Desidades
ISSN 2318-9282
TEMAS EM DESTAQUE
A importância do trabalho na transição para a vida adulta
La importancia del trabajo en la transición hacia la vida adulta
Renata Alves de Paula MonteiroI
IUniversidade Federal Fluminense
RESUMO
A transição para a vida adulta tem se configurado, na atualidade, como objeto de interesse e investigação por parte de diferentes atores sociais, tendo em vista o panorama de dificuldades que jovens vêm encontrando para sair da condição juvenil. Neste contexto, cabe um olhar sobre a importância do trabalho neste processo, uma vez que este parece ser um marcador fundamental neste momento de entrada na vida adulta. Para tal, foram realizadas entrevistas com 19 jovens cariocas e quebequenses pertencentes à classe média e com ensino superior completo. A análise dessas entrevistas nos mostra que o trabalho mantém sua função de integração social e é considerado pelos jovens como aspecto viabilizador da vida adulta e referência identitária enquanto tal.
Palavras-chave: juventude, trabalho, transição, vida adulta.RESUMO
La transición hacia la vida adulta se ha configurado, en la actualidad, como objeto de interés e investigación por parte de diferentes actores sociales, considerando el panorama de dificultades en el que se encuentran los jóvenes para salir de la condición juvenil. En este contexto, cabe una mirada sobre la importancia del trabajo en este proceso, una vez que este parece ser un hito fundamental en este momento de ingreso a la vida adulta. Para ello, se ha entrevistado a 19 jóvenes licenciados cariocas y quebequenses pertenecientes a la clase media. El análisis de las entrevistas nos muestra que el trabajo mantiene su función de integración social y es considerado por los jóvenes como aspecto viabilizador de la vida adulta y referencia identitaria de la adultez.
Palabras-clave: juventud, trabajo, transición, vida adulta.
Toda criança e jovem se deparam, em algum momento de sua vida, com a questão: O que você vai ser quando crescer? A resposta dada e esperada, quase sempre, diz respeito a uma identificação com uma profissão, um trabalho, um emprego.
O trabalho ocupa lugar central na vida cotidiana. É centro de preocupações e investimentos individuais e coletivos; é fonte de renda, estrutura nosso calendário, é mecanismo de integração social. Entretanto, passamos, na atualidade, por um momento de reconfiguração dos valores, tradições e instituições que até o momento vinham servindo de orientação para nossas vidas, tanto na esfera privada quanto na esfera pública. Dentre esses, a esfera do trabalho apresenta-se como uma das mais atingidas por mudanças relacionadas a processos de individualização e flexibilização, e tendo em vista sua importância enquanto organizador da vida e da sociedade, pretendemos neste artigo discutir como as mudanças por ele sofridas impactam os jovens e, principalmente, o momento de entrada na vida adulta.
Num panorama de crise do emprego, que tem tido suas modalidades, funções e significados reformulados, são os jovens que se encontram mais vulneráveis a essas mudanças. E para atenuar os efeitos desta crise, esses sujeitos têm sido “convidados a permanecerem fora do jogo” (nas palavras de Bourdieu, 1983), em uma moratória que se prolonga cada vez mais, não ameaçando assim os poucos postos de emprego ainda disponíveis para os adultos.
Malgrado este panorama pessimista, observamos que o trabalho constitui ainda um valor importante e desempenha uma função especial para os jovens, tanto no Brasil, quanto em outros países (Guimarães, 2004; Korman, 2007; Provonost & Royer, 2004). No processo de transição para a vida adulta, encontram-se em jogo diversos elementos – conjugalidade, parentalidade, fim da escolaridade, saída da casa dos pais. Entretanto, o nosso foco incidirá sobre o trabalho, uma vez que o reconhecemos como elemento possibilitador dos demais, como, por exemplo, através da independência econômica, aspecto bastante ressaltado pelos jovens como atributo da vida adulta.
A importância do trabalho na construção da identidade adulta
A partir da ideia de socialização e construção de identidade, podemos pensar que o momento de inserção profissional pode ter um papel importante na construção de uma identidade de adulto, uma vez que o adulto tem seu papel social tradicionalmente associado ao de trabalhador. A etapa de vida de estabelecimento da identidade adulta é tradicionalmente marcada pela inserção profissional.
A ideia de inserção no trabalho só ganhou sentido social – através da ideia da passagem de aluno para trabalhador – no final do século XIX a partir da institucionalização da escolarização compulsória (Dubar, 2001 apud Guimarães, 2006). No auge da Modernidade, período de intenso crescimento e desenvolvimento pós-Guerra, os jovens passaram a ter uma “passagem pré-programada”, uma passagem da escola ao emprego de maneira quase imediata e automática.
Entretanto, ao final da década de 1970, os jovens deixaram de vivenciar essa segurança da “passagem pré-programada” e passaram a enfrentar uma situação de “inserção aleatória” (Guimarães, 2006) devido a mudanças na esfera do trabalho e no sistema de emprego, quando a esfera de trabalho passa a sofrer efeitos de processos de individualização, característicos do momento atual.
“[...] o trabalho – ou a inserção no trabalho, para seguir nos termos precedentes – passa a carecer de rumo predeterminável, adquirindo um sentido algo caótico, com intensas transições entre situações ocupacionais, já que as trajetórias profissionais não são mais previsíveis a partir de mecanismos de regulação socialmente institucionalizados. A individualização decorrente põe nos ombros do trabalhador, jovem ou adulto, a responsabilidade de enfrentar todas as incertezas e novos riscos, enquanto gerenciador solitário do seu próprio percurso” (Guimarães, 2006:175-176).
O jovem hoje se vê confrontado a dar conta do paradoxo entre um destino (ainda) socialmente esperado – que codificava a passagem à vida adulta como um movimento que, começando na família, estendia-se à escola e culminava com a inserção no mercado de trabalho e com a participação política – e as suas (escassas) chances de realização para parcela não-desprezível das novas gerações (Guimarães, 2006).
Mas ao longo da história da humanidade, parece ser a transformação em um sujeito-produtivo, ou seja, em um indivíduo inserido na lógica de produção e contribuição na sociedade, que tem configurado para o jovem – seus pares e a comunidade da qual faz parte – a sua assunção a uma identidade adulta, a um reconhecimento enquanto adulto. É, portanto, no momento de entrada na vida adulta que se espera, tradicionalmente, que por sua transformação em um sujeito-produtivo, o jovem encontre um novo lugar no sistema social e ao mesmo tempo sofra transformações em sua subjetividade no sentido de tornar-se adulto.
Na lógica de uma equivalência de sujeito-produtivo e sujeito-adulto, no momento em que esse espaço da produção passa por modificações, é de se esperar que efeitos sejam sofridos na passagem para a vida adulta. Segundo Korman, “[...] o jovem se encontra diante da demanda de absorver todas as transformações, dando-lhes sentido dentro da expectativa de ascender à condição de sujeito-produtivo” (2007, p. 30). E, podemos acrescentar, sujeito-adulto. O trabalho, ao invés de ser um papel social, com a função de organizar e orientar a entrada na vida adulta, passa ao registro de “escolha”, a ser considerado como uma expressão de autorrealização. Ao invés de, por exemplo, se seguir a profissão de professor por ter um histórico na família de professores, a escolha de ser professor se encaminha como resultado do desenvolvimento de um processo identitário auto-referenciado.
Birman (2006) e Costa (2006) falam de implicações de mudanças operadas na esfera da natureza do trabalho no “tornar-se adulto”. Birman (2006) afirma que “os impasses econômicos e sociais da sociedade brasileira contemporânea criam um gargalo seletivo, que é preocupante para a juventude, configurando uma situação bastante diferente da que existia nos anos 1960, quando o leque de possibilidades existentes no mercado de trabalho era bem maior” (Birman, 2006, p.39). Costa (2006) fala da perda do valor do trabalho enquanto referencial para os jovens: “[...] Pensemos bem: lutamos durante séculos e séculos para mostrar que o trabalho dignifica o sujeito; que o trabalho era fonte de virtudes como a previdência, a diligência, a disciplina, a responsabilidade etc. De repente, tudo isso parece conversa de tolo [...]” (Costa, 2006, p. 20). Devido ao desemprego, a crise tem como consequência a redefinição do horizonte temporal no qual os indivíduos pensam seu futuro. Para os jovens, a temporalidade na qual eles são convidados a inscrever suas aspirações profissionais toma uma forma diferente.
A importância do trabalho na transição para a vida adulta na fala dos jovens
Apresentaremos a seguir alguns dados de pesquisa realizada sobre a transição para a vida adulta e sua relação com a questão do trabalho. Participaram da pesquisa 19 jovens cariocas e quebequenses, com idades entre 25 e 30 anos (12 jovens do sexo feminino e 7 jovens do sexo masculino), e com curso superior completo. Ao se discutir o contexto da entrada na vida adulta a partir dos conceitos de individualização e desinstitucionalização, consideramos a pertinência da realização desse estudo com uma faixa circunscrita da juventude brasileira, a de jovens de classe média.
Os jovens participantes deste estudo, em seus relatos, parecem dar um destaque ao trabalho enquanto fator importante neste momento de entrada na vida adulta, ao contrário do que vem sendo afirmado por alguns autores, para os quais o trabalho não seria mais importante ao se falar em adultidade (Boutinet, 1998; Gorz, 1988). O trabalho é critério definidor para identificar-se como adulto ou não, seja enquanto presença ou falta, como no caso dos jovens cariocas. A ideia de responsabilidade, por exemplo, tão estritamente associada à ideia de adulto, é expressa por muitos como responsabilidade econômica de poder se sustentar ou sustentar uma família. A independência econômica ganha destaque entre jovens como condição para o que eles denominaram como independência emocional, ou seja, como condição para estabelecimento de uma segurança subjetiva para poder se reconhecer enquanto adulto. Entretanto, a experiência de aproximação do universo do trabalho difere para jovens cariocas e jovens quebequenses, sendo que estes últimos, em função de contextos sócio-culturais e econômicos, parecem ter acesso a experiências prévias de trabalho, mesmo que informais, facilitando o acesso à vida adulta em uma moratória mais “permeável”.
Na análise das entrevistas com jovens de Quebec, constatamos de maneira marcante a ênfase dada por esses sujeitos à ideia de que o trabalho deve ser algo prazeroso, significativo e que tenha uma função social, uma vez que se passa uma grande parte da vida nesse meio. O trabalho deve possibilitar, acima de tudo, a felicidade e uma maneira de autorrealização.
“O sentido do trabalho? Você deve gostar do seu trabalho, as pessoas devem aproveitar seu trabalho. Já que vai gastar tanto tempo nele, você tem que se interessar por ele. [...] Você deve ter um interesse, houve vários momentos da minha carreira onde eu não queria levantar de manhã, eu tinha dor de cabeça, quantas noites eu tive dor de cabeça porque eu tinha que voltar pro trabalho. Então você deve gostar do trabalho, sabe, deve ser um lugar onde você queira estar. […]” Jérémie, 30 anos, quebequense.
Não se consumir no trabalho, dar mais importância à convivência social, isso parece estar relacionado à posição que defendem categoricamente de que o trabalho não deve estar reduzido à questão financeira, do ganhar dinheiro. Admitem preferir escolher um trabalho que pague menos, mas que seja de seu gosto, para que possam se sentir mais satisfeitos e mais felizes.
É como se a associação com o fato de haver uma recompensa financeira para o trabalho, o que parece ser por eles associado à sociedade de consumo, tenha que ser imediatamente rechaçada.
“Pra mim, o trabalho é importante, é a base. Deve-se trabalhar na vida. Por que estudar tanto se não for pra trabalhar? Mas como eu já disse o salário não deve prevalecer sobre a qualidade do trabalho. É preciso que eu ame o que eu faço. Não posso ficar num trabalho que não goste. Prefiro me privar de algumas coisas financeiras que fazer algo que não ame.” Anne-Sophie, 26 anos, quebequense.
Lembremos que essas falas são de jovens que, ao contrário dos jovens cariocas, desfrutam de um sistema de apoio, principalmente de políticas públicas, que podem proporcionar esse tipo de posicionamento.
Quando o trabalho é compreendido pelos jovens com conotação negativa, associada ao dinheiro e à sociedade de consumo, ele perde importância no lugar que possa ter em suas vidas.
“Digamos que eu coloco a família, eu coloco os amigos, eu coloco tudo isso bem antes do trabalho. [...] Eu acredito que meu trabalho... é importante trabalhar para se sustentar, para viver... É preciso um mínimo de dinheiro para viver e tal. [...] Porque é preciso se sustentar, mas é preciso também ser feliz com o que se faz [...]” Martin, 28 anos, quebequense.
O que parece estar sendo construído pelos jovens é uma nova ética do trabalho, na qual eles constroem limites a seu engajamento no trabalho.
Já no Brasil, diferentemente do que fora indicado na fala dos jovens quebequenses, o trabalho não assume conotação tão negativa, sendo apontado inclusive como fazendo parte do processo de constituição como pessoa. Também assume a função de promoção de reconhecimento e permite a impressão de se sentir útil e parte da sociedade. O trabalho parece ter um valor mais central, noção que foi recusada pelos quebequenses, o que nos faz pensar que os efeitos do processo de individualização e seu discurso de flexibilidade parecem impactar menos os jovens cariocas. A condição de flexibilidade, que vem se tornando hegemônica e reformulando as formas, relações e leis na esfera do trabalho, é transposta para a subjetividade, logo, impondo ao sujeito também uma flexibilidade em sua maneira de ser e estar no mundo. Se percebemos, por um lado, que as condições econômicas e socioculturais possam prejudicar os jovens cariocas na vivência da moratória, como vimos, a tornando mais impermeável; por outro lado, protege-os dos efeitos do discurso individualizante.
“Ah, a importância... eu acho que o trabalho é tudo hoje em dia, assim, eu acho que se eu não tivesse o meu trabalho, eu acho que eu seria uma outra pessoa. Eu acho que a maior parte do meu dia, da minha vida hoje em dia, tá em função do meu trabalho e como eu sou. Eu acho que foi importante, sim, pra passagem pra vida adulta, eu acho, faz o que motiva, né, é o que motiva a ser minha vida, o que eu busco na minha vida, hoje em dia, é o meu trabalho. Como é que se diz... os meus planos, meus planejamentos, tudo tá focado no que eu faço hoje... no meu trabalho...” Cristina, 29 anos, carioca.
“Eu acho essencial, porque assim é como se fosse assim, eu não imagino a minha vida sem trabalhar, você sabe? É... eu acho que... que é essencial porque eu acho que te traz alguma coisa que, por exemplo, que só a família, só o marido e filhos não traria. Eu acho que tem uma coisa de realização, crescimento, de desafio, relacionamento também porque é outra relação. [...]”. Patrícia, 27 anos, carioca.
Da mesma forma que os jovens quebequenses, uma dimensão subjetiva do trabalho é ressaltada pelos jovens cariocas, não os restringindo à questão da subsistência, apesar de esta estar presente.
“Foi, ah eu acho fundamental, eu não me vejo sem trabalhar. Eu acho assim fundamental porque você se sente útil, não é só o dinheiro, eu acho que tem uma recompensa de você se sentir útil, de estar fazendo alguma coisa para beneficiar outras pessoas, eu acho que isso tem um valor muito grande pra mim”. Helena, 30 anos, carioca.
“O trabalhar? Eu acho muito importante que realmente você ficar parada em casa, a impressão que dá é que o tempo está passando. O trabalho, ele dignifica o homem como diz o ditado, ele é fundamental. É muito importante trabalhar, é muito importante você ter aquele elo de trabalho, aquelas coisas, as responsabilidades do trabalho, até pra você ir realmente se desenvolvendo como pessoa.” Denise, 25 anos, carioca.
Os jovens de Quebec reconhecem o trabalho como parte de sua identidade, mas o trabalho descrito como realização pessoal, como papel social e fonte de prazer e felicidade. O que se faz, de certa forma, tem uma equivalência com o que se é, por isso o trabalho deve ser útil, ter uma utilidade para a sociedade. Mais do que isso, a escolha do que se faz é produto de um processo de se individualizar.
“Porque aqui as pessoas se definem muito pelo trabalho deles. Então aqui quando você pergunta pra uma pessoa quem é você? A pessoa vai falar, eu sou professora. Então o trabalho é muito, muito importante. Demais talvez. Então pra mim é algo importante. É algo que faz tanto parte da cultura que eu mesmo, quando eu estou fora do Québec eu faço essa pergunta, o que você faz na vida. E o que faz é o trabalho, não tem a ver com as outras coisas. Então quando eu conheço uma nova pessoa sempre vou falar do trabalho porque sinto que, a pessoa, que o trabalho fala muitas coisas sobre a pessoa.” Maude, 28 anos, quebequense.
Entretanto, os jovens procuram não se apresentar com sua identidade reduzida ao trabalho ou definida somente por esse aspecto. É como se a relação entre identidade e trabalho estivesse a todo o momento tensionada, na tentativa de se evitar uma totalização ou um encapsulamento pelo trabalho.
“Não, eu não iria querer isso. Eu estou sempre... porque... porque eu preciso de um sentido de equilíbrio na vida. Eu acho que ficaria muito infeliz se tomasse muito lugar e me definisse e se me define eu acho que toma muito lugar. […] e aí não tem muito lugar pro resto, família, amigos, sua vida amorosa, entende, esportes, o que seja.” Isabelle, 25 anos, quebequense.
Da mesma forma, essa ideia de não-totalidade também é defendida pelos jovens cariocas.
“É de ser reconhecida como profissional também. Eu acho assim, eu acho que você tem várias facetas na vida, você pode ser amiga, filha, esposa, mãe e ser profissional. E acho que é uma coisa que ninguém tira de você, se você, né, tiver sempre se empenhando, né... [...] Você pode deixar de ser esposa, por exemplo, você pode se separar, mas assim o teu trabalho acho que tem uma coisa com a identidade, a profissão”. Helena, 30 anos, carioca.
Os jovens cariocas ao falarem do trabalho como identidade ressaltam o reconhecimento social proporcionado por ele de forma muito mais forte. Mais do que estar realizando alguma atividade útil à sociedade, a questão de qual é a profissão exercida e o reconhecimento que esta possui perante a sociedade são valores importantes para os jovens cariocas. Podemos relacionar esta questão ao fato de esses jovens estarem inseridos em uma sociedade de classe, fortemente marcada pela divisão e desigualdade social e, logo, o lugar que se ocupa nela, assim como o reconhecimento obtido, é proveniente em grande parte da profissão exercida.
Políticas públicas, trabalho e juventude: alguns comentários
Para dar conta das dificuldades enfrentadas pelos jovens no acesso a postos de trabalho, faz-se necessário a construção de políticas públicas a partir da relação entre juventude, educação e trabalho. A necessidade da formulação de políticas voltadas para essa questão se evidencia a partir da condição dita fragilizada da maioria dos jovens, sendo elas, a defasagem entre as exigências demandadas pelo mercado formal de trabalho e a possibilidade encontrada pelos jovens de se instrumentalizarem para o atendimento a essas demandas; e o menor grau de articulação institucional e política dos jovens, se comparado ao grau de articulação dos adultos. (Frezza, Maraschin & Santos, 2009).
O direito social, característico do Estado de bem-estar social, garante o acesso ao bem-estar e segurança, procurando proteger o cidadão da lógica do mercado através de políticas públicas (como é o exemplo da aposentadoria). Entretanto, no caso dos jovens, vemos uma contradição, pois o acesso a tal direito tem como condição a participação e contribuição enquanto trabalhador. A identidade social e o acesso aos direitos sociais são definidos pela situação de emprego. Em uma sociedade cada vez mais liberal, tal associação se estreita mais ainda. “Nas nossas sociedades, a integração profissional assegura aos indivíduos o reconhecimento de seu trabalho, no sentido de sua contribuição à obra produtiva, mas também, ao mesmo tempo, o reconhecimento de direitos sociais derivados” (Paugam, 2000, p. 96).
Assim, a questão com a juventude passa a ser de como incluí-la como beneficiária desses direitos, mesmo estando ainda excluída do mercado de trabalho. Se a infância é beneficiária através do direito à educação – considerado o direito social originário –, uma vez que no horizonte está a formação do futuro cidadão e trabalhador (Monteiro, 2006), a juventude passa a ter o “direito à qualificação”, em continuidade à formação, e a uma aproximação – mais informal, menos contumaz, de caráter mais experimental – através do “direito individual à experiência profissional” (estágios, trainees etc.).
Um exemplo que podemos trazer é o da sociedade francesa, que visando tratar desta questão, vê surgir uma “idade de inserção”, entre a idade educativa e a idade do trabalho. Assim, jovens entre 16 e 25 anos tornam-se beneficiários de uma legislação e medidas de inserção ao emprego em diversas modalidades criadas exclusivamente para eles (Lima, 2006). A abordagem com o jovem fica mais dependente ao seu estatuto – de estudante ou carente – do que à idade. O universo juvenil acaba ficando ainda muito próximo ao universo educativo. As experiências de trabalho possíveis são o “trabalho de verão”, feito nas férias, ou estágios. Já a sociedade quebequense trata a questão da inserção profissional como uma esfera separada da educação e formação, com programas e legislações dedicados exclusivamente a isso, com subsídios que não perpassam a vida estudantil (Lima, 2006).
O universo brasileiro, novamente, é marcado pela questão da classe social e as medidas de inserção profissional parecem ficar restritas à preocupação – e controle social – com jovens pobres.
Ficou perceptível, nesse documento [no Plano Nacional de Juventude (Brasil, 2004)], a relação existente entre o conjunto de justificativas para se incrementar as oportunidades de trabalho de jovens de baixa renda com o discurso de marginalização — que é frequentemente endereçado à juventude pobre e/ou de periferias. Identificamos, ainda, a implicação entre a falta de ocupação e o subemprego com um provável destino de delinquência desses jovens — como se, por não ter alguma ocupação formal (participação em projetos ou trabalho), esse determinado jovem se tornaria um adulto marginal (Brenner,Lânes & Carrano, 2005:200).
Em levantamento feito sobre produções acadêmicas produzidas sobre o tema juventude e trabalho, evidencia-se a avaliação de que programas e projetos governamentais (ou não) estão mais fortemente preocupados em “educar”, “qualificar”, “formar” jovens, especialmente jovens pobres, do que construir alternativas efetivas para jovens no campo do trabalho (Corrochano e Nakano, 2009).
Assim, parece prevalecer entre as políticas de inserção profissional de jovens um viés de controle social, por isso um direcionamento às classes mais baixas, e as estratégias adotadas pelas iniciativas públicas para encontrar saídas para o desemprego juvenil parecem se restringir à formação e, consequentemente, o retardamento de seu ingresso no mercado de trabalho (Corrochano, 2005). Faz-se necessário repensar a direção das políticas públicas relacionadas à inserção profissional dos jovens para que estas se tornem mais inclusivas (direcionadas não só a jovens de baixa renda), como também não fiquem restritas ao universo de qualificação, incidindo de forma mais concreta sobre questões e problemas do mercado de trabalho.
Referências
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1 Este artigo é parte do trabalho desenvolvido na tese de doutorado “A transição para a vida adulta no contemporâneo: um estudo com jovens cariocas e quebequenses” (Monteiro, 2011).2 Tomamos aqui como referência a concepção de Pimenta (2007), para quem a socialização “é um processo de construção de identidade social por meio da interação/comunicação com os outros, em que os indivíduos se apropriam subjetivamente do mundo social a que pertencem, ao mesmo tempo em que se identificam com papéis que aprendem a desempenhar corretamente” (p. 128).
I Professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora do curso de Especialização em Psicanálise e Saúde Mental da UFF. Pesquisadora permanente do Núcleo de Pesquisa sobre Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Participante do Tempo Freudiano Associação Psicanalítica. Associada do Núcleo de Atenção à Violência (NAV). E-mail: nana_monteiro@hotmail.com