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Desidades

 ISSN 2318-9282

     

 

INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

 

 

Ser pessoas adultas antiadultistas a partir do Elogio das novas gerações

 

Ser personas adultas antiadultistas desde el Elogio de las nuevas generaciones

 

MORALES, S.; MAGISTRIS, G. (Comp.). Niñez en movimiento, del adultocentrismo a la emancipación. Cidade Autônoma de Buenos Aires: Ed. Ternura Revelde, Chirimbote, Editora el Colectivo, 2018.         [ Links ]

 

 

Marta Martínez MuñozI

 


Palavras-chave: adultocentrismo, coprotagonismo, infância e direitos, infância e movimentos sociais.


Palabras clave: adultocentrismo, coprotagonismo, infancia y derechos, infancia y movimientos sociales.


 

 

Como já defendemos em outras ocasiões1, são poucas as categorias do campo dos estudos sociais – além de objeto e sujeito da pesquisa e da intervenção – que mudaram tanto nas últimas duas décadas como a da infância. Especialmente na América Latina, há uma pujante produção interdisciplinar muito engajada que aposta em uma legítima e vital pesquisa que também parte de diversos espaços de organização popular.

Esta produção relativa aos estudos sobre a infância vem conquistando seu espaço na América Latina. Desde que, no final dos anos 80, apareceu o paradigma rupturista do protagonismo social e político da infância, cujos principais postulados se devem à imensa obra (na teoria e na práxis) do peruano Alejandro Cussiánovich (coautor do livro aqui resenhado), foram publicados numerosos textos sobre o tema. No entanto, muitos deles, justamente por terem sido publicados à margem de revistas indexadas, a meu ver, não receberam a devida atenção por parte da academia mais ortodoxa.

Desta forma, o mundo da pesquisa com e para a população infantil ferve numa eclosão metodológica que está se desenvolvendo paralelamente à redescoberta das crianças como sujeitos complexos, cujas práticas e subjetividades devemos desentranhar. Esta nova corrente se enquadra, na minha opinião, dentro de vários eixos nucleares que esmiuçamos à continuação.

O primeiro é transitar do protagonismo ao coprotagonismo sob enfoques emancipatórios, o que interpela as pessoas adultas que acompanham processos de organização, pesquisam ou gerenciam projetos, a revisar as suas culturas adultocêntricas. Um segundo eixo está configurado pelos novos estudos sobre a descolonização do pensamento sobre as infâncias, um enfoque que chega de forma muito mais tardia do que o da descolonização (sem adjetivações) e que foi fruto do esforço de diferentes colegas2. Um terceiro eixo é constituído pelos estudos que abordam o papel das crianças e adolescentes, em sua maioria de populações indígenas ou povos originários, em comunidades em resistência ou em defesa do território3 ou conflitos armados, tais como comunidades mapuches, zapatistas, cujas vidas transitam em condições muito diferentes às das vidas de outras crianças. Um quarto elemento se constitui, creio eu, nos estudos sobre os Movimentos Sociais da Infância como atores-chave nas dinâmicas populares de diferentes países da América Latina, o que se expressa de forma muito gráfica no oportuno título deste livro: infância em movimento, e coloca em evidência que a maioria dos problemas sociais que afetam a infância extrapola o privado e o público e nos interpela a construir a partir do comum. Um quinto elemento são as experiências que vinculam as crianças a experiências de feminismo4 desde cedo e que ainda são um fator muito incipiente, destacando, neste livro, o artigo Potencializando a luta feminista: um feminismo da e para a infância (pelo Espaço Feminista de La Miguelito Pepe).

Reconhecer, a contracorrente, a diversidade das infâncias ou infâncias múltiplas requer, sem dúvida, enfoques, disciplinas e metodologias diversas. Por isso, acreditamos que já está um tanto antiquado que sejam os chamados (já não tão) novos estudos de sociologia da infância os que tenham ostentado o patrimônio deste novo olhar. Já são numerosas as contribuições da pedagogia, da antropologia5, da historiografia que se esforçam para reconstruir a história das infâncias na América Latina6, onde encontramos uma especial contribuição dos estudos oriundos das teorias feministas7.

O livro que resenhamos, Infância em movimento…, se enquadra nesta nova corrente e nos apresenta quais são as possíveis conquistas e os possíveis desafios de apostar no coprotagonismo a partir de um duplo eixo: o do status social de crianças como agentes sociais em movimento, mas também nas agendas, enfoques e prioridades das e dos pesquisadores dos movimentos populares e do mundo acadêmico de diversos países. Como indicam os coordenadores no prólogo do livro: “pensar a infância em movimento implica em um desafio político criativo e heroico. Significa a aposta por contribuir para o surgimento de outras ideias, de um pensamento infantil, de uma reinvenção infantil, e de uma ação revolucionária desde as novas gerações para uma emancipação em sentido integral”.

Trata-se de uma sugestiva obra coletiva, de indispensável leitura, que se enquadra numa série de dignas experiências editoriais muito frequentes na América Latina, aquelas que circulam sem preconceitos entre uma academia engajada, militante, e entre a aparente periferia da pesquisa: a das experiências de numerosos movimentos sociais capazes de gerar conhecimento e práticas de alto valor e rigor a partir “dos excluídos”, apesar de suas publicações estarem fora, em não poucas ocasiões, das perversas lógicas da indexação; lógicas pelas quais os acadêmicos se sentem cada vez mais pressionados pela necessidade de publicar nas revistas mais almejadas.

Finalmente, cabe destacar o sentido polifônico dessa obra, que foi editada sob licença copyleft e da qual participam dez autores de três países (Argentina, Alemanha e Peru), publicada por três editoras independentes e se inserindo num projeto que começa com a vontade de levar a cabo uma coleção intitulada: infância e emancipação. O livro se estrutura em três grandes partes: I.- Protagonismo de la niñez como horizonte emancipatorio; II.- Un sistema de dominación múltiple e III.- Movimientos Populares de Niñxs y Adolescentes trabajadorxs. Em cada uma das partes, destacam-se especialmente, a meu ver, o capítulo Hacia un paradigma otro: niñxs como sujetxs políticxs co-protagonistas de la transformación social (de Santiago Morales e Gabriela Magistris), que abre o livro; Colonialismo y la colonización de las infancias a la luz de la teoría poscolonial (de Manfred Liebel); bem como o intitulado Experiencias de niñxs y adolescentes trabajadorxs organizadxs: participación protagónica y valoración crítica del trabajo (de Giovanna Bendezú Aquino e Yim Rodríguez Sempértegui). Este último, testemunho adulto da recordação (do latim, "voltar a passar pelo coração") do exercício do protagonismo, é especialmente interessante, dado que as vivências, ao serem recordadas, contam com a marca pessoal e a subjetividade da experiência própria: neste caso, ter sido uma criança trabalhadora organizada no movimento de NNATs8 (crianças e adolescentes trabalhadores) do seu país natal, o Peru.

Definitivamente, considero esse livro uma leitura imprescindível para todos os profissionais relacionados aos estudos de infância, dado o engajamento e a trajetória dos autores, que dignificam a aposta teórica e prática que compartilham conosco. As suas reflexões nos convidam a nos aproximarmos do equilíbrio necessário para sermos pessoas antiadultistas, confiando de forma plena nas capacidades das novas gerações e indo muito além das cômodas torres de marfim onde ainda costumam se situar algumas pesquisas relacionadas ao amplo mundo das infâncias.

 

 

Referências Bibliográficas

MORALES, S.; MAGISTRIS, G. (Comp.). Niñez en movimiento, del adultocentrismo a la emancipación. Cidade Autônoma de Buenos Aires: Ed. Ternura Revelde, Chirimbote, Editora el Colectivo, 2018.

 

 

Data de recebimento: 08/03/2019
Data de aceite: 15/03/2019

 

 

1 MUÑOZ, M. M.;  PASCUAL, I. R. Infancia, Investigación e Intervención Social: horizontes metodológicos en diálogo. Madrid: Editora Dykinson, 2019. No prelo.

2 Destacamos os trabalhos de Giangi Shibotto (Universidade Externado de Colombia) e de Manfred Liebel, da Universidade Livre de Berlím (Freie Universität Berlin), ambos europeus com uma dilatada experiência em América Latina. Sobre o tema, ver: 1.- SCHIBOTTO, G. Niños, niñas y adolescentes trabajadores: modernidad, colonialidad y decolonialidad. In: SÁNCHEZ, I. C.; AYERBE, A. A. (coord.). Las infancias múltiples. Fundación Centro Internacional de Educación y Desarrollo Humano. CINDE, 2017.  2.- LIEBEL, M. ¿Niños sin Niñez? Contra la conquista poscolonial de las infancias del Sur global. MILLCAYAC - Revista Digital de Ciencias Sociales, vol. 3, n. 5, 2016.

3 Ver por exemplo os trabalhos de Eliud Torres, Angélica Rico e Kathia Nuñez no México.

4 Nesta lógica, destaca a atividade da escola feminista Código F (não sistematizada até o momento), que acompanha a organização Melel Xojobal, A.C. em Chiapas e que acaba de ser reconhecida pelo Banco de Buenas Prácticas Hermanas Mirabal, na categoria de ações para a prevenção da violência contra as mulheres e as meninas, pelo seu trabalho com meninas e adolescentes indígenas para a prevenção da violência de gênero, concedido pela CDHDF (Comissão dos Direitos Humanos do Distrito Federal), da Cidade do México.

5 Recomendo especialmente dois números monográficos da Revista Argumentos, Estudios Críticos de la Sociedad, da Universidade Autónoma Metropolitana de México: “Infancias y Juventudes en contextos de violencia, movilización social y resistencia” (nº 81, maio-agosto de 2016) e “Niñez y Juventud: políticas públicas, educación y participación política” (nº 84, maio-agosto de 2017). 

6 LIONETTI, L. et. al. La historia de las infancias en América Latina. Tandil: Universidade Nacional do Centro da Provincia de Buenos Aires, 2018. Além disso, sugiro revisar o número monográfico de Humanidades, Revista da Universidade de Montevideo, Historia de la Infancia en América Latina, com artigos sobre Argentina, Brasil, Chile ou México.

7 CENTENO, A. F.; ALCARAZ, M. G.; ROBLES, L. C. D. (Coords.). Mujeres, niños y niñas en la historia. América Latina, siglos XIX y XX. Universidade de Guadalajara. México, 2016. Bem como:  MERCHÁN, C.; FINK, N. (Comp.). #Ni Una menos. Desde los primeros años. Educación en géneros para infancias más libres. Lima: Editora Programa Democracia y Transformación Global, 2018. 

8 A sigla NNATs, em espanhol, significa “Niños, niñas y adolescentes trabajadores” (N. do tradutor).

 

 

I Marta Martínez Muñoz: Socióloga pela Universidad Complutense de Madrid (UCM), Espanha. Pós-graduada em Direitos da infância pela Universidad Autónoma de Madrid, (UAM), Espanha, e Avaliação de Programas e Políticas Públicas pela UCM. Pesquisadora e consultora em metodologias de pesquisa participativa sob um enfoque de direitos. Colabora com distintos coletivos e Movimentos Sociais de Infância na Europa e na América Latina. Cofundadora do projeto associativo Enclave, Evaluación y Enfoque de Derechos. E-mail: martamartinezm@gmail.com

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