public Administration, 36(3),301-322. https://doi.org/10.1177/0275074005283797 [ Links ]
Kniffin, K. M., Narayanan, J., Anseel, F., Antonakis, J., Ashford, S. P., Bakker, A. B., Bamberger, P., Bapuji, H., Bhave, D. P., Choi, V. K., Creary, S. J., Demerouti, E., Flynn, F. J., Gelfand, M. J., Greer, L. L., Johns, G., Kesebir, S., Klein, P. G., Lee, S. Y., . . . Vugt, M. v. (2021). COVID-19 and the workplace: Implications, issues, and insights for future research and action. American Psychologist, 76(1),63-77. https://doi.org/10.1037/amp0000716 [ Links ]
Rudolph, C. W., Allan, B., Clark, M., Hertel, G., Hirschi, A., Kunze, F., ... & Zacher, H. (2021). Pandemics: Implications for research and practice in industrial and organizational psychology. Industrial and Organizational Psychology, 14(1-2),1-35. https://doi.org/10.1017/iop.2020.48 [ Links ]