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Desidades

 ISSN 2318-9282

     

 

EDITORIAL

 

 

Neste momento assistimos a mais um episódio da cena política brasileira que, ao investir contra o pacto social acordado na Constituição Federal, cria factoides da realidade social cujos desdobramentos serão nefastos sobre a juventude e suas relações com a geração dos adultos.  A Proposta de Emenda Constitucional 171/93, que altera a maioridade penal de 18 para 16 anos, a ser votada proximamente no plenário da Câmara Federal do Brasil, está de costas para as evidências amplamente mostradas pelos setores competentes da sociedade organizada de que a redução da maioridade não cumpre o alardeado objetivo que esta lei lhe destina.  Sobretudo, assiste-se ao esgarçamento traiçoeiro do compromisso com o bem público ao se atropelar a discussão profunda com a sociedade a respeito de uma alteração de cláusula pétrea da Constituição Federal.  A juventude brasileira torna-se eventual ré no tribunal patético dos equivocados.  Nesta edição da DESIDADES trazemos uma contribuição a este debate com a entrevista do Professor Dijaci David de Oliveira, pesquisador e professor da Universidade Federal de Goiás, Brasil, que expõe, a partir de suas pesquisas e as de outros pesquisadores, a falácia em torno da crença de que os jovens são violentos.  Ao contrário, os jovens estão morrendo ao invés de fazerem os outros morrer: eles são as maiores vítimas da violência, principalmente aqueles provenientes de classe social baixa e negros.  Segundo o pesquisador, apenas 2% da violência é cometida por jovens com menos de 18 anos!  Assim, inversamente ao que se propala, contrariamente à crença de se estar à beira de um ataque por um bando de jovens perigosos, são os jovens que estão sendo assassinados com a conivência de toda a sociedade.  Como coloca o pesquisador, os “autos de resistência” fornecem o dispositivo jurídico necessário para que o aparato policial brasileiro mate jovens sem que haja inquérito e apuração de responsabilidades. Os exemplos são muitos de que mesmo havendo provas cabais da execução gratuita de jovens, nada acontece com os policiais envolvidos. A pergunta levantada pelo pesquisador deveria estar na pauta do debate sobre a redução da maioridade penal: por que estamos fazendo da juventude o “bode expiatório” dos nossos males sociais? De que se trata este ódio social aos jovens, principalmente os pobres e negros, no Brasil, como também em muitos outros países da América Latina?  Seguimos esta edição com dois artigos na seção Temas em Destaque: “A curiosidade na adoção: terreno pantanoso ou saúde psíquica”, da psicanalista e pesquisadora Gina Levinzon, e “Crianças, jovens e suas famílias nas esquadrias da epidemia do HIV/AIDS”, da professora e pesquisadora Elizabete Franco Cruz.  Gina Levinzon nos conduz neste terreno cujas águas, ao parecerem pantanosas, podem amedrontar tanto as crianças adotivas como seus pais.  Afinal, como lidar com situação tão delicada e difícil como quando a criança adotiva quer saber sobre sua origem? Sobre seus pais biológicos? Como atender à demanda da criança sobre o saber de onde veio e como foi adotada? Ao enfrentar os diversos medos que esta situação mobiliza nos pais e na criança, a autora nos convida a pensar sobre a curiosidade como elemento de saúde psíquica, que é construída pela possibilidade de se elaborar as adversidades inerentes à vida de cada um, fazendo do terreno aparentemente pantanoso o solo de construção de uma identidade pessoal.  Elizabete Franco Cruz, no artigo  “Crianças, jovens e suas famílias nas esquadrias da epidemia do HIV/AIDS”, apresenta o complexo quadro de dificuldades das crianças e jovens vivendo com HIV/AIDS: estigma, discriminação, isolamento, reduzidas perspectivas de vida. Quando as condições socioeconômicas das famílias são adversas, e/ou no caso de falecimento ou abandono dos pais, muitas destas crianças e jovens são institucionalizadas. As concepções normativas sobre o bem-estar da criança e as condutas das famílias nem sempre “abrem portas e janelas”, como coloca a autora, para que a criança possa lidar com situação de tamanha adversidade.  Assim, a autora problematiza: quem deve falar em nome do interesse da criança e do jovem - a família? o/a profissional? o gestor da lei? Em situações complexas e difíceis, pode-se aderir a soluções e saídas que são mais factíveis, ou as que se podem enxergar naquele momento.  No entanto, a autora convida o leitor a considerar esta situação na sua liminaridade, ao nos interpelar a questionar nossas verdades, vencer a sedução da solução fácil e poder escutar com paciência a criança, o jovem e todos envolvidos na construção de seu bem-estar.  Duas resenhas compõem esta edição da DESIDADES, uma de Victor Muñoz Tamayo sobre a obra de Oscar Aguilera Ruiz, “Generaciones: movimientos juveniles, políticas de la identidad y disputas por la visibilidad en el Chile neoliberal”, e outra de Ana Maria Cavaliere, da obra coordenada por Marcelo Baumann Burgos, “A escola e o mundo do aluno – Estudos sobre a construção social do aluno e o papel institucional da escola”.   A partir das duas resenhas aspectos diversos da condição juvenil na América Latina são apresentados e discutidos.  Em ambas, está presente o sujeito juvenil como enredado nas práticas sociais e discursivas que o constituem – as da escola, as da sociedade neoliberal e de consumo – mas também oportunamente inventor de si, de suas possibilidades e linhas de fuga.  Vale conferir a apreciação dos resenhistas sobre obras distantes no espaço, publicadas uma no Brasil e outra no Chile, mas convergentes nas suas preocupações.  Finalmente, brindamos como sempre o leitor e a leitora com o levantamento bibliográfico das obras publicadas em livros, na América Latina, em ciências sociais e humanas, na área da infância e juventude.  São 51 obras listadas apenas neste trimestre, vale conferir e aproveitar as boas oportunidades de leitura.

Lucia Rabello de Castro Editora Chefe

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