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Psicologia Clínica
versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.27 no.1 Rio de Janeiro 2015
Editorial
O número 27.1 da Revista Psicologia Clínica destaca a clínica ampliada, trazendo discussões sobre saúde mental e institucionalização no Brasil e em Portugal. Reunimos 13 artigos em duas seções. A seção temática é composta de 6 artigos e a seção livre de 7. Neste volume, apresentamos quatro artigos internacionais.
O artigo que inicia a seção temática, Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais, de autoria de Maria Cristina Ventura Couto e Pedro Gabriel Godinho Delgado, analisa determinantes da inclusão tardia de crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira e descreve ações prioritárias escolhidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no começo do século XXI, para iniciar o processo de construção de redes de cuidado nessa área. Ressaltam-se a criação dos CAPSi e o direcionamento intersetorial como ações-chave para alavancar a montagem de uma rede pública ampliada de atenção de base territorial, capaz de acolher as diferentes ordens de problemas envolvidos na saúde mental da criança e do adolescente e ampliar o acesso ao cuidado nessa área.
Em seguida, o artigo Acolhimento institucional de crianças e adolescentes em Aracaju discute pesquisas realizadas sobre a execução do acolhimento institucional de crianças e adolescentes na capital do estado de Sergipe (Brasil). As autoras, Fernanda Hermínia Oliveira Souza e Leila Maria Torraca de Brito apontam que as instituições de acolhimento do município ainda não cumprem todas as diretrizes propostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para esse tipo de medida protetiva, o que acarreta a violação de certos direitos das crianças e adolescentes. Esse trabalho destaca importantes problemas na execução do acolhimento institucional e a necessidade de se oferecer modalidades de proteção à infância e à juventude que valorizem a família e evitem a aplicação da medida de acolhimento institucional.
Ainda na linha da discussão sobre efeitos da institucionalização, temos o artigo Desafios da autonomização: estudo das transições segundo jovens adultos ex-institucionalizados, uma contribuição de João Pedro M. Gaspar, Eduardo J. R. Santos e Joaquim Luís M. Alcoforado, pesquisadores da Universidade de Coimbra, instituição que mantém importante intercâmbio com o Programa de Psicologia Clínica da PUC-Rio. Esse artigo apresenta resultados de uma investigação centrada nas transições de jovens adultos que viveram um longo período das suas vidas em instituições de acolhimento para crianças e jovens - Lares de Infância e Juventude - e estão agora autonomizados. Aborda-se a percepção de adultos e jovens adultos ex-institucionalizados acerca das transições ao longo dos diversos espaços e tempos das suas vidas, das vinculações estabelecidas e da sua importância para aumentar a resiliência e competir para a sua integração social.
O artigo Toxicodependência e maternidade: uma revisão de literatura apresenta uma revisão da literatura acerca da parentalidade de mães toxicodependentes, abordando consequências da toxicodependência na maternidade e as condições ambientais e contextuais dos pais toxicodependentes e suas famílias de origem. Os autores Sofia A. Silva, António P. Pires e Maria J. Gouveia investigam áreas específicas do comportamento parental, verificando lacunas e resultados nem sempre consistentes na literatura, falta de estudos contemplando a relação direta entre abuso de substâncias e disfunções familiares e da parentalidade, bem como a experiência e dificuldades inerentes à parentalidade nessa situação de risco.
A seguir, abordando especificamente saúde mental e institucionalização, Viktor Gruska e Magda Dimenstein apresentam uma discussão teórica voltada ao trabalho de acompanhamento terapêutico (AT) junto a egressos de longas internações psiquiátricas, no artigo Reabilitação Psicossocial e Acompanhamento Terapêutico: equacionando a reinserção em saúde mental. Nesse trabalho, discute-se a dimensão reabilitadora do AT, a qual visa o aumento do grau de autonomia, de funcionamento psicossocial e integração comunitária desses usuários. A reabilitação, destacada como possibilidade de recontratualização social, em articulação à prática do AT, pode ajudar a equacionar o desafio da reinserção social posto atualmente à política de saúde mental no Brasil.
Finalizando a seção temática, no artigo Sobre a psicopatologia dos atos, Roberto Calazans diferencia os acting-out, a passagem ao ato, os sintomas, as inibições e a angústia fazendo uma duplicação do esquema de Lacan levando em consideração os registros do simbólico, do real e do imaginário. Com isso, permite-se uma melhor orientação do clínico em relação às diversas modalidades de respostas subjetivas que não se restringem à questão sintomática, que é o campo inaugural da clínica psicanalítica desde a sua fundação por Sigmund Freud.
Abrindo a seção livre, no artigo A indução afetiva em cenários de realidade virtual: avaliação da sensação de presença, Ana Ribeiro e Luís Monteiro apresentam os resultados de uma pesquisa que investiga se a visualização dos Cenários de Indução Afetiva 3D induz uma maior sensação de presença comparativamente aos seus homólogos apresentados com a tecnologia 2D. A Realidade Virtual (RV) tem sido utilizada na indução de emoções associadas a respostas emocionais de maior validade ecológica. A presença, enquanto experiência de "estar lá", num determinado ambiente mediado, tornou-se intimamente associada à RV.
No artigo A noção de representação em psicanálise: da metapsicologia à psicossomática, de Rodrigo Sanches Peres, Fátima Caropreso e Richard Theisen Simanke, busca-se evidenciar a continuidade entre os fundamentos teóricos da psicossomática psicanalítica e a reflexão metapsicológica freudiana. Argumenta-se que as resistências encontradas, dentro dos meios psicanalíticos mais tradicionais, às inovações teóricas e clínicas da psicossomática psicanalítica resultam de um mal-entendido quanto aos fundamentos teóricos e à filiação conceitual desta última, uma vez que essas críticas frequentemente se justificam por um suposto afastamento entre a psicossomática e o projeto metapsicológico.
Em seguida, apresenta-se uma revisão integrativa de literatura acerca do lugar reservado às crianças na dinâmica dos pretendentes à adoção. O artigo O "lugar" do filho adotivo na dinâmica parental: revisão integrativa de literatura, de autoria de Ana Bárbara Morelli, Fabio Scorsolini-Comin e Tales Vilela Santeiro, destaca que o espaço destinado à criança no psiquismo parental fornece indícios de como será a interação entre os membros da nova família. Conclui-se que os pais adotivos devem se preparar para a parentalidade, promovendo adaptações ambientais, sociais e psíquicas para a chegada dos filhos. A atenção psicológica nesse processo é recomendada.
No artigo Uma metodologia para a psicanálise, Oswaldo França Neto ressalta que, classicamente, a universalidade é concebível apenas no apagamento das singularidades. O autor interroga sobre como pensar, nesse contexto, um sujeito. É possível uma fórmula contemplar conjuntamente o universal (matema) e o singular (a que se refere um sujeito)? Pontua que se torna interessante a progressiva escolha de Lacan de trabalhar com a teoria matemática das categorias que se interessam por setas, ou funções, e as deformações que aí se operacionalizam. E aventa que Lacan propõe uma metodologia da transformação, ao forçar a ex-sistência do real como terceiro elemento indissociável da consolidada associação científica do saber com a verdade, forçando a subversão do que seriam esses dois últimos termos.
Em outra perspectiva psicanalítica, no artigo seguinte, Reconhecendo a alteridade do analista - uma caracterização do trabalho analítico fundamentado no cuidado, de autoria de Estela Ribeiro Versiani e Luiz Augusto M. Celes, considera-se que a análise modificada proposta por Winnicott é um trabalho analítico que se norteia pelo cuidado. O trabalho da análise modificada é compreendido a partir da noção winnicottiana de uso de objeto. Para que um objeto seja usado, é necessário que seja lançado fora do domínio subjetivo, permitindo-lhe uma alteridade. A análise modificada pode possibilitar ao analisando aprender a "usar o analista", o que supõe que, a partir da análise, esse analista poderá passar a existir fora da área de fenômenos subjetivos do analisando e como representante de uma alteridade. Fornecendo um ambiente suficientemente bom e permitindo a correção de certas falhas ambientais, assim como a expressão da atividade criativa do analisando, a análise modificada pode tornar possível, ao analisando, a constituição do analista enquanto objeto objetivo e o reconhecimento de sua alteridade. A partir daí, o analisando poderá usar o analista e suas interpretações.
O artigo Entre Freud e Foucault: a resistência como afirmação de si, de Fernanda Canavêz, dedica-se ao tema da resistência para extrapolar seu entendimento como ponto de estagnação da experiência da análise. Ao contrário, o objetivo é sustentá-la como movimento de afirmação de si, de subjetivação. Para a execução dessa proposta considera-se a multiplicidade das resistências colocada no momento mais tardio da obra freudiana para a realização de uma leitura acerca da noção no pensamento de Foucault. Nesse contexto, a resistência apresenta-se intimamente atrelada ao poder - que na perspectiva foucaultiana ultrapassa o modelo jurídico para se capilarizar nas malhas do social -, relação cujos termos não se anulam dialeticamente. A resistência figura, assim, como operador da liberdade do sujeito ante as estruturas de dominação. Por fim, aposta-se na potência da experiência psicanalítica como movimento de construção permanente dos mais diversos modos de si. As resistências seriam, portanto, o elemento a assegurar a insubmissão a uma subjetividade forjada.
Fechando a seção livre, o artigo Psicoterapia de Vittorio Guidano e suas influências epistemológicas, de Liliana Pena e Clara Costa Oliveira, estrutura-se basicamente em três partes. Na primeira, contextualizam-se as concepções de Vittorio Guidano face às correntes psicoterapêuticas do século XX, nomeadamente quanto ao comportamentalismo, ao cognitivismo e ao construtivismo. Faz-se notar que as várias tendências da psicoterapia dessa época se autorrotulavam a partir de conceitos advindos de outras áreas, sem terem o cuidado de indagar sobre os fundamentos epistemológicos nos quais elas se alicerçavam. Num segundo momento, focaliza-se no embasamento epistemológico de sua teoria e metodologia psicoterapêuticas, sobretudo no papel que o cognitivismo cibernético teve no seu pensamento (nomeadamente, quanto à questão da observação), bem como na teoria biológica da autopoiesis. Por fim, aborda-se o seu modelo sobre o conhecimento e experiência humana, que se traduz numa nova teoria da personalidade (organização pessoal, noção de si mesmo) e num novo sistema psicoterapêutico que enfatiza o papel do vínculo afetivo como modelador da identidade pessoal.
O presente volume apresenta ainda, ao final, a resenha intitulada Deficiências ou diversidade humana?, escrita por Esther Arantes, sobre o livro Longe da árvore: pais, filhos e a busca da identidade, de Andrew Solomon.
Andrea Seixas Magalhães
Esther Arantes