Estudos Interdisciplinares em Psicologia
ISSN 2236-6407
Artigos
A percepção do paciente sobre adesão à medicação antidepressiva
Health professional's perception about antidepressants medication
La percepción del paciente sobre adhesión a la medicación antidepresiva
Lilian L. Sharovskyi; Sílvia C. S. Gonçalves; Patrícia R. Vieira; Natália Camargo; Luciene Soaresii; Bellkiss W. Romanoiii
Centro Universitário FMU
Resumo
Busca-se, no presente estudo, compreender qual a percepção do profissional de saúde sobre o fenômeno da não adesão à medicação, quando está no lugar de paciente. Os participantes foram profissionais da área da saúde de um hospital de referência na cidade de São Paulo que estavam sendo atendidos no Setor de Medicina do Trabalho, e que tinham indicação médica de tratamento com antidepressivos. Utilizou-se o método clínico-qualitativo, sendo a coleta de dados realizada por meio de entrevistas semidirigidas. Os resultados obtidos indicaram que os pacientes percebem a medicação como desencadeadora de efeitos colaterais, relatam medo da dependência à medicação, e, ainda medo da perda do próprio domínio psíquico caso sigam a prescrição, apesar de serem profissionais da saúde. Conclui-se que as crenças prévias dos pacientes, tanto sobre a sua problemática emocional quanto sobre a utilização do antidepressivo influenciam a não adesão à medicação, apesar de serem profissionais da saúde.
Palavras-chave: recusa do paciente ao tratamento; depressão; saúde ocupacional; pesquisa qualitativa.
Abstract
The aim of the present study is to understand the health professional's perception about the phenomenon of nonadherence the antidepressant medication when they are themselves patients. The participants were health professionals of a tertiary hospital in the city of São Paulo who were treated in the Ocupational Medicine Service and demonstrated nonadherence to antidepressant medication. A Qualitative clinical method was used and the collection of data was conducted through semi directed interviews. The results indicate that the participants perceived the medication as causing side effect, they expressed fear to a potential dependence to the psychoactive medication and were also afraid of being control over their mind. It s concluded that previous beliefs about their emotional problems and the use of antidepressant medication influenced the nonadherence the treatment, despite of their experience as health professionals.
Key words: treatment refusal; depression; occupational health; qualitative investigation.
Resumen
Se busca, en el presente estudio, comprender cuál es la percepción del profesional de salud sobre el fenómeno de la no adhesión a la medicación, cuando está en el lugar de paciente. Los participantes fueron profesionales del área de salud de un hospital de referencia en la ciudad de São Paulo que estaban siendo atendidos en el Sector de Medicina del Trabajo y que tenían indicación médica de tratamiento con antidepresivos. Se utilizó el método clínico cualitativo, siendo la colecta de datos realizada por medio de entrevistas semidirigidas. Los resultados obtenidos indicaron que los pacientes perciben la medicación como desencadenante de efectos colaterales, relatan miedo de la dependencia de la medicación e incluso miedo de la pérdida del propio dominio psíquico en caso de que sigan la prescripción, a pesar de ser profesionales de salud. Se concluye que las creencias previas de los pacientes, tanto sobre su problemática emocional como sobre la utilización del antidepresivo, influyen en la no adhesión a la medicación, a pesar de que son profesionales de salud.
Palabras clave: negativa del paciente al tratamiento; depresión; salud ocupacional; investigación cualitativa.
Introdução
Busca-se, no presente estudo, compreender o fenômeno da não adesão à medicação antidepressiva entre os profissionais da saúde ao receberem prescrição médica para seu uso. A Organização Mundial da Saúde [OMS] (2012) estima que em 2020 os transtornos depressivos sejam a segunda maior causa de comprometimento funcional, perdendo apenas para as doenças coronárias. Nos adultos, o transtorno depressivo maior atinge de 10% a 25% das mulheres e de 5% a 12% dos homens ao longo da vida, valores estes que se mantêm constantes em diferentes raças e culturas.
A instalação de quadros depressivos contribui para o índice elevado de absenteísmo, para a baixa produtividade e piora na qualidade de vida do paciente. Segundo um estudo conduzido por Wade e Haring (2010), os custos diretos com absenteísmo e com o tratamento para Depressão chegaram a 26 bilhões de dólares, somente no ano 2000, nos EUA.
A maior precisão no diagnóstico de sintomas depressivos e o desenvolvimento da indústria farmacêutica foram acompanhados de aumento expressivo na prescrição de drogas psicotrópicas (Middleton & Whitley, 2001). Ainda assim, a não adesão ao tratamento farmacológico para depressão é frequente, sendo que aproximadamente 1/3 dos pacientes interrompem o tratamento antidepressivo no primeiro mês e aproximadamente 45% não ultrapassam o terceiro mês de tratamento (Lacasta-Tintorer et al, 2011; Cunha & Gandini, 2009; Lin et al, 1995).
Segundo Hopfield, Linden e Tevelow (2006), a adesão é considerada adequada quando o paciente segue entre 76 a 91% da prescrição total estabelecida pelo profissional, mas somente 24% dos pacientes fazem parte deste grupo. Isso contribui para o prejuízo da Qualidade de vida do paciente, prejuízos nas suas atividades laborais, baixa da produtividade, além de desperdício da medicação naquelas instituições onde a mesma é fornecida gratuitamente para o paciente.
Vários estudos identificam fatores individuais que podem interferir nos níveis de adesão à prescrição médica, tais como gênero (predomínio entre as mulheres), etnia, idade (maiores de 65 anos), classe socioeconômica, relação médico- paciente empobrecida, a complexidade e o custo do tratamento (Jacobs, 2002; Ho et al, 2007 ; De Schryver et al, 2005).
Os profissionais da saúde em geral trabalham em um ambiente altamente ansiogênico que é o hospital, e o contato direto com o paciente fisicamente adoentado os submetem à importante radiação psicológica, além das longas jornadas lidando com a morte, o sofrimento físico e mental daquele que assiste (Nogueira-Martins, 2003). É um profissional cuja demanda é a de suportar um conjunto de angústias, conflitos e obstáculos de cada paciente que cuida ao mesmo tempo em que precisa ser eficaz em suas intervenções, de acordo com o que é específico de sua atuação (Campos, 2003, p.33). Desta forma, podem ser considerados profissionais de alto risco psicológico, o que pode favorecer o surgimento de quadro depressivo e de ansiedade patológicos. No entanto, conforme sugerem Haslam C, Atkinson, Brown e Haslam RA (2005), há indícios de que os transtornos mentais, em geral, tendem a ser subdiagnosticados entre os profissionais da saúde, e às vezes, quando são diagnosticados apresentam pouco acompanhamento interdisciplinar que favoreça a adesão ao tratamento que foi proposto.
Método
Foi utilizado o método clínico-qualitativo, com amostragem por saturação. O estudo é de caráter exploratório, não experimental. O Método Clínico-Qualitativo preconiza a investigação de sentidos e significações atribuídos aos fenômenos que se pretende estudar, valorizando-se as angústias e ansiedades dos participantes (Turato, 2010).
A pesquisa de campo foi realizada no próprio setor de Medicina do Trabalho, nas salas utilizadas para psicoterapia, de um Hospital Universitário de Referência, na cidade de São Paulo, sendo que a coleta de dados se deu por meio de entrevistas psicológicas semi dirigidas e individuais, no período compreendido entre setembro e outubro de 2011.
Os participantes foram nove profissionais da saúde, encaminhados pelo psiquiatra ou por algum outro clínico do Setor, para intervenção psicoterápica, pertencente ao Setor de Medicina do Trabalho. Tais participantes tinham diagnóstico médico de depressão e indicação de tratamento farmacológico com antidepressivos e não aderiam ao mesmo.
Os critérios de inclusão foram: 1) diagnóstico de sintomas depressivos determinados pelo psiquiatra do Setor de Medicina do Trabalho, 2) indicação de intervenção com antidepressivos prescritos também pelo psiquiatra do Setor de Medicina do Trabalho; 3) terem conhecimento adequado do diagnóstico psiquiátrico; 4) encaminhamento para psicoterapia no próprio Setor de Medicina do Trabalho; 5) acesso gratuito à medicação; 6) manutenção da atividade laboral, apesar da presença de sintomas depressivos, quando da realização da entrevista.
Os pacientes leram e concordaram com o Termo de Consentimento Livre e esclarecido, de acordo com as exigências do CNS, 1996 e Conselho Federal de Psicologia (2001). O estudo foi considerado como sendo de Risco Mínimo para o paciente.
As respostas foram registradas por escrito durante a realização da entrevista. Optou-se pela não gravação dos dados, uma vez que poderia interferir no processo psicoterápico iniciado logo após a entrevista.
Os dados coletados foram submetidos à técnica de Análise de Conteúdo a fim de se identificar categorias por núcleos de sentido. As categorias encontradas foram interpretadas a partir do referencial teórico psicodinâmico. A Análise de conteúdo é conceituada por Bardin (1977) como "um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens".
Para se definir categorias de sentido foi utilizada a Leitura flutuante, seleção da Temática e Agrupamento do tema por categoria, respectivamente. Para Bardin (1977), a análise de conteúdo basicamente desdobra-se em três fases, a saber: 1 - pré-análise; 2 - exploração do material; 3 - tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
As respostas das entrevistas foram classificadas em três categorias, após a Análise de Conteúdo: 1- Dificuldades com os efeitos colaterais dos antidepressivos; 2- Medo da dependência à medicação; 3- Perda do domínio psíquico próprio.
Resultados e Discussão
No presente estudo, observou-se apenas encaminhamento de pacientes do gênero feminino, 9 mulheres, que apresentavam os critérios de inclusão definidos para este estudo, no período da coleta dos dados, o que pode ser decorrente da elevada prevalência de depressão entre mulheres entre 10 e 25% (OMS, 2012).
Desta forma, foram analisadas as respostas de 09 pacientes, do sexo feminino, sendo seis auxiliares de Enfermagem que exercem suas atividades profissionais diretamente com o paciente, 1 assistente social e 2 enfermeiras, não aderentes ao tratamento farmacológico para os sintomas depressivos. Todas estão sendo acompanhadas pelo psiquiatra do Setor de Medicina do Trabalho e tem diagnóstico Médico de Depressão Maior. Todas tiveram informação prévia sobre o diagnóstico de Depressão, fornecida pelo médico responsável do caso.
Outro fator comum na população estudada referiu-se ao tipo de não adesão, conforme modelo proposto por Gellad e colaboradores (2010): todas as pacientes do estudo apresentaram não adesão persistente, isto é, as pacientes interromperam a proposta de tratamento depois de terem iniciado. Entende-se assim, que a própria psicoterapia pode ajudar as pacientes a compreender, de fato, o que ocorreu para o abandono do tratamento.
As pacientes selecionadas foram entrevistadas imediatamente antes de iniciarem a psicoterapia, o que pode ter sido percebido por elas como uma alternativa de tratamento à medicação antidepressiva. Elas viam, assim, o encaminhamento para psicoterapia como uma possibilidade de melhorarem dos sintomas depressivos sem a utilização da medicação. No entanto, sabe-se que a eficácia do tratamento é a combinação entre psicoterapia e a intervenção medicamentosa (Pampallona, 2004).
Categorias de respostas
As respostas das entrevistas foram classificadas em três categorias, após a Análise de Conteúdo: 1- Dificuldades com os efeitos colaterais; 2- Medo da dependência à medicação; 3- Perda do domínio psíquico próprio.
1. Dificuldades com os efeitos colaterais:
"Tive mal estar, tontura, náusea... me deixou com a boca amarga, parece que atacava o fígado, eu ficava com sede e prendia o intestino; para ficar pior é melhor largar o remédio..." (M., 52 anos).
"...tinha tremores nas mãos, desde que parei o remédio, passou. Vou escrever alguma coisa os colegas percebem que tem algo errado. Vou dar o remédio para o paciente e fico tremendo. Ele vai achar que tremo de nervoso" (A. 37 anos).
"... tudo o que eu li na internet e na bula aconteceu em dose tripla comigo, não posso tomar isso, vai ser pior...".
Para Lima, Sougey & Vallada Filho (2004), falhas na adesão ao tratamento com antidepressivos, em geral, decorrem do aparecimento de efeitos adversos em intensidade importante. É comprovado na literatura que as medicações antidepressivas causam efeitos colaterais devido a sua composição química, e há uma tendência atual à personalização da prescrição farmacológica, uma vez que os pacientes passam por um período de adaptação à medicação, que deve ser avaliada pelo médico. Os efeitos colaterais podem ser atenuados com o tempo, devido à dessensibilização do organismo. A facilidade de acesso à informação proporcionada pela internet também passa a ser um fator interveniente relativo ao paciente. À medida que pacientes pesquisam características da doença e possibilidades de tratamento, surgem inúmeros questionamentos e, frequentemente, provocam sintomas de ansiedade, por não compreenderem a terminologia médica, ou por julgarem saber o suficiente sobre sua patologia, causando dificuldades no relacionamento com o médico.
A compreensão de valores e crenças atribuídos pelo paciente à doença, à saúde e ao tratamento, são fatores a serem considerados, tanto como a dor, o medo da invalidez, da dependência medicamentosa, da morte e emoções decorrentes.
O tempo e a complexidade do tratamento que pode ser composto por várias medicações, em vários horários, efeitos colaterais como alterações no sono e apetite, ganho de peso, disfunção sexual, demora na obtenção de resultados, constituem fatores intervenientes na adesão relacionados ao tratamento (OMS, 2012).
É comum que os pacientes associem o uso da medicação ao mal estar físico, à intoxicação, e ao medo de desenvolverem outros problemas de saúde. Muitos pacientes são sugestionados pelas informações contidas na bula ou até mesmo na internet.
Além disso, frequentemente existe uma dificuldade por parte do paciente em distinguir entre o que é efeito de seu próprio estado depressivo e o que é efeito específico da medicação, percebendo ambos, tanto a presença dos sintomas como os efeitos colaterais da medicação como fatores que podem piorar a qualidade do trabalho que prestam, comprometendo, inclusive a manutenção dos mesmos (Haslam, Atkinson, Brown & Haslam RA, 2005).
Observou-se também uma preocupação em apresentar-se "bem" ao paciente que pode estar associado à própria escolha profissional, conforme a fala da paciente A. já apresentada acima: como alguém que cuida poderia apresentar-se fragilizado diante do paciente?
"...tinha tremores nas mãos, desde que parei o remédio, passou. Vou escrever alguma coisa os colegas percebem que tem algo errado. Vou dar o remédio para o paciente e fico tremendo. Ele vai achar que tremo de nervoso" (A. 37 anos).
Ainda que nas entrevistas que compuseram este estudo não tenha sido possível a classificação em uma nova categoria de resposta, a preocupação com a ideia de que o paciente pode formular sobre o profissional deve ser considerada importante. Levanta-se a hipótese de que a crença que levou o profissional da saúde a escolher uma atividade que envolva o cuidar pode influenciar diretamente a percepção deste profissional sobre o que representa seu próprio adoecimento.
2. Medo da dependência à medicação:
"Imaginei que era por um período, não achei que era para a vida toda" (L., 38 anos).
"Eu nasci sem remédio, porque eu vou pegar drogas para a vida toda? Nunca usei drogas, não seria agora. E se eu fizer uma medicação errada no doente porque eu fico toda mole? É melhor ficar com esta tristeza" (M., 49anos)
Os temores dos pacientes associam-se ao sentimento de impotência e receio da cronicidade da doença, pela falta de previsibilidade do término do tratamento medicamentoso, à dependência da medicação, e ao de ser intoxicado pelo fármaco. Por outro lado, tanto a presença de sintomas depressivos como a prescrição farmacológica para trata-los acabam gerando prejuízos na percepção do paciente.
A questão da previsibilidade quanto ao término do tratamento parece refletir também a urgência por resultados rápidos e eficazes, marca da sociedade contemporânea. Esta dependência também está associada ao fato do paciente sentir-se preso a um medicamento que tem dia e hora para ser administrado, mas não para ser retirado.
Por outro lado, alguns pacientes relacionam a ingestão da medicação como uma confirmação de possuírem uma doença mental. Desta forma, a resistência ao tratamento pode ser percebida como mecanismo de defesa- negação- à medida que ao ingerir a medicação seria então, reconhecer-se como doente.
Outro aspecto é a influência da representação social de que a tristeza e o desânimo sejam considerados intoleráveis em uma sociedade que aposta na euforia como valor agregado a todos os pequenos bens em oferta no mercado (Kehl, 2009, p. 31).
Manber e cols. (2003), concluíram que a forma como os indivíduos diagnosticados com depressão percebem a os seus sintomas depressivos pode ser útil na suposição de preferência por determinada opção de tratamento, de expectativas sobre a eficácia do tratamento, de adesão e de resposta ao tratamento. Quanto aos fatores relacionados à doença em si, neste estudo, os sintomas depressivos, o próprio paciente tende a sentir-se culpado e acredita não ter força de vontade para superá-los e não vê o tratamento farmacológico como sendo de grande valia (DiMatteo, 2000).
Para Taylor (2010) alguns aspectos são considerados facilitadores da adesão tais como a escuta do paciente com o objetivo de obter-se a compreensão integral do mesmo, a compreensão dos aspectos da linguagem e culturais, e alívio da tensão psíquica. Para o mesmo autor, as barreiras que interferem na adesão são a comunicação médico-paciente ineficiente, assim como a gravidade dos sintomas apresentados pelo paciente.
Cunha & Gandini (2009) apontam frequência significativa de interrupção no tratamento e menor probabilidade de adesão quando os pacientes acreditavam que não necessitavam de cuidados psiquiátricos, ou que seus problemas eram pequenos (Gonzales, Willians Júnior, Noel & Lee, 2005).
Outro ponto a ser discutido refere-se ao fato de que por serem profissionais da saúde que trabalham em equipes interdisciplinares são, de alguma forma, influenciados pela importância dada a escuta da historicidade do paciente e de seus sintomas, contribuindo para a identificação de suas próprias experiências em relação aos sintomas depressivos.
3. Perda do domínio próprio:
"A casa caindo e eu continuava dormindo, parecia que não era eu" (L., 38 anos).
"... fico impossibilitada de usar o raciocínio lógico e fico lenta para usar o computador, já pensou se eu faço alguma medicação errada para o paciente? Eu quero ser eu mesma, acho que remédio nenhum vai me ajudar. Ele vai me fazer ficar fora de mim mesma. Eu não vou ser morta-viva, não" (A., 37 anos).
"... eu ficar igual aos pacientes que usam, as pessoas gozam deles porque eles parecem estar em outro planeta, parece que a cabeça não está no corpo. E se eu prejudicar alguém? Eu preciso deste trabalho" (G., 48 anos).
Alguns pacientes sentem que não tem controle de si quando percebem seu estado psíquico alterado. Segundo suas descrições, sentem-se amortecidos, adormecidos, sonolentos, anestesiados, com pensamentos lentificados, com dificuldades de acesso as emoções e perda da identidade, como sendo outro indivíduo sob o efeito da medicação. Portanto, sentem-se como sujeitos fora-de-si, mas como sujeitos dentro-de-si não encontram elementos suficientes, em função da presença dos sintomas depressivos, que possa lhes fazer pertencer à sociedade, sobretudo diante das exigências contemporâneas de que as pessoas estejam "felizes" o tempo todo (Birman, 2005, pp.189-193).
Observa-se também que a postura depreciativa quando o profissional se refere ao paciente pode estar associada à negação da vulnerabilidade quanto ao risco de adoecimento, que é inerente ao acontecer humano. Pode-se afirmar como o fez Campos (2005), que lidar com o sofrimento implica reviver momentos pessoais de sofrimento levando à identificação com o paciente. No entanto, cabe destacar a importância quanto à necessidade de integridade biopsicossocial deste trabalhador dada a sua especificidade de atuação.
A escuta oferecida ao paciente- profissional da saúde- e a possibilidade de medicação no mesmo ambiente onde presta seu trabalho é também um fator de destaque e cuidado a este cuidador. São profissionais submetidos a um nível elevado de eficácia quanto ao desempenho, a carga horária inerente ao trabalho também é alta e, por vezes, os salários baixos que obrigam o exercício profissional em mais de uma instituição de saúde, intensificando assim os sintomas. Alguns estudos apontam que os profissionais da saúde estão submetidos a elevados níveis de estresse psicológico e fadiga no ambiente de trabalho (Sirriyeh, Lawton, Gardner & Armitage, 2010).
Na instituição onde foi realizado o presente estudo, percebeu-se a preocupação e sensibilidade quanto à importância em se diagnosticar e tratar sintomas depressivos, seja com a prescrição de antidepressivos, seja com psicoterapia ou ambos simultaneamente.
Considerações finais
Dentre os fatores que influenciam o abandono do tratamento farmacológico da depressão, entre profissionais da saúde, estão o significado que o paciente atribui à medicação prescrita e aos efeitos colaterais. A preocupação do paciente, profissional da saúde, quanto à adesão ao tratamento refere-se também ao temor de comprometimento do desempenho de suas funções laborais e a repercussão entre colegas sobre seu estado mental e a repercussão diante dos pacientes os quais são assistidos por estes profissionais. Desta forma, a própria psicoterapia pode contribuir para a melhoria da adesão ao tratamento farmacológico para depressão de pacientes que são também profissionais da saúde.
Outros estudos são necessários para investigar a especificidade de intervenção em saúde mental tendo como pacientes os profissionais da saúde e definir uma política de assistência em Saúde Mental específica para este grupo de trabalhadores.
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Endereço para correspondência
Lilian L. Sharovsky
e-mail: liliansharovsky@hotmail.com
Recebido em: 17/11/2012
Revisado em: 14/04/2012
Aceito em: 02/05/2013
iDoutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, psicóloga, Membro do grupo de pesquisa CNPq- SuCor (USP), Docente de Psicologia Hospitalar do Centro Universitário FMU- São Paulo
iiPsicólogas graduadas pelo Centro Universitário FMU
iiiLivre-Docente em Psicologia pela Universidade de São Paulo, Diretora do Serviço de Psicologia do Instituto do Coração do HCFMUSP, Coordenadora da Faculdade de Psicologia do Centro Universitário FMU.