Aletheia
ISSN 1413-0394
ARTIGOS DE PESQUISA
Síndrome de Burnout e fatores de estresse em estudantes de um curso técnico de enfermagem*
Burnout Syndrome and stress factors in students of a nursing technical course
Angela Maria Brazil Borges1; Mary Sandra Carlotto2, I
I Universidade Luterana do Brasil (Ulbra - Canoas/RS)
RESUMO
Este artigo objetivou investigar a síndrome de burnout em estudantes de um curso técnico de enfermagem. Procurou identificar também a existência de associação entre variáveis demográficas e escolares e fatores de estresse numa amostra de 255 estudantes. Como instrumentos de pesquisa foi utilizado um questionário, elaborado especificamente para este estudo, para levantar as variáveis demográficas e escolares e a avaliação sobre os fatores de estresse. Para avaliar burnout utilizou-se o MBI-SS (Maslach Burnout Inventory – Student Survey), forma adaptada para estudantes do MBI- GS- Maslach Burnout Inventory – General Survey). O estudo analisa as três dimensões de burnout: exaustão emocional, descrença e eficácia profissional. Os resultados evidenciaram não existir relação significativa entre burnout e variáveis demográficas. Entre as variáveis escolares, somente a “não ter realizado estágio” demonstrou associação à exaustão emocional. Já os fatores de estresse apresentaram relação com todas as dimensões de burnout. Os resultados apontam para ações de prevenção em relação a burnout.
Palavras-chave: Síndrome de burnout, Estudantes, Enfermagem.
ABSTRACT
This article investigates Burnout syndrome in students of a nursing technical course. It tried to identify the correlation between demographic and school variables and stress factors in a sample of 255 students. As research instrument was used a questionnaire, elaborated specifically for this study, to find out the demographic and school variables and the evaluation on the stress factors. To evaluate burnout was used the MBI-SS (Maslach Burnout Inventory – Student Survey), an adapted form for students of MBI (Maslach Burnout Inventory - General Survey). The study analyses three burnout dimensions: emotional exhaustion, disbelief and professional effectiveness. The results evidenced that doesn’t exist significant relation between burnout and demographic variables. Among school variables, only the “don’t have accomplished apprenticeship” demonstrated correlation to the emotional exhaustion. Stress factors presented relation with all burnout dimensions. The results point to prevention actions regarding burnout.
Keywords: Burnout syndrome, Students, Nursing.
As primeiras investigações da Síndrome de Burnout foram realizadas com profissionais que exerciam uma função de ajuda como, trabalhadores envolvidos com assistência social, enfermagem e educação, segundo revisão de literatura realizada por Carlotto (2002). Burnout é uma reação de estresse crônico, que causa no indivíduo uma indisposição e um mal-estar, decorrente de uma situação de trabalho. Pode ser facilmente observado quando as expectativas individuais relacionadas ao exercício profissional revelam-se através de uma realidade não correspondente, dando lugar a um sentimento de fracasso e impotência (Roazzi, Carvalho & Guimarães, 2000). A Síndrome de Burnout acomete, principalmente, profissionais em contato direto com as pessoas e expostos a uma sobrecarga de trabalho, apresentando maior esgotamento de energia, falta de realização profissional, esgotamento emocional, despersonalização e uma reduzida realização pessoal ou sentimento de incompetência (Maslach & Jackson 1981; Gil-Monte, 2002; Doménech, 1995; Codo & Vasques-Menezes, 1999; Benevides-Pereira, 2002). Burnout, de acordo com Maslach e Jackson (1981), se trata de um fenômeno psicossocial constituído de três dimensões: exaustão emocional, caracterizada por falta ou carência de energia, entusiasmo e um sentimento de esgotamento de recursos; despersonalização, caracterizada pelo tratamento de clientes, colegas e organização como objetos e, por último, baixa realização profissional, fenômeno comportamental evidenciado por uma tendência do trabalhador de se auto-avaliar de forma negativa. Assim, os profissionais se sentem infelizes com eles próprios e insatisfeitos com seu desenvolvimento no trabalho.
O interesse que Burnout está tendo na atualidade vem ocasionando uma ampliação de seu campo de estudo: das primeiras investigações centradas em profissionais de ajuda, passou-se a outros âmbitos profissionais, e, mais recentemente, estão surgindo estudos com estudantes. Burnout, de acordo com Schaufeli, Martinez, Pinto, Salanova e Bakker, (2002), tem sido detectado em estudantes. Martinez, Pinto e Silva (2000) referem que o alargamento do conceito de Burnout em estudantes – ou seja, a uma atividade pré-profissional –, embora já tenha emergido em alguns estudos dispersos ao longo dos anos, foi proposto com rigor e suporte empírico por Schaufeli e colaboradores em artigo publicado em 2000, que confirmou a estrutura trifatorial original do Maslach Burnout Inventory (MBI) de Maslach, Jackson e Leiter (1996), instrumento que avalia Burnout em trabalhadores.
Assim, o conceito de Burnout em estudantes também se constitui de três dimensões: exaustão emocional, caracterizada pelo sentimento de estar exausto em virtude das exigências do estudo; descrença, entendida como o desenvolvimento de uma atitude cínica e distanciada com relação ao estudo; e ineficácia profissional, caracterizada pela percepção de estarem sendo incompetentes como estudantes.
Cushway (1992) refere que o início de Burnout pode se dar já durante a fase acadêmica, no período de preparação para o trabalho.
O processo de ensino-aprendizagem exige dos estudantes uma adaptação às constantes mudanças sociais: a evolução tecnológica e a do conhecimento humano. Neste contexto, o estudante técnico de enfermagem passa a ter a necessidade de instrumentalizar-se através de conhecimento técnico especializado ou outros necessários ao desenvolvimento de sua competência, a fim de tornar-se um profissional com potencial diferenciado, podendo, assim, ter condições para enfrentar um mercado de trabalho competitivo (Rodrigues, Lima, & Soares, 2003).
Atualmente, o foco de trabalho profissional está deslocado do ensinar para o aprender, de disciplinas para competências, da escola de auditório de informações para o laboratório de aprendizagem, num processo de inter ou transdisciplinaridade, em que nenhuma disciplina deve ser estanque (Dutra, 2002).
Assim, estudantes, hoje, são acometidos por uma variedade de fatores de estresse semelhantes aos que ocorrem nas situações de trabalho (Pena & Reis, 1997).
O estudante de enfermagem, com freqüência, é colocado frente ao novo, seja em sala de aula, no laboratório, no atendimento de uma emergência ou na prática da assistência em seus locais de estágio, sem, contudo, estar preparado psicologicamente o suficiente para as situações enfrentadas. O aprendizado prático de uma profissão como a enfermagem, que lida com uma das mais explícitas demonstrações do limite do homem – a doença e a morte – é, também, viver o próprio limite: é o encontro de fragilidades entre o racional e o emocional. O cotidiano deste estudante passa a ser marcado por sentimentos de dúvida, decepção, ansiedade, medo, tristeza, raiva e angústia (Nascimento, Rodrigues, Ladeia, & Madureira, 1996).
Outros fatores de estresse com os quais se deparam são abordados por Nogueira-Martins (2002). De acordo com a autora, o contato direto de estudantes da área da saúde com outros seres humanos os coloca diante de sua própria vida, de sua própria saúde ou doença, de seus próprios conflitos e frustrações. Esse movimento identificatório, coloca-os em risco de desenvolverem mecanismos rígidos de defesa que podem prejudicá-los, tanto no âmbito profissional quanto no pessoal.
A autora afirma, ainda, que vários estudos têm registrado que os primeiros atendimentos prestados por estudantes geram dificuldades psicológicas pelo convívio constante com a morte, a dor e o sofrimento. É a partir da relação estudante-cliente que os alunos começam a perceber as limitações de sua atuação e do seu conhecimento científico. Como conseqüência, é comum que muitos se sintam decepcionados e impotentes nessa etapa de formação. Os primeiros encontros com os clientes são geralmente associados a incertezas, ansiedades, expectativas e receios por parte dos alunos. Segundo Tahka (1988, se o estudante não tiver uma oportunidade de uma troca aberta de idéias, tanto com os colegas quanto com os professores, a tendência é ocultar as ansiedades e incertezas através de diversas atitudes defensivas que podem interferir definitivamente na capacidade de interagir satisfatoriamente com os pacientes e, possivelmente, fornecer a base do estabelecimento de mecanismos defensivos.
Para Nogueira-Martins (2002), uma das causas de ansiedade nos primeiros atendimentos pode estar associada a problemas de auto-estima ou amor próprio; é o temor de “fazer alguma coisa errada” e perder a aprovação do professor: alunos não querem parecer mal na frente de seus colegas e professores. Segundo a autora, os alunos tendem a demonstrar segurança e confiança quanto aos conhecimentos recebidos, porém, como eles mesmos dizem, “na prática, a teoria é outra”. Os estudantes saem de uma situação ideal de aprendizado, na qual o cliente é virtual, para outra situação real, nova, diferente. Os estudantes vivenciam a expectativa do atendimento como um “veredicto” sobre suas capacidades e possibilidades profissionais. Nesse período da formação, eles apresentam muitos medos, dentre eles o de prejudicar o cliente, o que torna o contato com os colegas e supervisores ameaçador. A equipe de ensino fica carregada de expectativas, pois é vista como poderosa. As palavras, os comentários, as opiniões – principalmente as do supervisor – adquirem uma força extrema e exercem enorme influência sobre eles. Destaca, ainda a autora, ser fundamental que os aspectos emocionais ligados à prática assistencial sejam percebidos durante o processo de ensino, construindo assim um ambiente psicologicamente receptivo e acolhedor, atenuando o estresse ligado ao processo de profissionalização. Ao contrário, um clima educacional de intimidação, que não contém o excesso de ansiedade do estudante, tende a agravar o estresse destes alunos. Segundo Balogun, Helgemoe, Pellegrini, e Hoeberlein (1995), o ambiente competitivo promove conflitos entre os estudantes e entre estudantes e instrutores. Estes conflitos são potencialmente estressantes e podem levar à exaustão emocional.
Nogueira-Martins (2002) afirma que a exposição dos estudantes a professores e profissionais que nem sempre funcionam como efetivos modelos positivos e estimulantes de atitudes de respeito à vida e à pessoa humana torna-se um problema durante o processo de ensino-aprendizagem. A autora analisa ainda que são várias as dificuldades vivenciadas pelos estudantes durante sua formação: esquema de estudo, sensações experimentadas em sala de aula e estágios, sentimento de desamparo em relação ao poder dos professores, contato com a intimidade corporal e emocional dos clientes, atendimento a clientes difíceis e hostis, atendimento a clientes terminais, quantidade de clientes, dilemas éticos, medo de contrair infecções durante os procedimentos, medo de cometer erros, de lidar com as exigências internas. Ela cita, ainda, a falta de tempo para o lazer, a família, os amigos, as necessidades pessoais, as preocupações com seus próprios conflitos/problemas emocionais desencadeados pelo contato com os clientes, as dúvidas e as preocupações sobre a capacidade de absorver todas as informações ao longo do curso e a preocupação com ganhos econômicos no futuro.
Estudo realizado por Agut, Grau, e Beas (2002) com estudantes de vários cursos encontrou nível de Burnout moderado nas três dimensões: esgotamento emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal. No entanto, estudantes de cursos relacionados às ciências humanas apresentaram maior nível de esgotamento emocional.
Assim, considerando o exposto, acreditamos ser relevante a realização de uma investigação em estudantes de uma escola técnica de enfermagem sobre os índices de Síndrome de Burnout, sua associação com variáveis escolares e fatores de estresse. Busca-se, através dos resultados obtidos, detectar, precocemente, índices sintomáticos significativos, constituindo-se em um indicador de possíveis dificuldades, tanto em nível de êxito escolar, como profissional, e que possibilitem intervenções preventivas, como sugerem Martinez, Pinto, Salanova e Silva (2002).
Detectar Burnout precocemente nesta população, segundo Balogun et al. (1995), pode ser benéfico para educadores, estudantes e futuros empregadores e clientes. A prevenção de Burnout desde sua formação é importante, pois, por prestar cuidado de saúde direto a outras pessoas, o profissional de enfermagem está constantemente sujeito a uma enorme variedade de fontes de estresse. Por esta razão, pode ser considerado particularmente afetado pelo estresse ocupacional e, conseqüentemente, por Burnout (Mendes & Nunes, 1999; Gil-Monte, 2002).
O referencial teórico orientou o estudo para as seguintes hipóteses: H1: estudantes de uma escola técnica de enfermagem apresentam Síndrome de Burnout; H2: variáveis demográficas se associam à Síndrome de Burnout; H3: variáveis escolares se associam à Síndrome de Burnout; e, H4: fatores de estresse no ensino se associam à Síndrome de Burnout. A pesquisa foi realizada em uma escola particular que possui, dentre outros cursos, o de Técnico de Enfermagem e que está situada em uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre-RS. Para viabilizar os objetivos desta investigação foi realizado um estudo epidemiológico observacional analítico de corte transversal (Grimes & Schulz, 2002).
Método
Amostra
Este estudo foi desenvolvido com uma amostra de 255 estudantes de um curso técnico de enfermagem, perfazendo 66,4% da população. A maioria pertence ao sexo feminino (85,5%), está na faixa etária de 18 a 30 anos (83,6%) e é solteira (71%). Com relação aos semestres cursados, 48,6% cursam o primeiro e o segundo semestres e 51,4% estão no terceiro e quarto semestres, período de finalização do curso, uma vez que este se constitui de 4 semestres. Mais da metade do grupo (54,9%) freqüenta as aulas no turno da noite e realiza uma atividade profissional (54,5%). Revelou-se que a quase totalidade da amostra (93,7%) não atua na área de enfermagem.
Instrumentos
Como instrumento de pesquisa, utilizou-se um questionário para identificação de dados demográficos e variáveis escolares e fatores de estresse percebidos no ensino. Os fatores de estresse foram elaborados a partir de referencial teórico sobre o tema, entrevista com a psicóloga da instituição e listagem realizada por 11 alunos da escola durante uma atividade de treinamento. Foram relacionados 13 fatores de estresse, sendo estes avaliados através de uma escala, tipo Likert, variando de 1 (nada estressante) até 5 (muito estressante). Para acessar Burnout, utilizou-se a versão modificada do MBI-GS de Schaufeli, Leiter, Maslach e Jackson, (1996), que foi adaptada para o uso em estudantes por Schaufeli et al (2002) , passando estão a ser denominada de MBI-SS (Maslach Burnout Inventory – Student Survey).
O instrumento contempla 16 questões que se subdividem em três subescalas. Exaustão (cinco itens); Desesperança (cinco itens) e Eficácia profissional (seis itens). Todos os itens são avaliados pela freqüência, variando de zero (nunca) a seis pontos (todos os dias). Altos escores em Exaustão e Desesperança e baixos escores em Eficácia Profissional são indicativos de Burnout. O instrumento, nesta versão, apresentou em amostra de estudantes espanhóis índices de consistência interna satisfatórios, .74 em Exaustão Emocional, .79 em Descrença e .76 em Eficácia profissional. (Shaufeli et al., 2002).
Foi realizado um piloto com 20 alunos de uma escola técnica de enfermagem com características similares aos indivíduos da população a ser estudada para verificar possível ambigüidade de alguma questão, respostas não previstas, não variabilidade de algumas perguntas e tempo estimado de aplicação, seguindo orientação de Barbetta (2001).
Procedimentos
Primeiramente foi realizado um contato com a coordenadora pedagógica do Curso Técnico de Enfermagem, sendo expostos os objetivos do estudo, com a finalidade de obter autorização para a aplicação do instrumento. Este foi aplicado em todas as salas de aulas no período de uma semana. Os alunos que não estavam presentes no momento da aplicação foram identificados para posterior preenchimento, a fim de evitar perda de respondentes. Foi esclarecido aos estudantes e responsáveis da instituição de ensino que se tratava de uma pesquisa anônima e confidencial sem quaisquer efeitos avaliativos - individual e/ou institucional. Os dados coletados foram analisados através do SPSS e submetidos à análise descritiva (média e desvio-padrão) e inferencial (correlação de Pearson, prova t de student e ANOVA) para identificar associação entre Burnout (variável dependente) e variáveis demográficas, acadêmicas e fatores de estresse (variáveis independentes).
Resultados
Com relação a Burnout, verificamos que a dimensão Exaustão Emocional apresentou índice médio de 2,81, indicando a existência de desgaste emocional pelos alunos “algumas vezes ao mês”. Na Descrença, o índice médio obtido foi de 1,73, indicando sentimento de pouca confiança no ensino “uma vez por mês”. Com relação ao sentimento de Eficácia Profissional, o índice obtido pelo grupo foi de 5,33, demonstrando que o ensino vem sendo percebido praticamente “todos os dias” como útil para a formação profissional (Tabela 1).
No que diz respeito à associação entre as dimensões de Burnout e variáveis demográficas, verificamos que nenhuma delas evidenciou relação significativa.
Já com relação às variáveis escolares, os resultados evidenciam associação entre a dimensão de exaustão emocional e a variável “não realizar estágio”. Alunos que ainda não possuem prática de estágio apresentam mais desgaste com relação ao ensino que seus colegas que já desenvolveram práticas de ensino. A dimensão de descrença revela associação com a variável atividade profissional. Alunos que não possuem experiência profissional apresentam maior descrença com relação ao ensino. A eficácia profissional não indicou associação com nenhuma das variáveis escolares (Tabela 3).
Ao analisarmos a relação entre as dimensões de Burnout e fatores de estresse, verificamos que a Exaustão Emocional encontra-se associada positivamente aos seguintes fatores de estresse: conciliar trabalho e curso, muitas disciplinas para cursar, realizar provas e trabalhos de aula, pouca expectativa de colocação profissional, dificuldade de conciliar estudo e família, dificuldade de conciliar estudo e lazer, falta de uma pessoa para dividir dificuldades e falta de retorno positivo do que executa como estudante.
Assim, perceber estes fatores como estressantes aumenta o sentimento de desgaste com o ensino. A dimensão de Burnout de Descrença evidenciou associação positiva com os fatores de estresse: conciliar trabalho e curso, realizar provas e trabalhos de aula, relação com colegas, dificuldade de conciliar estudo e família, falta de retorno positivo do que executa como estudante. Já a Eficácia Profissional apresentou associação negativa com os fatores de estresse: conciliar trabalho e curso, realizar provas e trabalhos de aula, relação com professores, relação com aspectos/normas da escola, pouca expectativa de colocação profissional, relação com colegas, dificuldade de conciliar estudo e família, falta de uma pessoa para dividir dificuldades e falta de retorno positivo do que executa como estudante (Tabela 4)
Discussão
Os resultados obtidos com relação aos índices de Burnout não confirmam a primeira hipótese do estudo – a de que os estudantes apresentariam Burnout, de acordo com os critérios de indicação da síndrome referidos por Schaufeli et al. (2002). Segundo os autores, altos escores em Exaustão e Desesperança e baixos escores em Eficácia Profissional são indicativos de Burnout. Neste grupo, verificamos, considerando a escala de pontuação de 0 a 6, um índice médio em Exaustão emocional (2,81) baixo em Descrença (1,73) e alto em Eficácia Profissional (5,33).
Há que se destacar, no entanto, que, segundo o Modelo de Burnout de Maslach (1976), a Exaustão Emocional é a primeira dimensão a surgir, e esta, neste grupo, é a que evidencia índice médio que pode ser indicativo de Burnout, de acordo com os critérios estabelecidos para caracterizar a síndrome e já citados anteriormente. Assim, podemos pensar na possibilidade deste grupo vir a desenvolver Burnout, estando esta, no momento, provavelmente sendo contida pelo alto índice de eficácia profissional.
A segunda hipótese da investigação também não foi confirmada, uma vez que o resultado não identificou associação entre as dimensões de Burnout e variáveis demográficas. Foi confirmada a tendência dos estudos sobre Burnout em trabalhadores que apontam que os fatores ambientais, particularmente as características do trabalho, são mais relacionados a altos níveis de Burnout do que fatores demográficos (Lautert, 1997; Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001).
O estudo confirma a terceira hipótese, a de que Burnout se associa a variáveis escolares, na medida em que a Exaustão Emocional e a variável “não realizar estágio” se associaram de forma significativa. Estudantes ainda sem prática de estágio apresentam maior desgaste emocional quando comparados aos seus colegas que já desenvolveram práticas de ensino. Este resultado pode estar relacionado ao fato de que o aluno que ainda não vivenciou a prática de estágio percebe como estressante o ingresso na situação real, nova, diferente, onde deverá passar pelo julgamento de professores e colegas, conforme pontua Nogueira-Martins (2002).
A dimensão de Descrença revela associação com a variável atividade profissional. Alunos que não possuem experiência profissional apresentam maior Descrença com relação ao ensino. Este resultado nos leva a supor que alunos que não possuem alguma vivência de atividade profissional adotam um comportamento de distanciamento, provavelmente possuem maiores dúvidas e questionamentos com relação ao exercício prático dos conteúdos teóricos.
A dimensão de Eficácia Profissional não indicou associação com nenhuma das variáveis escolares, indicando que estas não influenciam o sentimento de competência desenvolvida através do ensino. De acordo com Rodrigues, Lima, e Soares (2003), o estudante técnico de enfermagem tem necessidade de instrumentalizar-se através de conhecimento técnico especializado ou outros necessários ao desenvolvimento de sua competência, a fim de se tornar um profissional com potencial diferenciado para melhor enfrentar o mercado de trabalho competitivo. Para Nogueira-Martins (2002), é a partir desta aprendizagem que os estudantes crescem, podendo assim, superar os medos e receios durante sua formação.
A quarta hipótese do estudo também foi confirmada, pois foi identificada associação entre as dimensões de Burnout e fatores de estresse. A Exaustão Emocional evidenciou estar associada positivamente à dificuldade em conciliar trabalho e curso, ter muitas disciplinas para cursar, realizar provas e trabalhos de aula, dificuldade de conciliar estudo e família, dificuldade de conciliar estudo e lazer.
Os resultados para a maior parte dos fatores não surpreendem, pois são estressores psicossociais decorrentes de situações de sobrecarga. Segundo Maslach (1982), a exaustão emocional é geralmente relacionada às excessivas demandas provenientes do exercício do trabalho, que, no caso de estudantes, seria a quantidade de atividades a serem realizadas, dificultando a conciliação destas com aspectos importantes da vida pessoal. Fatores de estresse, de cunho relacional – como a falta de uma pessoa para dividir dificuldades e falta de retorno positivo do que executa como estudante – também evidenciaram associação com a exaustão emocional.
Para Moreno, Oliver, e Aragoneses (1991), além da sobrecarga de trabalho, a pouca estimulação e orientação profissional, o isolamento e as baixas expectativas de reforço também contribuem para a ocorrência do Burnout. Dividir as dificuldades individuais com colegas de trabalho e supervisores dentro de um clima de respeito e conforto emocional auxilia o profissional a distanciar-se dos problemas dos pacientes ou clientes, sendo este elemento um importante fator de prevenção de Burnout (Maslach, 1976). A criação de uma atmosfera aberta e facilitadora de um novo papel, neste caso o de profissional da área assistencial, atenua o estresse ligado ao processo de profissionalização (Nogueira-Martins, 2002). Chama atenção, no entanto, o aumento de Desgaste Emocional frente ao fator de estresse de pouca expectativa de colocação profissional. Este aspecto parece estar relacionado às dificuldades encontradas pelo aluno para inserir-se no mercado de trabalho, percebido por ele, atualmente, como bastante restrito e competitivo.
A associação da dimensão de Burnout de Descrença com fatores de estresse pode indicar um funcionamento defensivo frente ao desgaste emocional. Na medida em que se desgasta, tanto com suas atribuições e relações escolares quanto com os aspectos familiares e profissionais, passa a se distanciar do ensino e de colegas numa atitude de descrença e desesperança em relação a sua formação. Pode representar uma atitude de questionamento e dúvidas em relação ao mesmo.
Estas questões parecem refletir também na dimensão de Eficácia Profissional, uma vez que esta associou-se negativamente com praticamente os mesmos estressores relacionados às outras dimensões, ou seja, conciliar trabalho e curso, realizar provas e trabalhos de aula, relação com professores, pouca expectativa de colocação profissional, relação com colegas, dificuldade de conciliar estudo e família, falta de uma pessoa para dividir dificuldades e falta de retorno positivo do que executa como estudante. Há que se destacar, no entanto, o fator de estresse “dificuldade de relação” com aspectos/normas da escola como diferenciado nesta associação. Esta questão pode estar relacionada à não aceitação de determinadas normas da instituição que não correspondem à necessidade de qualificação profissional do grupo investigado. A instituição e suas normas estão sendo percebidas como um estressor que dificulta o sentimento de eficácia profissional. Segundo Dutra (2002, p.16), “se ensinar é a ferramenta para o aluno aprender, também na enfermagem o trabalho em ensino e educação deve ter como foco de preocupação o desempenho eficiente do profissional”.
Assim, conclui-se que, neste grupo de estudantes, mais do que características demográficas ou acadêmicas, os fatores que mais contribuem para Burnout são os estressores psicossociais decorrentes do contexto escolar e da dificuldade em compatibilizar ensino e aspectos da vida pessoal. Este resultado vai ao encontro aos que referem Carlotto e Gobbi (1999), de que Burnout não é um problema do indivíduo, mas sim de seu contexto de trabalho. Neste caso, do contexto escolar.
É necessário ter cautela com relação aos resultados obtidos, uma vez que estes dizem respeito a um grupo particular, não sendo, portanto, passíveis de generalização. O estudo aponta para a necessidade de aprofundamento dos resultados obtidos, uma vez que a literatura ainda é bastante restrita sobre Burnout com esta população. Assim, sugere-se a realização de novos estudos, com outras variáveis e categorias estudantis.
Os resultados apontam para a necessidade de criar alternativas para prevenir os fatores de estresse percebidos pelos estudantes de enfermagem. Também sinaliza a importância de intervenções que atuem sobre o período de preparação para o estágio. È imprescindível, segundo Noguiera-Martins (2002), que futuros profissionais da saúde incorporem o aprendizado e o aprimoramento dos aspectos interpessoais da tarefa assistencial, indo além do suporte técnico-diagnóstico, utilizando e desenvolvendo a sensibilidade para conhecerem melhor a realidade do cliente.
Ações neste campo devem contemplar a revisão dos planos e metodologias de ensino e os recursos pedagógicos oferecidos pelas instituições aos estudantes, avaliando a qualidade das relações entre alunos e professores e as estratégias de apoio necessárias para a formação do estudante. A partir destas questões, poderemos avançar na elaboração de ações de atendimento, de forma contextualizada, da relação estudante-ensino-instituição com vistas à melhoria da qualidade de vida do aluno, da instituição formadora e das instituições de saúde.
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Endereço para correspondência
E-mail: angelabborges@ ig.com.br
Recebido em 01/2004
Aceito em 05/2004
1 Angela Maria Brazil Borges – é Psicóloga, graduada pela Universidade Luterana do Brasil
2 Mary Sandra Carlotto – é Psicóloga; Especialista em Gestão de Recursos Humanos (UCAM-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (ULBRA-RS); professora do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra - Canoas/RS)
*Trabalho apresentado à Universidade Luterana do Brasil como pré-requisito para a conclusão do Curso de Psicologia