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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

 ISSN 2236-6407

     

 

Relato de experiência/Prática profissional

 

 

Treino de habilidades sociais em idosos institucionalizados

Social skills training for elderly people in a long term institution

 

Entrenamiento de las habilidades sociales en ancianos institucionalizados

 

 

Jane Gleifa Oliveira Machadoi; Carla Geline de Oliveira Camposii; Dóris Firmino Rabeloiii

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB

 

 


Resumo

Este relato pretende descrever uma experiência de oficinas de treinamento em habilidades sociais para idosos institucionalizados que se mostrou viável para trabalhar variadas situações sociais. Em instituições de longa permanência, o repertório de habilidades sociais reflete diretamente na adaptação, socialização e convivência dos idosos, sendo importante pensar em intervenções que busquem a promoção do desenvolvimento humano, da qualidade de vida e do fortalecimento do apoio social. A experiência evidenciou a importância do psicólogo nas instituições geriátricas e a exigência de novas modalidades de prática na contemporaneidade comprometidas com o bem-estar de idosos em risco psicossocial e cognitivo.

Palavras-chave: idosos, asilo para idosos, habilidades sociais.


Abstract

This report intends to describe an experience of social skills training workshops for institutionalized elderly that proved feasible to work a variety of social situations. In long-term institutions, the repertoire of social skills reflects directly on the adjustment, socialization and coexistence of the elderly, and it is important to think about interventions that seek to promote human development, quality of life and strengthening of social support. The experience showed the importance of the psychologist in geriatric institutions and the demand for new forms of contemporary practice committed to the well-being of the elderly in psychosocial and cognitive risk.

Keywords: elderly, homes for the aged, social skills.


Resumen

Este relato pretende describir una experiencia de habilidades sociales, talleres de capacitación para ancianos institucionalizados que resultó factibles trabajar con una variedad de situaciones sociales. En instituciones de larga estancia, el repertorio de habilidades sociales se refleja directamente en el ajuste, la socialización y la convivencia de las personas mayores, y es importante que las intervenciones que buscan promoción el desarrollo humano, calidad de vida y el fortalecimiento del apoyo social. La experiencia demostró la importancia del psicólogo en las instituciones geriátricas y la demanda de nuevas formas de práctica contemporánea comprometida con el bienestar de los ancianos en riesgo psicosocial y cognoscitivo.

Palabras-clave: adultos mayores, asilo para ancianos, habilidades sociales.


 

 

Introdução

A realidade do envelhecimento populacional, as mudanças na organização da família e a ausência de programas de cuidado informal e formal a idosos dependentes e/ou demenciados demandam novas formas de inserção do psicólogo, mais comprometidas com o contexto social. A institucionalização é uma alternativa de cuidados a muitas pessoas na velhice. No entanto, viver em uma instituição de longa permanência pode gerar baixo engajamento social, isolamento, sintomas depressivos e monotonia na rotina e, com isso, há pouco estímulo para o desenvolvimento de habilidades sociais e vínculos afetivos entre os residentes (Santana & Coutinho, 2010).

A investigação dos aspectos relativos à qualidade de vida na velhice e das condições que permitem envelhecer com senso pessoal de bem-estar tem interessado cada vez mais os psicólogos, uma vez que podem contribuir para a compreensão das necessidades da população idosa e para a geração de alternativas de intervenção. A admissão em um asilo é um momento de mudança dramática para os idosos e pode afetar negativamente seu senso de bem-estar e status cognitivo (Khoury et al, 2009). Portanto, ações com a finalidade de promover e aprimorar as relações interpessoais são importantes para a melhoria da qualidade de vida no ambiente institucionalizado.

Segundo Del Prette e Del Prette (2001), habilidade social é um termo que se aplica à noção de existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar com as demandas das situações interpessoais. Para Carneiro e Falcone (2004), essas habilidades são adquiridas e requeridas desde a infância e na terceira idade são importantes para o estabelecimento e a manutenção do contato social, o qual contribui para que não ocorra o isolamento e a solidão.

O comportamento socialmente competente ou habilidoso é um conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo em um contexto interpessoal que expressa seus sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos, de um modo adequado à situação, respeitando os comportamentos nos demais, e que geralmente soluciona os problemas imediatos da situação e diminui a probabilidade de futuros problemas (Caballo, 2002). Carneiro (2006) propõe que o indivíduo socialmente habilidoso tem maior capacidade de obter ganhos, de desempenhar o mínimo possível de tarefas indesejáveis, e de desenvolver e manter relacionamentos mutuamente benéficos e sustentadores. A autora defende ainda que a capacidade de interagir socialmente é fundamental para o idoso conquistar e manter redes de apoio social e, consequentemente, garantir melhor qualidade de vida.

Del Prette e Del Prette (2001) relacionam a qualidade de vida às relações sociais como fatores promotores de saúde mental e de desenvolvimento. Na terceira idade, interferem no comportamento social a diminuição das capacidades sensoriais e a redução da prontidão para a resposta. Outras habilidades podem ser especialmente importantes, tais como as de estabelecer e manter contato social, além de lidar com os comportamentos sociais decorrentes de preconceitos contra a velhice, geralmente expressos através da evitação de contato, reações agressivas e proteção excessiva (Falcone, 2003).

Em qualquer relação interpessoal são requeridas habilidades para que a convivência seja satisfatória aos envolvidos na interação. O aperfeiçoamento das habilidades sociais é uma estratégia importante na velhice, pois elas se relacionam com a saúde, com a melhor qualidade de vida e à maior satisfação pessoal.

As pessoas admitidas em um asilo se tornam membros de uma nova comunidade, com outra estrutura física e social. Geralmente vivenciam uma radical ruptura de seus relacionamentos afetivos, convivendo cotidianamente com pessoas desconhecidas com as quais não possuem qualquer vinculo. Na instituição, o idoso torna-se obrigado a se adaptar a uma rotina diferente, a se submeter a normas e regulamentos, como horários para alimentação e higiene. Esses episódios são estressantes para o idoso, podendo representar uma ameaça ao senso de controle pessoal. Portanto, em instituições de longa permanência, o repertório de habilidades sociais reflete diretamente na adaptação, socialização e convivência dos idosos.

Considerando a realidade do contexto asilar, as oficinas de treino de habilidades sociais tornam-se uma proposta de intervenção relevante para a promoção do desenvolvimento humano, da qualidade de vida e do fortalecimento do apoio social. Podem promover treinos de competências para o desenvolvimento e manutenção de relacionamentos, e consequentemente redes de apoio social, como assertividade, empatia e capacidade de solucionar problemas interpessoais. O objetivo deste artigo é relatar a experiência de um grupo de treino de habilidades sociais em instituição de longa permanência para idosos, parte do projeto de extensão "Estimulação psicossocial e cognitiva de idosos institucionalizados" do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

 

Método

O projeto foi realizado em uma instituição de longa permanência para idosos, de caráter filantrópico, que abriga 40 idosos, do interior da Bahia. O critério de seleção dos idosos que fizeram parte das oficinas foi a demonstração de interesse dos mesmos. Participaram 14 idosos, com idade entre 65 e 91 anos, a maioria analfabeta (82,4%), sendo que 23,5% eram independentes, 23,5% tinha dependência leve e 23,6% dependência moderada/grave e 64,7% apresentava comprometimento cognitivo. As oficinas aconteceram semanalmente, com a duração de 1hora e 30 minutos, totalizando nove encontros.

O local escolhido para a oficina possibilitou contato visual entre todos os participantes, privacidade, espaço para movimentar-se fora do círculo criado e sem riscos de acidentes. O planejamento das intervenções buscou a inclusão da maior parte dos residentes considerando suas diversas limitações físicas e cognitivas, e o grupo foi organizado com as seguintes características:

1) Aberto: os participantes podem entrar ou deixar o grupo a qualquer momento e iniciar sua participação em qualquer encontro.

2) Heterogêneo: a participação é voluntária e estimulou-se o engajamento de todos os interessados, independente de sua capacidade funcional e cognitiva.

3) Alto envolvimento do coordenador responsável: o facilitador lidera o grupo e as atividades de maneira organizada e sistemática, mas também possibilita a expressão emocional e verbal dos participantes, convidando todos a falar.

O primeiro passo para a realização das atividades foi o estabelecimento de rapport com os idosos. É importante que nos contatos iniciais as relações sejam estabelecidas de maneira adequada e positiva favorecendo a confiança, o que interfere diretamente na participação e interesse dos idosos nas intervenções posteriores.

A estrutura geral de cada encontro incluiu uma atividade inicial de aquecimento relacionada ao tema, em seguida a atividade principal com o objetivo a ser trabalhado, e ao final, um espaço para discussão e feedback dos participantes. Buscou-se trabalhar nas oficinas variadas situações sociais de maneira lúdica, sistematizados na Tabela 1.

 

 

A avaliação dos resultados obtidos com a intervenção foi feita mediante observação do desempenho dos idosos pelos facilitadores, e utilizou-se como instrumentos um diário de bordo e uma ficha avaliativa, que era preenchida pelos facilitadores ao final de cada oficina, no qual constavam dados de todos os processos da atividade: as falas dos idosos; seu desempenho, motivação e participação; a percepção dos mesmos sobre a função da atividade; se gostaram ou não da oficina, estados emocionais, e avaliação geral da oficina (em uma escala que varia de excelente, bom, regular, ruim a péssimo). Cada encontro gerava uma reflexão sobre a adequação da atividade, seus resultados e desempenho do facilitador na condução do grupo. O relato dos funcionários da instituição também foi levado em consideração para a avaliação da eficácia das intervenções. Os facilitadores conversavam semanalmente com os profissionais e anotavam as informações relativas às mudanças observadas nos residentes ao longo da semana.

 

Resultados

A realização de oficinas de treino de habilidade sociais objetivou uma melhora gradativa no cotidiano institucional dos idosos, possibilitando melhor adequação, comunicação e sociabilidade. As habilidades sociais, para que possam ser adquiridas e utilizadas assertivamente, precisam ser treinadas com prática e exercícios. Um desempenho social adequado é capaz de gerar autoconfiança e motivação para potencializar forças pessoais que podem promover bem estar e qualidade de vida.

A avaliação dos idosos sobre as oficinas foi positiva. Relataram que as intervenções possibilitaram que eles conhecessem melhor seus companheiros e com isso descobriram afinidades, mostraram-se mais sensibilizados com as diferenças e dificuldades dos outros idosos e mais à vontade para abordar e fazer perguntas a outras pessoas. Os facilitadores avaliaram 98% das atividades como "boa" e as principais dificuldades se relacionaram às limitações físicas e cognitivas dos idosos, a ausência de literatura abordando intervenções com idosos institucionalizados e estar preparado para o inesperado. De maneira geral, os resultados indicaram que a frequência de algumas habilidades sociais aumentou no cotidiano asilar: expressar sentimento positivo, manter conversação, fazer perguntas aos outros residentes. A aquisição dessas habilidades sociais indica uma melhoria na quantidade e na qualidade de interações estabelecidas entre os idosos.

A avaliação qualitativa dos facilitadores e dos profissionais da instituição indicou melhora no ânimo e na sociabilidade com os outros residentes e com os funcionários, maior participação nas atividades em grupo e nas festas em datas comemorativas que ocorrem mensalmente dentro da própria instituição. Além de dinamizar o cotidiano, as oficinas buscaram prevenir dificuldades futuras relacionadas a evolução de quadros depressivos e isolamento social.

Acredita-se que os objetivos previstos foram alcançados, dentro das possibilidades institucionais e do número de oficinas realizadas. As atividades mostraram-se apropriadas para os idosos participantes. As ações direcionaram-se para a maior integração entre os residentes na instituição, a construção de habilidades interpessoais e o compartilhar de experiências, aspectos importantes dentro de uma instituição total e só são possíveis mediante ações em grupo.

 

Considerações finais

Pretendeu-se aqui descrever uma experiência de treinamento em habilidades sociais para idosos institucionalizados que se mostrou uma proposta viável para identificar e proporcionar possíveis mudanças comportamentais. A experiência demonstrou a importância do psicólogo nas instituições de longa permanência para idosos e a exigência de novas modalidades de prática na contemporaneidade.

Considerando que um dos grandes desafios é a baixa escolaridade desta população geriátrica, é fundamental o desenvolvimento de materiais, técnicas e tecnologias voltadas a este público. Nesse sentido, a realização das atividades possibilitou a discussão da eficácia dos planos de intervenção estabelecidos para os idosos; refletir sobre as técnicas criadas e utilizadas; iniciar a construção de um manual técnico e analisar os efeitos psicossociais e institucionais das intervenções. Esta é uma maneira de socializar os conhecimentos construídos a partir das ações da Psicologia nas instituições geriátricas.

As novas formas de inserção do psicólogo demandam um profissional mais comprometido com o contexto social e com as necessidades dos idosos com déficits funcionais e cognitivos. Ressalta-se assim a relevância de publicações e discussões científicas com o intuito de fortalecer e buscar um maior amadurecimento desta forma de atuação dentro da psicologia.

 

 

Referências

Cabalo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. São Paulo: Livraria Santos.         [ Links ]

Carneiro, R. S. A. (2006). A relação entre habilidades sociais e qualidade de vida na terceira idade. Revista Brasileira de Terapia Cognitiva, 2(1), 45-54.         [ Links ]

Carneiro, R. S., & Falcone, E. M. O. (2004). Um estudo das capacidades e deficiências em habilidades sociais na terceira idade. Psicologia em Estudo (Maringá), 9(1), 119-126.         [ Links ]

Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: Vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Falcone, E. O. (2003). Contribuições para o treinamento de habilidades de interação. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz, & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Contribuições para a construção da teoria do comportamento (pp. 91-104). Santo André, SP: ESETec.         [ Links ]

Khoury, H. T. T. et al. (2009). Bem-estar subjetivo de idosos residentes em Instituições de Longa Permanência. Em D. V. S Falcão & L. F. Araújo (Orgs), Psicologia do envelhecimento: Relações sociais, bem-estar subjetivo e atuação profissional em contextos diferenciados (pp. 103-136). Campinas, SP: Papirus.         [ Links ]

Santana, I. O., & Coutinho, M. P. L. (2010). Depressão e envelhecimento: aspectos psicossociais no contexto das instituições de longa permanência. Em D. V. S Falcão & L. F. Araújo (Orgs), Idosos e saúde mental (pp. 87-106). Campinas, SP: Papirus.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Dóris Firmino Rabelo
e-mail: drisrabelo@yahoo.com.br

Recebido em: 28/07/2013
Revisado em: 08/11/2013
Aceito em: 24/01/2014

 

 

iGraduanda em Psicologia - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB
iiGraduanda em Psicologia - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB