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Desidades

 ISSN 2318-9282

     

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

Pesquisa de tipo etnográfico com jovens: uma observação participante com pessoas adultas e jovens sobre o movimento estudantil

 

Ethnographic style research with young people: a participant observation with adults and young people about the student movement

 

 

Luís Antonio GroppoI; Mariana Ramos PereiraII

IProfessor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFALMG), Brasil. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil. E-mail: luis.groppo@unifal-mg.edu.br
IIMestranda em Educação pela UNIFAL-MG, Brasil. Bacharel em Ciências Sociais pela mesma universidade. E-mail: mariramospereiramrp@gmail.com

 

 


RESUMO

A partir de pesquisa com coletivos estudantis de uma universidade do interior de Minas Gerais, Brasil, é relatado sobre o uso da observação participante como instrumento de investigação. O artigo faz uma reflexão sobre esse instrumento, que caracterizou a pesquisa como de tipo etnográfico, destacando a capacidade de a observação participante criar uma relevante relação dialógica entre os sujeitos da pesquisa. Relata-se a observação de eventos da UNE (União Nacional dos Estudantes), em 2016 e 2017. No ENUNE, se estabeleceu uma importante relação dialógica entre o adulto pesquisador e jovens pesquisadas e pesquisados. No CONUNE, para além de uma pesquisa com jovens, a observação participante combinou os olhares do adulto pesquisador e da jovem pesquisadora, o que também permitiu o cotejo de diferentes formas de interação com os sujeitos pesquisados em campo. Conclui-se com a defesa da importância de que as equipes de pesquisa tenham espaço para ativa participação de jovens, não apenas como "tarefeiras" e "tarefeiros", mas também na tomada de decisões sobre a metodologia, na investigação empírica e nas análises, potencializando a qualidade da pesquisa e o impacto de seus resultados.

Palavras-chave: pesquisa de tipo etnográfico, observação participante, movimento estudantil, coletivos juvenis.


ABSTRACT

Based on research with student groups from a university in the interior of Minas Gerais, Brasil, it is reported on the use of participant observation as an investigation tool. The article reflects on this instrument, which characterized the research as ethnographic style, highlighting the capacity for participant observation to create a relevant dialogical relationship between the research subjects. The observation of events of the UNE (National Student Union), in 2016 and 2017, are reported. In ENUNE, an important dialogic relationship was established between the adult researcher and young people researched. In CONUNE, in addition to research with young people, participant observation combined the views of the adult researcher and the young researcher, which also allowed the comparison of different forms of interaction with the subjects researched in the field. The article is concluded with the defense of the importance that research teams have space for the active participation of young people, not only as "task makers", but also in making decisions about methodology, in empirical research and analysis, enhancing the quality of the research and the impact of its results.

Keywords: ethnographic style research, participant observation, student movement, youth groups.


 

 

Introdução

A pesquisa A dimensão educativa das organizações juvenis: estudo dos processos educativos não formais e da formação política no interior de organizações juvenis de uma universidade pública do interior de Minas Gerais1, realizada pelo Grupo de Estudos sobre a Juventude da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG)2, Brasil, base para as considerações deste artigo, teve como objetivo conhecer as práticas de formação política vividas pelos coletivos juvenis em uma universidade mineira. Tratou de seis coletivos formados por estudantes da universidade: três de caráter político; um cursinho popular; um coletivo cultural e um grupo evangélico. Entre as técnicas de pesquisa, destacaram-se a coleta de dados, a observação participante e as entrevistas semiestruturadas.

Em outros trabalhos (Groppo et al., 2019; 2017), discutimos os resultados da pesquisa de campo, com diversas observações sobre a metodologia de pesquisa. Este artigo tem o objetivo de debater especificamente sobre o uso da observação participante, a qual caracterizou esta pesquisa como de tipo etnográfico. Em especial, o artigo busca compreender a importância das relações entre pessoas adultas e jovens em uma pesquisa desse tipo, combinando olhares, perspectivas e presenças em uma observação participante.

Para tanto, destaca a experiência de campo em dois eventos da União Nacional dos Estudantes (UNE), refletindo sobre a importância da observação participante nesses casos, sendo fundamental para criar confiança e cumplicidade com os sujeitos pesquisados de modo a conhecer o contexto mais geral do movimento estudantil -ou seja, o seu macro-espaço público -, e enriquecer o diálogo durante as entrevistas semiestruturadas. Ainda, o artigo reflete sobre a contribuição ímpar que jovens podem dar à própria equipe de pesquisa, como pesquisadoras e pesquisadores.

 

Pesquisa de tipo etnográfico e observação participante

A tática da observação participante, acolhida por nossa pesquisa, teve como objetivo o acesso à dimensão coletiva vivida por estudantes que investigávamos. A intenção era fazer uso de algumas das importantes qualidades da etnografia, esse conjunto de práticas investigativas que visa conhecer em profundidade o modo de viver e de pensar de grupos sociais, tão bem desenvolvidas pela Antropologia. Entre essas qualidades, o possível acesso aos valores culturais da maneira como são vividos na prática, aplicados a exemplos concretos, em momentos ordinários ou mesmo dramáticos da vida dos sujeitos pesquisados (Fonseca, 1999; Brandão, 2007).

Nossa pesquisa, entretanto, tinha como principal objetivo conhecer os processos educativos de caráter informal e não formal vividos pelos coletivos juvenis da universidade mineira. Dado o foco, típico das pesquisas educacionais, em que o interesse não é a descrição completa ou exaustiva da totalidade da vida de um grupo social, certos requisitos tidos como clássicos da etnografia não precisaram ser cumpridos, em especial, a longa permanência. É por isso que, na educação, o que temos, normalmente, são pesquisas de tipo etnográfico, segundo Marli André (1995), que fazem uso de algumas das táticas costumeiras da etnografia.

Mas também há requisitos que não poderiam ser cumpridos, ao menos nesse caso, já que o que era investigado era relativamente familiar. Diversas atividades desses coletivos eram cotidianamente testemunhadas pelo Grupo de Estudos sobre a Juventude. Assim, boa parte dos sujeitos observados em ação, bem como diversas práticas e discursos dos coletivos estudantis, não eram exatamente estranhos, o que reforça nossa pesquisa como sendo de tipo etnográfico.

O estranhamento, entretanto, seria conquistado justamente quando a autora e o autor observaram grandes eventos nacionais dos quais os sujeitos pesquisados participaram, como os eventos da UNE. Tratava-se de acontecimentos não familiares, tanto para quem fazia a observação, quanto para boa parte das e dos estudantes dos coletivos que, em sua maioria, nunca tinha participado desse tipo de evento. Desse modo, a imersão nos eventos nacionais do movimento estudantil permitiu certo estranhamento em relação à situação pesquisada, o que foi bastante profícuo, em especial, para a construção de problemas a investigar (Fonseca, 1999).3

 

5° ENUNE, 2016

Este item relata sobre a atividade investigativa de tipo etnográfica durante o 5° Encontro de Negras, Negros e Cotistas da UNE (ENUNE), em Salvador, Bahia, entre 3 e 9 de agosto de 2016.

Contribuiu para esse relato o texto que membros do Grupo de Estudos sobre a Juventude da UNIFAL-MG haviam indicado para ser debatido, meses antes, de autoria do antropólogo urbano José G. C. Magnani (2009), a respeito da "festa dos surdos". Magnani diz que são especificidades da etnografia: a prática, a experiência e certa noção de totalidade. A prática se refere aos passos mais ou menos planejados e sistemáticos da etnografia, como o contato, a inserção, o registro e a redação dos diários e relatórios. Sem a prática, não viria o que é talvez mais importante, a saber, a experiência, que são momentos imprevistos e descontínuos, mas reveladores. A totalidade se refere ao conjunto maior de processos, práticas, organizações e sujeitos que conformam o contexto onde se move o grupo ou grupos específicos que são investigados -no caso desta pesquisa, essa totalidade é o chamado movimento estudantil. Na viagem ao ENUNE, principalmente as categorias da prática e da experiência foram vivenciadas pelo autor, enquanto o CONUNE mobilizaria principalmente a noção de totalidade.

Sobre a prática etnográfica, como já anunciado, não houve exatamente uma imersão no cotidiano estudantil, já que estava sendo vivida uma experiência não cotidiana, descontínua. Quase todas e todos iam a um encontro da UNE pela primeira vez, enquanto parte relevante sequer tinha militância prévia. Eram 15 estudantes: 11 mulheres e 4 homens; 6 militantes e 9 não militantes que receberam o convite de militantes; uma pequena maioria se declarou heterossexual e todas e todos se declararam como pertencentes à raça negra - o que era um requisito para participar como estudante no ENUNE. A viagem entre o Sul de Minas Gerais e Salvador, separados por 1.700 km, se deu em meio a belas paisagens do Norte de Minas e do Agreste Baiano, muitas delas completamente estranhas para nós. Foram dois dias para ir, dois para voltar.

O começo da viagem foi bastante monótono e relativamente silencioso. O autor forçou um pouco as conversas e a intimidade, um pouco abusando da sua condição de professor responsável pela viagem, dados os seus interesses como pesquisador, mas também como pessoa desejosa de relações humanas. Logo, porém, percebeu que o melhor era esperar, que as e os estudantes iam saber os motivos de o autor estar ali, e provavelmente iriam tomar a iniciativa de procurá-lo para conversar. Isto realmente se deu, além de que o autor teve várias oportunidades de participar ou de ouvir conversas incidentais muito relevantes. Em boa parte do tempo, estivemos dentro do ônibus a caminho de outro estado, ou então (mal) acampados ao relento em quadras descobertas na Universidade Federal da Bahia, ou ainda nos divertindo em praias soteropolitanas: comemoramos o aniversário de um dos motoristas, no trajeto de ida, em Francisco Sá, Minas Gerais; o autor emprestou dinheiro em espécie para alguns dos viajantes (que pagaram depois), em especial durante a viagem no Agreste Baiano, onde os cartões de débito não funcionavam; o autor foi confidente de relatos das aventuras amorosas de um estudante durante as festas (as Culturais); o autor comeu e bebeu com discentes na praia ou nos restaurantes durante o trajeto, assim como se emocionou, testemunhando o momento em que as gêmeas tomaram o primeiro banho de mar de suas vidas; sofreu a justa ira da estudante feminista por causa de um infeliz comentário machista, mas, além de pedir desculpas, usou de seus conhecimentos da história do movimento estudantil para criar uma boa relação com ela depois; assistiu a decepção de estudantes não militantes quando o grupo mineiro, unido de início, separou-se em dois, cada qual seguindo o coletivo político correspondente; ouviu as queixas das militantes de que homens brancos haviam coordenado mesas de debate e que havia grande número de estudantes que não eram da raça negra no evento (que fizeram uma falsa autodeclaração para poder fazer "turismo"); o autor socorreu estudantes que haviam exagerado na bebida e ajudou a negociar os preços em hotéis e pousadas nos trajetos de ida e volta, ainda que a maior parte dos que viajavam preferisse dormir no próprio ônibus; o autor testemunhou tensões entre militantes de diferentes coletivos dentro do ônibus, assim como uma discussão entre duas militantes do mesmo coletivo; perto do final da viagem, o autor deve ter decepcionado suas e seus informantes, que, felizmente, relevaram a sua atitude, quando ele se desesperou depois de três horas de audição de música sertaneja universitária e pediu para mudarem de estilo.

Assim, boa parte dos dias e noites foi oportunidade de conversas e de entrevistas pouco formalizadas, algumas bastante reveladoras. O contato contínuo foi aos poucos trazendo maiores e melhores conhecimentos sobre estudantes que militam ou vivem a atração pela militância, suas características, interesses, pertencimento social, relações de gênero e afetivas. Mas também trouxe vários dados sobre as relações entre militantes e estudantes que a militância deseja atrair para a organização.4 Nesse tempo, em meados de 2016, estudantes que não militavam ainda recebiam a denominação de não organizadas. Só com a ocupação da universidade, em outubro de 2016, passariam a ter o nome de independentes.

Sobre a experiência etnográfica, Magnani (2009) diz que há basicamente dois tipos dela: a "primeira impressão", ou seja, o contato com um tema desconhecido, e a experiência reveladora. A primeira impressão e o estranhamento que ela traz se deram com Magnani, por exemplo, quando conheceu uma surdo-cega e seu modo de comunicação, ou quando se deparou com o "mar de mãos" (falando em Libras5) em uma festa de pessoas surdas. Já a experiência reveladora se deu quando o antropólogo sentiu-se isolado na festa de pessoas surdas, quando experimentou algo que antes apenas conhecia racionalmente: o isolamento de pessoas surdas na sociedade de "falantes".

Também o autor deste texto viveu, durante a viagem a Salvador, esses dois tipos de experiência etnográfica, momentos que significaram - nas palavras de Lévi-Stráuss (apud Magnani, 2009) - oportunidades educativas que alinharam os conhecimentos teóricos e a prática etnográfica em um todo orgânico. Momentos que partiram do estranhamento em relação ao que era pesquisado, estranhamento oriundo da cultura do pesquisador e dos seus esquemas conceituais, os quais permitiram novas formas de conhecimento. Basicamente, o autor conhecia muito dos Congressos da UNE por material bibliográfico6. Parte relevante do que sabia ou pensava saber racionalmente se comprovou e se materializou nas experiências de campo no ENUNE. Mas a materialização, como experiência sensorial, dota o conhecimento de ainda mais potência, de mais significado. Uma coisa era ter lido a respeito das tensões e conflitos de bastidores entre as organizações estudantis que comandam e disputam a UNE. Outra era viver essas tensões na qualidade de sujeito que deseja assistir às plenárias e debates das teses, enquanto essas atividades iam tendo seu horário alterado ou eram esvaziadas pela direção. Outra ainda era sentir a decepção de ver um belo discurso parcamente aplaudido só porque a estudante pertencia a um coletivo minoritário ou de oposição à direção da UNE. Mas foi só com a imersão no campo que o autor descobriu o quanto eram esvaziadas ou acompanhadas com pouco interesse a maior parte das atividades de cunho político, enquanto as "Culturais" eram tratadas como prioridade pela organização e por estudantes.

Uma coisa era ter lido a respeito das condições precárias de alojamentos nos eventos estudantis. Outra era passar uma noite chuvosa em uma barraca ao relento, na quadra descoberta oferecida como "alojamento" a estudantes negras, negros e cotistas - ao menos, o autor não teve o azar de ter seu colchonete encharcado. Ainda, foi revoltante descobrir que parte importante da liderança estudantil durante o ENUNE estava bem acomodada, fora deste alojamento. O autor, adulto de classe média e branco, não suportou tais condições e, ainda que indignado, buscou uma pousada para pernoitar nas noites seguintes.

O autor viveu a alteridade e o estranhamento de muitas formas, não apenas porque era professor e adulto, mas também porque era branco e heterossexual. Quando o evento foi se enchendo e o ambiente ficou repleto de jovens negras e negros, o autor, aparentemente uma das pouquíssimas pessoas brancas presentes, ouvindo algumas falas contundentes contra os "brancos opressores", sentiu medo. Um medo de origem muito profunda, tanto na sua psique quanto na história do seu país, apesar de não ter sofrido nenhum tipo de hostilidade, nem mesmo ter sido alvo de um olhar diferente ou reprovador. Esse medo tem origem no arraigado temor das elites brancas do Brasil em relação à população escravizada, como o medo do haitianismo, ou seja, de uma revolução das pessoas escravizadas similar à que se deu no Haiti no final do século XVIII (Azevedo, 1987). Esse temor legitimou a criação de um enorme aparato civil-militar em nosso país para vigiar e reprimir as pessoas em condição de escravidão, uma das marcas da sociedade brasileira do século XIX e que ainda reverbera fortemente nos dias atuais, como no tratamento discriminatório da polícia ou na maior severidade dos tribunais para com pessoas negras.

Esse medo foi também uma forma de estranhamento que revelou ao próprio autor a condição da branquidade em que vivia, composta de uma série de privilégios e um imaginário repleto de medos enrustidos e preconceituosos (Sovik, 2009). Esse estranhamento surgiu apenas quando o autor se viu envolto por uma multidão de jovens negras e negros, mas não, sintomaticamente, quando esteve na condição familiar de professor diante de um pequeno grupo de estudantes de raça negra, grupo que, aliás, tendia a expressar sua gratidão ao professor por sua presença ter tornado possível a viagem à Bahia.

A condição do autor como branco traria a ele mais um sentimento: a tristeza de se sentir invadindo um espaço que não era seu. Apenas no retorno de Salvador, quando esperava o menino que passou mal ser atendido em uma Unidade Básica de Saúde, uma das militantes lhe explicou o significado do ENUNE ser auto-organizado: era um evento apenas para pessoas negras e cotistas. Quando o autor tinha sido convidado para acompanhar essa viagem, a informação fora diferente: pessoas brancas poderiam ser ouvintes. Ainda assim, o autor sentiu vergonha, mesmo sabendo que, graças à sua presença e à justificativa que encaminhou à reitoria - dizendo que a viagem era importante para os coletivos estudantis, mas também para a pesquisa e as atividades de extensão que o autor coordenava -, fora possível a viagem ao ENUNE.

Além disso, o autor descobriu que o movimento estudantil se tornara um espaço importante de acolhimento da diversidade sexual de jovens no Brasil. No ENUNE, já no final da tarde, anunciando as Culturais, expressões dessa diversidade começaram a marcar o ambiente: alguns grupos formados por homens gays, outros por travestis, aqui um transgênero com uma bela pintura corporal, ali um militante de vestido e saltos altos. O que já se observava no cotidiano da universidade, ou seja, os coletivos estudantis como possibilidade de uma livre expressão da sexualidade, especialmente para Lésbicas, Gays, Travestis, Transgêneros e Transexuais (LGBTTs), se firmava nos grandes eventos do movimento estudantil.

O ENUNE foi muito importante para a entrada do autor, com seu corpo e sentidos - não apenas via bibliografia - no movimento estudantil, esse complexo contexto que conforma a totalidade em que atuam os coletivos estudantis de cunho político da universidade mineira. O CONUNE de 2017 aprofundaria ainda mais esse conhecimento.

 

55° CONUNE, 2017

A construção dessa noção de totalidade foi mais um dos frutos de uma pesquisa que foi adquirindo cada vez mais a forma de uma empreitada colaborativa de investigação, reunindo pessoas adultas e jovens, integrantes do Grupo de Estudos sobre a Juventude da UNIFAL-MG. Uma colaboração que se deu não apenas nas tarefas mais corriqueiras - a prática -, mas também no compartilhar das experiências durante as observações e entrevistas.

Essa colaboração se fez presente também na construção de categorias de análise, como a noção de micro-espaço público estudantil. Essa noção nasceu da sugestão de uma estudante de Iniciação Científica, a partir das ideias de Regina Novaes (2012) sobre a complexificação do espaço público. Ela ajudou a entender a dinâmica dos coletivos políticos na universidade pesquisada, mas também nos levou a entender a relação desse micro-espaço com um macro-espaço estudantil mais amplo: o nosso movimento estudantil, que se materializava em momentos como esses, os grandes eventos da UNE, em especial no Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE) (Groppo et al., 2019).

Neste artigo, o objetivo principal tem sido compreender a importância das relações entre pessoas adultas e jovens em uma pesquisa de tipo etnográfico. Na pesquisa A dimensão educativa das organizações juvenis, aqui relatada, estudantes de Iniciação Científica e de Mestrado em Educação fizeram observações participantes do cotidiano dos coletivos estudantis naquele micro-espaço público da universidade. Trouxeram seus dados, relatos e diversas experiências reveladoras, a partir de seus pontos de vista específicos, influenciados por sua condição juvenil. Essas experiências foram cotejadas com as do próprio coordenador da pesquisa, professor adulto, trazendo análises potencialmente ainda mais ricas que as do olhar inquiridor solitário relatado acima, sobre o ENUNE.

A consciência sobre a importância das relações intergeracionais foi outro achado da própria pesquisa, quando, durante a reflexão e análise sobre o movimento de ocupação da universidade mineira investigada, nos deparamos com a potência dessas relações. Potência que era política e pedagógica, quando estudantes das escolas de ensino médio públicas deram início às ocupações no Sul de Minas, em outubro de 2016, e instaram estudantes da universidade à solidariedade e à ação. A seguir, docentes e corpo técnico da universidade somaram-se à luta do corpo discente, que ocupara a instituição. Refletimos sobre os processos de autogestão e autoaprendizado durante as ocupações de escolas e da universidade. Mas também, sobre os processos de cogestão da ação coletiva e coaprendizado entre diferentes gerações, tanto nas manifestações de rua, quanto nos "aulões", em que docentes e militantes experientes compartilhavam seus saberes com discentes (Groppo et al., 2017).

Desse modo, a assunção do caráter colaborativo entre pessoas adultas e jovens desta pesquisa foi a posteriori, um aprendizado do seu coordenador e do Grupo de Estudos sobre a Juventude diante do que os próprios sujeitos da pesquisa já faziam em seu cotidiano. A investigação pelo olhar juvenil trouxe olhares, impressões e experiências distintas daquelas do pesquisador mais velho, além do que, o corpo jovem teve acesso a outros lugares e relações humanas, tanto por sua maior tenacidade quanto por maior empatia com sujeitos igualmente jovens como ele. Essa foi a principal contribuição da combinação de olhares de gerações distintas em uma investigação de tipo etnográfico.

Desse modo, no 55º CONUNE, em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 2017, a pesquisa experimentou concomitantemente duas formas de inserção e interação: a do adulto pesquisador e a da jovem pesquisadora (estudante de Ciências Sociais em Iniciação Científica). Essa observação se deu entre 14 e 18 de junho, acompanhando o grupo de 20 estudantes pertencentes aos três coletivos políticos investigados, que saiu de ônibus da universidade pesquisada para a capital mineira. Apenas duas pessoas que estiveram no ENUNE em 2016 estavam agora também no CONUNE, já indicando a volatilidade desses coletivos.

O adulto e a jovem procuraram ocupar lugares diferentes no ônibus e participar de atividades distintas no CONUNE. Apenas a jovem teve energia suficiente para acompanhar um dos Atos políticos, pernoitar em um dos acampamentos, enfrentar as filas do almoço e se apertar nos ônibus de translado à Plenária no Ginásio Mineirinho. Ainda assim, ela acabou sentindo grande cansaço pela dinâmica alucinante do evento e registrou: "Esse tipo de evento é de matar". Também, seu ativismo prévio em um cursinho popular próximo a um dos coletivos políticos, que criou amizades e inimizades, facilitou seu acesso a dois dos coletivos, mas dificultou o acesso a um deles.

Se o corpo do pesquisador adulto limitou sua capacidade de circulação e inserção, entretanto, sua bem-sucedida disposição em dialogar com todos os campos do movimento estudantil facilitaram o acesso dele a todos os coletivos. Ao longo do CONUNE, pesquisador e pesquisadora se encontram algumas vezes para compartilhar registros e impressões e fizeram grande uso de mensagens via WhatsApp.

Do ponto de vista metodológico, os registros do adulto pesquisador sobre o CONUNE pouco acrescentam ao que foi dito, acima, sobre o ENUNE. Por isso, se destacam a partir daqui os registros da jovem pesquisadora. Ela conseguira envolvimento muito bom com dois dos coletivos, chegando a fazer parte dos seus grupos de WhatsApp. Um deles, que fazia parte do campo de oposição à "Majoritária"7 da UNE, chegou a convidá-la para ficar no alojamento do coletivo. Esses dois coletivos também foram bastante acolhedores ao adulto pesquisador durante o CONUNE. Militantes do terceiro coletivo, com quem o adulto tinha relações cordiais, ficaram preocupadas com o risco de subexposição de sua organização nesta pesquisa. Elas agendaram com o adulto uma reunião, uma semana depois do CONUNE, para relatarem o ponto de vista delas sobre o Congresso da UNE.

A jovem pesquisadora conseguiu registros muito ricos sobre as dificuldades de estudantes pobres conseguirem recursos para pagar a inscrição e as despesas para o evento8, bem como sobre as tensões entre base e liderança e, ainda, reclamações sobre comportamentos machistas e abusivos de homens militantes. Ela teve a sorte (ou azar) de assistir a uma mesa em que a tensão entre os coletivos estudantis virou pancadaria entre grupos rivais. Revelou mais sensibilidade para com as músicas e palavras de ordem, que parecem tê-la afetado mais do que ao pesquisador adulto, a ponto de relatar: "algumas músicas parece que entram na minha cabeça". Ela, que era também coordenadora de um cursinho popular, em um dado momento, deixou de lado o papel de pesquisadora e atuou como ativista durante o Ato promovido pela Oposição da UNE.

Como jovem e ativista, sentiu ainda mais frustração diante do que se revelava, nas Plenárias do CONUNE, como a precedência da estratégia política sobre os ideais e a discussão franca de ideias. Ela registrou isso em sua decepção com a monotonia da leitura e debate das teses, em que ninguém prestava atenção: a única preocupação dos coletivos era saber que grupos iriam se aliar com quem, anunciando a composição das chapas para a Plenária final. Também registrou a decepção com o fato de um grande coletivo, que fez sua campanha com o lema de "tomar a UNE", ter composto uma grande chapa com a "Majoritária". Desse modo, a jovem pesquisadora solidarizava-se com suas colegas que faziam parte da base desse coletivo, as quais estavam muito frustradas.

Enfim, por ser mulher, era maior o seu medo de transitar em espaços e horários considerados como mais perigosos. Este temor fez a jovem pesquisadora ficar mais atenta a elementos que passaram relativamente despercebidos ao adulto, como a função das bandeiras em indicar onde estava dado coletivo no espaço do Congresso -servindo não apenas como propaganda e agito, mas também como sinalização.

 

Considerações finais

Há, em potencial, muitos ganhos em investigações sobre a juventude que tragam jovens como parte ativa da equipe de pesquisa, considerando que essa atuação deve estar para além de "tarefas" mais ou menos corriqueiras, ainda que necessárias - parte do que Magnani (2009) trata como a prática da etnografia. Na pesquisa aqui relatada, as e os jovens integrantes do Grupo de Estudos sobre a Juventude foram muito importantes na tomada de decisões sobre a metodologia, como a construção e o teste do roteiro de entrevista, e contribuíram com a elaboração de conceitos-chave para a análise, como a noção de micro-espaço público, que ajudou a entender as relações e disputas entre os coletivos políticos da universidade mineira.

Os resultados foram construídos a partir do debate e livre discussão dos dados -especialmente, registros de observações e transcrições das entrevistas -, respeitando os pontos de vista de todos os membros do Grupo de Estudos sobre a Juventude, fossem estudantes do Ensino Médio, da graduação ou do Mestrado em Educação, não por condescendência, mas por se acreditar que cada olhar, a partir de sua posição peculiar nos ciclos de vida, traz contribuições únicas (Moll, 2013). O pesquisador adulto, coordenador da pesquisa, exerceu muitas vezes a função de sistematizar esses resultados e discussões, redigindo a versão inicial da maioria dos trabalhos oriundos da investigação. Essa versão, que era construída com base nos relatórios, diários de campo e registros das análises dos dados durante as reuniões, retornava ao grupo para nova análise e discussão, com a reescrita do texto para sua versão final.

Ao buscar reviver a pedagogia das ocupações, em especial aquelas relações de coaprendizado entre gerações, esta pesquisa espera ser um exemplo relevante para as metodologias investigativas que reconhecem papel ativo para os sujeitos jovens pesquisadores, em todas as fases da investigação, do planejamento à redação de artigos e relatórios. Neste artigo, em particular, flagramos como a observação participante permitiu, em um primeiro momento, no 5° ENUNE, que o adulto branco pesquisador construísse experiências reveladoras sobre a condição juvenil, convivendo com as agruras e as alegrias de pessoas tão diferentes dele, jovens e negras. Já no 55° CONUNE, o que houve foi uma observação participante com dois diferentes tipos de engajamento e dois olhares distintos: o mesmo adulto, ao lado da jovem pesquisadora, vivendo experiências por vezes confluentes, em geral diferentes, ainda que capazes de se cotejar.

Do ponto de vista dos resultados da pesquisa A dimensão educativa das organizações juvenis, estes eventos da UNE não foram os acontecimentos mais profícuos no que se refere aos resultados da pesquisa. As principais contribuições da observação desses eventos foram indiretas, ainda que muito relevantes. Primeiro, foram fundamentais para conhecer, in loco, o macro-espaço público do movimento estudantil, que configura a totalidade que também referencia o micro-espaço público dos coletivos estudantis da universidade mineira. Segundo, serviram para aprofundar o contato com os coletivos pesquisados, ganhando ainda mais a confiança de seus integrantes, inclusive, conquistando importantes informantes para nossas investigações.

Na verdade, durante o processo de recrutamento de militantes como informantes, houve grande aproximação com algumas discentes, a ponto de elas virem fazer parte do Grupo de Estudos sobre a Juventude. Duas delas se tornaram pesquisadoras de Iniciação Científica e, posteriormente, mestrandas em Educação, com trabalhos que fizeram parte da pesquisa da qual, inicialmente, elas eram informantes. De um modo análogo ao que Mintz (1984) narra em seu texto-homenagem a Taso, foram elas que escolheram o autor-pesquisador mais do que ele as escolheu. Portanto, para além de informantes privilegiadas, elas também se tornaram parte da equipe de pesquisa.

A pesquisa A dimensão educativa das organizações juvenis teve muitos ganhos com a atuação colaborativa entre pessoas de diferentes gerações, ao combinar seus diferentes olhares e interpretações, frutos de suas distintas maneiras de se relacionar com o tempo e o espaço social (Mannheim, 1982), até mesmo de suas disposições físicas e psíquicas específicas. O registro feito aqui, sobre essa atuação durante o uso da tática da etnografia, visa contribuir com pesquisas e grupos de pesquisa que desejem enveredar por esse mesmo caminho, ou, como aconteceu com o Grupo de Estudos sobre a Juventude, tenham o feliz espanto de se perceber levados por jovens a esse interessante percurso colaborativo.

De um lado, jovens integrantes do Grupo encontraram o interesse pela pesquisa social e se iniciaram nela - estudantes do Ensino Médio e de graduação - ou ainda ingressaram na carreira científica - mestrandas -, com base em valores nem sempre corriqueiros no mundo acadêmico, como liberdade de expressão, iniciativa, criatividade, participação, horizontalidade e solidariedade. De outro, integrantes adultos vêm aprendendo a ouvir jovens não apenas como informantes, mas também como plenos integrantes de uma equipe de pesquisa, conseguindo relatos e registros valiosos sobre lugares e pessoas aos quais corpos adultos dificilmente teriam acesso, assim como insights, interpretações e análises que dificilmente seriam aventadas sem a intervenção de sujeitos cuja relação com o mundo e o tempo social é única - jovens que podem viver a história como devir em aberto e a dinâmica social como oportunidades de transformação.

 

Referências Bíblíográfícas

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Data De recebimento: 15/02/2020
Data De aprovação: 28/06/2020

 

 

1 A pesquisa A dimensão educativa das organizações juvenis: Estudo dos processos educativos não formais e da formação política no interior de organizações juvenis de uma universidade pública do interior de Minas Gerais foi coordenada por Luís Antonio Groppo, apoiada através de uma bolsa de Produtividade de Investigação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e realizada entre março de 2016 e fevereiro de 2018.
2 Projeto de extensão em interface com a pesquisa coordenada por Luís Antonio Groppo, composta de estudantes de graduação e pós-graduação da UNIFAL-MG, além de estudantes do Ensino Médio com bolsa de Iniciação Científica Júnior e membros da comunidade externa.
3 O principal instrumento de pesquisa, quando ela é etnográfica ou de tipo etnográfico, é o próprio sujeito que pesquisa. Sujeito esse que está implicado com o campo, por meio de seu corpo e de seus sentidos (Oliveira, 2006).
4 Pesquisas internacionais, conforme Brooks (2017), têm chegado a resultados semelhantes aos de nossa pesquisa, no que se refere à importância dos coletivos estudantis para a mobilização de estudantes da Educação Superior.
5 Língua Brasileira de Sinais.
6 Um dos relatos mais interessantes é o de Mesquita (2001). Diferentemente do que Coulter (2007) registra sobre a bibliografia acerca das organizações estudantis nacionais, no Brasil, são relativamente fartas as referências à entidade representativa nacional, a UNE. Isso se relaciona, principalmente, ao fato de que a UNE teve papel simbólico e estratégico muito forte nos movimentos estudantis dos anos 1960 no Brasil, enquanto nos demais países as entidades estudantis oficiais nacionais tiveram papel bastante errático.
7 Termo que se refere ao campo de organizações que detém há vários anos o controle da direção da UNE.
8 Deste modo, ajudando a compreender - em um dado contexto local - a tendência mais geral, proposta por P. G. Altbach (Luescher, 2018), de que ativistas estudantis seriam predominantemente pessoas vindas de grupos sociais mais privilegiados econômica e culturalmente. Contudo, a pesquisa sobre a universidade mineira demonstra o esforço do crescente contingente de discentes de origem popular e negra se ver representado no macro-espaço estudantil, com resultados com certa ambiguidade, como registramos em Grroppo et al. (2019).

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