Saúde & Transformação Social
ISSN 2178-7085
ARTIGOS ORIGINAIS
Encantamento e acolhimento no cotidiano – um estudo sobre Johrei e Reiki
Enchantment and reception in daily life – a study of johrei and reiki
Marcela Jussara Miwa
Professora, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP – Brasil
RESUMO
Este estudo buscou compreender como reiki e johrei afetam o comportamento, a visão de mundo, as relações sociais de seus praticantes e o enfrentamento do processo saúde-doença. A pesquisa realizou-se em Ribeirão Preto, SP, em um Núcleo de Reiki e na Igreja Messiânica Mundial, entre outubro de 2009 e janeiro de 2012. Os dados foram coletados por meio de observação participante, entrevistas semiestruturadas e diário de campo. Resultados: tanto os ensinamentos da Igreja Messiânica, como os associados ao reiki, forneceram novos sentidos para as questões ou sofrimentos desses sujeitos. O processo saúde-doença ganhou outras explicações e outras formas de enfrentamento. Essas práticas também colaboraram para o empoderamento de seus praticantes, assim como, para o desenvolvimento de maior tolerância, melhorando a sociabilidade. Esses espaços também se configuraram como comunidades efêmeras, proporcionando acolhimento aos seus adeptos e possibilitando o resgate da crença na magia e do encantamento nas experiências cotidianas.
Palavras-chave: Terapias Complementares; Comunidade; Acolhimento; Relações Sociais.
ABSTRACT
This study aimed to understand how reiki and johrei affect behavior, worldview and social relations of their followers and the facing of the health-disease process. This research was carried out in Ribeirão Preto, SP, in a Reiki Center and in a World Messianic Church, from October 2009 to January 2012. Data were collected through participant observation, semi-structured interviews and notebook field. Results: both messianic church doctrine as well as the one associated with reiki, provided new meanings to issues or suffering of these subjects. The health-disease process gained other explanations and other ways to be coped with. These practices also contributed to the empowerment of its practitioners, as well as the development of greater tolerance, improving sociability. These spaces are also configured as ephemeral communities, providing embracement of their followers and facilitating the rescue of the belief in magic and of the enchantment in daily experiences.
Keywords: Complementary Therapies; Community; Reception; Social Relations.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, as terapias complementares e integrativas vêm ganhando espaço dentro da medicina convencional após a aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS – PNPIC-SUS1, publicada na forma de Portarias Ministeriais n° 971 em 03 de maio de 2006 e n° 1.600, de 17 de julho de 2006.
Baseada na atenção humanizada, centrada na integralidade, a PNPIC-SUS tem como proposta ampliar a oferta de ações de saúde no SUS. Oferecendo alternativas a tratamentos convencionais por meio de tecnologias eficazes e seguras para a prevenção de agravos, promoção e recuperação da saúde. Entre as racionalidades médicas e recursos terapêuticos contemplados pela PNPIC encontram-se a homeopatia, acupuntura (medicina tradicional chinesa), uso de plantas medicinais – fitoterapia, termalismo-crenoterapia e medicina antroposófica. Fazem parte dos princípios da PNPIC: a escuta acolhedora, o desenvolvimento do vínculo terapêutico, visão ampliada do processo saúde-doença, promoção global do cuidado e a corresponsabilidade dos sujeitos pela saúde.
Durante o processo de elaboração da PNPIC, o Departamento de Atenção Básica, da Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, enviou questionário a todos os secretários (estaduais e municipais) do país, em 2004, "atendendo à necessidade de se conhecer experiências que já vêm sendo desenvolvidas na rede pública de muitos municípios e estados"1. Entre os resultados obtidos, verificou-se que na distribuição das modalidades de práticas complementares presentes nos estados e municípios, a mais citada foi o reiki, seguida de lian-gong, tai-chi-chuan, automassagem, entre outras.
Em 2000, a Associação Brasileira de Medicina Complementar, ABMC, estimou existir 50 mil terapeutas alternativos ou holísticos no país. Em 2004, a Sindicato dos Terapeutas Holísticos, SINTE, calculou cerca de 150mil terapeutas alternativos ou complementares no Brasil. A pesquisa que apresentou esses dados2, tanto da ABMC como do SINTE, apontou para a possiblidade de superestimação dos números. Sendo assim, para a realização deste estudo, consultou-se novamente o Sindicato dos Terapeutas, SINTE, sobre o número de praticantes de terapias complementares e, dentre eles, quantos praticavam reiki. A resposta obtida foi que, em 2012, havia cerca 150mil profissionais atuantes em terapias holísticas e cerca de 30% incluíam reiki e similares dentre as técnicas que disponibilizavam.
Considerando os dados acima apresentados, pode-se indagar: o que leva as pessoas a acreditarem em "curas" efetuadas pelas mãos sem que ocorra, necessariamente, um contato direto com o corpo do receptor, como reiki, cura prânica, toque terapêutico, johrei da Igreja Messiânica, etc? Isto é, sem a intervenção física ou química direta (como agulhas na acupuntura ou óleos essenciais como os usados na aromaterapia)? Quem são essas pessoas e em que elas acreditam?
Nos últimos anos, notou-se um crescimento de estudos sobre práticas de energização pelas mãos. Sobretudo estudos quantitativos que buscam comprovar a eficiência dessas técnicas. No que diz respeito ao reiki3-17, a maioria das pesquisas tentaram comprovar sua eficiência na qualidade de vida, relaxamento, redução da ansiedade, de estresse e de dor. Os resultados indicaram possíveis benefícios decorrentes do reiki, sobre os comportamentos acima mencionados, entretanto, constataram a necessidade de se realizarem mais estudos nessa área.
No que concerne ao johrei, os resultados são semelhantes aos obtidos nas pesquisas sobre reiki. Os estudos18-23, a maioria quantitativos, procuraram testar a relação entre johrei e a melhora na qualidade de vida, saúde, humor, bem-estar, assim como a diminuição do estresse e ansiedade. Mesmo indicando os possíveis benefícios dessa pratica de energização, os autores reconheceram a necessidade de mais pesquisas sobre o assunto.
Neste trabalho, por uma questão de relevância das práticas e viabilidade da pesquisa, optamos por restringir o foco da investigação a apenas duas práticas de energização, reiki e johrei, ante as várias modalidades existentes
2. SOBRE O METODO
O presente artigo buscou compreender como reiki e johrei afetam o comportamento, a visão de mundo, as relações sociais de seus praticantes e o enfrentamento do processo saúde-doença, por meio da análise temática e identificação dos núcleos de sentido dos discursos.
Este estudo faz parte de uma pesquisa etnográfica sobre terapias complementares que visa interpretar os significados da cura pela imposição de mão em reiki e johrei (da Igreja Messiânica Mundial). A pesquisa de campo foi desenvolvida em um Núcleo de Reiki e na Igreja Messiânica Mundial, ambos na cidade de Ribeirão Preto-SP, entre outubro de 2009 e janeiro de 2012. Utilizaram-se técnicas de observação direta, entrevista em profundidade, história de vida e caderno de campo24. No Núcleo de Reiki, vinte sujeitos foram entrevistados, entre eles: 15 reikianos (que são iniciados na técnica e realizam trabalho voluntário no Núcleo) como sujeitos principais e 5 frequentadores do espaço (apenas recebem reiki) como sujeitos secundários. Na Igreja Messiânica foram entrevistados 14 messiânicos (ministram johrei) como sujeitos principais e 5 frequentadores (apenas recebem johrei), como sujeitos secundários. Todos os entrevistados assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
A pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP, com o número 1047/2009. Para sua realização foi respeitado o que rege a Resolução 196/96 sobre as exigências éticas de pesquisa com seres humanos.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A técnica reiki25 surgiu em 1922, no Japão, com Mikao Usui, considerado monge cristão e professor. Em 1922, isolou-se no monte Kuruma, no Japão, e após 21 dias de meditação e jejum teve uma visão que ensinava os símbolos sagrados do reiki, seus significados e usos. Usui ensinou a técnica até 1926, quando faleceu. Foi sucedido por seu discípulo Chujiro Hayashi, que, em 1940, transmitiu a sucessão a Hawayo Takata, responsável pela difusão do reiki no ocidente. No Brasil, foi introduzido em 1983, pelo mestre norte-americano Stephen Cord Saiki.
Reiki significa "energia vital universal". Os males e sofrimentos são entendidos como oriundos de desequilíbrios ou "bloqueios" energéticos gerados pelo próprio sujeito ou pelo ambiente em que se encontra. A atuação do reiki seria uma forma de restaurar esse equilíbrio energético, viabilizando a harmonia e melhoras nas condições de vida e saúde. Para tornar-se reikiano é necessário passar por iniciação conduzida por mestre habilitado.
A Igreja Messiânica Mundial surgiu em 1935, em Tóquio, Japão, com Mokiti Okada, também conhecido, entre os messiânicos, como messias Meishu-Sama. Seu principal objetivo era construir o "Paraíso Terrestre", para tanto elegeu três pilares de salvação: culto ao belo (através da prática do ikebana = arranjos florais); agricultura natural com o uso de alimentos cultivados sem agrotóxicos ou adubo de origem animal; e o johrei. A IMM chegou ao Brasil em meados da década de 195026.
Johrei significa "purificação do espírito pela luz de Deus". Doenças, problemas em relacionamentos e crises materiais ou financeiras não são vistos como punição, são interpretados como "purificação", uma forma de limpeza, tanto do espírito como do organismo, das "máculas espirituais" que o sujeito acumulou por meio de maus pensamentos e atitudes erradas. O johrei e o sentimento de gratidão ajudariam a enfrentar tais problemas. Para ser considerado membro da Igreja Messiânica é necessário que o sujeito passe pela "outorga", isto é, o recebimento da medalha ohikari que permite a canalização da energia johrei27,28.
Como essas técnicas podem influenciar as vidas dos sujeitos?
Reiki e o equilíbrio energético
No caso do reiki, para os sujeitos pesquisados em um Núcleo de Reiki, em Ribeirão Preto, os aspectos principais associados à prática relacionam-se à busca por equilíbrio energético: os sujeitos procuraram o serviço do Núcleo por causa de dores ou sofrimentos, que, segundo o arcabouço teórico reikiano, seriam originados pelos desequilíbrios energéticos. A atuação do reiki seria uma forma de restaurar esse equilíbrio e, a partir dele, o sujeito encontraria harmonia e melhoras em suas condições de vida e saúde.
Passei por um período muito difícil, com o acidente do meu marido, muito grave, quase um ano bem grave e perda de vida e eu fiquei totalmente sem chão, em desequilíbrio, totalmente assim, sem caminhar... então a minha sobrinha me trouxe aqui... pra mim me abalou demais sabe... então eu vim procurar aqui... eu lembro que na ficha eu botei procurando "equilíbrio", porque eu estava totalmente em desequilíbrio... (mulher, 67 anos, reikiana há 4 anos)
Os reikianos do Núcleo de Reiki realizam trabalham voluntário no espaço. Essa dedicação é justificada como uma forma de "retribuição" pelos benefícios que receberam com a técnica, assim como, uma forma de "satisfação em fazer o bem".
Contudo, esse serviço voluntário no Núcleo também pode ser compreendido como uma forma de revalorização de si, de retorno à "produtividade", uma vez que a grande maioria dos reikianos do Núcleo é aposentada e, portanto, não mais "produtiva" para a esfera do trabalho. O tempo dedicado ao serviço voluntário no Núcleo é vivenciado como um compromisso, reforçado pela ideia de fazer bem ao próximo. Sendo assim, "sentir-se bem" e "ser generoso" podem ser formas de colaborar para a construção de sujeitos mais equilibrados e relações mais harmoniosas.
A espiritualidade independente característica desses reikianos aponta para a constante busca de informações para o crescimento e aperfeiçoamento pessoal. Ao serem indagados sobre as religiões e terapias complementares que conheciam ou experimentaram, os reikianos responderam conhecer ou praticar: catolicismo, espiritismo kardecista, espiritismo umbandista, candomblé, benzimento, yoga (dois praticantes), johrei (seis afirmaram conhecer a técnica), tao, apometria, rosa-cruz, aromaterapia, uso de pirâmides, técnica da polaridade, constelação familiar, shiatsu, do-in, feng-shui, t'chi kun, seicho-no-ie, cura quântica, florais, acupuntura, cromoterapia, cura prânica, mãos sem fronteiras, Academia Filosófica Cristã, ritual de Saint Germain e leituras de auto-ajuda.
O forte sincretismo religioso dos voluntários do Núcleo, especialmente entre catolicismo e espiritismo kardecista, somado ao seu interesse por filosofias, esoterismo e terapias complementares diversos, aproxima a prática do reiki à noção de terapia complementar, onde não há substituições nem se admite a superioridade da técnica sobre outras (nem sobre a medicina convencional). O reiki se estrutura sobre um conhecimento fragmentado e, ao mesmo tempo, agregador, no qual as informações não se excluem, são incorporadas e adaptadas ao conhecimento e práticas do sujeito.
Podemos compreender o comportamento, desses reikianos, retomando a ideia de "pensamento mítico" elaborada por Lévi-Strauss29, na qual elementos díspares, fragmentados, extraídos de diferentes conjuntos culturais são combinados em um tipo de "bricolagem intelectual", de composição heteróclita, sem contradições aparentes. Nas palavras do referido autor:
Ora, é peculiar ao pensamento mítico, assim como ao bricolage no plano prático, e elaboração de conjuntos estruturados não diretamente com outros conjuntos estruturados mas utilizando resíduos e fragmentos de fatos – odds and ends, diria o inglês ou, em francês, dês brides et des morceaux – testemunhos fósseis da história de um indivíduo ao de uma sociedade.
Entretanto, se conhecem tantos assuntos e técnicas, por que escolheram o reiki?
As três principais explicações entre os reikianos foram: "foi a primeira técnica que conheci"; mais "afinidade" com o reiki do que com as outras técnicas e "praticidade", já que não precisavam fazer grandes mudanças em suas vidas para aderir ao reiki.
Johrei – purificação e permissão
Quanto ao johrei, da Igreja Messiânica estudada em Ribeirão Preto, podem-se destacar as categorias de purificação e permissão: tanto nos ensinamentos de Meishu-Sama, como nas falas dos membros e durante as cerimônias da instituição, fala-se sobre a "purificação". Ao longo da vida o indivíduo pode acumular "máculas espirituais" por meio de maus pensamentos e atitudes. O sofrimento seria uma forma de "limpeza".
E: [...]dois anos purificando assim, tive várias purificações, esses dois anos soltando pus pelo corpo, só saía caroço, caroços em mim do tamanho de... de uma ameixa, assim, mas era centenas de caroços... até é uma coisa meio feia assim para falar...
P: mas o senhor chegou a ir a um médico, eles constataram alguma coisa ou o senhor nem chegou a ir...
E: não... não que o ministro pediu para não ir ... porque dentro do que a gente estudava, né, esse é um processo de limpeza do corpo[...] (homem, 53 anos, membro há 16 anos)
A postura adequada diante dos problemas é o sentimento de gratidão e prática do johrei. As lamúrias poderiam acarretar mais máculas e por isso devem ser evitadas. Essas purificações contribuiriam para o crescimento pessoal.
Quando esperam a realização de algo e não são atendidos naquilo que desejam, é porque ainda não obtiveram a "permissão" para a concretização de suas expectativas. Dessa forma, continuam esperando e reforçando seus pensamentos em Meishu-Sama e suas práticas de fé: johrei, oração/culto e dedicação (de tempo, capacidade ou recursos à Igreja).
A busca de fé, a procura da Igreja se deu por causa dos sofrimentos sem explicação que, pela intensidade da dor, chegava-se a questionar a existência de Deus que não os ajudava:
Aí depois menina, as coisas foram piorando, piorando, piorando... veio todas as purificações, você chega lá no fundo do poço, né, e até então você não entende, porque muito sofrimento, você sofrer, sofrer, como é que deus existe se você está sofrendo [...] até que eu vim conhecer aqui [...] (mulher, 58 anos, membro há nove anos)
Os messiânicos procuraram a IMM depois de se decepcionarem com outras religiões: católica, evangélica, espírita, etc., que não conseguiram apresentar soluções para seus problemas ou questões. O fato de encontrarem soluções para seus problemas, por meio do recebimento de graças, fez com que aderissem à Igreja. Outro fator de influenciou a preferência pela fé messiânica foi a "paz" do ambiente.
Só que também era muita gritaria [Igreja evangélica] muito... ai, porque para eles lá tudo é o diabo né... aqui não, o que eu senti aqui é paz [...] paz de espírito, o ambiente assim sadio, não que os outros não sejam, mas assim, aquela musiquinha [refere-se à música ambiente na IMM] (mulher, 65 anos, membro há seis anos)
A satisfação com o johrei e com a doutrina messiânica é tamanha que grande parte dos membros da Igreja afirmou ignorar outros tipos de técnicas de energização. Entre os membros, somente quatro disseram conhecer reiki – três apenas ouviram falar e um recebeu reiki. Alguns conheciam passe espírita, mas não demonstraram interesse em aprofundar seus conhecimentos sobre essa técnica. Outro afirmou que já levou familiares para receber benzimento, contudo já abandonou essa prática.
Esse desinteresse por outras práticas complementares e por outras religiões pode ser compreendido pela eficácia simbólica30 da Igreja e seus preceitos. Em outras palavras, o uso do johrei e os ensinamentos de Meishu-Sama, e a crença neles, propiciaram uma forma de reelaboração eficaz dos sofrimentos e dos problemas enfrentados no cotidiano, não desenvolvendo a necessidade de recorrer a outras teorias ou explicações fora da IMM. Indagados sobre seus hábitos de leitura, a maioria respondeu priorizar leituras de obras da IMM (revistas publicadas pela Igreja, livros de ensinamentos da doutrina ou sobre a vida do fundador Meishu-Sama).
Tal eficácia também interfere na busca por tratamento médico. Conforme observação de campo e depoimentos dos sujeitos, a confiança no poder da energia johrei faz com que não procurem diagnóstico médico para alguns problemas de saúde. Isso nos leva a considerar o johrei como uma forma de terapia alternativa, em que há exclusão ou a substituição de outras técnicas terapêuticas e até mesmo da medicina convencional e seus tratamentos.
Tolerância e alteridade
A aceitação da energia reiki e posterior iniciação na técnica possibilitaram que seus praticantes experimentassem mudanças significativas em seus comportamentos e concepções – como maior tolerância, paciência, sensibilidade, tornar-se mais decidido, etc –, alegando uma maior consciência sobre suas atitudes e como estas influem em seus relacionamentos.
O meu sentimento, ele melhorou [...] eu era muito apegado em coisas materiais, eu fui entendendo [...] considero que eu melhorei muito, até no entendimento com meus familiares [...] eu não posso modificar o mundo deles [...] antes do reiki eu não tinha esse conhecimento, então eu queria que eles fizessem do jeito que eu queria e não o que eles queriam. (homem – 68 anos, reikiano há 14 anos)
No que diz respeito ao johrei, a prática dos ensinamentos messiânicos, com ênfase no sentimento de gratidão, e recebimento de johrei foram relacionados com a diminuição da agressividade/comportamento violento de alguns membros da Igreja.
Gratidão a pessoa que me trouxe [à Igreja Messiânica], à pessoa que me orientou na época [...] e gratidão pelos meus sentimentos terem mudado em tudo, em relação a tudo, antes eu era uma pessoa brava, que andava de revólver em punho, na cintura, eu era grossa, mal educada, eu cobrava as pessoas, eu exigia que as pessoas fizessem o que eu queria, porque eu pensava assim, aí com quinze dias [frequentando a igreja e recebendo johrei] foi mudando o meu sentimento, aquele sentimento foi mudando, ficando frágil, como se tivessem feito uma lavagem cerebral no meu cérebro [...] quem me conheceu seis anos atrás não sabe quem eu sou hoje, pacata, serena, calma [...] porque eu era muito brava, muito brava mesmo, minha filha, que hoje graças a Deus e a Meishu-Sama eu consegui trazer para a igreja, tem veias estouradas na perna de pancada, eu era muito mau, muito dura, quando eu pegava para bater, eu tinha que tirar sangue, o desejo era de ver sangue, e hoje o meu desejo é de agradecer [...] até pelas coisas maldosas que me fazem [...] (mulher, 53 anos, membro há seis anos)
O aumento da tolerância, consigo e com as pessoas próximas, tanto entre reikianos como messiânicos, abriu espaço para a alteridade, onde se reconhece o outro como distinto e autônomo, diferente de si, melhorando dessa forma, suas relações e expectativas sociais.
Empoderamento, apoio social e comunidades de encantamento
Tanto os ensinamentos do reiki, como os princípios associados ao johrei, foram capazes de fornecer subsídios simbólicos suficientes – aos seus praticantes e frequentadores – para desencadear um mecanismo de reelaboração dos sofrimentos e dos problemas enfrentados no cotidiano. Eles, o reiki e o johrei, operaram como uma "pletora de significante", para lembrarmos novamente de Lévi-Strauss31. Em outras palavras, a vida e o pensamento normal desses sujeitos estavam sofrendo uma carência de significantes diante de tantos problemas, doenças ou sofrimentos; quando passaram a frequentar, acreditar e até praticar essas técnicas, esses sujeitos encontraram formas de extrapolar as interpretações convencionais da racionalidade científica ou biomédica, conseguindo atribuir novos sentidos para o vivido e ao processo saúde-doença.
Essas novas formas de significação para o vivido e de comportamento possibilitaram um empoderamento desses sujeitos, isto é, eles se perceberam com um maior controle sobre suas vidas32, ou pelo menos, como maior possibilidade de alterar sua realidade.
Além disso, esses espaços, ao permitirem que os sujeitos falassem sobre seus problemas e compartilhassem experiências, favoreceram a construção de "narrativas terapêuticas"33. Essas trocas forneceram o apoio social que esses sujeitos careciam, minimizando os efeitos do sofrimento, como doenças que não se curam, perdas de entes queridos ou insatisfação com a própria vida. Em ambos os lugares pesquisados, tanto frequentadores como praticantes, enfatizaram a ideia de acolhimento associado a esses dois espaços.
uma das coisas que mais me agrada aqui no reiki, é impressionante, é... é o acolhimento que as pessoas tem aqui, não é um ou outro, um caso especial, são todos, desde as secretárias, quando você chega, todo mundo, todo mundo te acolhe muito bem aqui, te abraça, pergunta como é que você está e te olha nos olhos que é o mais importante, porque... a minha maior dificuldade é essa coisa de acreditar nas pessoas, eu sempre tive isso comigo, confiar nas pessoas, talvez por tombos na vida e tudo mais e aqui não, elas te olham no olho, te cumprimentam, perguntam como é que você está [...] (homem, 29 anos, frequentador do Núcleo de Reiki há um mês)
aqui a messiânica não tem cobrança de nada, entendeu, que você é obrigado a usar tal roupa, você é obrigado a se portar de tal forma, aqui não tem nada disso, entendeu, então eles acolhem as pessoas, não tem por exemplo, separação de nada... níveis sociais, aqui frequentam pobre, rico, sabe... é uma benção, então eles acolhem todo mundo (homem, 49 anos, frequentador da IMM há dois meses)
Tal acolhimento serviria como refúgio diante da solidão e da insegurança que rondam as sociedades modernas "líquidas"34, onde os vínculos tornaram-se fluidos, efêmeros, ocorrendo um desengajamento em relação aos compromissos de longo prazo.
Mesmo que os encontros nesses espaços sejam esporádicos – geralmente apenas uma ou duas vezes ao longo da semana – entendemos esses lugares como verdadeiras comunidades. Levando em conta o conceito clássico de comunidade: partilha de espaço e interesses comuns; sentimento de pertencimento e participação numa mesma cultura35. Tanto o Núcleo de Reiki como a Igreja Messiânica apresentam espaços próprios de reunião de seus adeptos. O público, de ambas as técnicas, sente-se fazendo parte do grupo. E há o compartilhamento de uma cultura comum, que seria a crenças nas teorias, rituais e símbolos de cada prática de energização.
Contudo, temos de reconhecer que essas comunidades reikiana e messiânica são influenciadas pela "fluidez pós-moderna", existindo somente durante o encontro de seus praticantes nos locais estabelecidos, constituindo, pois, comunidades efêmeras. Quando se retiram desses espaços, os laços entre os sujeitos tornam-se frouxos e raramente os vínculos se estendem e adentram nas residências, assim como ocorre nas "comunidades estéticas" analisadas por Bauman36:
Qualquer que seja o foco, a característica comum das comunidades estéticas é a natureza superficial, perfunctória e transitória dos laços que surgem entre seus participantes. Os laços são descartáveis e pouco duradouros [...] Uma coisa que a comunidade estética definitivamente não faz é tecer entre seus membros uma rede de responsabilidades éticas e, portanto, de compromissos a longo prazo. [...] os laços das comunidades estéticas devem ser "experimentados", e experimentados no ato – não levados para casa e consumidos na rotina diária.
Todavia, essa efemeridade não prejudica a qualidade do acolhimento e nem atrapalha na sociabilidade entre esses sujeitos. O sentimento comunitário pode ser revivido e experimentando sempre que se reunirem nesses mesmos espaços.
Um dado interessante a ser ressaltado nessas comunidades é a sua capacidade de reavivar a crença na magia e nas explicações transcendentais para o vivido.
Weber37 apontou para o fato de que a crescente racionalização e progresso da ciência desencadearam um "desencantamento do mundo". Nesse aspecto, segundo Pierucci38, existem dois significados para esse desencantamento: um relaciona-se ao desencantamento do mundo pela religião, desencadeado pela exclusão dos meios mágicos de salvação no campo religioso e crescente ascetismo intramundano. E o outro, o desencantamento do mundo gerado pela ciência e crescente uso da tecnologia para o domínio técnico do mundo natural, o que contribuiu para que as teorias consideradas não científicas fossem deslegitimadas. Esse desencantamento, por sua vez, contribuiu para uma crescente perda de sentido para o vivido.
O reiki e o johrei ao pautarem suas práticas e crenças no poder de uma "energia cósmica" ou "luz divina" capazes de curar ou resolver problemas, apenas forneceram elementos teóricos e simbólicos para extrapolar a racionalidade científica. Reavivando a crença em um mundo "mágico", em que forças transcendentais são capazes de atuar sobre as vidas dos sujeitos. Um mundo encantado encontrou espaços para se manifestar. E novos sentidos foram atribuídos às experiências do cotidiano. Neste aspecto, Núcleo de Reiki e Igreja Messiânica poderiam ser conceituados como comunidades de encantamento, em que a "orientação mútua de sua ação reciprocamente referida"39 permite ser pautada, permeada e modificada pela noção de magia e forças "misteriosas" que escapam à plena compreensão humana.
Não se utiliza o termo "reencantamento", porque a ideia não é que a magia tivesse sido extinta e agora ela ressurgisse. O próprio Pierucci37 afirma que o reencantamento do mundo não se daria por meio do retorno ao sagrado, ou à esfera religiosa, mas sim por meio da esfera erótica, o amor sexual, "a potência mais irracional da vida".
A magia nunca deixou de existir. Encontrava-se apenas em estado latente nesses sujeitos. O "jardim encantado" continuou preservado, vivenciado em movimentos como o da Nova Era, ou disfarçado em rituais religiosos ou, ainda, manifestando-se nos lampejos dessas comunidades efêmeras.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais do que questionar a existência real das energias sutis, pretendemos demonstrar neste artigo como as práticas de energização estudadas, reiki e johrei, podem proporcionar benefícios psicossociais significativos aos seus praticantes. Suas teorias embasadas no equilíbrio energético ou purificação energética-espiritual forneceram subsídios simbólicos suficientes para que os sujeitos atribuíssem novos sentidos para as experiências cotidianas, especialmente no que diz respeito ao sofrimento. O processo saúde-doença ganhou outras explicações e outras formas de enfrentamento: a energia, a busca pelo equilíbrio / purificação e sentimentos positivos, como por exemplo, a gratidão.
Os princípios dessas práticas também colaboraram para o empoderamento de seus adeptos, uma vez que, mediante a compreensão desses ensinamentos, os sujeitos desenvolveram maior controle sobre suas vidas ou sentiram-se capacitados a modificá-las. Reconsideraram suas visões de mundo e formas de sociabilidade, apresentando maior tolerância consigo e com as demais pessoas, melhorando suas relações e expectativas sociais.
A configuração desses espaços, Núcleo de Reiki e Igreja Messiânica, como comunidades, mesmo que efêmeras, proporcionou o acolhimento desejado diante da angustiosa possibilidade da solidão e do desengajamento contemporâneos, assegurando certo conforto psíquico aos seus frequentadores. Além disso, ao se organizarem em torno da crença nas energias sutis, esses espaços serviram de locus privilegiado para a manifestação coletiva da magia, resgatando, de certa forma, o "jardim encantado" que outrora Weber mencionou.
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Marcela Jussara Miwa
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Artigo encaminhado 24/10/2013
Aceito para publicação em 27/03/2014