Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.46 no.84 São Paulo jun. 2013
DEBATE
Formação: entre o público e o privado
No dia 27 de junho de 2013, realizamos o debate sobre o tema proposto pelo corpo editorial do Jornal de Psicanálise para este número "Formação: entre o público e o privado".1 Pensamos em uma conversa entre colegas em vários níveis de formação e participação dentro da SBPSP, assim como uma experiência institucional em espaços voltados para a formação psicanalítica. Convidamos para este debate, Luís Carlos Menezes, analista didata, com várias participações institucionais, ex-presidente da SBPSP. Oswaldo Ferreira Leite Netto, membro associado, foi o primeiro diretor da Diretoria de Atendimento à Comunidade da Sociedade, é diretor do serviço psicoterapêutico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da fmusp, onde busca transmitir a psicanálise na formação dos médicos e psiquiatras. Marina Bilenky, membro associado, foi presidente da Associação dos Membros Filiados nos anos 2003/2004, é atualmente da comissão editorial da Revista Brasileira de Psicanálise, e participa como supervisora no ambulatório de Transtornos Somatoformes (SOMA) do IPQ do HC da FMUSP. Joana Tarraf, membro filiado, com larga experiência no trabalho de acompanhamento terapêutico e interesse nas questões sobre a formação analítica.
Jornal de Psicanálise - Para iniciarmos nosso debate, sugerimos uma pequena apresentação de cada um de vocês, focalizando o percurso institucional, para depois entrarmos no tema do Jornal. Quem pode começar?
Oswaldo - Sou membro associado, frequento a instituição há muito tempo, e acabei de deixar, após oito anos, a Diretoria de Atendimento à Comunidade, criada pelo Menezes em sua presidência. Minha experiência aqui na Sociedade começou a fazer algum sentido nesse período, quando comecei a compreender melhor a instituição, saí de idealizações e de outros aspectos que fazem parte da formação e passei a conhecer as pessoas, a ter algumas decepções. Mas acredito que é útil conviver com os colegas e trocar experiências; aprende-se bastante. A instituição psicanalítica tem sentido porque em psicanálise a formação é para sempre. Mantenho atividade no IPQ (Instituto de Psiquiatria do HC), onde dirijo o serviço psicoterapêutico. Estou muito ligado à formação de médicos e de psiquiatras, mas sempre tentando transmitir as ideias da psicanálise.
Jornal de Psicanálise - Um ponto de resistência...
Oswaldo - Minha experiência lá permite que nada fique muito estagnado em relação a conhecimentos e prática psicanalítica. Sou sempre cobrado, interrogado e acompanho as transformações. Hoje em dia, completamente diferente da minha época de formação psiquiátrica, a subjetividade é bem difícil de ser aceita na psiquiatria. A psiquiatria está totalmente focada nas neurociências, em todos os avanços em relação aos psicofármacos, a novos esquemas diagnósticos - o que é natural na medicina - e, dentro de algo que é mais geral da cultura, ela está voltada para a eficácia, para os resultados, a rapidez no alívio de sintomas. Exposto a isso, não podemos ficar encerrados na coisa psicanalítica, entre analistas, tranquilos. Não se pode abandonar o aspecto revolucionário da psicanálise: a questão do inconsciente que nos coloca na contracorrente. Ser psicanalista é isso; não dá para ficar sossegado. A cultura está sempre se interrogando, e podemos contribuir com esse movimento. Eu tinha uma impressão de que a Sociedade era muito fechada; eu a idealizava com muita reverência e temores. Agora não sinto mais assim: pelo contrário, essa experiência na diretoria do Menezes me mostrou diversas coisas, colocamos à prova várias situações, sempre mantendo o vértice psicanalítico, tentando perceber que é possível manter o lugar do analista, ainda que não seja em um setting, mas percebendo esses fenômenos que podemos apreender, em situações muito diferentes. E para isto temos que estar atentos quanto ao que provoca resistências, reações agressivas. Acho que isso é de fora e de dentro também. Nessa diretoria, aqui dentro, tive muitas experiências com situações difíceis de serem sustentadas, certas propostas, certas imposições.
Também não sei o que é isso que dá dentro da gente, uma inquietação: junto com alguns colegas, propus um grupo de estudos sobre "Psicanálise e homossexualidade", porque também é uma solicitação da cultura. As questões estão aí - a homoparentalidade, os casamentos -, a sociedade discute isso e a psicanálise é interrogada também. No grupo recém-iniciado, pretendemos nos ocupar da questão da teorização e de rever todos esses momentos em que a psicanálise e as teorias foram atravessadas por questões que são de ordem moral, preconceitos que se valem - e isso é grave - da teoria para justificar certas posições. Outro aspecto que me angustia bastante, e disso o Menezes poderá falar depois, muito importante, principalmente na transmissão da psicanálise, é especificar o que é tão peculiar nesse campo de saber, tão diferente dos outros. Como Freud explicitou, não é medicina, não é religião, não é filosofia: é psicanálise. Manter essa posição é difícil, mas também não pode ser algo isolado, tem que estar sempre transitando entre outros saberes, sempre trocando, se deixar interrogar, por filósofos, antropólogos etc.
Joana - Sou membro filiado e estou aqui desde 2007. Do ponto de vista da experiência que tive até aqui, penso que o mais difícil, intenso e rico na minha formação foi fazer ao mesmo tempo a minha análise didática, o atendimento de um paciente 4 vezes por semana e a sua respectiva supervisão. Acredito que essas relações são construídas ora no privado, ora no público e ora entre o privado e o público.
Marina Bilenky - Agora sou membro associado, fui presidente da associação, na época em que éramos denominados "candidatos", por volta de 2003/2004. Fui aprovada em 1998 e comecei no ano 2000. Eu tinha uma visão pejorativa da Sociedade antes de entrar, no sentido de que ela seria elitista e autoritária. Fiz a formação no Sedes, porque lá era democrático, não havia didatas, era algo mais horizontal. Mas depois de algum tempo, descobri que esse fato, de não ser vertical, faz com que tudo que se consegue seja pelo jeitinho, pela amizade, compra daqui, dá de lá, além do poder que algumas pessoas adquiriram e tínhamos que nos filiar a elas. Depois disto, morei fora do país durante dois anos e quando voltei falei: "Chega de Sedes, não estou mais interessada". Passado algum tempo, comecei a ouvir diversos amigos falarem da Sociedade e diversos comentários do tipo: "Agora está diferente", "Agora abriu". Isto foi na época da mudança de currículo que a Sonia promoveu. Então, resolvi entrar.
Logo que entrei, senti a força incrível da instituição. Mesmo com tudo que eu pensava, senti essa coisa meio paralisante da instituição, do poder, do didata, da transferência intensa com as pessoas, as dificuldades, algo muito vertical nesse sentido e de um clima muito difícil de você se colocar e poder estar lá igual, você fica infantilizado. Pelo menos a minha experiência e a das pessoas ao meu redor era de que parecíamos coleguinhas, adolescentes indo ver a palestra ou a conferência que o analista estava proferindo no congresso: o clima era muito infantilizado. Logo entrei na associação, e comecei a pensar na instituição. Foi uma experiência muito rica, pois temos que discutir, colocar, conhecer...
Menezes - É o espaço público.
Marina Bilenky - É, é o espaço público, não fica só a sua supervisão, a sua análise, seus grupos e seus colegas. Algo de conhecer mesmo a instituição. Aí, fui levada a ser presidente. Isso foi se construindo e na hora de ser presidente eu tinha muitas ideias do que fazer, mas a questão da infantilização e da pressão institucional era muito forte. Agora estou falando de algo muito íntimo: eu precisava me apoiar em opiniões de pessoas que tinham posições importantes em outras instituições e estavam na Sociedade, para conseguir embasar a luta para que o candidato pudesse ocupar um lugar menos infantilizado, passando pela mudança de nome, até chegar a uma outra posição dentro da Sociedade, porque naquela hora as forças para a manutenção do estatuto do candidato eram muito intensas, e pareciam pressionar mais do que aquelas que pediam mudanças. No início da discussão sobre esses assuntos, as pessoas tinham medo de falar, de sair desse lugar infantilizado de candidato; existiam tabus, assuntos que pareciam proibidos, mas começavam a poder circular. A época era propícia. Começava-se a discutir na Sociedade as mudanças do estatuto. Logo pensei que esta era a oportunidade de lutar por mudanças que poderiam ser incluídas nos novos estatutos que seriam votados. Com relação às questões dos candidatos, duas coisas me chamaram a atenção: a instituição do voto na comissão de ensino, porque os candidatos participavam das discussões, mas não podiam votar, uma situação infantilizadora e até humilhante; e a questão do nome, porque "candidato" não diz nada: sou candidato a alguma coisa. Deveria ser "membro", membro e depois alguma outra coisa. Mesmo "filiado" também é infantilizador, mas dentro das condições da época foi o melhor nome que deu para ter. Havia a opção "filiado" e "provisório": o provisório deixava evidente o fato de que não se é nada.
Marina Bilenky - Afinal, decidiu-se por membro filiado, o que não muda muita coisa, mas, dentro das opções politicamente possíveis na época, foi um avanço. Pode ser que, no futuro, haja uma nova luta para mudar esse nome, não sei para qual. Falei com a Suzana Muszkat, presidente da ipso, e obtive seu apoio. Toda engajada, nos juntamos, íamos a todas as reuniões de votação de estatuto, para estar lá, para falar quando precisasse. Demorou muito tempo até chegar aos assuntos do instituto e a questão do nome ainda não tinha sido votada quando saí. Só foi votada depois, na época da Patrícia. A Dora pegou a luta no meio. Eu e a Susana Muszkat discutimos muito essas questões. Na época, o Marcio Giovannetti era o presidente da SBPSP; depois entrou o Luis Carlos Menezes. Foi um período muito rico e foi estimulante ter participado de tudo isso, estar nesse lugar público, dentro desse período intenso, que mexe tanto com a gente, que é a formação. Fica-se em carne viva, de tanta análise, supervisão, tudo te questionando. Agora sou membro associado, minha atuação pública na Sociedade está ligada à participação da comissão editorial da Revista Brasileira de Psicanálise. Também acho muito importante ter uma participação institucional. Estou com a Abigail no ambulatório de somatoformes lá no HC, no IPQ, já faz um bom tempo, dando supervisão para os psicólogos que atendem os casos, muito interessantes, de histeria. São pacientes que já rodaram todos os ambulatórios, não têm diagnóstico orgânico de nada, mas têm paralisia de braço, problemas no maxilar, dores generalizadas; andam em todos os ambulatórios e chegam ao somatoformes. Atuamos também psicanaliticamente: a supervisão das psicólogas é psicanalítica. É muito importante estar nesse lugar, fora do setting tradicional.
Luis Carlos Menezes - Gostaria de felicitar a equipe do Jornal pelo argumento e pelo tema densamente apresentado na carta-convite. Ontem à noite, reli as questões sugeridas para o debate: é muita coisa, deve ter dado trabalho; vocês falam do termo alemão Besetzung, traduzido por Stratchey - inspirado por E. Jones - como catexia (do grego); e Freud o aceitou, embora, como é sabido, ele preferisse não usar palavras assim, que soassem muito técnicas. No caso, a palavra se refere a investir, aproveitar, ocupar, ligar-se a alguma coisa, por entusiasmo, por animação, por interesse. A palavra está no centro do argumento de vocês, quando perguntam sobre o uso dos espaços institucionais, e um espaço institucional neste momento é o próprio Jornal. A equipe, no argumento, quer que todo mundo ocupe bem o Jornal, já dando o exemplo, pois ela mesma, a meu ver, já ocupou bem esse lugar, ao fazer a proposta de se pensar sobre um tema tão importante como a formação.
Fiquei surpreso quando, como estudante de medicina, descobri que o tecido ósseo é constantemente renovado, que ele é constantemente desfeito e refeito. Dos outros tecidos, nem se fala. Portanto, não é um órgão, por sólido que seja, que dê para deixar parado, inerte: isto só ocorre na morte do corpo. Claro, estou me referindo à questão da formação analítica: é impossível, é problemática, é permeada por uma tensão incontornável, exigindo ser constantemente pensada, retomada de uma maneira ou de outra. A referência que vocês fazem ao artigo do Marcio Giovanetti, que polariza esta tensão entre as noções de público e de privado, é uma maneira de abordar a questão. A psicanálise se funda sobre uma enunciação que é única, que ocorre sempre num único momento, em que o sujeito não pode retomar como tal senão em outros termos, a não ser que ela tenha se transformado num sintoma, que ela tenha começado a patinar sobre ela mesma - é a razão pela qual ele busca a análise -, como saída para a repetição "sem saída", a insistência do mesmo.
O analista também é analista apenas no momento em que consegue se deslocar em relação ao que ouve, de maneira a poder dizer algo que produza por sua vez algum deslocamento no interior do processo de análise, que é um processo do analisando. Isso é tão delicado, particular e único, que a necessidade e a intenção de incluir numa instituição, numa formação societária e dar uma conformação, estabelecer algumas normas e regras, é quase impossível. Teria que haver uma sensibilidade muito aguda sobre o que é a condição de fala numa análise, na linha que acabei de mencionar, de maneira a não perder de vista esse processo na ação institucional, para não pisar na flor ao querer cuidar dela, para não atrapalhar o objeto de que se trata. É algo muito difícil, pois a tendência e a dinâmica de uma instituição é de organizar, ordenar, estabelecer princípios, normas, funcionamento, como um clube, como o que qualquer agrupamento associativo tem, até um condomínio. Mas uma associação de psicanalistas tem uma particularidade única pelo objeto que é a sua razão de ser e pela natureza do saber que a constitui e que, eu insisto muito, não é um saber universal, é um saber sempre singular. Ele se produz sempre no momento em que alguém começa a falar e dizer alguma coisa na primeira pessoa. Toda a obra de Freud - fundamento de nossa prática - é escrita na primeira pessoa; a psicanálise só pode existir em enunciados feitos na primeira pessoa, no momento em que estão sendo ditos. Daí a delicadeza dessa coexistência da psicanálise, de um lado, e de um agrupamento associativo de analistas, de outro. Este desafio requer dos analistas o cuidado em trabalhar constantemente a tensão entre psicanálise e o gerenciamento associativo, escolar. É imprescindível manter uma atenção para esta contradição, a priori insustentável, tê-la constantemente presente como objeto de reflexão e de trabalho grupal. As pessoas nem sempre têm consciência deste ponto crítico na vida institucional e parecem negligenciar ou ignorar a natureza do que está em jogo quando se trata de formação ou de transmissão da psicanálise de uma geração à outra, via Instituto.
Há pouco o Oswaldo falava da homossexualidade: as pessoas antes de Freud pensavam que era natural ser heterossexual. O eixo do pensamento de Freud em "Três ensaios sobre a sexualidade" (1905) é que não há nada menos natural do que a sexualidade. O fato de alguém de um sexo diferente desejar e amar alguém do sexo diferente era, para a psicanálise, afirmava ele, um desafio tão improvável e complexo quanto o fato de alguém desejar uma pessoa do mesmo sexo. Nos dois casos, do ponto de vista de Freud, era um processo onde não havia nada de natural ou de desvio do natural. Antes de Freud não se pensava assim, e depois dele os psicanalistas, principalmente, também não pensavam assim. Ninguém consegue acompanhar o pensamento de Freud: não dá, é muito denso, complexo, os analistas fazem o que podem. Vivemos em um mundo onde a Igreja católica acompanha de arrasto a atualidade e começa a discutir uma questão que envolve uma passionalidade enorme. Há três dias um homem, um escritor, se matou com um tiro na cabeça, na frente da Notre-Dame de Paris, para manifestar a sua oposição à homoparentalidade. Estas questões relativas à orientação sexual das pessoas, ao serem tocadas como estão sendo na atualidade social, cultural e política, mobilizam afetos muito fundamentais, enigmáticos, da condição humana.
Voltando ao Jornal, o fato de vocês criarem e investirem nesse espaço institucional para relançar uma reflexão sobre o que há de problemático na formação é muito importante, como estou insistindo; trata-se de saber que a "formação analítica" é algo muito problemático. Isso já é bastante. O mínimo que poderíamos esperar seria que ao menos a Comissão de Ensino nunca perdesse isso de vista. De um modo geral, infelizmente, não é o que acontece sempre: a Comissão de Ensino tende a ficar absorvida com o gerenciamento de situações individuais que vão se apresentando nas bordas dos regulamentos, a vida sendo mais complexa que as idealidades implícitas em suas determinações. Criam-se com frequência situações que, uma vez posto o regulamento, geram uma armadilha terrível onde nos deparamos, em determinados momentos, com questões bizantinas, absurdas, pois são questões que não têm mais nada a ver com psicanálise. Sentimo-nos traindo o fundamento da situação analítica. Por isso, estou felicitando o Jornal por reabrir um espaço para isso: é essencial que nos mantenhamos continuamente preocupados com a relação entre gerenciamento institucional e psicanálise.
Fizemos aquele Congresso em Atibaia sobre a análise esperada e requerida por alguém que pratica a psicanálise: a iniciativa foi entendida, em dado momento, inclusive por alguns membros da Diretoria coordenada por mim, como uma tentativa de impor "goela abaixo" da Sociedade modificações no modo de organizar a análise de formação, arcaicamente chamada de didática. Ora, tratava-se de oferecer uma abertura para que falássemos sobre o assunto num encontro de nossos membros que se estendeu por um final de semana (foram cerca de 150 colegas). Fiquei impressionado ao ver o quanto e com que intensidade as pessoas, durante dois dias, falaram: está tudo gravado e provavelmente guardado na biblioteca.
Ao retorno, tivemos que nos haver, também, um mês depois, com uma reunião da Diretoria em que foi muito difícil falar entre nós sobre o encontro, que ali parecia ser apenas alguma miragem, algo pouco real, que não tivesse acontecido de fato. Ora, Atibaia tinha propiciado que muito tivesse sido dito por nossos colegas sobre a análise de formação, a análise didática, mas estávamos vivendo, no seio da Diretoria, a ressaca, o rebote, o susto, por termos tocado num assunto que não era para mexer; tínhamos ido longe demais. Eu sabia que haveria uma reação da instituição pela ousadia, mas ela veio por onde eu menos esperava, na forma a mais inesperada, em uma simples reunião da Diretoria que expressava sintomaticamente a resistência grupal. Em algum momento talvez tenhamos condições de retomar produtivamente os registros das falas dos colegas no Congresso Interno de Atibaia. Naquele momento, não era possível prosseguir; era preciso fazer como se ele não tivesse acontecido, respeitando os mecanismos de defesa radical da instituição em não se dar valor de realidade, ou um peso de realidade mínimo, a um acontecimento muito significativo.
Jornal de Psicanálise - Já que entramos no tema, vamos agora iniciar com a primeira pergunta: dentro de sua trajetória institucional, a convivência entre as esferas pública e privada apresentou alguma questão significativa? Acho que vocês até começaram a falar, mas se alguém quiser comentar alguma coisa a mais...
Marina Bilenky - Para complementar o que já falei, a transferência que você tem com o seu analista interfere bastante, principalmente naquele momento em que eu me encontrava, em plena transferência na análise, e presidente da associação; eu precisava de alguma forma sentir que teria algum tipo de aval do meu analista para defender as posições em que eu acreditava, porque seria difícil ir completamente contra. Também observava que o mesmo ocorria com os colegas que estavam na associação. As filiações e as posições políticas caminhavam muito próximas das do analista. Estes são aspectos que interferem e são perigosos, pois carregam consigo o perigo da alienação, de que falava Menezes. Pode ser gravíssimo. Um dos motivos pelos quais eu não queria entrar na Sociedade, antes de eu fazer parte dela, foi o fato de ter observado pessoas, bem no início da minha carreira, que começaram suas análises didáticas e foram perdendo a autenticidade, a vivacidade. Isso era tão forte, que eu pensava: não quero isso para mim.
Menezes - A florzinha foi murchando.
Marina Bilenky - Foi murchando, eram pessoas autoritárias, nunca quis conhecer esses analistas.
Menezes - Você não quis correr esse risco.
Marina Bilenky - Não, não queria, mesmo porque eu acho que deveria ter uma certa tendência de entrar nesse tipo de relação; isso de ter tanto medo é porque eu deveria intuir que poderia correr algum risco.
Menezes - Todos temos.
Marina Bilenky - Mas, enfim, eu acho que é muito significativo ficar estudando na esfera pública e privada, porque interfere muito na sua atuação pública, na análise do jeito que é, 4 vezes por semana, na intensidade.
Oswaldo - Em relação à questão proposta, eu tive algo peculiar com uma diferença bem grande do privado e do público. Fiquei 20 anos com um analista didata. Nesse momento, eu não tinha essa vivência institucional; eu pertencia à instituição, mas não tinha nenhuma participação, o que ajudou a me desvincular um pouco disso, embora acredite que mesmo assim eu tenha aproveitado bastante a análise, privadamente. Foi também o contato que tive com D. Lygia Amaral, que relativizava muito as coisas, como em relação a esse peso inibidor, que permitiu que eu me desse conta de que eu pertencia a uma instituição, depois que terminou a análise.
Jornal de Psicanálise - Isso também é interessante.
Oswaldo - Fiquei resolvendo essa questão transferencial - foi um período privado bem marcado por todo investimento - e só depois comecei a valorizar e perceber os problemas que o Menezes citou nesse contexto. Me parece meio paradoxal até, que uma instituição de psicanálise tenha coisas tão burocratizadas, normativas e escolares, com cara de coisa universitária: isso parece conspirar contra a psicanálise. Quando você trabalha, como eu, nesses lugares, o mais difícil é não se render aos conluios que são propostos, com as publicações, as teses. Eu tenho o privilégio de não pertencer à academia - sou do hospital -, então estou livre das exigências acadêmicas, mas vejo que os colegas que entram nisso, mesmo que tenham formação, vivência, prática psicanalítica, correm o risco de apresentarem algo empobrecido, ou ficam congelados. Fica uma coisa teórica, o que não acho interessante. O próprio Freud, em relação ao instituto de Berlim, sempre mostrou reservas, não era assim tão entusiasmado com as ideias do Eitington, relativas a formalizações.
Joana - Quando iniciei minha formação, eu já fazia análise com minha analista didata. Porém, não foi uma simples continuidade. Aconteceu um impacto na minha análise, atravessamos uma turbulência: era a entrada de um terceiro na nossa relação. E a questão era: como lidar com isso? Acho que essa questão foi vivida de uma forma muito rica e manejada de acordo com meu processo analítico. O impasse que se vive é: como faço para estar aqui (e eu queria estar aqui, tinha feito essa escolha) sem ignorar as regras, a lei, o limite, o outro, e, ao mesmo tempo, não me anular, me atropelar, ou seja, sem murchar a florzinha? Fico pensando se essa não é uma questão edípica. Tive que fazer alguns arranjos durante o meu processo de análise, e em nenhum momento senti que não estava em análise. Eu estava em análise a todo momento e com uma analista que sabia que essa questão estava presente o tempo todo. Não era nem me anular e nem anular o outro, era estar ali.
Jornal de Psicanálise - É curioso colocar na análise um certo risco. O risco da análise criar uma hipertrofia do espaço privado - sabemos que são termos da sociologia -, como se a análise pudesse representar o risco de hipertrofiar o seu espaço privado e você ter que negar a instituição.
Luis Carlos Menezes - Creio que a hipertrofia do espaço privado é até um eufemismo, porque o que ocorre é uma massificação a dois. A expressão não é minha, é do Freud, referindo-se à relação do hipnotizado com o hipnotizador em "Psicologia das massas e análise do eu". É quando um eu fica especularmente absorvido por outro eu; acho que é disso que a Joana estava falando quando nos contou o que conseguiu, o que, de certa maneira, é muito bom. Em seus depoimentos, a Joana, o Oswaldo e a Marina nos dizem, deste ponto de vista, que viveram as suas análises sem serem massificados; massificação é uma espécie de estado onde o sujeito não consegue mais falar em nome próprio, pensa que está falando em nome próprio, mas está tomado pela devoção a um outro.
Uma observação, na linha do privado, quando a Joana fala da lei - estamos fazendo até um seminário agora sobre isso. A lei não é uma noção que está em Freud, é uma leitura de Freud por Lacan, mas muito colada em Freud. A lei diz respeito à proibição do incesto, quer dizer, da endogamia. É, pois, aquilo que se contrapõe a essa massificação a dois, como curto-circuito incestuoso, e que possibilita a saída do sujeito, em sua singularidade, para o espaço grupal, social, para poder constituir uma história própria. O espaço grupal que encontra está, por sua vez, num momento de um processo histórico: nele cada um vai constituir sua própria história, como deu para ver no relato de vocês três.
Joana - Na minha experiência, a minha análise, o privado, ajudou a navegar pelo público, supervisão e seminários, e vice-versa. Muitas situações vividas nesses espaços me ajudaram a aprofundar minha análise ou mesmo situações vividas em seminários coordenados pelo meu supervisor, e permitiram um movimento em minha supervisão, pelo fato de nos seminários ter a presença de um grupo que diluía algumas vivências que eram paralisantes nas situações de supervisão. Só que isso só pôde ser percebido e modificado no âmbito do privado, na minha análise. E, por outro lado, situações vividas na supervisão deram uma bela chacoalhada na minha análise. Com isso, tento trazer a ideia de que em diferentes espaços dentro de uma instituição é possível viver algo que se repete e se atualiza, mas de maneiras diferentes, ora provocando uma paralisia, ora trazendo um movimento. Eu acho que é nesse sentido que digo que a instituição está dentro de nós. Digo isso considerando apenas um ponto de vista, aquele em que vivemos intensamente e internamente, na mais pura solidão e sofrimento. É um grande desafio não deixar a flor murchar, podemos passar por momentos de seca e ela murcha mesmo, e momentos de água e sol, quando ela volta com força e vida.
Marina Bilenky - Eu acho que existe a questão individual, mas tem também o entorno que tem que dar uma sustentação a isso. Se você está dentro de uma instituição que é muito rigorosa nas regras, muito fechada, muito dogmática, será muito mais difícil você encontrar seu lugar.
Menezes - A instituição dentro de nós, de que fala a Joana, pode ser pensada na linha da tendência incestuosa em ficar eternamente preso à tal da servidão voluntária que é uma tendência muito intensa, muito profunda em cada um de nós.
Oswaldo - Não dá para extirpar, essa coisa volta...
Menezes - Justamente por isso, mas a forma com que você colocou dá um aprofundamento maior. É o problema de qualquer agrupamento que se forma; e se não se formar, é mais grave ainda, como dizia o Fédida. Quando uma pessoa individualmente faz uma formação independente, pode ser mais complicado, pois o que importa são os riscos dos quais vocês falavam. Conheço colegas que se recusaram a se integrar em uma instituição de psicanalistas ou mesmo de ficarem ligados à USP ou ao Sedes e que são excelentes analistas. Na formação independente, o risco para o qual Fédida chamava a atenção, é o de ficar na monorreferência, instituir um analista único como referência, sem poder dispor dessa função da instituição que permite difratar os efeitos transferenciais alienantes. Creio que se trata daquilo que o Marcio atribui à função dos seminários; é interessante, mas acho que só os seminários é insuficiente, economicamente, para contrabalançar todas essas paixões de que estamos falando, que chamamos de transferências e que se atualizam, se avivam na instituição. Mas o importante, eu insisto, é que haja esses ingredientes, porque se não houvesse essa instituição interna como a Joana disse, não haveria problemas; não teríamos problemas com o diabo se nós não tivéssemos a tentação de fazer aquilo que ele nos assopra no ouvido.
É muito forte a tendência à alienação no outro, alienações religiosas, enfim, nas convicções em torno mesmo de ideias científicas. Uma vez que nos arriscamos a sustentar uma instituição, uma vida em instituição, é necessário ter muito presente os desafios que o tempo todo isto comporta. Temos que cuidar desse jardim, voltando à imagem das flores.
Jornal de Psicanálise - Pensando na ocupação e no investimento dos espaços institucionais, há espaços não ocupados? Quais seriam? Há espaços silenciosos e enrijecidos? Que fatos contribuem para este processo?
Menezes - O espaço, como já falei exaustivamente, é o de pensar a própria instituição como problemática, o que não quer dizer como coisa errada, mas arriscada. A inserção numa instituição de psicanalistas comporta riscos em relação aos quais temos que estar o tempo todo nos interrogando, seja na Comissão de Ensino, seja no Jornal. Não podemos fazer como se fosse algo simples: é complexo, por todas as razões que acabamos de falar.
Jornal de Psicanálise - Precisamos desmistificar que o fato de pensar e criticar continuamente não é um risco, não é um ataque ou uma ameaça de racha.
Marina Bilenky - É a inércia institucional, sempre foi assim, então, tem que continuar assim. É muito difícil as pessoas, a massa das pessoas, questionarem o que sempre foi assim e era bom.
Menezes - Em um número recente da Veja, vi uma foto da liderança de uma mobilização, predominantemente de senhoras, cerca de 20 mil pessoas, com cartazes e uma postura aguerrida, como se estivessem salvando os pilares da civilização contra o caos iminente. O local era São Paulo, em 1977 (não é tão longe assim), e o assunto então muito polêmico. Tratava-se de uma lei que autorizava o divórcio e que estava na iminência de ser aprovada pelo Congresso Nacional.
Jornal de Psicanálise - Estavam contra...
Menezes - Não estavam contra, elas estavam salvando o mundo da desagregação. É posssível ver no rosto dessas pessoas que elas estavam claramente ali salvando a família. Se hoje, 30 anos depois, vocês pensarem em uma passeata na praça da Sé, no Anhangabaú, na Paulista, convidando pessoas para se manifestarem pela abolição desta lei, e que se estabelecesse a indissolubilidade do casamento, quantas pessoas compareceriam? Mas naquela época, naquele momento, eram 20.000 pessoas, estavam muito mobilizadas. Curioso que eram predominantemente mulheres, e parecia que pairava ali a ameaça de uma ruptura tremenda. No entanto, a lei passou, nós continuamos a viver, talvez melhor um pouco; hoje a sociedade aceita que um casamento possa, por mais doloroso que seja para os filhos e parceiros, não se manter indefinidamente. O Estado aceita que aquelas duas pessoas que voluntariamente se apresentaram para se unir queiram, agora, dissolver aquele laço. Isso, como a Marina falava, são os hábitos, ideias que ficam, que parece que, se modificadas, vai cair o mundo. Apenas levantar um assunto, já fica uma suspeita, como entre nós o congresso de Atibaia. Muitos foram, mas ficou um susto difuso: "começar a falar disso, que querem fazer, aonde querem chegar?". Não sei aonde querem chegar, vamos falar, vamos ver para onde vamos, sem medo de falar, discutir, pensar, avaliar novas perspectivas e modalidades onde isto parecer desejável e necessário.
Marina Bilenky - Realmente, na minha época de gestão, questionar a análise didática ou o analista didata era impensável e "infalável", muito forte.
Menezes - Se tivermos cuidado com a instituição, conseguiremos avançar com segurança nas renovações que ela vai necessitando. Há poucas semanas, em uma reunião em Paris - eu estava como representante da Nilde - no Congresso de Psicanalistas de Língua Francesa, participei de uma situação que gostaria de relatar. No decorrer de uma reunião com presidentes de Sociedades e representantes no "Board" da ipa, em dado momento um colega, muito influente na ipa, abordou uma questão referente aos membros filiados, aos candidatos, e que dizia respeito ao fato destes se dizerem "psicanalistas". O assunto suscitou várias intervenções, num tom um tanto polarizado, de colegas de diferentes países, em relação a uma questão que já se tornara obsoleta em nossa Sociedade, pois já tínhamos conseguido avançar. Várias pessoas falaram, discutiram, até que, em certo momento, falei de como tínhamos nos havido com este assunto. Disse que percebemos em dado momento que todo mundo em São Paulo se dizia psicanalista, exceto aqueles que se aproximavam de nós para fazer a formação; e se estes já tinham uma clínica, o que era frequente, ao ingressar na "formação", deixavam de ser analistas para aparecer em nosso site como candidatos. Quando uma pessoa procurava alguém para fazer análise no site devia achar estranho um analista que estivesse numa lista de "candidatos" (candidato a quê?). Falei que, por isto, resolvemos mudar o nome, passando a chamar os colegas "em formação" de "membros filiados do Instituto". Aí, foi uma tempestade, o fulano do Canadá levantou, o presidente da spp (Sociedade Psicanalítica de Paris) também levantou e fez uma exposição exaltada, mostrando por a + b que aquilo era um absurdo, como alguém poderia se colocar como analista se não tinha ainda terminado a formação.
Ponderei que uma pessoa em formação tem que receber pelo menos um paciente em análise, e em relação ao qual assume o compromisso de ser o analista. O analisando poderá falar para seus amigos, seus familiares, que está em análise com fulano. E, de fato, se espera que ele esteja; então ele está diante do paciente assumindo um compromisso ético fundamental de ser o analista dele, de estar em posição de analista. E como ele faz para dizer a seu paciente: "Para você, eu estou em posição de analista, mas para os colegas não, só serei analista daqui a dez anos ou quando terminar a formação". Como é que faz?
Falei de um outro avanço recente em nosso novo Estatuto, ao introduzirmos uma pequena modificação na frase que definia quem, como instituição, considerávamos psicanalistas e que dizia: "São psicanalistas para a Sociedade as pessoas que tiverem feito a formação analítica de acordo com as normas do Instituto"; na nova versão ficou algo como: "Para a SBPSP são considerados psicanalistas da Sociedade as pessoas que tiverem feito a formação analítica de acordo com as normas do Instituto". Esta maneira de tratar do assunto que encontramos em nossa Sociedade acabou afrouxando o ardor e a indignação de candidatos se chamarem de "psicanalistas". O colega de Porto Alegre contou que também tiveram que modificar o nome, mudando para membro aspirante.
É bom ter essa ideia de conjunto, e não a Sociedade olhar apenas para o próprio umbigo e ver as outras Sociedades, a comunidade psicanalítica como um todo, seja da ipa, de preferência, mas seja também fora da ipa. Eu vi os colegas neste episódio da reunião no Congresso agoniados, angustiados, falando de um modo passional (como na história do divórcio acima), argumentando que era "uma mentira" dizer-se membro quando não se é membro, apesar de ele ser membro do Instituto, estar na lista de membros da Sociedade e na lista de membros do Instituto. Temos colegas que chegam com todo um percurso, uma clínica, e não podemos dizer, como se estivéssemos na Berlim de 1920, onde as pessoas ouviam falar da psicanálise e faziam uma formação que durava 3, 4, 5 ou 6 meses, enquanto que aqui dura 10 anos. Como conciliar o fato de ele ser um analista com seu paciente e, ao mesmo tempo, ser "um analista que não é analista ainda".
Um deles lembrou algo historicamente bem arcaico: quando o candidato começava a formação, ele tinha que assinar um termo de compromisso de que ele não iria falar que era analista, e nas publicações, por exemplo, criava um problema se ele se intitulasse "analista". Aqui já foi assim, mas avançamos, amadurecemos encontrando melhores soluções para novas realidades.
Joana - Quando falo que a instituição está dentro, estou falando de um vértice, de uma certa perspectiva. É claro que o fora influencia, e muito, a instituição pode ser pior ou melhor do que aquilo que vivenciamos, ajudar ou dificultar. Poder murchar e renascer, ou pensar e não rachar, é um movimento que eu acredito que ajuda na formação de um analista, naquilo que ele vai sendo capaz de sustentar. Com relação ao nome candidato ou membro filiado, como eu não acompanhei o movimento histórico, fica difícil entender essa briga pelo nome. A pergunta que fica para mim é: que lugar é esse? Por que ficamos brigando pelo nome? Qual é o impacto que causa no nosso percurso a entrada para o Instituto?
Menezes - Você acha que não faz diferença ser "candidato" ou "membro filiado do Instituto"?
Joana - O nome não muda, ele vai para sinônimos. Para mim filiado é filho, é a associação que eu faço. Eu ainda não estava aqui.
Marina Bilenky - É interessante para quem chegou depois...
Jornal de Psicanálise - A Joana traz algo que nos toca: algo muito importante. Qual o incômodo institucional atual? O que está incomodando? Porque se não estiver incomodando, estamos estagnados. Não mudamos nada, somos ótimos, 4 vezes por semana, 5 anos. Quando chega um novo integrante, novas questões são levantadas; por isso é muito interessante a Joana estar aqui, para dizer o que está acontecendo. As questões chegam de outra forma, isso movimenta e talvez se cristalize. O fato é que ela traz algumas inquietações, e é importante darmos lugar às novas questões. Poderíamos explicar porque sim ou porque não, mas não interessa, ela não viveu isso. Os avanços que fizemos já estão zerados.
Menezes - A entropia...
Jornal de Psicanálise - Inclusive isso já está aparecendo na própria equipe do Jornal, porque temos diversas gerações e falas históricas, de momentos diferentes, lutas diferentes, por isso é muito interessante ouvir e saber qual é o incômodo do novo, qual seria a luta hoje. O vácuo de lideranças na Sociedade tem muito a ver com isso, precisamos ouvir o pessoal mais jovem, caso contrário, não existirão lideranças. É importante saber quem tem desejo de vir para cá. Cabe a pergunta: qual a imagem da nossa instituição? O que ela significa?
Menezes - Você não acha que é uma legitimação da prática psicanalítica que eles vêm buscar? Porque é a única Sociedade que tem, e entrar aqui é entrar na comunidade psicanalítica internacional fundada por Freud.
Marina Bilenky - Lá no HC as pessoas estão indo para a Sociedade lacaniana.
Oswaldo - Quando comparo com outros países, vejo que temos uma vitalidade incrível, principalmente aqui em São Paulo.
Jornal de Psicanálise - Dentro do critério IPA?
Oswaldo - São pessoas que se mobilizam, vejo tanta gente jovem começando a formação.
Marina Bilenky - A partir da fala do Menezes, o que me ocorreu de espaço enrijecido é que somos da ipa, e a IPA tem essa força de lei, todos ficam exaltados nas reuniões e isso ressoa muito forte para nós, mesmo para quem estava no poder até pouco tempo, além de toda aquela época de repressão em que a IPA entrou e fechou as Sociedades.
Menezes - Mas houve uma mudança, vou usar sua palavra de antes, horizontalizou. A IPA perdeu esse poder, hoje ela é mais uma ONU, é mais um agregado de Sociedades, mais um estímulo para essas Sociedades dialogarem entre elas, decidirem etc., do que uma força de intervenção como foi há 20 ou 30 anos.
Marina Bilenky - Mas tem o imaginário das 4 vezes por semana...
Menezes - Não, isso é aqui em São Paulo. A Argentina é muito mais dinâmica, avançou muito em relação a essa questão. E a questão no momento é quem quer pensar e quem não quer pensar esse assunto, isso quer dizer que pensar leva um tempo.
Freud dizia que pensar envolve pequenos deslocamentos de energia, na linguagem metapsicológica dele, e que equivale a uma experimentação. Pensar não é fazer. Então vamos pensar, conversar, o problema não é impor nada e aí é o limite da recusa de pensar, porque estamos diante da situação da análise didática na Sociedade, do analista didata na Sociedade de São Paulo, das questões que se possa colocar ou não, das boas saídas, das frestas. Vamos pensar, conversar, o tempo que for, dez anos se precisar, vamos falar sobre isso, não vamos decidir nada enquanto não houver um consenso; não se trata de querer impor ou romper, fazer uma ruptura. Hoje a dicotomia, me parece, pode ser a vontade dos que se sentem terrivelmente ameaçados e se recusam, se recusam a pensar, afirmando que não há o que pensar sobre este assunto.
Jornal de Psicanálise - Essa questão de não querer falar, não querer pensar. É como se tivesse que sair da Igreja, como se precisasse sair desse núcleo de leis e assim, lá fora em Atibaia, em off, todos conseguiriam falar.
Menezes - Lembrei de uma coisa fantástica, Heloisa, que criamos em nossa Sociedade, que são os congressos internos: quando tem um assunto muito enrolado, nos encontramos num hotel e ficamos um final de semana inteiro discutindo o assunto. É importante que nele não se delibere nada, pois isto facilita a soltura das conversas. E isso é uma prática que inventamos e que temos usado de maneira produtiva para dar conta dos gargalos com os quais nos confrontamos. O currículo eletivo, por exemplo, partiu de um congresso interno, além de outras questões como a atual modalidade de passagem a analista didata.
Jornal de Psicanálise - Um dos espaços vazios seria a impossibilidade de praticar o método na própria instituição. Associar livremente sobre a própria instituição, esse seria um espaço grave, não poder aplicar aquilo que fazemos...
Menezes - É como dizer para o paciente: "Isso eu não posso falar", "Esse assunto eu não quero que você fale". Até mesmo sem falar, mas passar isso para o paciente. Estar na condição de que um assunto seja insuportável para o analista.
Oswaldo - A homossexualidade é um assunto que provoca esse tipo de reação. Alguns colegas que se manifestaram me disseram: "O que você está querendo?" E a recomendação: "discrição... para que criar problemas?"
Marina Bilenky - Os homossexuais eram barrados nas seleções algum tempo atrás.
Oswaldo - Isso também mudou. Os médicos mudaram antes. Faz tempo que deixou de ser doença na psiquiatria.
Menezes - Era considerado uma patologia psicótica, um estado psicótico.
Oswaldo - Para mim é algo novo também ter clareza dessa dimensão política da psicanálise. A instituição mostra isso.
Menezes - Você diz no político geral? Nos costumes sociais?
Oswaldo - Nesse lugar de psicanalistas terem uma atuação política.
Menezes - No campo social?
Oswaldo - Não, essa política institucional, essa participação. Esse tipo de pensar e falar, e poder falar que mobiliza coisas de poder. As pessoas me deram várias sugestões para mudar o nome do grupo.
Menezes - Mudar o nome é um convite ao recalque. O Lacan falou que o recalque é uma operação metafórica, onde você substitui uma palavra por outra e a palavra fica eliminada contendo todo o afeto, a carga do recalcado. Uma palavra como eufemismo, os políticos fazem isso, eles deslocam uma palavra e muda tudo, fica diferente, perde o fio, a violência...
Jornal de Psicanálise - A verdade...
Menezes - A força da verdade.
Jornal de Psicanálise - Não é bem uma pergunta, mas uma inquietação, nessa questão de política. Sendo a fala em primeira pessoa, uma fala própria à psicanálise, como ter uma fala coletiva, nas instituições, sem trair sua essência? Uma fala coletiva que não seja massificada?
Menezes - A universalização de uma formulação é resistência à análise. Pode ter sua função, mas é resistência à análise. Autores que consideram a obra escrita de Freud como testemunha de um trabalho autoanalítico, distinguem momentos de avanços e momentos resistenciais.
Jornal de Psicanálise - Mas em um grupo isso seria impossível, do ponto de vista operativo.
Menezes - Não, porque as falas não têm que ser cristalizadas. Por exemplo, posso falar em pulsão, mas se eu falar sempre sobre pulsão do mesmo jeito, estou com problemas, essa palavra "pulsão" virou um sintoma, cristalizou, ficou um lugar de impedimento pensado, o que era a preocupação de Winnicott com o uso da metapsicologia: a sua desconfiança era com o uso de um linguajar metapsicológico, linguagem de especialista, que poderia encobrir o fato da pessoa estar dizendo com essa linguagem coisas sobre as quais, na verdade, não sabia que estava falando.
Esta preocupação é manifestada por Freud quando começou a introduzir a metapsicologia no capítulo 7 de "A interpretação dos sonhos". Ele escreve algo como: agora vou entrar em uma área em que nunca ninguém esteve. Pura obscuridade e eu não tenho nenhuma referência, não posso trazer o desconhecido ao conhecido, terei que inventar algumas coisas. Mas o mais importante é que quando, na psicanálise, se fizerem coisas como a que vou fazer agora, nunca se perca a primeira articulação lógica, expressão dele, que eu entendo como a relação com a linguagem e a experiência, aquilo que faz sentido para quem fala ou escreve.
Então, se falamos de pulsão em um contexto, em cada momento que se fala, tem-se que saber do que se fala e a que estamos nos referindo; dizer de diferentes maneiras, senão viraria um conceito imobilizado. Desse ponto de vista, Pontalis chama, com razão, os conceitos de tiranos, de predadores... Usando a etimologia da palavra em alemão para conceito, Begriff, ele destaca esse griff, "garra", para atribuir ao conceito um efeito de agarrar e imobilizar o pensamento. Na linha de um aforisma de Nietzsche, se pergunta por que certas pessoas não se contentam em apenas aflorar a verdade, por que elas insistem em querer sentar-se pesadamente em cima dela?
A metapsicologia se movimenta, poderia se movimentar o tempo todo na boca daquele que fala e no pensamento daquele que pensa. No momento em que se imobilizar, ela se torna estéril e, nesse sentido, há divergências no movimento analítico que têm como pano de fundo visões epistemológicas diferentes. Eu estou entre os que entendem que, na psicanálise, quando se busca universalizar os conceitos e organizá-los em sistemas de inteligibilidade muito estabelecidos, corre-se o risco de esterilizar aquilo de que se fala; o importante é que quando se fala ou se escreve, esta fala mantenha a possibilidade de produzir efeitos de verdade, que carregue algum frescor, alguma verdade.
Jornal de Psicanálise - Uma verdade provisória.
Menezes - A verdade analítica é composta de momentos e efeitos de verdades, momentos de insight.
Jornal de Psicanálise - Isso que a Marina tinha falado, dessa diferença da história, tem um grupo na Sociedade que fala de um momento e os novos estão falando de outro. A sensação que dá é que as pessoas falavam de uma verdade, de uma luta, toda a luta dos membros filiados, infantilização, e agora temos ouvido também pessoas que não encontram mais isso, esta tal infantilização. O que fica nesse ato? Que verdade que era? Pois parece que para um grupo ela ainda existe, mas para o outro - que veio depois - não é mais, talvez seja uma outra verdade.
Marina Bilenky - Que é até um alívio, as coisas estão se mexendo...
Jornal de Psicanálise - A impressão que dá é que precisamos lutar sem gerar nada, o susto é ver que algo foi gerado, então, ficamos satisfeitos.
Menezes - Isso dá um sentido ético para a luta histórica. Tanto dentro da Sociedade como no campo social em geral, como na questão do divórcio.
Joana - Que lugar é esse dos membros filiados, dos candidatos? Será que quando entramos na instituição temos uma espécie de regressão do analista, um momento regressivo, não é algo negativo, mas algo que nos interroga, como quando estamos diante de algo novo, e depois vamos nos recolocando?
Jornal de Psicanálise - Mas Joana, será que não se trata de dois movimentos? Um deles diz respeito ao processo individual que de fato existe, quando você entra e faz seu processo de análise e supervisão, e o outro é o processo da própria instituição, histórico, quem entrou como você ou como o Menezes, o Fabio Herrmann etc., quando só havia 27 analistas didatas. As histórias são diferentes, é um dado de como cada candidato se sentiu, a Sociedade era muito fechada, depois foi abrindo e agora vocês estão entrando. O processo que é vivido privadamente é mais ou menos isso, não acho que seja necessariamente ruim, é um processo essencial, são dois níveis diferentes, devemos fazer essa distinção, do que estamos falando e qual a influência que a história tem, às vezes, entre o público e o privado. Quando a instituição é muito fechada e autoritária, ela interfere e pode privatizar ainda mais o espaço do privado, que é um pouco a fala do Oswaldo. Quando a instituição privatiza a mais, ela que, como instituição, deveria abrir o espaço para o público (mas ninguém vem fazer análise aqui dentro), até que ponto ela acaba administrando esse espaço, até que comecem as doenças institucionais? A partir de situações transferenciais, ela acaba privatizando excessivamente, gerenciando esse espaço privado do analisando, quando não deveria. E um contraponto enquanto a análise se forma é que ela pode abrir, circular.
Menezes - O espaço privado do analisando envolve a atividade dele como analisando com todas as regressões próprias de uma análise, seja no decorrer de uma sessão, seja ao longo do processo analítico. Outra coisa seriam regressões no espaço público da instituição.
Jornal de Psicanálise - É como o Oswaldo estava falando, ele fez análise e praticamente não pôde usufruir da instituição, quase como se não houvesse a instituição. É como se ele tivesse entrado na instituição. Em um certo sentido fazer uma análise didática é quase como se institucionalizar a privatização do espaço, excessivamente, e ao contrário, quando se entra em uma instituição de formação abre-se o espaço público, isto é, participar dos cursos. A formação é uma ampliação, abre os horizontes, e não o contrário.
Menezes - Em toda IPA funcionava assim, bem arcaico. Se o analista não desse a autorização, não era possível iniciar os seminários. O analista tinha o poder de decidir, entendia-se que o analista era quem mais conhecia o analisando, se ele poderia ou não ser analista. Vejam como essas condições deviam interferir nas análises.
Jornal de Psicanálise - A análise didática tinha esse poder.
Menezes - Isso foi abolido há muitos anos.
Jornal de Psicanálise - Mas o analista didata pode se tornar algo próximo a um imperador, a Deus. São essas situações, as transferências, a instituição tinha o controle desse espaço público. A pessoa não podia se beneficiar da formação, do espaço, frequentar os cursos... e o analista tinha um lugar de poder.
Menezes - Lugar de representante da instituição, que era simultaneamente o lugar do analista e da instituição, o que é impossível.
Oswaldo - Quase que inviabiliza a análise.
Menezes - A rigor, inviabiliza. Não vejo como...
Oswaldo - Acho que é um desafio manter uma análise dessa forma...
Menezes - Por isso, na França, foi abolido, simplesmente. Em relação à primeira pergunta, só omiti, mas isso é mais ou menos conhecido, eu nunca fiz análise didática. Fiz a minha análise por necessidades absolutamente pessoais, estava em análise há muitos anos quando decidi buscar uma instituição, aí fiz entrevistas. Lembro-me que uma das perguntas na entrevista era: "Por que você escolheu esta instituição?". E a minha resposta foi: "Acho que esta instituição pode ser útil para este meu momento de formação analítica", ela pode ser útil para mim e não o contrário, não é um momento provisório, é uma instituição provisória. Uma vez admitido para supervisão, continuei a minha análise com um analista que não era da instituição, e nunca foi. Continuei com ele muitos anos e nunca mais ninguém me perguntou sobre minha análise. Fiquei lá por mais de 10 anos e ninguém perguntou. E não foi o fim da "civilização ocidental".
(risos)
Jornal de Psicanálise - Poderíamos agora transitar mais livremente pelas últimas perguntas.Gostaríamos de ouvir os comentários de vocês acerca do curriculum do Instituto, e também sobre as atividades que as diversas diretorias propõem.
Menezes - Em relação ao currículo, é um grande feito que conseguimos, durante um congresso interno, realizado no hotel São Pedro. Conseguimos essa flexibilização, e metade dos seminários passaram a ser eletivos. Temos que dar valor à conversa anterior sobre os membros filiados. Essa conquista tem um imenso valor.
A Sociedade de São Paulo tem uma tradição, deveria ter um potencial de muita inovação. Em algum lugar esse potencial opera, apesar da tendência conservadora, porque é uma Sociedade que vem de longe, foi fundada num espírito muito aberto, que não hesitou em entrar em contato com Freud, que acompanhou estes inícios. Em correspondência com ele, Durval Marcondes enviou o primeiro número da Revista Brasileira para ele, assim como um livro seu sobre psicanálise e literatura. Freud respondeu que já tinha comprado uma gramática e um dicionário da língua portuguesa para ler a Revista Brasileira de Psicanálise; ele já tinha estudado espanhol para ler a tradução do Ballesteros.
Marina Bilenky - Na Revista Brasileira de Psicanálise tem a letra do Freud.
Menezes - E, seguramente, Freud leu o primeiro número da Revista. A fundação da Sociedade foi feita por três mulheres, nenhuma delas era médica. Freud defendia, como vimos no artigo ao qual o Marcio faz referência, a análise leiga. Virginia Bicudo, que tinha a questão da cor, pois ela era mulata, não era psicóloga, era cientista social. Judith Andreucci que era psicóloga e filósofa. Lygia Amaral que era assistente social. Houve ataques de psiquiatras, a história do Pacheco contra a Lygia e a Virginia, naquela época da formação. A Sociedade se constituiu assim.
Freud defendia a análise leiga no embate com os americanos. Aparece na correspondência com o Ferenczi que ele, Freud, estava decidido a sair da IPA se fosse aprovada a exigência, defendida pelos americanos, de que somente médicos pudessem se tornar analistas. Freud disse: "Se isso passar, eu saio da ipa", e Ferenczi tentou apaziguar dizendo que não passaria. Em resumo, cancelaram o congresso para evitar que Freud saísse da ipa, pois os americanos teriam a maioria de votos e, assim, acomodaram as coisas. Na Europa foi mantido o ponto de vista que Freud defendia, como uma questão de vida ou morte para a psicanálise. E nós temos uma Sociedade, que desde muito antes de ser reconhecida pela ipa, já era uma Sociedade fundada por mulheres não médicas, e essa prática foi mantida desde os seus inícios. Mesmo em relação a muitas outras Sociedades da América Latina, era muito avançada.
Certa ocasião, quando eu estava na presidência, em uma reunião dos institutos, conversando com uma colega de vanguarda, carioca, num intervalo, mencionei, en passant, que tinha entrado uma pessoa na Sociedade que era engenheiro, e ela perguntou: "Como assim, engenheiro?". Ela ficou boquiaberta e eu fiquei surpreso com a reação dela, pois imaginava que aquilo fosse algo comum, ao menos no Rio. Era impensável para ela - de novo a força imobilizadora dos hábitos e costumes -, enquanto que entre nós isto sempre foi assim, desde os mais longínquos inícios.
Essa origem deve assegurar um potencial de ousadia nesta Sociedade. Então, esse currículo, essa abertura do currículo tem potencial de inovação, e muitas resistências foram criadas com o tempo, o que é inevitável. O que se conseguiu com esse currículo é um aspecto precioso, pois se tem um sistema onde metade do currículo é totalmente livre e a outra metade do currículo teórico é determinada, o conteúdo temático, em princípio; mas a maneira como é abordado, e por quem - quem vai fazer com quem -, é totalmente livre na questão do espaço público de que fala o Marcio. Também um colega diretor do Instituto em Porto Alegre, por ocasião de uma visita em São Paulo, não entendia nosso sistema, porque lá estão habituados (sempre os hábitos que adquirem força de leis ou de tabus) a turmas e matérias dadas por professores indicados pelo Instituto. O candidato não escolhe o professor, quando a possibilidade de escolher tem um valor imenso na movimentação das transferências, porque não tem só a influência do analista, mas teve a escolha que ele fez do analista também; as escolhas que a pessoa faz já têm a ver com uma marca pessoal, com suas próprias tendências e movimentações, ela já vai em uma direção ao escolher um certo analista, um certo supervisor. E isso é possível no sistema que hoje temos na Sociedade de São Paulo, e que permite a cada um construir o seu percurso formativo. Isso é profundamente analítico, a florzinha fica muito preservada ao se deixar o outro ir seguindo seu faro, seu desejo, por onde ele quer ir como analista.
Oswaldo - Mesmo quando não tinha o eletivo, já tinha essa abertura.
Marina Bilenky - Passei por essa experiência e foi fundamental. É óbvio, busquei ter contato com aqueles analistas com quem eu sentia ter mais identificação. Hoje, depois de muito tempo, eu teria procurado um ou outro desses analistas para quem eu falava "não", porque percebo que eu gostaria de os ter conhecido, mas na época eu estava tão envolvida e interessada em buscar tudo o que fazia sentido para mim, que não podia sair.
Menezes - Mas está em tempo, você pode assistir a um seminário como ouvinte. Esse é o lado bom da instituição.
Oswaldo - Pensando na florzinha, que seria a psicanálise, a coisa analítica...
Joana - A vivacidade, algo vivo.
Oswaldo - Tudo conspira contra isso e temos que nos virar, manter uma lucidez porque tem o nós e o fora de nós. Em relação à coisa analítica tem a questão do conflito, a vida mental é conflitiva...
Menezes - E a social também.
Oswaldo - É. Então, é querer aplacar conflitos ou situações. Temos que peitar as coisas mantendo-nos analíticos. Já atendi pacientes pelo Skype por estarem viajando, já marquei com pessoas que me acharam pelo Facebook. Fico atento a isso. Mas não acho que dá para manter a florzinha assim. Tem que ser ali, para contornar um pouco. Tenho muitos pacientes que são médicos, com vidas muito atribuladas, plantões, viagens...
Menezes - Dá para usar esses recursos se você estiver seguro do setting interno.
Oswaldo - Não é que vai desabar tudo...
Menezes - É útil.
Jornal de Psicanálise - Alguém brincou dizendo: "Mas o Freud não fez análise por correspondência?"
Menezes - Ele fazia com todo mundo. Quando seu analisando Ferenczi estava em dúvida se casava com a mãe ou com a filha, ele o aconselhou a casar com a mãe.
(risos)
Oswaldo - Freud recebia pessoas em casa...
Jornal de Psicanálise - Quando preparamos as perguntas para esse debate, uma questão que rodou em nossas conversas era se, ultimamente, na Sociedade havia um excesso de atividades, muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, uma ideia de que poderíamos viver fora daqui algumas coisas que são trazidas para dentro, sem ter tudo acontecendo aqui: o excesso e o essencial. Se quando pensamos em abrir mais a Sociedade, em ter outras atividades, acabamos mais para o lado da cultura, porque o lado do científico vai para o conflito, e como queremos abrir a Sociedade, queremos avançar, o excesso que pode ter ocorrido por conta disso.
Menezes - Eu acho que a Sociedade tem que se abrir para a psicanálise, esse é o grande desafio.
Jornal de Psicanálise - Talvez não tenhamos que lidar com essas questões. Não seria o caso de baixar a persecutoriedade, discutir, e o embate não ser algo que irá rachar, não ser pessoal? O embate é produtivo e saudável, produções novas surgirão a partir daí. Não temos essa cultura, talvez precisemos criar algo. Trabalhar muito isso internamente, dentro da instituição, falar muito disso.
Marina Bilenky - Também pensando no contemporâneo, que é esse excesso que não aprofunda em nada, a diretoria começou esse ano as discussões, os fóruns que já estão nessa direção, mas no meio de tudo que se tem para fazer, tudo fica meio perdido. Antes, a quarta-feira era o dia de ir para a Sociedade, agora todo dia é dia de ir, então acabo não indo nenhum dia.
Menezes - Não precisam ir as 800 pessoas em tudo.
Marina Bilenky - Com menos atividades você escolheria mais e poderia vir, mas agora tem tanta coisa que as coisas vão escapando, essa é a minha sensação.
Oswaldo - O mais importante, pois tem muita gente e tem que ocupá-las, são ofertas para as pessoas. E isso que a Marina traz é sério.
Menezes - Há 20, 30 anos, as reuniões científicas eram realizadas às quartas-feiras, no auditório da rua Sergipe. Todos os membros recebiam os trabalhos pelo correio e era uma reunião da Sociedade. Houve uma mudança que ficou mais marcada no momento em que a sede, devido ao crescimento da Sociedade, mudou para a rua Cardoso de Melo e a reunião científica também mudou. Hoje quando alguém vai apresentar um trabalho, ele o imprime, envia por email para as pessoas que ele acha que estão interessadas no assunto e as pessoas que vêm à reunião ou discussão leem cuidadosamente o trabalho e vêm muito dispostas a participar, o que não acontecia naquela época.
Sobre a discussão de relatório (a propósito, acho nosso sistema de relatórios muito adequado), a supervisão e esse momento de construção de uma escrita de um caso clínico, isto tudo é um trabalho didático, no sentido estrito. Se há alguma coisa de didático é essa ajuda, essa interlocução que um colega pode oferecer para o outro, ou vários colegas, para que ele transforme a experiência dele em algo escrito e a torne pública, com autoria. A forma como isso é feito na Sociedade é, a meu ver, muito boa. Se mexer, estraga. Tem a banca, em uma sala fechada, o analista conversa sobre sua clínica com três colegas que ele escolhe, ele sustenta uma fala como analista da clínica dele com colegas que se associam e dialogam com ele, uma atividade que, na minha experiência, é um momento analítico por excelência, embora ocorra no espaço da instituição, ou seja, do público. Na minha experiência, nestas discussões de relatório, fica em primeiro plano uma interlocução analítica associativa com o membro filiado, analista do caso, e que é um momento precioso de elaboração, formativo, pois congruente com o fazer analítico. E, para completar, tem o segundo tempo com uma reunião científica, em que vêm colegas mais amigos ou mais apreciados como interlocutores, ainda que seja aberto a toda a Sociedade. A pessoa irá discutir com todos e esse não é o momento de avaliação institucional, é um momento de discussão com os colegas, com os pares da instituição, do seu trabalho clínico, e é de novo um momento genuinamente analítico.
Essas reuniões, pelo menos nas que tenho participado, de 10 a 15 anos para cá, têm sido de uma qualidade que nunca vi antes. Pode ser que tenha em outro lugar, mas eu nunca vi. São momentos que me estimulam, há lugares onde a flor está muito viva, realmente mobilizadores e muito analíticos. Essas coisas preciosas da instituição devem ser preservadas e valorizadas.
Joana - O processo de escrita e publicação do relatório é uma forma de transitar entre o privado e o público. É um momento onde você publica algo absolutamente íntimo e privado, de uma forma que você não exponha a dupla, analista-analisando, mas que seja verdadeiro e de acordo com a sua experiência. Tenho pensado no meu relatório, em como esses três planos, relação analista-paciente, analista-analista didata e analista-supervisor didata, se influenciam e modificam um ao outro.
Menezes - Durante muito tempo, para o analista, o que ele fala e pensa fica marcado por esses três eixos, não só no momento que acabou de acontecer, mas fica como sedimentos, às vezes por toda vida.
Marina Bilenky - Tem o quarto pé de que o Nosek falava, porque tem também os colegas que te dão suporte e interlocução. Você também se refere a eles quando está trabalhando. Para mim isso ficou muito forte.
Menezes - E não é só nos relatórios que isso ocorre, mas na sua formação também. Depois as apresentações científicas se passam da mesma maneira, as pessoas leem o trabalho antes, cuidadosamente, e vêm discutir. Isso não é agitação, não tem como ir a todas apresentações.
Jornal de Psicanálise - Foi excelente esse debate, agradecemos muito a presença de vocês.
1 Estiveram presentes no Debate pelo Jornal de Psicanálise: Marina Massi, Abigail Betbedé, Alexandre Socha, Dora Tognolli, Heloisa Helena Sitrângulo Ditolvo e Maria do Carmo Meirelles Davids do Amaral.