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Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.28 no.2 São Paulo maio/ago. 2020
Artigo original
Análise das correlações entre os temas das sessões de psicodrama públicos do CCSP e suas manifestações na imprensa
Analysis of the correlation between the themes of the public psychodrama at CCSP and the newspaper headlines
Análisis de las correlaciones entre los temas de las sesiones de psicodrama públicos del CCSP y sus manifestaciones en la prensa
Marcia Almeida Batista1,*, Adriana Nascimento1, Moira Valvassori2
1. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde - Departamento de Práticas Clínicas São Paulo (SP), Brasil.
2. Pesquisadora autônoma – São Paulo (SP), Brasil.
RESUMO: Os psicodramas públicos, na cidade de São Paulo, ocorrem no Centro Cultural São Paulo (CCSP) com o objetivo de criar espaços públicos que possam acolher diferentes subjetividades, e a "possível troca de ideias, valores e experiências de vida a partir da construção coletiva de histórias dramatizadas" (CCSP, 2017). Este trabalho correlaciona os temas dramatizados nessas sessões, disponíveis no site da Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP), com as manchetes dos jornais "O Estado de São Paulo" e "Folha de São Paulo" dos anos de 2015, 2016 e 2017. Investigou-se se as sessões de psicodrama podem favorecer a construção da cidadania entre os participantes. O CCSP contribui para essa construção, permitindo a discussão de questões sociais atuais mesmo havendo maiores correlações dos temas como um todo, do que a coincidência temporal com as manchetes dos jornais.
Palavras-chave: Psicodrama público; Sociodrama; Mídia; Cidadania.
ABSTRACT: The public psychodramas in the city of São Paulo take place at the Centro Cultural São Paulo (CCSP) and intend to create public spaces that accommodate different subjectivities, as well as to exchange ideas, values, and experiences of life as of the collective construction of the dramatized stories. This article correlates the themes that were dramatized at those sessions available at the website from the Brazilian Psychodrama Association (FEBRAP) during 2015, 2016, and 2017 with the main headlines of the two local newspapers O Estado de São Paulo and Folha de São Paulo. The purpose was to investigate if the public psychodrama sessions could build citizenship within the members of the session. It was verified that the sessions that happened at the CCSP were significant to this construction by opening discussion of current social issues even though there were greater correlations between the themes as a whole, than the temporal coincidence between themes and the weekends headlines.
Keywords: Public psychodrama; Sociodrama; Media; Citizenship.
RESUMEN: Los psicodramas públicos, en la ciudad de San Pablo, ocurren en el Centro Cultural San Pablo (CCSP) con el objetivo de crear espacios públicos que puedan acoger diferentes subjetividades, y el "posible intercambio de ideas, valores y experiencias de vida a partir de la construcción colectiva de historias dramatizadas" (CCSP, 2017). Este trabajo correlaciona los temas dramatizados en estas sesiones, disponibles en el sitio web de la Federación Brasileña de Psicodrama (FEBRAP), con los titulares de los diarios "O Estado de São Paulo" y "Folha de São Paulo" de los años 2015, 2016 y 2017. Se investigó si las sesiones de psicodrama pueden favorecer la construcción de la ciudadanía entre los participantes. CCSP contribuye para esta construcción, permitiendo la discusión de cuestiones sociales actuales incluso habiendo mayores correlaciones de los temas como un todo, que la coincidencia temporal con los titulares de los diarios.
Palabras-clave: Psicodrama público; Sociodrama; Media; Ciudadanía.
INTRODUÇÃO
Pretendeu-se elencar diferentes temas trabalhados nas sessões abertas de psicodrama no Centro Cultural São Paulo (CCSP), além de observar a sua relevância na construção da cidadania, questionar a sua realização e o seu auxílio no entendimento da configuração de um ato psicodramático público. O objetivo específico foi verificar se os temas mais frequentes dos atos psicodramáticos se referem aos temas noticiados na imprensa no mesmo período.
O PSICODRAMA E O SOCIODRAMA DE MORENO
Psicodrama é um método de psicoterapia em grupo que se baseia em um modelo dramático e de procedimentos teatrais (Holmes, 1991). Para Jacob Levy Moreno, criador desse método, a estrutura da sessão do psicodrama é: "o palco, o sujeito ou paciente, o diretor, os egos auxiliares, e o público" (Moreno, 1997, p. 18). Ali, o protagonista é o foco da dramatização, na qual explora os seus problemas.
Segundo Moreno (1997, p. 18): "É solicitado a ser ele mesmo no palco, a retratar o seu próprio mundo privado . . . Ele tem de atuar livremente à medida que as coisas lhe acodem à mente, é por isso que tem de lhe ser concedida liberdade de expressão, espontaneidade." O protagonista traz ou sustenta o tema protagônico. Para Alves (1999, p. 90, citado em Almeida, 1999): "O tema protagônico tem suas premissas no contexto social, delineia-se no contexto grupal, e é desenvolvido e definido no contexto dramático." Holmes (1991) complementa que o tema surge concomitante ao protagonista, e depende das personagens surgidas no contexto dramático. Destaca o papel do diretor, como "o terapeuta", cuja função principal é facilitar a dramatização.
Por sua vez, Moreno define o sociodrama como: "um método de ação profunda que investiga e trata as relações intergrupais e as ideologias coletivas, lidando com identidades sociais e visando a catarse coletiva, comunitária" (1997, p. 411). Baptista (2003), parte dessa definição ao diferenciar sociodrama de psicodrama: enquanto este último trata de questões individuais, o primeiro foca na questão grupal. Afirmativa ampliada por Gonçalves, Wolff, e Almeida (1988), para eles o sociodrama é um tipo especial de terapia na qual o protagonista é o grupo e todos têm em comum determinada tarefa. Aguiar (1990, p. 148) concorda que nesta proposta o sujeito é o próprio grupo e o protagonista emerge para: "centralizar a trama que vai ser representada e evidenciar, através das descobertas que vão sendo feitas em cena, o que se passa no nível coletivo."
Este trabalho baseia-se nos relatos dos psicodramas públicos do CCSP, a partir de temas que surgiram os grupos.
O PSICODRAMA E AS QUESTÕES SOCIAIS
Moreno mostrou as vantagens da terapia em grupo sobre o processo individual, considerando que esse último tinha um ambiente mais "isolado" do que o que acontece no mundo do que no grupo (Knobel, 2004).
Entendemos o psicodrama como espaço de elaborações sociais, onde se discute temas contemporâneos, propiciando espaço terapêutico e de transformação social. Para Moreno, quando um grupo entra em terapia, a realidade social (o contexto) a que cada um dos indivíduos pertence é introduzida. Ao trazer seus temas, conflitos e sofrimentos, o grupo foca no indivíduo ou no tema grupal (Knobel, 2004). Os temas individuais ou grupais mantêm uma relação dialética. Ainda, Knobel destaca autores que consideram importante a troca entre os focos do indivíduo e do grupo. Nery e Conceição (2005) afirmam que as características específicas e principais do grupo na psicoterapia fazem com que os participantes saiam do isolamento e se percebam como partes de um grupo, como seres sociais.
Estudos usam o sociodrama como método de pesquisa ao investigar as questões sociais. Nery, Costa e Conceição (2006), bem como Souza e Cassane (2016) discutem a utilização do Sociodrama na educação. Colares (2004), Costa e Andrade (2007), Fontes (2006), e Nery e Conceição (2005) promovem reflexões acerca dos papéis profissionais.
Conceição e Auad (2010, p. 129), discutem como "trazer à tona, por meio da ação, a afetividade que envolve a complexa interação entre papéis femininos e masculinos, e observar a manifestação dos aspectos culturais e conservados nesses papéis."
O sociodrama foi usado como método de pesquisa interventiva que "busca compreender os processos grupais e intervir em situações problema, por meio da ação/comunicação das pessoas" (Conceição & Auad, 2010, p.129). As autoras citam a importância do método para pesquisa terapêutica em grupo, com dinâmica na qual conflitos e temas são protagonizados, indiretamente, por todos. Assim, a participação de cada indivíduo no processo de dramatização refere-se ao papel que cada um exerce na comunidade (Moreno, 1997).
Segundo Conceição e Auad (2010), o método sociodramático possibilita esse ambiente para pesquisas que trabalhem temas polêmicos e de questões sociais. Elas justificam o uso do método psicodramático na Universidade para criar um espaço relaxado e livre, facilitando a capacidade de atuar na sociedade. Um espaço em que "o jogo dramático permite um mostrar-se-escondendo, ou falar-sem-dizer, revelando o que é difícil de ser exteriorizado." (Castanho, 1995 citado em Conceição & Auad, 2010, p.142).
Nery e Conceição (2005) referem-se à importância do sociodrama na construção do conhecimento baseado na transformação social. Esta precisa ser fundamentada em uma ação terapêutica que vise a renovação da alma humana e da coletividade. Tal perspectiva evidencia a importância do aperfeiçoamento e desenvolvimento de intervenções grupais terapêuticas e comunitárias, por meio de debates sociopolíticos e também de outras iniciativas e formas de expressão que não se limitem à palavra ou ao discurso racional.
O Sociodrama é o espaço possível e alternativo para discussão dos temas sociais e para o treinamento do papel de cidadão na sociedade. Ele permite discutir e experimentar diversos papéis presentes na sociedade, de modo que cada um tome consciência das possibilidades, construa e transforme conhecimentos (Mühlemberg, 1999).
JORNAL VIVO
Um dos métodos do sociodrama é o Jornal Vivo. Em seus trabalhos com grupos, Moreno (1997) descreve dramatizações a partir de notícias de jornais que os presentes tinham em mãos, incentivando-os a escolher e dramatizar determinada questão ou tema ali descrito. As manchetes dos jornais eram o estímulo para dramatização. Para Moreno, trata-se de uma proposta que promove reflexões revolucionárias, pois utiliza-se do teatro, da criatividade e da arte.
O Jornal Vivo pretende "fazer a síntese entre o jornal e o teatro" (Monteiro, 1993, p. 13), uma vez que por meio dele, veículo impresso, é possível extrair as notícias atuais e, a partir delas, propor a dramatização das manchetes escolhidas (Monteiro, 1993). Gonçalves (1988, p. 83) complementa que sua contribuição está em permitir "ao grupo vivenciar o presente sociocultural da comunidade, numa experiência de criação coletiva, onde não há um protagonista individual, mas onde todos o são, a partir das notícias."
Nossa proposta é analisar se as manchetes do jornal, mesmo não utilizadas na sessão, poderiam conter conteúdos semelhantes aos trabalhados no CCSP.
O PSICODRAMA PÚBLICO E O CENTRO CULTURAL SÃO PAULO
O psicodrama público do CCSP se inicia em agosto de 2003, com um grupo de psicodramatistas que, voluntariamente, propõe um projeto ético-social-cultural-político na cidade de São Paulo. Os encontros ocorrem aos sábados, no CCSP, de forma gratuita e aberta ao público interessado.
Vários estudos citam a importância de um saber social, político e cultural adquirido a partir dos atos, como nos artigos de Schapuiz e Hadler (2013), Morin e Hadler (2013), Iunes e Conceição (2017), e nos livros "Psicodrama brasileiro: história e memórias" de Motta et al. (2008) e "MASP - 1970: o psicodrama" de Cepeda e Martin (2010), entre outros. Algumas pesquisas utilizaram em sua metodologia os relatos dos atos em seu formato original e traçam considerações sobre eles, como os de Wechsler (2011), Rodrigues et al. (2017) e Wechsler e Monteiro (2014), entre outros.
Essas sessões de Psicodrama têm como objetivo: "criar espaços públicos que possam acolher diferentes subjetividades, onde seja possível troca de ideias, valores e experiências de vida a partir da construção coletiva de histórias dramatizadas" (CCSP, 2017). Enfatiza-se que "não há tema ou roteiro pré-fixado", o intuito é "colocar no palco questões trazidas pelas pessoas presentes" uma "atividade sem necessidade de inscrição nem retirada de ingressos" (CCSP, 2017). Aos diretores pede-se um registro, e foram estes relatos utilizados no nosso trabalho pois são abertos ao público em geral no site da Febrap.
Segundo Motta, Esteves e Alves (2011), o Psicodrama público pode contar com muitos propósitos, tais como: exercício da espontaneidade e criação; pesquisa do coconsciente e coinconsciente sobre determinado tema; catarse, compartilhamento, congraçamento e/ou diversão; apresentação de uma modalidade psicodramática ou um modelo de direção; aprendizagem e exercício de cidadania.
A CIDADANIA E O PSICODRAMA PÚBLICO NO CCSP
Uma das propostas da realização das sessões de Psicodrama no CCSP é a formação para a cidadania. Segundo Faleiros (1986 citado por Neves, 1996), a formação para a cidadania corresponde à ideia de que o cidadão é um indivíduo com direitos, os quais devem ser reconhecidos. Para ele, é assegurada a possibilidade de construir e definir seus próprios direitos. De acordo com Faleiros, a problemática a este respeito está no desrespeito constante aos direitos humanos presente na realidade social brasileira.
Neves (1996) compreende ser necessário destacar no sujeito a conscientização dos papéis sociais que exerce, e por meio da leitura psicodramática, afirmar que o processo de transformação da ordem social brasileira pode estar vinculado à troca de posições dos agentes sociais. Faz-se necessário incentivar os indivíduos a criarem um lugar próprio, um modo ativo e consciente de estar no mundo, caracterizando, para a autora, uma posição particular diante de mudanças no cotidiano, ao invés de um estado passivo, inconsciente e reprodutor de papéis sociais conhecidos no sistema social (Neves, 1996).
Neves (2008 citada por Zanella, 2008) concorda com Sawaia (1994) ao entender que a cidadania associada à relação entre sujeito e Estado, como envolvimento mútuo de obediência e proteção.
Para Neves (1996), o conceito de cidadania se aproxima do conceito de alteridade, uma vez que envolve a igualdade de direitos. Diante dos direitos assegurados aos sujeitos, está o direito de viver a vida como lhes convêm, e permitir a diferenciação de si com os outros com conhecimento dos próprios limites e necessidades em relação ao mundo.
Outra perspectiva relacionada à formação para a cidadania, é apresentada por Marino (2001, citado em Cesarino, 2001) sobre a participação criativa e eficiente dos sujeitos no contexto social. Rios evidencia a participação dos sujeitos e o acesso à cultura, de modo semelhante a Neves (1996), na medida em que os sujeitos agem e se desenvolvem, há a busca por experiências de felicidade, dadas por Rios (2002) como característica do ser humano. A autora comenta que a cidadania ganha sentido na coletividade. A cidadania não é condição apenas individual.
Neves (1996) propõe que a utilização do Psicodrama permite explorar o desenvolvimento de redes e vínculos entre os indivíduos, por meio do mapeamento de relações afetivas estabelecidas no interior e exterior de um grupo, o que compõe um dos aspectos da formação da cidadania. Para ela, o trabalho psicodramático com grupos permite evocar a percepção de si, ou seja, da própria identidade, bem como a percepção do outro ao favorecer a formação de um "nós" e a construção de inter-relações. Compreende-se, assim, que no trabalho psicodramático, e por meio da construção de inter-relações no grupo, se favorece o resgate de histórias individuais, e a formação de redes e de vínculos culturais.
OS CRITÉRIOS PARA A SELEÇÃO DE UMA NOTÍCIA
Utilizou-se jornais de grande circulação em São Paulo para correlacionar com os temas das sessões do CCSP, uma vez que são veículos midiáticos com a função de levar informação aos que não presenciaram um determinado acontecimento (Lage, 2001). Tendo em vista essa função, é possível afirmar que o jornal tem um papel social.
Ianson (2010) afirma que toda notícia é uma informação, mas nem toda informação é uma notícia, o que é também um critério para o que é publicado no jornal. Outros critérios são: proximidade, atualidade, ineditismo, conflito, humor, interesse pessoal, utilidade pública, relevância e importância. Ianson (2010) ressalta que os jornais não são mídias imparciais, visto que os meios de comunicação são empresas e, como toda empresa, pretendem gerar lucro. Assim, é impossível destacar os critérios de seleção de uma notícia dos interesses dos donos de uma empresa ao publicar determinadas notícias.
Os jornais contam com espaço restrito, de tal modo que é importante destacar notícias mais relevantes de acordo com um determinado período de tempo e determinado espaço (local), focando em uma determinada região (Ianson, 2010).
Neste trabalho, as autoras se restringiram aos anos de 2015, 2016 e 2017, os quais estão mais próximos do momento da realização da pesquisa e de maior acesso aos relatos. Utilizou-se somente notícias da cidade de São Paulo, considerando que é neste município que os psicodramas públicos são realizados. Para isso, foram analisados os cadernos dominicais dos jornais "Folha de São Paulo" e "O Estado de São Paulo", os quais são periódicos de grande circulação na cidade e por tais cadernos condensarem os acontecimentos da semana.
FOLHA DE SÃO PAULO
Segundo Côrte (2007), a criação do jornal "Folha de S. Paulo" ocorreu em 1921 e, na década de 1980, adquiriu liderança de circulação no país, obtendo ampla relevância na imprensa do Brasil.
A proposta da revista "São Paulo", das edições dominicais do jornal "Folha de São Paulo", contempla a região metropolitana da cidade de São Paulo. Propõe fornecer dicas e reportagens sobre o que movimenta e ocorre na cidade, com reportagens sobre temas diversos, tais como roteiros de cultura e lazer, a programação dos cinemas, exposições, teatro, música, dança, passeios, restaurantes e bares da cidade (Folha Uol, 2018).
O ESTADO DE SÃO PAULO
Segundo Côrte (2007), o jornal "O Estado de São Paulo" foi fundado por um grupo de republicanos em 4 de janeiro de 1875 e continua sendo uma das mídias impressas de maior circulação no país (Folha Uol, 2018).
O caderno "Metrópole" é parte da edição dominical do "Estadão" e tem seções com maior dedicação aos assuntos relacionados à região metropolitana da cidade de São Paulo, destinadas a "ampliar a cobertura de temas que afetam o dia a dia do paulistano e investir no debate de soluções urbanas e temas relevantes na metrópole" (Estadão, 2010), ainda que pretendendo noticiar fatos importantes das demais cidades.
A editora do caderno Viviane Kulczynski escreve: "As matérias do caderno devem ser construídas sob a perspectiva do cidadão e conter informações que afetem diretamente a vida da cidade, de decisões da administração a projetos urbanísticos" (Estadão, 2010).
OBJETIVO
O objetivo da pesquisa foi verificar a existência de correlações entre os temas dos atos psicodramáticos com um determinado momento da atualidade, apresentado pelas notícias desses jornais na mesma época, o que pode indicar que no trabalho do CCSP essas questões são trabalhadas favorecendo a construção da cidadania.
MÉTODO
PROCEDIMENTOS
Foi realizada a análise de relatos das sessões de psicodrama do CCSP, disponíveis no portal da Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP), com foco nas relações dos temas das dramatizações com os eventos noticiados nos jornais "O Estado de São Paulo" (Estadão) e "Folha de São Paulo", presentes nas manchetes do caderno Metrópole (Estadão) e da revista "sãopaulo" (Folha), nos domingos seguintes às sessões ocorridas no CCSP.
A seleção das manchetes foi restrita aos domingos por serem contingentes à realização das sessões e uma síntese dos eventos noticiados ao longo da semana.
A leitura dos relatos das sessões psicodramáticas foi feita separadamente pelas pesquisadoras e os temas, que cada uma encontrou, foram elencados. As manchetes dos jornais, foram organizadas em tabelas, de modo que as autoras comparassem os temas dramatizados com as manchetes encontradas e verificassem a ocorrência de alguma relação entre ambos.
INSTRUMENTOS
RELATOS DO CCSP
A maioria dos relatos das sessões abertas de psicodrama estão disponíveis no portal da Febrap. Outros foram encaminhados pela coordenação do psicodrama público do CCSP (Febrap, 2017). Os relatos utilizados correspondem às sessões de psicodrama público do CCSP ocorridas nos anos de 2015, 2016 e 2017.
JORNAIS
O acesso às manchetes do caderno e da revista foi por meio do acervo on-line, que está disponível ao público. A escolha deveu-se a alta circulação de ambos os jornais, e o recorte do caderno e da revista deve-se a maior aproximação com as questões da cidade.
ANÁLISE/DISCUSSÃO
Na análise dos relatos elaborou-se quatro categorias: sociodrama, psicodrama, teorizações sobre o ocorrido e exercício sociodramático. Destas categorias, apenas os relatos associados ao sociodrama foram objetos de estudo, por enfatizarem questões sociais pertinentes à cidadania.
Entendemos como exercícios sociodramático os atos que exploraram as sensações do momento, com foco na própria vivência e não em um tema grupal. As teorizações sobre o ocorrido são relatos nos quais o diretor apenas relata o que pensou teoricamente a partir da sessão.
Considerou-se que as sessões em que se trabalhou o tema trazido pelo grupo e que estava dentro da definição de sociodrama apresentada no início do trabalho. Elegeu-se os sociodramas por apresentarem a temática social de forma mais explícita e por conter maior proximidade com questões sociais.
Os relatos categorizados entre sociodrama, psicodrama, teorizações sobre o ocorrido e exercícios sociodramáticos tocam em maior ou menor grau um trabalho associado a prática psicodramática.
O Jornal Vivo, criado por Moreno, não foi utilizado nos sociodramas analisados, entretanto, está presente na proposição dos objetivos da pesquisa, expresso na forma da busca de correlações entre os temas dos atos psicodramáticos com um determinado momento da atualidade.
Notamos que os jornais apresentam um cunho político acentuado nos temas noticiados. Como sinalizado por Ianson (2010), a imprensa sofre interferências na sua produção por conta dos interesses das empresas que a financia. A produção de manchetes da revista "sãopaulo" mostra-se mais voltada às questões individuais e tem relação com as sessões onde o foco do diretor é o protagonista ainda que possamos compreender que mesmo o individual é inter-relacionado com as questões sociais.
No CCSP, os assuntos selecionados pela imprensa muito raramente apareceram como tema do trabalho. As pesquisadoras perceberam que o foco do Caderno Metrópole é político e, portanto, a maior parte das notícias diz respeito a fatos políticos, os quais não se refletiram nos psicodramas públicos realizados no CCSP, ainda que esse assunto possa ser trabalhado em uma sessão. Entendeu-se que há questões sociais que são mais urgentes e recorrentes entre as pessoas que frequentam o CCSP, tais como: a violência, o racismo, a homofobia, as questões etárias, entre outras.
TEMAS DOS RELATOS
A análise dos relatos que apareceram nos anos de 2015, 2016 e 2017 trouxe temas de questões sociais em diferentes datas: em 2015, tema referente ao suicídio, em "Visões do suicídio a partir da mídia"; em 2016, sobre "Patriotismo" e "Incertezas e certezas sobre a república brasileira"; em 2017, com os temas: "Situações de assalto" e "Exigências sociais que confundem, impedem e confinam". Um tema recorrente em todos os anos foi a infância: em 2015, "Infância versus vida adulta"; em 2016, em "Experienciar o espaço [do CCSP] como crianças"; e em 2017, com "Cenas de infância". Durante a análise sobre esses três anos, houve apenas um tema relacionado à família: "Relações Familiares", no ano de 2017.
Menções às comemorações nacionais apareceram nos três anos analisados, mas não se referiram, necessariamente, aos temas dramatizados nas sessões de Psicodrama público, como, por exemplo, em 2015, no dia do Índio, o tema estava associado à "Violência". No mesmo ano, no feriado da Páscoa, o tema foi "Significado da páscoa, o sentido do eu e o capitalismo em questão". Em 2016, o tema "Moradores de rua, vazio existencial", ocorreu no feriado do Sábado de Aleluia. Em 2017, "Relações raciais", ocorreu no dia em que se comemora o feriado da Consciência Negra.
Nos anos de 2015 e 2016 dramatizou-se relacionamentos homoafetivos, "Cena gay", "Violência familiar e homofobia" e "Relação homem-mulher, violência de gênero".
Referente aos relacionamentos heteroafetivos, em 2015, o tema foi "Relação entre homem-mulher". E com o tema sobre a manifestação da afetividade, no ano de 2016, em "Formas de amor".
Nos anos de 2016 e 2017, os temas estavam relacionados às questões existenciais, tais como: "Vida e morte", "Cuidar do dia a dia", "As diferentes máscaras que identificamos em nós mesmos" e "Experienciar o último dia de nossas vidas".
Para lidar com a apropriação de ambientes público ou privado, o tema foi "Resgate de uma apropriação de algo que é público", o qual apareceu duas vezes, no ano de 2016. Em 2017, houve um tema relacionado ao gênero: "Os papéis da mulher na sociedade".
RESULTADOS
Encontramos apenas duas correlações entre os temas dramatizados nas sessões e as manchetes dos jornais da mesma semana, respectivamente, 08.07.17 com 09.07.17 e 03.06.17 com 04.06.17. No dia 08.07.17, na sessão de psicodrama denominada "Exigências sociais que confundem, impedem e confinam", notamos uma aproximação com a notícia da revista no dia 09.07.17, "AGORA VAI? - Com histórico de abandono e revitalizações fracassadas, o centro abarca nova retomada, com projeto de reforma da Sé, investimentos culturais e lançamentos imobiliários", que diz respeito a uma história de abandono e revitalizações fracassadas e ao dizer sobre cortes financeiros que afetam os serviços no país. Este tema também pode estar relacionado com a notícia do dia 30.07.17, "especial vinho | 40 sugestões para combinar com qualquer estação do ano | qual é seu estilo | onde comprar | eventos | wine-bares | orgânicos e artesanais", quando se refere também aos cortes de auxílio, prejudicando servidores no país. E no dia 03.06.17, "Relações hierárquicas", pode estar relacionado com a notícia do caderno Metrópole no dia 04.06.17, "PF prende Rocha Loures e aumenta pressão sobre Temer", quando se fala da pressão da Polícia Federal (PF) sobre o atual presidente Michel Temer.
Constatamos que as efemérides, presentes ou não no jornal, aparecem mais frequentemente associadas ao tema do trabalho dramatizado, sendo proposto pelos diretores ou pelo tema oriundo do grupo, permitindo uma reflexão sobre as mesmas.
Seguem-se alguns exemplos do debate de temas específicos relacionados a questões sociais.
Em 28.03.15, o diretor André Marcelo Dedomenico relata:
Abre-se ao compartilhar: inúmeras falas sucedem-se sobre histórias pessoais ou familiares de suicídio, agradece-se pela liberdade produzida e pela possibilidade de cuidar desse assunto de modo não moralista ou patologizante, mas como algo humano, demasiado humano" (Dedomenico, 2015, p. 3).
Podemos então dizer que o manejo da direção na sessão de psicodrama influencia, sendo uma porta de entrada para a manifestação dos sentimentos, das emoções e da expressividade do grupo. Moreno (1997) nos diz que a própria interpretação do diretor mediante as manifestações do grupo pode vir a interferir diretamente na maneira como a sessão de Psicodrama se dará.
Em 18.04.15, a diretora Rosane Rodrigues relata:
. . . como diretora, fui entrevistada por duas estudantes ao final desse trabalho, que me perguntaram se o psicodrama era sempre assim: em que o grupo podia construir seus próprios caminhos sem que a direção tentasse de nenhuma forma influenciá-los. Penso que esse foi um dos melhores elogios que recebi a minha direção, pois acho que é isso que sempre um psicodramatista persegue. Ser fiel aos caminhos do grupo (Rodrigues, 2015, p. 2).
Novamente, fala-se do manejo da direção. Rodrigues (2015) busca focar no caminho que o próprio grupo quer tomar ao longo da sessão, tendo a sensibilidade de notar suas nuances, ou seja, é preciso que a direção não exerça grande influência nos rumos a serem tomados.
Voltando ao relato de relato de Dedomenico (28.03.15), encontra-se:
O enunciado de "suicídio", possivelmente aparece no contexto dramático pela grande ênfase dada pela mídia na última semana à queda de um avião em razão do suposto ato de seu copiloto, numa espetacularização desse gesto. Vetor midiático que atravessa e também constitui as subjetividades presentes e encontra zonas de ressonância comuns (durante o compartilhar pergunta-se aos presentes quem já pensara ou já tentara suicídio e uma grande maioria ergue suas mãos. . . (Dedomenico, 2015, p. 5).
Dedomenico (2015) ressalta um assunto trazido da realidade cotidiana, exterior ao ato no CCSP e expresso na realidade presente nos atos, ou seja, no âmbito das dramatizações. O diretor considera haver ganhos para ambas as realidades, na medida em que suscita o questionamento aos membros do grupo a partir da existência de situações cotidianas significativas no âmbito social e, também, no âmbito pessoal.
No dia 05.12.15, a direção de um grupo, composto por Camila Salles Gonçalves, Glória Hazam e Regina Fourneaut Monteiro, relata que:
O psicodrama público no CCSP tem uma realização pontual. É um ato socionômico, um evento em um dia, em determinado horário, dirigido por psicodramatistas que são responsáveis apenas por este. Como se sabe, é um psicodrama que não faz parte de um processo contínuo, mas entendemos que tem que contar com um método, como as demais modalidades de psicodrama (Gonçalves, Hazam & Monteiro, 2015, p. 5).
Observa-se aí uma aproximação entre a teoria e a prática dos conceitos morenianos, no que diz respeito à possibilidade de realização de um ato psicodramático em espaço público. As autoras dizem ainda:
. . . à proposta do psicodrama, cujo método possibilita experimentar papéis escolhidos a partir de fantasias próprias e/ou compartilhadas, "como se" dramatizado, deter-se nos valores que personagens representam, vivenciar modos de se relacionar a partir de diversos valores e de diversas visões de mundo (Gonçalves, Hazam & Monteiro, 2015, p. 6).
No relato de 12.11.16, sob a direção de Mariângela Wechsler, temos:
Enquanto o cenário social vem sendo atravessado por grandes incertezas, sobretudo dos rumos políticos que nosso país e mundo estão passando, no nosso cenário dramático pôde aparecer as incertezas como possibilidade de sobrevivência, visto que os cascos rígidos são muito pesados e podem nos paralisar, transformando o acolhimento do casco em violência, a própria ignorância. Ter muitas certezas no nosso cenário social e político pode ser a própria cegueira. No entanto, o acolhimento é necessário para podermos pensar nossas incertezas e transformarmos nossa tensão em cocriação. Quem sobreviverá? Sabemos que precisamos de rede de sustentação para poder digerir os cascos pesados, nos corresponsabilizando pelas rupturas que propomos a cada momento, construindo sentidos para tal (Wechsler, 2016, p. 4).
Wechsler (2016) afirma que nas sessões realizadas no CCSP pode ocorrer uma (re)construção de sentidos tanto para cada indivíduo quanto para o grupo. No cenário dramático, a construção grupal pode transformar as tensões provenientes de um cenário político caótico. Marino (2001, citado em Cesarino, 2001) cita Rios (2002) e entende a formação para a cidadania associada à participação criativa e eficiente dos sujeitos no contexto social. Para Rios (2002), o conceito de cidadania ganha maior sentido na coletividade, distanciando-se de algo a ser experienciado apenas individualmente.
O potencial de ampliação da cidadania está presente nos relatos, mesmo que não relacionada às manchetes analisadas. Pode-se afirmar que o Centro Cultural de São Paulo constitui espaço de reflexão que possibilita a troca de experiências, a construção da subjetividade e que também contribui para modificar a visão de temas que tocam cada participante.
Percebemos nas dramatizações a possibilidade de os sujeitos exercerem, no contexto dramático, alguns papéis sociais que não exercem no seu cotidiano. Isto permite uma troca consciente em que os sujeitos possam compreender sobre estes papéis, portanto, a busca de correlações entre os temas relatados e os eventos noticiados na cidade venham a ser favorecidos no CCSP.
CONCLUSÃO
Dentre as relações estabelecidas entre os relatos do CCSP e as manchetes do Caderno Metrópole (Estadão) e Revista "sãopaulo" (Folha), observou-se não haver correlações em termos de proximidade temporal. No entanto, muitos dos temas da imprensa estiveram presentes em outras datas. Da mesma maneira que não houve aproximações temporais entre o tema dramatizado no sábado e a manchete noticiada no domingo imediatamente posterior.
Apesar da pouca quantidade de aproximações temporais obtidas, houve maiores aproximações com a revista "sãopaulo" (Folha) quando em comparativo com o caderno Metrópole (Estadão). Uma possível razão para isso estaria na proposta de criação da própria revista, a qual contém o foco, e procura noticiar, os fatos referentes à cidade de São Paulo.
Dentre os temas dramatizados, mais frequentes acerca dos relatos recolhidos, estavam: relacionamentos, sexo, infância, feriados e comemorações nacionais, política, capitalismo, inovações na cidade, questões sociais (ilustrando uma situação de assalto e suicídio) e existenciais (referindo-se aos questionamentos acerca da vida e da morte, assim como, ao cuidado em relação à vida) se mostraram presentes, em pelo menos uma sessão, em um dos três anos sob análise.
Conclui-se também que a imprensa não noticia o que realmente mobiliza a população para debate nos psicodramas públicos do CCSP, talvez devido à presença nos jornais de um cunho político acentuado, que permanece em ambas as publicações.
A proposta do CCSP em realizar sessões públicas de psicodrama não se caracteriza apenas como uma possibilidade de uso do espaço. O contexto sociocultural presente nas atividades e eventos do local favorece uma aproximação da teoria com a prática psicodramática. A criação dos atos públicos no CCSP descritos no próprio website revela potencial para a promoção da cidadania: ponto positivo para a sociedade, o uso de um espaço que é público, e que busca o desenvolvimento da cidadania e da subjetividade.
Por fim, se reconhece a importância da realização de outros trabalhos científicos que envolvam a psicologia e o psicodrama no CCSP, tratando-se de um local que promove a troca e o encontro.
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Batista MA https://orcid.org/0000-0001-8043-6856
*Autora correspondente: mab5151@hotmail.com
Recebido: 29 Out 2019 – Aceito: 03 Jun 2020
Editora de Seção: Rosely Cubo