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Interações

versão impressa ISSN 1413-2907

Interações v.10 n.20 São Paulo dez. 2005

 

RESENHAS

 

Itale Luciane Cericato1

Universidade São Marcos. Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Endereço para correspondência

 

 

MOLON, Susana Inês. Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky. Petrópolis: Vozes, 2003. 143 p. ISBN: 8532629091

Susana Molon é doutora em Psicologia Social pela PUC-SP, professora do Departamento de Educação e Ciências do Comportamento da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, pesquisadora e orientadora do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental na mesma universidade.

Este livro originou-se de sua dissertação de mestrado defendida em 1995, na PUC-SP. O texto é extremamente didático, escrito em linguagem clara, porém não tão acessível para estudantes que estão iniciando na obra de Vygotsky. Pressupõe-se, para uma leitura mais proveitosa, uma certa familiaridade com os principais conceitos vygotskyanos.

O livro é dividido em quatro capítulos, acrescidos das considerações finais e um apêndice destinado a explicar como foi realizada a metodologia de pesquisa – parte, aliás, de extrema contribuição para o leitor compreender o contexto em que a obra se originou. O prefácio é de Bader Sawaia, orientadora da pesquisa.

O primeiro capítulo destina-se a descrever como Vygotsky entrou oficialmente na Psicologia (aproximadamente 1924), passando pelo momento histórico que a Rússia atravessava, até situar suas idéias em relação às concepções vigentes na psicologia da época.

Há uma breve biografia de Vygotsky, cuja leitura é fundamental, uma vez que através dela torna-se possível compreender o estilo de pensamento do autor, bem como o cenário em que sua teoria foi construída – fatos esses que influenciaram diretamente sua posição teórica.

Vygotsky elaborou toda sua obra por meio do diálogo constante com outros autores (russos ou não) do campo da ciência psicológica de sua época, entre eles Freud, Piaget, Stern, Koffka, Köhler, entre outros, quer seja concordando ou discordando deles. A compreensão dessa dinâmica de raciocínio é fundamental na compreensão de seus textos, que em geral discorrem primeiro sobre as idéias postas pelos autores com os quais dialoga para, por último, expressar suas conclusões.

O segundo capítulo tem a função de preparar o leitor para as discussões subseqüentes sobre a temática do sujeito e sua subjetividade. Ao enfocar a crise metodológica pela qual passava a psicologia da época (marcadas pela cisão entre sujeito e objeto), Vygotsky introduz sua teoria, deixando claro não concordar com a já mencionada cisão, mas sim ser favorável a uma visão dialética em que o sujeito e a subjetividade “são constituídos e constituintes na e pela relação social que acontece na e pela linguagem” (p. 46).

O terceiro capítulo traz as concepções sobre a constituição do sujeito presentes em diferentes leituras de Vygotsky. É a partir desse capítulo que o mérito da pesquisa da autora é realmente evidenciado.

Molon ressalta que em razão da obra de Vygotsky ser uma obra inacabada e interrompida por sua morte prematura aos 38 anos, os conceitos inicialmente criados por ele são desenvolvidos por seguidores que dão maior ênfase a alguns aspectos em detrimento de outros. Tal fato é importante porque faz com que existam “diferentes Vygotskys” dentro da psicologia.

A metodologia da pesquisa de Molon foi, em um primeiro momento, fazer uma leitura das obras do autor, e em um segundo entrevistar especialistas nacionais e internacionais representantes de diferentes leituras da obra de Vygotsky. Com essas entrevistas a autora constatou existirem diversos entendimentos sobre a constituição de sujeito e da subjetividade na obra vygotskyana. Nesse capítulo ela aborda três concepções principais:

a) uma perspectiva que entende a constituição do sujeito por uma via que privilegia aspectos intrapsicológicos, representada por Jaan Valsiner;

b) uma perspectiva que entende a constituição do sujeito por uma via que privilegia aspectos interpsicológicos, representada por Wertsch;

c) como alternativa a essas duas posições – na qual Molon se situa –, uma perspectiva em que a constituição do sujeito não está atrelada nem a um pólo nem a outro, mas se dá dialeticamente, posição esta representada por pesquisadores da Unicamp, como Ana Luiza Smolka, Maria Cecília Góes e Angel Pino.

No quarto capítulo a autora apresenta a subjetividade e o sujeito na construção do conceito de consciência e na definição da relação constitutiva eu-outro. Enfoca que o sujeito e sua subjetividade são constituídos na relação dialética do indivíduo com o social: “o eu se constrói na relação com o outro, em um sistema de reflexos reversíveis, em que a palavra desempenha a função de contato social, ao mesmo tempo em que é constituinte do comportamento social e da consciência” (p. 83).

Mais adiante a autora conclui: “neste sentido, o sujeito é uma unidade múltipla, que se realiza na relação eu-outro, sendo constituído e constituinte do processo sócio-histórico e a subjetividade é a interface desse processo” (p. 116).

Na parte destinada às considerações finais, Molon apresenta sua tese afirmando que o sujeito se constitui e é constituído pelas relações sociais, sendo esse social “constituído e constituinte de sujeitos historicamente determinados em condições de vida determinadas historicamente. Um social que é também subjetividade e intersubjetividade, cuja dinâmica se constitui na teia de relações entre sujeitos diferentes e semelhantes” (p. 118).

A subjetividade, para Molon, manifesta-se e objetiva-se no sujeito: “ela é processo que não se cristaliza, não se torna condição nem estado estático e nem existe como algo em si, abstrato, imutável. É permanentemente constituinte e constituída. Está na interface do psicológico e das relações sociais” (p. 119).

Assim, a autora considera que em termos amplos pode-se considerar o mundo como o lugar de constituição da subjetividade, uma vez que “a subjetividade significa uma permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento do outro e do eu” (p. 120).

Sintetizando, retomemos as três contribuições fundamentais apresentadas pelo livro de Molon. A primeira é o destaque para o fato de existirem diversas interpretações da obra de Vygotsky, de modo que é preciso atenção no sentido de evitarmos misturar visões de autores que caminham por percursos diferentes. A segunda está na originalidade do método empregado durante a pesquisa, no que tange às entrevistas de intérpretes nacionais e internacionais da obra de Vygotsky. A terceira, evidentemente, é a forma clara como coloca a questão da constituição da subjetividade do sujeito na perspectiva de suas relações sociais.

Finalizando, o livro é um referencial útil para estudiosos que querem se aprofundar em Vygotsky com foco na constituição do sujeito e sua subjetividade na perspectiva da psicologia social.

 

Endereço para correspondência
E-mail: italecericato@hotmail.com

 

 

1Mestranda do Programa e Pós-Graduação em Psicologia (Universidade São Marcos).