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Desidades

 ISSN 2318-9282

     

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

O audiovisual como ferramenta de empoderamento na pesquisa com jovens estudos de caso: projetos HEBE e ActiFem1

 

Audiovisual as a tool for empowerment in research with young people. Case studies: HEBE and ActiFem projects

 

 

Manel Jiménez-MoralesI; Mittzy ArciniegaII; Ariadna SantosIII

IGraduado em Comunicação Audiovisual na Universidad Pompeu Fabra (UPF), Barcelona, Espanha, em Teoria Literária (Universidad de Barcelona) e doutorado em Comunicação Social (Universidad Pompeu Fabra). Professor da Universidad Pompeu Fabra, dirigiu seu Centro de Inovação (CLIK) e atualmente é Comissário de Educação e Comunicação. E-mail: manel.jimenez@upf.edu
IIFormada em Jornalismo e doutora em Comunicação pela Universidad Pompeu Fabra, Barcelona, Espanha. Professora graduada e mestre pela Universidad Pompeu Fabra. Investiga a representação de mulheres e jovens na mídia e participa de projetos de educação para a mídia. E-mail: mittzy.arciniega@upf.edu
IIIGraduada em Comunicação Audiovisual na Universidad Pompeu Fabra, Barcelona, Espanha, e mestre em Juventude e Sociedade na Universidad de Girona, Espanha. Atualmente, é pesquisadora de pré-doutorado no grupo JOVIS.com e trabalha em questões relacionadas à juventude, redes sociais e gênero. E-mail: ariadna.santos92@gmail.com

 

 


RESUMO

A presente comunicação expõe dois projetos de pesquisa, Hebe e ActiFem, nos quais a metodologia participativa foi aplicada e, especificamente, o audiovisual como ferramenta de empoderamento no trabalho com jovens. A aplicação da pedagogia audiovisual significou, em ambos os casos, uma breve formação técnica com o objetivo de ajudar os e as participantes a descobrir diferentes formas expressivas e questionar de que forma é possível gerar narrativas audiovisuais mais próximas da nossa maneira única de ver o mundo. Nos dois projetos, o audiovisual é apresentado como uma ferramenta empoderadora, tanto no nível individual, quanto possibilitando a autorreflexão, o pensamento crítico e a expressão de seu próprio crescimento pessoal, bem como na construção da identidade coletiva e de uma cidadania mais crítica, comprometida e participativa.

Palavras-chave: metodologia participativa, audiovisual, empoderamento, jovens.


ABSTRACT

This communication presents two research projects, Hebe and ActiFem, in which participatory methodology has been applied and, specifically, audiovisual as a tool for empowerment in youth work. The application of audiovisual pedagogy has involved, in both cases, prior technical training in order to help participants discover different expressive ways and question how it is possible to generate audiovisual narratives closer to our unique way of seeing the world. In both projects, audiovisual is presented as an empowering tool at the individual level, while enabling self-reflection, critical thinking and the expression of their own personal growth, but also in the construction of collective identity and a more critical, committed and participatory citizenship.

Keywords: participatory methodology, audiovisual, empowerment, youth.


 

 

Introdução

Tradicionalmente as diferentes técnicas etnográficas e especificadamente as ferramentas audiovisuais de coleta de dados se centraram em estudar o sujeito de fora e, como afirma Sucari (2007), prevalecia o olhar do outro como objeto de estudo, como sujeito contido de um discurso ideológico.

No entanto, nos últimos anos, essa abordagem foi contestada, especialmente no campo da Investigación y Acción Participativa (IAP),

Um método de estudo e ação que busca obter resultados confiáveis e úteis para melhorar situações coletivas, baseando a pesquisa na participação dos próprios grupos para investigar, que deixam de ser o "objeto" de estudo a sujeito protagonista da pesquisa" (Alberich, 2008, p. 139).

A IAP também considera o dispositivo audiovisual como uma ferramenta para gerar conhecimento, participação e mudança social, tudo baseado no surgimento de novas formas de entender a interação social. Nesse sentido, a narrativa audiovisual é aquela em que o sujeito a investigar é protagonista de sua intensa história.

A conscientização dos passos em direção a essa capacitação pessoal, por meio de histórias audiovisuais, é em si uma ação empoderadora. Entretanto, o que entendemos por empoderamento? Tomando como referência certos estudos que acompanham a conceituação do termo, Rappaport (1981; 1987), Freire (1987), Zimmerman (2000) e Úcar et al. (2016), a noção de empoderamento refere-se essencialmente à capacidade de tomar decisões vitais de forma autônoma e, a uma segunda variável, o fato de executá-las. O contexto e as condições favoráveis para que isso aconteça adquirem um papel fundamental nesse processo. Nesse sentido, existem muitas iniciativas que não apenas acompanham esses processos de tomada de decisão e seus contextos para levá-los à ação, mas também explicam esses desenvolvimentos e, assim, se tornam agentes de empoderamento. Esse é o ponto de partida deste artigo.

Para explicar essa dinâmica, nesta comunicação, são apresentadas duas experiências de trabalhos de pesquisa, o projeto HEBE (nome da deusa grega da juventude), financiado pelo Ministério da Economia, Indústria e Competitividade e liderado pela Universidad de Girona, Espanha, do qual participam pesquisadores e pesquisadoras de mais quatro universidades: Universidad Autónoma de Barcelona, Universidad de Barcelona, Universidad Pompeu Fabra e Universidad Autónoma de Madrid, Espanha; e o projeto Activismos en Femenino (ActiFem): o discurso feminista nas mulheres jovens em grupos de protesto (não feministas) e em seu cotidiano, financiado pela Agencia Catalana de Juventud de la Generalitat de Cataluña e liderado pela Universidade Pompeu Fabra, Espanha.

Em ambas as investigações, a criação audiovisual é um dos instrumentos de pesquisa materializados em diferentes tipos de produtos que se cruzam com o restante da metodologia.

Assim, por um lado, o HEBE tem como objetivos definir e identificar quais são os espaços, momentos e processos que intervêm no empoderamento dos jovens, além de identificar os fatores potencializadores e os fatores limitadores do empoderamento juvenil através da análise dos discursos e práticas dos educadores e educadoras. Com vistas a alcançar esses objetivos, desenvolveu em sua primeira fase um documentário interativo que inclui o testemunho de empoderamento de seis jovens, após a participação em uma oficina de pedagogia audiovisual. E, em uma segunda etapa, uma plataforma participativa através de alguns cadernos de campo nos quais grupos de educadores refletiram sobre as ações que tomam para empoderar os jovens com quem trabalham. O resultado, em ambos os casos, é um dispositivo digital aberto ao usuário e na forma de colagem virtual, que vincula as reflexões dos educadores a peças audiovisuais e grupos de discussão.

Por outro lado, o ActiFem (Activismos en Femenino) analisa as expressões feministas diárias de mulheres jovens que participam de grupos reinvidicatórios não feministas. O projeto busca coletar as vozes das mulheres jovens e, assim, contribuir para o seu empoderamento. Quatro meninas foram selecionadas do número total de participantes para trabalhar cápsulas audiovisuais autobiográficas, com o objetivo de refletir suas experiências de gênero como jovens na vida cotidiana.

As quatro participantes têm histórias de vida e realidades socioeconómicas diferentes, mas estão unidas por uma visão reinvidicativa do mundo, estando intimamente ligadas à arte e à expressão corporal, ferramentas que usam para expressar suas emoções e mostrar o que consideram injusto. São jovens conscientes das desigualdades de gênero na vida cotidiana e, embora se considerem mais defensoras de idéias feministas do que feministas, expressam seu desejo de serem agentes de mudança nos contextos em que se desenvolvem.

 

A autonarração através do audiovisual

Por um lado, como afirma Sucari (2017), "a posse e o controle dos dispositivos técnicos estabelecem desde sempre uma relação de poder entre aqueles que os administram e os controlam e entre aqueles que os consomem" (p. 70) e, embora possam não estar plenamente conscientes, os(as) jovens fazem uso frequente dessa posse e controle. Produzem e compartilham imagens continuamente, sabem como preferem se ver e serem vistos, a ponto de compartilhar uma experiência se tornar ainda mais importante do que a própria experiência. Principalmente nas redes sociais, esses fatores influenciam na construção de sua identidade pessoal (Fernández-Planells; Masanet; Figueras, 2016).

Além disso, como afirma Lévy (2007), as competências e dispositivos técnicos têm o duplo potencial de promover a cristalização e a memória das pessoas e, por sua vez, ser instrumentos que revigoram a capacidade de sentir e expressar. Assim, com essas ferramentas audiovisuais, podemos gerar imagens vinculadas à imaginação, mas também à memória e ao desejo, o que requer e causa uma reflexão sustentada.

Assim, dar o controle do produto audiovisual aos(às) jovens, coloca-os em condições de igualdade em relação a quem investigam, tanto em termos de comunicação, quanto dando a eles domínio técnico.

No entanto, a autonarração através do audiovisual não implica apenas dar voz aos investigados, mas também buscar um exercício de autorreflexão, descoberta, reconhecimento e reconstrução identitária. E é aí que surgem as perguntas do antropólogo visual Jean Rouch (1974), que questiona acerca de como penetrar na alteridade para falar a partir dela, e como fazer com que o sujeito assuma a voz de sua própria história para deixar de ser um objeto de estudo e se tornar o arquiteto de seu próprio discurso?

Nesta linha, Rivas (2007) reflete sobre o significado de dar voz às pessoas que participam, não apenas de uma perspectiva descritiva de suas vidas e pensamentos, mas também motivando os(as) participantes a se questionarem a partir de seus discursos e serem capazes de contextualizar suas histórias para lhes dar um sentido social, político, moral e econômico. Assim, fornecer aos e às participantes uma ferramenta de expressão criativa, como é a câmera, nos dá a oportunidade de gerar um olhar crítico em relação ao ambiente em que vivem, a fim de fortalecer seu vínculo com ele.

Nesse sentido, Freire (1970) já tratava, em meados da década de 1990, sobre a necessidade de o "oprimido" refletir sobre sua situação e tomar consciência sobre si mesmo e seu entorno como um caminho para sua "libertação". Tudo isso através do diálogo e a colaboração, promovendo, dessa forma, "romper a cultura do silêncio, onde o audiovisual, especialmente se utilizado pelas mesmas pessoas oprimidas, poderia ajudá-las a refletir sobre suas experiências, articulando descontentamento e esclarecendo ideias para a ação" (Singhal et al., 2007, p. 216).

Por fim, destacamos a aplicação da metodologia participativa por meio do audiovisual, tendo em vista a sua capacidade de influenciar na predisposição à participação democrática, pois contribui para sua definição como pessoas críticas, comprometidas e participativas.

 

Metodologia

No campo da pedagogia social, a metodologia participativa usada com mais sucesso e frequência (principalmente no mundo anglo-saxão) tem sido a Photovoice (Wang, 2006). Essa técnica articula-se a partir de um processo duplo: enquadrar visualmente um determinado problema social (através das fotografias tiradas pelos participantes ao longo do seu dia a dia) para, posteriormente, dar lugar a uma reflexão em grupo sobre as imagens que eles representam. Podemos resumi-lo como o processo de visualizar, verbalizar e, finalmente, reagir, com o objetivo de "permitir que as pessoas identifiquem, representem e melhorem sua própria comunidade através de uma técnica fotográfica específica" (Wang, 1999, p. 185).

Sua natureza inclusiva e sua adaptabilidade entre diferentes grupos culturais permitiram realizar experiências para dar voz a certos grupos e promover mudanças no centro de uma comunidade, como a erradicação da violência juvenil (Wang et al., 2004), a integração social de minorias raciais (Pritzker et al., 2012) ou a prevenção do crime (Ohmer; Owens, 2013). As duas experiências que compõem este artigo desenvolvem, a seguir, de maneira detalhada, suas metodologias específicas. Ambas reúnem elementos unívocos que permitem estabelecer uma estrutura metodológica mais ampla e comum:

1. Uma dinâmica de formação, na qual os participantes adquirem competências em alfabetização audiovisual em termos de técnica e gramática audiovisual.

2. Uma análise dinâmica e conceitualização das mensagens a serem narradas a partir de suas próprias experiências, exemplos, referências audiovisuais e comentários das pessoas formadoras e/ou participantes.

3. Uma dinâmica de produção dos materiais.

4. Uma dinâmica de visualização, reflexão, troca e participação das produções realizadas.

Esses quatro movimentos articulam uma metodologia de trabalho que é dividida de uma maneira específica em cada experiência, modulando as contribuições únicas de acordo com cada caso: (1) aos objetivos; (2) ao tipo de participante (idade, gênero, competências etc.); (3) ao tempo de desenvolvimento da atividade; e (4) ao retorno esperado.

 

O projeto HEBE

Para rastrear os significados e derivados do conceito de empoderamento juvenil (Úcar et al., 2016), o projeto HEBE foi estruturado em várias linhas de trabalho: (1) a revisão da literatura científica existente relacionada ao termo empoderamento; (2) questionários direcionados aos jovens para reunir suas opiniões a esse respeito; (3) as histórias de vida de várias pessoas que fizeram surgir elementos significativos sobre o assunto, a fim de derivar uma bateria de indicadores (Llena-Berne et al., 2017); e (4) o desenvolvimento de uma plataforma audiovisual, como um documentário interativo, com o objetivo de ser uma ferramenta para refletir sobre o empoderamento e incitar a ciência cidadã. O resultado se deve a uma estratégia tripla: a ilustração, através do audiovisual, dos processos de empoderamento vital de cada um dos jovens participantes; a criação de um circuito de empoderamento adicional pela conscientização progressiva de como esse treinamento pessoal foi produzido; e a verificação da aprendizagem instrumental no uso de equipamentos técnicos e audiovisuais como mecanismo de expressão e autoafirmação (Jiménez-Morales; Salvadó; Sourdis, 2016).

Os perfis dos seis jovens escolhidos atendiam aos critérios: (1) de diversidade geográfica em todo o território catalão, abrangendo áreas rurais e urbanas; (2) de gênero, sendo 3 meninos e 3 meninas; (3) de pluralidade em sua identidade sexual; 4) de variedade em sua condição ativa na sociedade, estudantes, trabalhadores, desempregados etc.; (5) de diferença de idade, entre 18 e 27 anos; (6) de diferença de classe social; e (7) de amplitude em ideologia e crenças.

Com o objetivo de promover esse intercâmbio para a criação audiovisual, o documentário foi desenvolvido por meio de uma oficina de pedagogia audiovisual que pretendia trabalhar dois grupos de metacompetências:

1. Metacompetências de pensamento crítico e autorreflexão, das quais emanam competências de conhecimento próprio e de grupo, e a conceitualização desses processos.

2. Macrocompetências de criação e expressão, das quais derivam competências de análise de histórias cinematográficas e competências técnicas para a criação de histórias audiovisuais.

Ao longo da oficina (Jiménez-Morales; Salvadó, 2018), foram desenvolvidas várias sessões que avançaram em diferentes fases: (1) a conceituação abstrata do termo empoderamento, (2) a apropriação do conceito e a aplicação à experiência pessoal, (3) a sensibilização expressiva através de referentes audiovisuais que refletem processos de autonarração do crescimento pessoal; e (4) o desempenho técnico da história textual e cinematográfica, a fim de transmitir o resultado da vivência pessoal de empoderamento.

Dessa forma, as competências do pensamento crítico e da autorreflexão foram trabalhadas para derivar indicadores próprios e de grupo de empoderamento, que serviram aos jovens para poderem narrar-se. O fato de pensar em si, em sua dimensão mais íntima, e detectar quais elementos haviam sido empoderadores, foi considerado pelos jovens como um fato empoderador em si. Da mesma forma, contrastar com o resto foi decisivo.

Mas foram as atividades derivadas do trabalho de criação e expressão que catalisaram não apenas a aprendizagem sem precedentes até agora, mas a conscientização e a expressão de um discurso que permitiram tornar tangíveis as considerações prévias sobre o conceito em abstrato e aplicado à sua experiência.

O exercício consistiu em relatar de forma audiovisual as três grandes dimensões que a pesquisa detectou (Planas et al., 2016): os espaços, os momentos e os processos que contribuem para a formação dos jovens (Soler et al., 2017).

Essas histórias continham uma dinâmica empoderadora em diversos movimentos:

1. A ideação das peças audiovisuais, que devem combinar o itinerário crítico com a inserção de uma reflexão sobre empoderamento e seu próprio processo de formação (Salvadó; Jiménez-Morales; Sourdis, 2017).

2. A pré-produção audiovisual das peças, que foi o primeiro contato com a estruturação criativa da história, mas também a assimilação das contribuições críticas.

3. A produção dos vídeos, a qual abriu possibilidades expressivas inesperadas, aprimorando as habilidades comunicativas dos jovens diante das limitações técnicas e de infraestrutura.

4. A projeção pública dos audiovisuais, a partir da qual os jovens se submeteram ao escrutínio e às críticas de seus próprios companheiros e aprenderam a se observar de fora para estabelecer um diálogo entre o testemunho cinematográfico e seu posicionamento atual, evoluído e amadurecido.

Essa evolução foi coletada em grupos focais integrados no documentário. Neles se revisa toda a jornada dos jovens, correlacionando seu discurso com os elementos da pesquisa. O resultado permite uma navegação multifocal, o que favorece o aprofundamento dos materiais de acordo com as preferências de quem interage na plataforma. Da mesma forma, o documentário é uma ferramenta que permite fazer contribuições de dupla natureza: por um lado, relacionadas ao conceito de empoderamento; por outro, ligadas à história pessoal que introduz uma nova perspectiva e dialoga com os materiais fornecidos.

A segunda etapa mantém a coerência com a proposta do seu documentário interativo. Trata-se de uma plataforma participativa na qual 10 educadores abordam os processos limitadores e potencializadores do empoderamento por meio de uma variedade de materiais. Eles pertencem a cadernos de campo digitais que incluem textos, fotos, peças audiovisuais, sons e desenhos. O processo se completa com um material cinematográfico, desenvolvido através da metodologia pedagógica da HEBE e com grupos focais. Do conjunto, pretende-se extrair os elementos que os educadores trabalham com os jovens, a partir do contraste com a bateria de indicadores da primeira fase.

Durante a redação deste artigo, se está abordando o gerenciamento dos materiais criados e sua classificação de acordo com os indicadores e suas dimensões.

 

O projeto ActiFem

Um dos objetivos desse projeto era o de as jovens passarem por um processo de autorreflexão e pensamento crítico que as empoderasse através do audiovisual. Para isso, 4 meninas entre 21 e 24 anos foram selecionadas, 3 eram de Barcelona, Espanha, e uma de Lleida, Espanha, a 200 km de Barcelona, e todas participaram de 2 grupos culturais de jovens diferentes.

Amira, que é de uma família marroquina, nasceu na Catalunha, trabalha como monitora para crianças pequenas e, no momento do estudo, se torna independente da casa da família. Leyla, por sua vez, nasceu no Uruguai e chegou a Barcelona aos 4 anos de idade. Desde então, não mora com o pai e atualmente vive com sua família, que é bastante matriarcal. Por outro lado, Laura mora em um bairro de classe média em Barcelona e estuda arquitetura. Finalmente, Audrey tornou-se independente de sua família em Tarragona, Espanha, para estudar em Lleida e abandonou os estudos universitários para fazer treinamento profissional.

As 4 selecionadas fizeram uma peça audiovisual de 3 a 5 minutos, em que as autoras retratavam seu cotidiano, especialmente ligado à sua experiência como jovem. A metodologia audiovisual participativa buscou coletar alguns aspectos das histórias de vida das mulheres jovens e detectar como as dialéticas entre seus discursos micro, meso e macro sobre feminismo são transformados em manifestações de empoderamento feminista, além de analisar o que é a autopercepção feminina e o que são os principais aspectos que contribuíram para essa percepção. Por exemplo, podemos ver como Leyla, através de suas fotos e vídeos de família, celebra cada uma das mulheres de sua família. Laura, com sua coleção de jornais, desenhos e vídeos, mostra um esboço de si mesma, criando relações entre teatro, política, suas reflexões e os desejos do passado. A peça de Amira, representando as longas viagens diárias que faz para chegar a seus três empregos, mostra sua vocação para curar e ensinar meninos e meninas. Finalmente, Audrey reflete a admiração que sente por Nuria, sua amiga e colega de quarto. Audrey reflete sobre o que é essencial em sua vida.

Nesse sentido, a obtenção da cápsula audiovisual foi possível porque as jovens passaram por um processo de treinamento prévio. Foram realizadas oficinas teórico-práticas nas quais foram abordados aspectos essenciais da linguagem audiovisual.

As oficinas foram divididas em quatro sessões de quatro horas cada. Além disso, as jovens tiveram consultorias individuais durante todo o processo.

• Oficina 1: Imagens diárias
Nessa sessão, as participantes aprenderam como combinar as potencialidades da imagem estática com o movimento interno da foto, descobrindo como o ambiente é transformado, escolhendo um determinado quadro e a duração da foto.

• Oficina 2: Som e voz
Nessa sessão, foram estudados os potenciais expressivos do som e da voz como o fio condutor das imagens. As participantes escolheram alguns dos planos trabalhados anteriormente para fazer uma sequência organizada pela voz e pelo som.

• Oficina 3: Montagem
Nessa sessão, trabalhamos em relacionar imagens diferentes com sons. A montagem surgiu das afinidades formais entre as imagens que foram filmadas e escolhidas e as emoções ou pensamentos dos participantes.

• Oficina 4: Visualização das peças finais
Sessão em que as peças finalizadas foram visualizadas, refletindo-se a partir delas e discutindo-se todo o processo como uma experiência pessoal e em grupo, além de debater alguns tópicos apresentados pelos próprios participantes, por exemplo: "O cuidado está sempre relacionado às mulheres porque as mulheres têm esse poder, têm essa energia, têm isso... não apenas isso, mas o que eu sei... existem empregos... o trabalho que me foi dado por ser uma garota, também" (Amira).

Protagonismo especial na discussão tiveram as idéias que Audrey expressa em sua narração em voz em off do vídeo:

Sinto-me frustrada, fechada em um lugar do qual não posso sair. Eu ouço tantas vozes ao mesmo tempo em que ouço silêncio. Não ouço o que quero, não consigo ouvir o que gostaria e há algo que ainda não descobri que me impede. Fecho os olhos e tento me concentrar, ouço um sussurro e não consigo entender nada (Audrey).

Tudo o que foi expresso e vivido pelas participantes no processo de criação e as histórias capturadas nas cápsulas nos permitiram refletir sobre os seguintes pontos:

• A heterogeneidade dos mundos interiores. O fato de não começar a partir de um roteiro pré-estabelecido, mas iniciar o exercício vagando, filmar tudo o que chama a atenção, os lugares que frequentamos... permite que as participantes façam um mapeamento de sua própria complexidade, da multiplicidade de traços de identidade que são fundamentais para elas. Também as obriga a fazer um exercício de síntese e pensar nos elos que unem as diferentes partes de suas vidas diárias. Nas palavras de Audrey, ao comentar seu próprio processo criativo:

O fato de especificar uma única coisa, um único fato, uma única pessoa, me concentrei apenas em Nuria e, claro, minha vida diária vai muito além de Nuria, mas o fato de escolher foi um ponto muito importante, tem sido difícil... e na hora não, só utilizo o de Nuria, mas gravei muitas coisas em vídeo e muitas coisas em minha mente que também levo comigo e estou feliz (Audrey).

• O privado é político. A reflexão sobre a vida cotidiana levou algumas participantes a questionar aspectos da política e do feminismo como ideologia. Por exemplo, no caso de Amira, ela declarou várias vezes na frente de seus colegas que seu novo apartamento e seu trajeto diário para o trabalho expressavam sua própria idéia de feminismo, na medida em que eram uma amostra de que alcançou sua independência da maneira que desejava.

• A construção da expressividade. A importância de formas de expressão como dança, voz ou corpo é mostrada em todos os vídeos. Para todos os participantes, esses momentos de libertação da ordem estabelecida são essenciais: "Eu danço, danço muito", Amira diz sobre seu trabalho; Laura inclui os trechos de seus ensaios de teatro, Leyla inclui um plano ensaiando uma coreografia, de seus primos dançando na frente da família; Audrey filma Nuria dançando no carro e cantando na sala de jantar de seu apartamento.

• As redes de afeto e companhia. Os vídeos feitos também são um retrato dos companheiros dos participantes, principalmente familiares e amigos. A imagem que eles constroem de si mesmos é mediada por quem os acompanha, pela maneira como as outras pessoas os percebem.

 

Conclusões

A metodologia participativa, trabalhada em ambos os projetos, é um exemplo de como o audiovisual e a tecnologia digital são apresentados como ferramentas empoderadoras da personalidade do indivíduo, pois permitem a autorreflexão, o pensamento crítico e a expressão de seu próprio crescimento pessoal. O uso dessas ferramentas também confere um grau adicional de empoderamento aos indivíduos, pois fornece a eles um treinamento técnico, criativo e artístico através do qual eles recebem novos recursos. Por outro lado, a tomada de consciência que significa o processo de relato pessoal e autoexpressão através do audiovisual e da tecnologia digital é um elemento adicional no empoderamento das pessoas que participaram dessas experiências.

Nesse sentido, o fato de registrar a própria vida cotidiana, sem partir de um roteiro pré-estabelecido, permite que os participantes tomem consciência de sua própria complexidade, da multiplicidade de traços de identidade e os obrigue a fazer um exercício de síntese e pensar sobre os diferentes vínculos que unem as distintas partes de suas vidas diárias. Nesse exercício, a memória histórica de suas próprias vidas - incorporada na forma de fotos, vídeos, memórias etc. - torna-se fundamental para definir o que são hoje.

Por outro lado, destacam os espaços, os caminhos e deslocamentos e as formas de expressão artística como protagonistas na forma de momentos de reflexão, empoderamento e de escuta de suas vozes interiores. Como consequência dessas interseções, em alguns casos, as reflexões sobre a vida cotidiana permitiram questionar a incidência das decisões políticas em suas vidas e a necessidade de envolvimento e mudança.

Por último, do ponto de vista da transferência de conhecimento e impacto social, essas ditas ferramentas facilitam uma comunicação mais tangível de processos complexos e abstratos, os quais ajudam na disseminação da própria experiência pessoal e na conceituação de determinados processos vinculados ao empoderamento, o que contribui para uma dinâmica de geração da ciência cidadã.

 

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DATA DE RECEBIMENTO: 15/02/2020
DATA DE APROVAÇÃO: 28/06/2020

 

 

1 Tradução por Lara Pires Weissbock

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