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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

     

https://doi.org/10.5935/rpot/2021.2.20971 

Inclusão, desenho do trabalho e satisfação de servidores públicos com diferença funcional

 

Inclusion, work design, and satisfaction of public service employees with functional difference

 

Inclusión, diseño del trabajo y satisfacción de los servidores públicos con diferencia funcional

 

 

Orisvaldo Antônio da SilvaI; Maria Nivalda de Carvalho-FreitasII

IUniversidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Brasil
IIUniversidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Brasil

 

 


RESUMO

O presente artigo teve o objetivo de compreender a inclusão de servidores públicos com diferença funcional (deficiência), considerando suas possíveis associações com o desenho do trabalho e com a satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho. A pesquisa se dividiu em duas etapas: (1) de natureza comparativa visando identificar se pessoas com e sem diferença funcional realizavam atividades com características de desenho do trabalho similares; (2) de natureza descritiva e qualitativa objetivando descrever e compreender possíveis relações entre inclusão, desenho do trabalho e satisfação. Os resultados indicaram a importância de fatores específicos para análise da inclusão como a eliminação de barreiras à acessibilidade e a possibilidade de sentir-se incluído, sendo a pertença um fator mitigador das barreiras à acessibilidade. Além disso, foi identificada relação desses fatores com o desenho do trabalho e a satisfação. Implicações da investigação para a ampliação do conhecimento e para a prática são indicadas.

Palavras-chave: deficiência, diversidade, universidade pública.


ABSTRACT

This article aims to understand the inclusion of public service employees with functional differences (disabled persons), considering their possible association with the work design, and their satisfaction with quality of life factors in the job. The research is split into three stages: (1) comparative nature, aiming to identify if people with or without disability accomplished activities with similar work design characteristics; (2) descriptive and qualitative nature, aiming to describe and understand possible relations between inclusion, work design, and satisfaction. The results pointed to the importance of specific factors for the analysis of inclusion, such as the elimination of barriers to accessibility and the possibility for people to feel included; belonging is a mitigating factor for barriers to accessibility. Moreover, we identified the relation of these factors with work design and satisfaction. We also indicated implications of the investigation for growing knowledge and practice of the topics.

Keywords: disability, diversity, public university.


RESUMEN

Ese artículo tuvo como objetivo comprender la inclusión de los servidores públicos con diferencia funcional (discapacidad), considerando sus posibles asociaciones con el diseño del trabajo y con su satisfacción con relación a factores de calidad de vida en el trabajo. La investigación se dividió en dos etapas: (1) de naturaleza comparativa, para identificar si personas con y sin diferencia funcional realizaban actividades con características de diseño del trabajo similares; (2) de naturaleza descriptiva y cualitativa, con el objetivo de describir y comprender posibles relaciones entre inclusión, diseño del trabajo y satisfacción. Los resultados indicaron la importancia de factores específicos para el análisis de la inclusión, como la eliminación de barreras de accesibilidad y la posibilidad de sentirse incluido, siendo la pertenencia un factor de mitigación de las barreras de accesibilidad. Además, se identificó la relación de esos factores con el diseño del trabajo y la satisfacción. Así, se indica las implicaciones de la investigación para la ampliación del conocimiento y para la práctica.

Palabras clave: discapacidad, diversidad, universidad pública.


 

 

As pessoas pertencentes ao grupo de diversidade funcional1 compõem uma parcela expressiva da população do Brasil, já que 12.748.663 habitantes, 6,7% da população, declararam possuírem pelo menos uma das diferenças funcionais investigadas no último censo demográfico (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018). Mesmos apoiados por leis que favorecem a inclusão, ainda é difícil o acesso dessas pessoas ao mercado formal de trabalho (Benevides, 2017). Conforme Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018 foi verificado o percentual de 1,04% de todos os vínculos formais de trabalho e de 0,4% dos servidores públicos (Ministério da Economia, 2019).

Várias pesquisas têm sido desenvolvidas abordando a inclusão destas pessoas nos diversos contextos de trabalho, conforme revisões de literatura realizadas por Camargo, Goulart Júnior e Leite (2017), Ribeiro, Batista, Prado, Vieira e Carvalho (2014), Simonelli e Jackson (2017) e Werneck-Souza, Ferreira e Soares (2020). Contudo, observa-se que a maior parte das publicações se referem às pesquisas realizadas no setor privado e, predominantemente, tem como foco a contratação de pessoas com diferença funcional e as dificuldades das organizações em modificar atitudes, espaços físicos, objetos e práticas sociais.

Além disso, pesquisas têm indicado, direta ou indiretamente, que as pessoas com diferença funcional têm sido alocadas, principalmente na iniciativa privada, em trabalhos menos qualificados e com menores exigências de desempenho para executarem tarefas simples, repetitivas e de natureza operacional, alegando-se baixa escolaridade (Lima, Tavares, Brito, & Cappelle, 2013; Lorenzo & Silva, 2017). Também tem se verificado a manutenção de desconfiança das empresas em relação à capacidade produtiva das pessoas com diferença funcional e um baixo investimento em adequações ambientais e na diminuição de barreiras atitudinais (Carmo, Gilla, & Quiterio, 2020). Além de várias preocupações dos gestores em relação a todo o ciclo de emprego das pessoas com diferença funcional, desde o recrutamento até o desligamento do trabalho (Bonaccio et al., 2019).

Especificamente em relação às investigações realizadas no setor público, é possível identificar realidades diferentes entre si e da maioria das pesquisas produzidas no setor privado, por exemplo, uma maior adequação dos postos de trabalho às necessidades das pessoas e maior alinhamento à formação (Pereira, Bizelli, & Leite, 2017); maior autonomia e valorização, a despeito da manutenção de problemas relacionados à acessibilidade (Marques, Moreira, & Lima, 2017); predominância de práticas integrativas, com dificuldades para garantir condições de acessibilidade, deixando às pessoas com diferença funcional o desafio de se adaptarem ao contexto vigente (Teixeira, 2016); presença de barreiras à acessibilidade e de políticas assistencialistas e segregacionistas (Carvalho, 2018; Pottmeier, Donida, Darde, & Santana, 2019); similaridades entre as pessoas com diferença funcional e outros grupos populacionais em relação aos sentido e significado atribuído ao trabalho, sendo os impedimentos relacionados às condições de trabalho e não à condição da deficiência (Paiva, Bendassolli, & Torres, 2015). De uma maneira geral, verifica-se nas pesquisas realizadas que, apesar de o setor público ter um número de vagas preenchidas por pessoas com diferença funcional pequeno, há uma tendência a fazer uma melhor gestão das possibilidades de trabalho dessas pessoas avaliando e reconfigurando os postos de trabalho. No entanto, várias barreiras à acessibilidade ainda são identificadas nessas investigações.

De uma forma geral, as pesquisas no setor público, principalmente, têm trazido alguns fatores essenciais na análise da inclusão de pessoas com diferença funcional que são a adequação das condições e instrumentos de trabalho de forma a promover condições de desempenho compatíveis com a formação da pessoa; e a importância de se considerar a percepção de inclusão das próprias pessoas com diferença funcional e sua satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho (Camargo et al., 2017; Ribeiro et al., 2014; Simonelli & Jackson, 2017; Werneck-Souza et al., 2020). Embora algumas pesquisas têm analisado esses fatores separadamente, não identificamos pesquisas que avaliam a percepção das pessoas com diferença funcional sobre aspectos relacionados às características de seus trabalhos e se a percepção delas eram similares aos de pessoas sem diferença funcional e com formação similar exercendo as mesmas funções. Considerando esse cenário, a presente investigação que tem por objetivo compreender possíveis relações entre as características do trabalho, fatores relacionados à inclusão e a satisfação com a qualidade de vida no trabalho de servidores públicos com diferença funcional.

 

Inclusão, Desenho do Trabalho e Satisfação

Tendo em vista o conjunto de pesquisas produzidas sobre o trabalho de pessoas com diferença funcional nas organizações, consideraremos para efeito de análise, na presente investigação, três fatores distintos, mas articuláveis entre si: a identificação de parâmetros que garantam condições de acesso e de desempenho às pessoas com diferença funcional em geral; as características do trabalho desempenhado; e a satisfação dessas pessoas com fatores de qualidade de vida no trabalho. O desempenho das atividades de trabalho de forma atípica requer que condições e práticas de trabalho sejam flexíveis para que pessoas com diferença funcional possam realizar suas atividades e produzir os resultados esperados pela organização, gerando a necessidade de se considerar o atendimento de parâmetros que garantam a inclusão dessas pessoas. No entanto, a inclusão precisa se efetivar em trabalhos que estejam relacionados à formação e ao potencial das pessoas com diferença funcional. Nesse sentido, é necessário que as características do trabalho dessas pessoas sejam compatíveis com sua formação e similares, em seu desenho, ao trabalho das pessoas sem diferença funcional. Também é necessário considerar que fatores relacionados à satisfação com a qualidade de vida no trabalho sejam avaliados para se ter clareza do quão favorável tem sido o trabalho do ponto de vista das próprias pessoas com deficiência.

A inclusão tem sido objeto de estudo de vários pesquisadores, podendo ser identificados alguns modelos de análise adotados nas pesquisas nacionais e internacionais como, por exemplo, o de Mor-Barak e Cherin (1998) que avalia o envolvimento de mulheres e minorias nos grupos de trabalho, a influência que têm no processo decisório e o acesso à comunicação e recursos; o de Ferdman, Barrera, Allen e Vuong (2009) que priorizam a experiência psicológica de inclusão e o comportamento inclusivo organizacional; e o de Jansen, Otten, van der Zee e Jans (2014) que avaliam a inclusão como um conceito bidimensional de percepção de pertencimento e de autenticidade. Especificamente sobre a inclusão de pessoas com diferença funcional, o modelo mais referenciado é o de Stone e Colella (1996) que propõem dimensões de análise para explicar a maneira como essas pessoas são tratadas na organização, quais sejam, fatores ambientais (legislação que regulamenta a inclusão e legislações do país); características da organização (políticas, forma de organização do trabalho e sistema de recompensas) e os atributos tanto das pessoas com diferença funcional quanto das demais pessoas da organização.

Duas limitações são identificadas nesse modelo: a primeira se refere à ênfase nos aspectos cognitivos e afetivos envolvidos na construção dos estereótipos sobre a deficiência, excluindo a dimensão histórica da avaliação de possibilidade de contribuição da pessoa com diferença funcional em situações de trabalho (Carvalho-Freitas, 2007), o que impede de realizar uma análise situada da inclusão e legitima a associação da diferença funcional à incapacidade e às características físicas, sensoriais e comportamentais da própria pessoa. A segunda, é a não consideração de elementos da estrutura organizacional e de desenho do trabalho na análise da inclusão (Beatty, Baldridge, Boehm, Kulkarni, & Colella, 2019), embora, pesquisas tenham indicado que fatores do desenho do trabalho são preditores da percepção do desempenho das pessoas com diferença funcional (Carvalho-Freitas, Tette, Souza, Bentivi, & Oliveira, 2019).

Por esses motivos, três parâmetros propostos por Carvalho-Freitas, Tette, Paiva, Nepomuceno e Silva (2018) serão utilizados como referência de análise da inclusão, pois eles contemplam aspectos ambientais, organizacionais e psicossociais como elementos que conferem inteligibilidade situacional às possibilidades de inclusão das pessoas com diferença funcional.

(1) Parâmetros éticos e normativos que se referem à apropriação da inclusão de pessoas com diferença funcional, se como um valor, ou seja, um princípio ético assimilado pela cultura organizacional; ou como uma norma, em que a legislação do país é o cadinho onde se opera as ações da organização em relação à inclusão. Neste sentido, algumas pesquisas têm concluído que questões culturais, somadas ao despreparo das organizações e dos gestores para lidarem com os trabalhadores com diferença funcional, representam os maiores obstáculos para uma efetiva inclusão (Bonaccio et al., 2019; Camargo et al., 2017; Pottmeier et al., 2019).

(2) Parâmetros ambientais e organizacionais que se refere ao conjunto de condições de trabalho que assegura condições de equidade e de possibilidade real de trabalho para as pessoas com diferença funcional. Nesse sentido, são consideradas a maior ou menor presença de barreiras arquitetônicas e urbanísticas; comunicacionais; metodológicas; instrumentais; programáticas; e atitudinais (Sassaki, 2010).

(3) Parâmetros psicossociais dizem respeito às experiências com o outro em situações sociais e de trabalho, especificamente ao sentir-se incluído. Esse parâmetro pode ser compreendido a partir de três fatores: possibilidades de pertença e de singularidade/autenticidade (Shore et al., 2011; Jansen et al., 2014) e de autonomia (Honneth, 2003).

Também o desenho do trabalho será considerado um fator importante como referência de análise, pois além de estar relacionado à avaliação do desempenho das pessoas com diferença funcional (Carvalho-Freitas et al., 2019), ele permite comparar as características do trabalho de pessoas com e sem diferença funcional e a adequação ao cargo dessas pessoas. Para efeitos da presente investigação o desenho do trabalho será definido como o estudo, a criação e a modificação da composição, do conteúdo, da estrutura e do ambiente em que os trabalhos e funções são executados (Morgeson & Humphrey, 2008). O desenho do trabalho diz respeito à maneira como as tarefas de trabalho são configuradas, através da relação entre as atividades de trabalho e o contexto organizacional em que elas ocorrem, estando se tornando cada vez mais inclusivo (Fernández Ríos et al., 2017).

O desenho do trabalho é descrito por meio de três categorias principais: motivacional (apresentada em duas dimensões - características da tarefa e características do conhecimento), social e contextual, que permitem a identificação de diversos aspectos do trabalho, incluindo fatores relacionados a in/satisfação no trabalho (Morgeson & Humphrey, 2006).

Os fatores do desenho do trabalho podem ser utilizados para conduzir pesquisas sobre a natureza do trabalho (investigação) ou para redesenhar trabalhos nas organizações (intervenção) (Borges-Andrade, Peixoto, Queiroga, & Pérez-Nebra, 2019; Fernández Ríos et al., 2017; Morgeson & Humphrey, 2006;). Tais aplicações ampliam as possibilidades de melhoria nas condições de trabalho, o que pode gerar mais oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional para os trabalhadores (Fernández Ríos et al., 2017). Desse modo, acredita-se que o desenho do trabalho pode auxiliar na compreensão da inclusão de pessoas com diferença funcional no trabalho, considerando a relação entre o indivíduo com os diversos fatores relacionados à tarefa, ao conhecimento, aos aspectos sociais e contextuais do trabalho. Portanto, pressupõe-se que essa taxionomia tem potencial para contribuir com as investigações no campo da inclusão, pois permite caracterizar o trabalho desenvolvido e identificar se atendidas as necessidades de reconfiguração das atividades para que as pessoas com diferença funcional possam realizá-lo, o trabalho continua mantendo características similares relacionadas à tarefa, às características do conhecimento, social e contextual. Por exemplo, uma pessoa cega realizando o trabalho de advogado precisa ter condições de acesso a todo o processo via computador com leitores de tela. No entanto, as características de sua atividade, os conhecimentos necessários e exigidos, etc. deverão ser similares aos demais advogados do caso.

Além de considerar as dimensões da inclusão e do desenho do trabalho, a avaliação da satisfação com fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho foi considerado um elemento de análise importante, pois as pessoas podem ter garantidas as condições de acessibilidade, estar se sentindo incluídas no grupo de trabalho, terem um trabalho adequado ao seu potencial e, por razões organizacionais diversas, estarem se sentindo insatisfeitas.

Dentre as diversas abordagens de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), (Walton, 1973) aborda esse conceito como circunscrito a um contexto que visa assegurar saúde e segurança dos trabalhadores, e garantir os direitos de minorias, aspectos importantes para a inclusão de pessoas com diferença funcional no mercado de trabalho (Carvalho-Freitas, 2007). Esse modelo considera condições físicas e de segurança, remuneração, possibilidade de crescimento, relevância social do trabalho e direitos como elementos constitutivos da qualidade de vida no trabalho (M. R. M. S. Rodrigues, Alexandre, Rodrigues, Rodrigues, & Freitas, 2017). Desse modo, é possível identificar fatores extrínsecos e intrínsecos relacionados à satisfação no trabalho.

É importante destacar que alguns autores evidenciam a necessidade de se atentar para determinadas peculiaridades do serviço público, distintas do setor privado, nas investigações sobre a satisfação no trabalho, como a ausência da ênfase em competitividade (fator relacionado a busca de eficiência operacional e ao grau da satisfação dos funcionários) e a questão da estabilidade no emprego (Brandão, Lima, Cabral, Santos, & Pessoa, 2014; Vieira, Boas, Andrade, & Oliviera, 2011). Além disso, a nobreza da missão no serviço público é considerada um poderoso fator de motivação, pois, o senso de servir ao bem público tem grande peso na satisfação e na motivação dos servidores públicos com o trabalho (Klein & Mascarenhas, 2016; W. A. Rodrigues, Reis Neto, & Gonçalves Filho, 2014; Vieira et al., 2011).

 

Método

A pesquisa foi realizada em uma instituição pública, especificamente em uma universidade federal brasileira, por se considerar que nesse contexto seria mais provável encontrar pessoas com diferença funcional em postos de trabalho compatíveis com sua formação acadêmica (Marques et al., 2017; Pereira et al., 2017). A Universidade em que a pesquisa foi conduzida possui um quadro de servidores com 928 docentes e 537 técnicos administrativos em educação. Ressalta-se que a escolha desta instituição foi em função da conveniência, da anuência da área de gestão de pessoas e da presunção de seu contexto organizacional ser compatível com as demais Instituições Federais de Ensino Superior no país, sendo um caso que poderia contribuir para a compreensão das especificidades da inclusão no setor público.

A instituição possui 15 (quinze) servidores que declararam possuírem alguma diferença funcional, conforme lista disponibilizada pela área de gestão de pessoas, representando 100% dos servidores que possuem diferença funcional na universidade. Esse número reflete o pequeno percentual de inserção dessas pessoas no serviço público brasileiro (Ministério da Economia, 2019), demonstrando o não cumprimento efetivo da lei de cotas no país. Em todas as fases da pesquisa foram observadas as questões éticas em investigações com seres humanos, tendo a pesquisa sido aprovado pelo Comitê de Ética da instituição. Durante as duas etapas da pesquisa as pessoas foram informadas que poderiam retirar o consentimento e deixar de participar da pesquisa em qualquer momento sem nenhuma consequência para elas. Além disso, foi lhes fornecido o contato do Comitê de Ética da instituição para qualquer informação, denúncia ou solicitação que julgassem pertinentes em relação à pesquisa.

A pesquisa se dividiu em duas etapas: (1) de natureza comparativa em que o objetivo foi identificar se as pessoas com e sem diferença funcional da instituição realizavam atividades com características de desenho do trabalho similares; (2) de natureza descritiva e qualitativa em que o objetivo foi descrever e compreender possíveis relações entre as dimensões consideradas relevantes para a inclusão, o desenho do trabalho e a satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho para as pessoas com diferença funcional.

Participantes

A amostra de pessoas com diferença funcional foi a mesma tanto na primeira quanto na segunda etapa da pesquisa, tendo sido constituída por sete servidores que aceitaram participar da investigação, conforme Tabela 1.

 

 

Conforme pode ser observado na tabela 1, os participantes da pesquisa são servidores públicos com diferença funcional lotados na instituição de ensino, servidores com idade média de 43 anos, com tempo de serviço médio na instituição de cinco anos; predominando pessoas do sexo masculino e casados; todos têm formação superior. A maioria atua em cargos da carreira de técnicos administrativos em educação, sendo que 42,9% dos participantes possui função de chefia. Já quando se analisa as diferenças funcionais, verifica-se a não presença de profissional com diferença funcional de natureza intelectual, indicando a maior dificuldade dessas pessoas em ser aprovadas em concursos públicos.

A amostra de pessoas sem diferença funcional participou apenas da primeira etapa da pesquisa, tendo sido constituída por catorze servidores que exerciam funções similares em relação às pessoas com diferença funcional e tinham contato frequente com elas. São servidores com idade média de 39 anos, com tempo de serviço médio na instituição de nove anos; 35,7% são do sexo masculino e 64,3% são do sexo feminino, sendo 32,9% solteiros(a) e 57,1% casados(a); 7,1% tem ensino médio completo e os demais têm formação superior, sendo que 28,6% fizeram especialização, 21,4%, mestrado e 14,3% doutorado.

Instrumentos

Na primeira etapa da pesquisa foi utilizada uma ficha sociodemográfica, visando caracterizar os participantes, além do WDQ (Questionário de Desenho do Trabalho/Work Design Questionnaire).O Questionário de Desenho do Trabalho é a versão brasileira do Work Design Questionnaire (Morgeson & Humphrey, 2006); adaptada por Borges-Andrade et al., (2019), sendo uma escala de 5 pontos (discordo totalmente a concordo totalmente), contendo 71 itens. Os itens se dividem em 18 fatores, organizados em quatro dimensões: 1) características da tarefa (autonomia na planificação do trabalho; autonomia de decisão e realização; variedade de tarefas; significado da tarefa; identificação da tarefa e feedback do trabalho); 2) características do conhecimento ((baixa) complexidade do trabalho; processamento de informação; solução de problemas e especialização); 3) características sociais (suporte social; interdependência; interação fora da organização e feedback dos outros); 4) contexto de trabalho (conforto no trabalho; demandas físicas; condições de trabalho e uso de equipamentos). Todos os fatores dessas dimensões tiveram carga fatorial superior a 0,40 e Alfa de Cronbach entre 0,70 e 0,94. O objetivo da utilização do questionário foi verificar se havia diferença entre as características do trabalho de pessoas com e sem diferença funcional que atuavam em cargos similares.

Na segunda etapa da investigação foi aplicado o Inventário de Satisfação com Fatores de Qualidade de Vida no Trabalho (ISQVT), baseado nos pressupostos de Walton (1973) e validado para o público de pessoas com diferença funcional no contexto brasileiro por Carvalho-Freitas (2007). O ISQVT é composto por 45 itens, em uma escala de seis pontos (totalmente insatisfeito a totalmente satisfeito); e oito fatores (relevância do trabalho; integração social na organização; direitos na instituição; remuneração; oportunidades de crescimento profissional; uso e desenvolvimento das capacidades; equilíbrio trabalho e vida; condições de trabalho), todos com Alfa de Cronbach superiores a 0,80. O objetivo da aplicação desse inventário foi identificar os níveis de satisfação com os fatores de qualidade de vida no trabalho dos participantes.

Além disso, foi utilizado grupo focal (Gondim, 2002). O objetivo foi identificar as percepções compartilhadas pelos servidores com diferença funcional sobre a sua inclusão na instituição, bem como, enunciações que possibilitassem a identificação de possíveis relações entre inclusão, desenho do trabalho e satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho. A escolha dessa abordagem de investigação ocorreu com o consentimento dos participantes, sendo que todos já se conheciam, pois atuavam na mesma instituição e relataram se sentir à vontade com essa forma de participação. O fato de serem servidores concursados e com estabilidade no emprego, tinha o potencial de facilitar a explicitação dos diversos aspectos relacionados às condições de trabalho relacionadas à inclusão

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

Na primeira etapa da pesquisa, os participantes responderam a um questionário online formando dois grupos emparelhados em relação ao cargo ocupado e à frequência de contato que mantinham entre si (contato frequente no trabalho com pessoas com diferença funcional). Foram convidadas as 15 pessoas com diferença funcional da instituição e 22 pessoas que atuavam em funções similares nos mesmos setores que elas. A primeira página do questionário continha o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que deveria ser aceito livremente pelos participantes. Aceitaram participar da pesquisa sete pessoas com diferença funcional e 14 pessoas sem diferença funcional. O critério de inclusão na amostra foi o pareamento em relação às funções executadas, a frequência de contato e o vínculo com a universidade (servidores concursados e efetivos).

Na segunda etapa da pesquisa, as pessoas com diferença funcional que participaram da primeira etapa foram convidadas a responder ao ISQVT e a participar do grupo focal. Todas elas aceitaram e responderam ao questionário no mesmo dia da realização do grupo focal, antes de seu início. O roteiro se constituiu de três grandes eixos: como eles percebiam o processo de inclusão deles no trabalho que desempenhavam; aspectos relacionados à acessibilidade; e satisfação no trabalho. Devido a limitações de agenda dos participantes, foram realizados dois grupos focais, o primeiro com três servidores e o segundo com quatro, de modo que nenhum dos participantes esteve nos dois grupos. As falas dos participantes foram gravadas e transcritas.

Procedimentos de Análise de Dados

Primeira etapa da pesquisa. As análises quantitativas foram realizadas no software SPSS (Statistical Package for the Social Science) versão 20.0, especificamente análises descritivas (frequência, média e desvio-padrão) dos dados sociodemográficos e do questionário de desenho do trabalho. Além disso, foi verificado se a distribuição dos dados relativos às dimensões do desenho do trabalho atendia a critérios de normalidade (teste Shapiro-Wilk) e realizado teste de diferença entre as médias (teste U de Mann-Whitney) dessas dimensões para os grupos de pessoas com e sem diferença funcional.

Segunda etapa da pesquisa. Foram realizadas análises quantitativas descritivas do ISQVT. O grupo focal foi analisado considerando a cronologia em que os temas foram abordados, visando identificar os aspectos que para os participantes eram os que primeiramente eram abordados, além da análise de conteúdo temática (Bardin, 2011), privilegiando-se as temáticas que foram objeto de maior discussão e consenso nos dois grupos focais. Além disso, foi buscado identificar se os participantes faziam associações entre a percepção do desenho do trabalho que executavam, aspectos relacionados à inclusão e a satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho. Foram identificadas duas categorias de análise principais: as barreiras à acessibilidade e a pertença ao grupo de trabalho. Essas categorias estavam relacionadas ao desenho do trabalho e à satisfação, conforme descrito nos resultados.

 

Resultados e Discussão

Os resultados serão apresentados na sequência em que foram realizados. Na primeira etapa fizemos uma análise comparativa entre pessoas com e sem diferença funcional no que diz respeito ao trabalho que realizavam, analisando as dimensões do desenho do trabalho. Na segunda etapa, concentramo-nos apenas nas pessoas com diferença funcional que fizeram parte da primeira etapa da investigação para entender possíveis relações entre o desenho do trabalho, inclusão e satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho.

Etapa 1: Desenho do Trabalho de Pessoas Com e Sem Diferença Funcional

Conforme pode ser observado na Tabela 2, apenas os fatores "Autonomia de decisão e realização" e "Conforto no trabalho" apresentaram valor de probabilidade associadas significativas, mostrando ser possível que as percepções mais altas nesses fatores sejam influenciadas pela diferença funcional.

Verifica-se que as pessoas com diferença funcional concordam mais com a presença da "Autonomia de decisão e realização" que, conforme Borges-Andrade et al. (2019), refere-se à autonomia na tomada de decisão e na escolha de métodos de trabalho; e com o "conforto no trabalho" que as pessoas sem diferença funcional. Essa diferença informa que na instituição as pessoas com diferença funcional podem tomar decisões e escolher seus métodos de trabalho (ainda que atípicos, considerando suas diferenças funcionais). Por outro lado, é possível levantar a hipótese de que a possibilidade de realizar as atividades de maneiras atípicas e terem garantido conforto ergonômico (cadeiras e acomodação física no local de trabalho) não tem impacto negativo nos resultados de desempenho, pois verifica-se que quase a metade das pessoas com diferença funcional (42,9%) exerce funções de coordenação em seus setores.

Os resultados demonstram que na maioria dos aspectos relacionados ao desenho do trabalho não existe diferença em relação à percepção dos postos de trabalho entre pessoas com e sem diferença funcional, isto é, as pessoas com diferença funcional avaliam as características de seus trabalhos de forma semelhante às pessoas sem diferença funcional que ocupam posições similares dentro da universidade. Essa equivalência na análise da maioria das características da tarefa, do conhecimento e sociais, além do contexto de trabalho, indica que se tem oferecido condições de organização do trabalho para que as pessoas com diferença funcional possam desempenhar suas atividades considerando suas formações e potencialidades de trabalho. Esse resultado é equivalente aos resultados de outras pesquisas que também identificam que no serviço público tem havido uma preocupação maior com a adequação do trabalho à formação (Pereira et al., 2017) e maior autonomia e valorização dessas pessoas (Marques et al., 2017). Esses resultados mostram que se tem iniciado mudanças no processo de inclusão, o que há poucos anos atrás não se verificava. Também demonstram a importância de garantir a possibilidade de autonomia de decisão e da escolha dos métodos de trabalho, mesmo entre pessoas com diferenças funcionais consideradas pela sociedade como mais incapacitantes como a cegueira, a surdez e a baixa visão (visão subnormal), que representam 57% dos participantes da investigação.

Embora os resultados se refiram a uma amostra reduzida, eles indicam que existem possibilidades concretas de organização do trabalho que não colocam as pessoas com diferença funcional em situação de desvantagem. Nesse sentido, os resultados indicam que existe a possibilidade de realizar desenhos do trabalho em que a criação e a modificação de sua composição ((Morgeson & Humphrey, 2006; Borges-Andrade et al., 2019), pode torna-los cada vez mais inclusivos (Fernández Ríos et al., 2017).

Etapa 2: Relações entre Inclusão, Desenho do Trabalho e Satisfação

Nessa etapa da pesquisa o foco foi nas pessoas com diferença funcional que participaram da primeira etapa, visando verificar aspectos de satisfação em relação à fatores de qualidade de vida no trabalho e parâmetros de inclusão. Em relação à satisfação com os fatores de qualidade de vida no trabalho verifica-se que os servidores com diferença funcional participantes da pesquisa apresentaram satisfação em relação aos oito fatores investigados no ISQVT (todos resultados acima de 3,5), conforme Tabela 3. Observa-se que três fatores tiveram médias superiores a 4: a relevância do trabalho; a integração social na organização e os direitos na instituição, apresentando resultados similares aos de pesquisas anteriores que investigam satisfação e qualidade de vida no trabalho de servidores públicos (Brandão et al., 2014; Klein & Mascarenhas, 2016; Vieira et al., 2011).

 

 

Por outro lado, o fator relacionado às condições de trabalho foi o que obteve menor média e um desvio padrão que reflete a possibilidade de insatisfação com essas condições entre os participantes da pesquisa. A avaliação das condições de trabalho no ISQVT leva em consideração outros fatores, além dos avaliados pelo WDQ, como condições de acessibilidade e adequação das atividades de trabalho para pessoas com diferença funcional. As condições de trabalho é um fator bastante sensível no trabalho de pessoas com diferença funcional e explicita a necessidade de uma compreensão situada das diferenças funcionais, pois as pessoas, mesmo com diferenças funcionais semelhantes, podem demandar adaptações distintas das condições de trabalho. Esses resultados se inserem dentro das discussões de Walton (1973), pois circunscreve a qualidade de vida no trabalho em um contexto em que as demandas das minorias aparecem mais explicitamente.

Os resultados dos grupos focais ampliam a compreensão dos resultados encontrados sobre o desenho do trabalho e sobre a satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho, colocando-os dentro da perspectiva de análise da inclusão de pessoas com diferença funcional no trabalho. As análises levaram em conta a ordem cronológica em que os temas, que foram objeto de ampla discussão nos grupos, foram apresentados. Nos grupos pôde-se identificar inicialmente que as pessoas começavam respondendo individualmente às questões disparadoras e que alguns núcleos temáticos receberam uma atenção diferenciada pelo grupo, sendo objeto de discussão de todos. Esses núcleos temáticos foram organizados nas categorias: barreiras à acessibilidade e pertença ao grupo de trabalho.

As barreiras à acessibilidade. Nos grupos focais, os primeiros temas que foram objeto de discussão foram referentes a algumas barreiras à acessibilidade, que se referem aos parâmetros ambientais e organizacionais da inclusão, conforme Carvalho-Freitas et al. (2018). As principais questões se referiam à falta de possibilidade de se deslocarem de forma independente dentro da instituição, como um todo (pessoas cadeirantes ou cegas) e a falta de conhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) por parte dos demais servidores da instituição que limita as possibilidades de interação dos surdos com os ouvintes e provoca uma dependência dos surdos em relação aos intérpretes de Libras (a despeito de serem importantes recursos de acessibilidade para os surdos). Nessa última situação, o uso de ferramentas eletrônicas e de informática (WhatsApp, por exemplo) para a interação dos surdos com os ouvintes tem sido uma forma alternativa de comunicação que minimiza a barreira comunicacional.

"Ai eu fico pensando. Como que a gente motiva a trabalhar e fica satisfeito, sendo que a forma de você chegar ao seu ambiente de trabalho é dificultada, o espaço físico não te ajuda. São dificuldades que a gente tem no dia a dia, coisas que podem e devem ser eliminadas ou diminuídas." (Alex, cego)

"Eu senti que as vezes ficar pedindo, ficar pedindo as coisas na secretaria, avisar e tudo mais para o intérprete, parece que incomoda, né? Eu gostaria as vezes eu mesma de ter a oportunidade de comunicar, às vezes, frente a frente com as pessoas. Mas hoje melhorou muito essa questão, algumas pessoas já aceitam essa comunicação, por exemplo, por meio de WhatsApp." (Regina, surda)

Em relação a barreira instrumental foi relatado a dificuldade de acesso a alguns sistemas institucionais informatizados que não permitem o acesso de pessoas cegas e com baixa visão, pois não são compatíveis com as tecnologias assistivas disponíveis.

"Assim, com as tecnologias assistivas eu consegui melhorar minha rentabilidade, foi minha atividade que melhorou, mas se o sistema fosse acessível imagino que seria melhor" (Antônio, baixa visão).

"Então, satisfeito não vou falar que não sou. Porque eu fiquei um bom tempo na ociosidade, depois que aconteceu o acidente comigo, e eu precisava de alguma coisa para preencher minha vida. Só que eu idealizava um ambiente de trabalho que fosse mais favorável em relação a execução do trabalho, não em relação a relação interpessoal, nada disso, em relação à execução do trabalho mesmo. Os sistemas informatizados não são acessíveis. Isso ai desgasta um pouco a gente." (Alex, cego)

As barreiras arquitetônicas, instrumentais e comunicacionais identificadas ratificam os menores níveis de satisfação com as condições de trabalho. Esse resultado referenda a importância da legislação nesse campo. Por exemplo, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão (LBI), deixa claro a obrigatoriedade de oferta de condições de acessibilidade (adaptações razoáveis, desenho universal, uso de tecnologias assistivas etc.) em todos os espaços, inclusive, o gestor público que não observar os ditames dessa lei estará sujeito à eventual processo de improbidade administrativa.

No que diz respeito a barreira metodológica, a principal dificuldade explicitada pelos respondentes se refere à adequação dos cursos de capacitação / treinamentos ofertados pela Universidade a seus funcionários, que não são adaptados para os servidores cegos ou com baixa visão.

"O problema é que a pessoa que foi ministrar o curso ela não tinha pensado na minha condição na hora de ministrar o curso. Quase todas as informações que ela passava era visuais assim, indicava alguma coisinha ou determinado link, fazia isso eu imagino que com o mouse assim, o caminho era sempre o mouse. Então, não dava para eu fazer. Eu já sabia que o curso ia ser assim, eu fui só no primeiro dia, no segundo eu já desisti." (Antônio, baixa visão).

Esse tipo de situação pode dificultar o crescimento na carreira e ratifica o desvio padrão elevado no fator oportunidades de crescimento profissional do ISQVT, que pode evidenciar um menor grau de satisfação com esse fator, por parte das pessoas com baixa visão e cegas. Essa situação em relação a esse fator também foi verificada em alguns estudos no setor privado (Assunção, Oliveira, & Carvalho-Freitas, 2015; Carvalho-Freitas, 2007).

As barreiras identificadas evidenciam, empiricamente, a relevância dos parâmetros ambientais e organizacionais na avaliação de inclusão das pessoas com diferença funcional em situações de trabalho (Carvalho-Freitas et al., 2018), pois elas se apresentam como o tema que primeiro emerge na discussão sobre inclusão no trabalho. Além disso, elas podem ter repercussões objetivas na trajetória profissional dessas pessoas, limitando as possibilidades de trabalho e de desenvolvimento dentro da instituição e em aspectos relacionados à satisfação (Konrad, Moore, Ng, Doherty, & Breward, 2013).

Pertença ao grupo de trabalho. O segundo fator que apareceu nos grupos focais se refere ao parâmetro psicossocial da inclusão, conforme Carvalho-Freitas et al. (2018) e diz respeito ao quanto as pessoas com diferença funcional se sentiam incluídas e consideradas como parte importante para a instituição. O sentimento de menor grau de inclusão se mostra mais relevante quando se analisa o contexto mais amplo, isto é, quando os servidores se relacionam com outras unidades da instituição ou quando os servidores precisam interagir com pessoas fora da organização.

"Em relação aos meus colegas próximos de trabalho, eu não tenho problema em relação a isso não. Agora em relação a instituição sim! Não me sinto totalmente incluído não!" (Marcos, paraplégico)

"Eu tenho acesso somente a pessoas do meu departamento, só. Outros departamentos, outras pró-reitorias, eles aceitam a inclusão se eu chegar lá. Na minha opinião, ainda falta, ainda pode melhorar muito." (Regina, surda)

"Eu acho que não posso reclamar do meu setor onde eu trabalho, especificamente do meu setor. Mas, no universo da Universidade existe, ainda, um distanciamento muito grande." (Alex, cego)

No entanto, a despeito do não se sentirem incluídos na instituição como um todo e das barreiras à acessibilidade identificadas, os servidores relataram serem bem acolhidos pelos colegas de setor ou de unidade, o que favorece o sentimento de sentir-se incluído. Embora as pessoas analisem de forma distinta as situações, a predominância é de sentirem-se parte importante quando se referem às pessoas de seus setores/departamentos. Essa constatação é similar aos estudos que avaliam o contato entre grupos categorizados como distintos (Pettigrew, Tropp, Wagner, & Christ, 2011) e que defendem a importância da convivência entre eles como instrumento indispensável para favorecer a mudança de atitude frente à inclusão (Pereira et al., 2017). Nesse sentido, foram relatadas situações que reforçam a pertença ao grupo de trabalho, minimizando situações que geram barreiras à acessibilidade.

"eu lembro de ocasiões pelo menos uma em que uma mulher da comunidade externa que foi na Pró-reitoria conversar comigo, que fez uma crítica a mim de uma forma desdenhosa, isso porque eu olho de lado, e aí o pessoal do meu trabalho respondeu de uma forma igualmente áspera a ela. Eu entendi o que estava acontecendo, embora, por viver num mundo fora da universidade, eu sei que isso é comum, e eu já estava acostumado". (Antônio, baixa visão)

"Hoje, como eu assumi a chefia do departamento, a gente pede para cada professor falar um de cada vez, levantar a mão, parar com as conversas paralelas, porque eu não consigo acompanhar. Hoje a gente percebe que a reunião é bem mais tranquila, os professores levantam a mão para poder ter sua vez de falar, o intérprete consegue acompanhar toda a discussão. Ai consegue haver uma inclusão de fato. Antes era muito difícil, hoje já está mais favorável." (Regina, surda)

Ademais, foi verificado que os servidores com diferença funcional, em geral, estão satisfeitos com o trabalho. Consideram uma realização a oportunidade de estarem empregados e exercendo uma atividade laboral, compatível com suas formações. Mesmo identificando várias barreiras à acessibilidade na Universidade, a relação com o trabalho parece funcionar como um amortecedor das dificuldades identificadas, pois favorece a realização das atividades o que tem um significado positivo para eles.

"Primeiramente, eu gosto de trabalhar. Gosto do que eu faço, da minha chefia, tenho muita liberdade com ela. No dia a dia o desgaste mesmo é esse, as pessoas não atentam para a minha deficiência. Torna-se, às vezes, cansativo." (Daniela, perda auditiva)

"Saio da minha casa para ir trabalhar com satisfação, me sentindo útil." (Neto, mobilidade reduzida)

"Eu sempre gostei de trabalhar, sair de casa, ir para o trabalho, voltar para casa. Isso é muito bom." (Regina, surda)

"Em relação ao meu trabalho eu gosto do que eu faço, é um trabalho que é extremamente estressante né, mas se você não quer ter estresse vai para outra área, é normal, já me acostumei." (Marcos, paraplégico)

Portanto, tendo como referência os parâmetros psicossociais da inclusão (Carvalho-Freitas et al., 2018), algumas considerações são possíveis: primeiro, o senso de pertença, isto é, o sentir-se incluído à equipe de trabalho do dia-a-dia; segundo a singularidade/ autenticidade, visto a aceitação das características individuais dos servidores com diferença funcional e algumas ações dos grupos de trabalho no sentido de propiciar a permanência desses servidores; e terceiro, a autonomia, uma vez que os servidores têm a possibilidade de executarem várias de suas tarefas de forma autônoma, definindo o melhor curso de ação. Contudo, em relação a independência na realização de algumas atividades, se percebe a necessidade de auxílio dos colegas para fazer frente às barreiras de acessibilidade que a universidade não elimina, indicando a interrelação entre inclusão, desenho do trabalho e satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho.

 

Considerações Finais

A presente pesquisa permitiu ratificar resultados de outras investigações (Marques et al., 2017; Pereira et al., 2017), que vêm indicando um processo de mudança importante na inclusão de pessoas com diferença funcional no setor público, notadamente nas universidades públicas. Essa mudança tem sido uma melhor adequação das pessoas com diferença funcional aos postos de trabalho, garantindo trabalhos nos quais seus desenhos estejam mais compatíveis com a formação das pessoas. Além disso, permitiu identificar, ainda que de forma exploratória, relações entre inclusão, desenho do trabalho e satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho.

Foi possível verificar empiricamente que a inclusão de pessoas com diferença funcional depende de alguns fatores específicos como a eliminação de barreiras à acessibilidade (parâmetros ambientais e organizacionais) e a possibilidade de se sentir incluído (parâmetro psicossocial), principalmente. Por outro lado, verificou-se que a despeito das barreiras à acessibilidade ser a primeira questão emergente quando se discute inclusão entre pessoas com diferença funcional, a possibilidade de realizar um trabalho compatível com a formação e sentir-se incluído em sua unidade de trabalho tem papéis importantes, inclusive para mitigar as dificuldades decorrentes da falta de acessibilidade na instituição como um todo.

Além disso, o fato dessas pessoas estarem em trabalhos compatíveis com suas formações acadêmicas, com desenhos de trabalho similares ao de seus pares, com autonomia para definir métodos de trabalhos mais ajustados às suas possibilidades de execução da tarefa, dão a elas a oportunidade de se sentirem satisfeitas com a instituição e com a qualidade de vida no trabalho.

O nível elevado de escolaridade dos servidores parece favorecer o senso de pertença ao grupo de trabalho, corroborando as discussões de Marques et al. (2017). Ainda mais quando se analisa as percepções dos servidores com diferença funcional sobre o desenho de seu trabalho, com características predominantes compatíveis com esse perfil educacional. Essa situação parece ter impactos positivos na satisfação dos servidores com diferença funcional.

De modo geral, o estudo permitiu verificar que não há uma inclusão efetiva desses servidores. No entanto, permitiu identificar uma configuração de inclusão, que pode ser nomeada como parcial, alinhado com os achados de Pottmeier et al. (2019), Teixeira (2016) e Carvalho (2018). Essa inclusão parcial demonstra que existem matizes nesse processo que precisam ser consideradas e que estão relacionadas ao desenho do trabalho atribuído a essas pessoas. Nesse sentido, é importante ter clareza de que no trabalho de pessoas com diferença funcional é necessário adotar estratégias de análise que incluam parâmetros de inclusão que sejam transversais às diferenças funcionais, mas que considerem suas especificidades, aliadas ao desenho do trabalho e à satisfação no trabalho. Esse tipo de análise com parâmetros claros permite, do ponto de vista prático, a realização de diagnósticos organizacionais que facilitem os processos de gestão; e do ponto de vista da pesquisa, a ampliação do conhecimento sobre a realidade do trabalho de pessoas com diferença funcional em contextos diversos.

Um limite dessa investigação é o pequeno número de participantes, a despeito de podermos considerar o presente estudo como um caso que pode servir de comparação com outras universidades. O desafio que se coloca para a ampliação do conhecimento, é a busca de operacionalização dos parâmetros de inclusão utilizados para que sejam utilizados em pesquisas com grande número de pessoas.

 

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Informações sobre os autores:
Orisvaldo Antônio da Silva
Universidade Federal de São João del-Rei, Campus Dom Bosco
Praça Dom Helvécio, 74
36301-160 São João del-Rei, MG, Brasil
E-mail: orisvaldos@ufsj.edu.br

Maria Nivalda de Carvalho-Freitas
E-mail: nivalda@ufsj.edu.br

Submissão: 22/06/2020
Primeira decisão editorial: 28/09/2020
Versão final: 22/01/2021
Aceite: 04/05/2021
Agradecimentos ao CNPq e à FAPEMIG pelo financiamento da pesquisa.

 

 

1 Adotaremos a perspectiva da diversidade funcional pelos seguintes motivos: (1) a terminologia pessoa com deficiência tem sido amplamente utilizada nas pesquisas e políticas públicas nacionais e internacionais, compreendendo a deficiência como um resultado da articulação entre uma lesão ou comprometimento físico, sensorial ou intelectual que combinados com as condições sociais e ambientais produzem desvantagens para as pessoas. Essa forma de nomeação ainda associa a pessoa à deficiência e, por conseguinte, a alusão à incapacidade ainda se faz presente. (2) Desde 2006 tem sido ampliada as discussões sobre a categorização desse grupo de pessoas (Carvalho-Freitas, Silva, Tette & Silva, 2017), compreendendo que ela faz parte de uma diversidade que é funcional e fazendo uma crítica à corpo-normatividade. Assim como tem-se diversidade de gênero, racial, etc. tem-se a diversidade que é funcional. As pessoas que fazem parte desse grupo possuem diferença funcional. Nesse sentido, a diversidade se refere a um fenômeno grupal e a diferença funcional, a uma característica individual. (3) A escolha por essa terminologia tem por objetivo provocar uma reflexão em torno da deficiência, não como um defeito ou déficit, mas como uma forma distinta de funcionar que tem repercussão na organização do trabalho e na gestão de pessoas.

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