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Psicologia Escolar e Educacional
versão impressa ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.5 n.1 Campinas jun. 2001
HISTÓRIA
Entrevista com Geraldina Porto Witter
Entrevistadora: Acácia Aparecida Angeli dos Santos
Geraldina Porto Witter é doutora em Ciências pela USP, Livre Docente em Psicologia Escolar pela USP, atuou ativamente na área educacional desde os anos 60, participou da fundação da ABRAPEE e das primeiras diretorias, tendo sido presidente da mesma. Foi membro do CRP – 06 e do CFP e participou da Diretoria de outras sociedades científicas (SPSP, SBP). Tem pesquisado e publicado na área da leitura – escrita e da produção científica. Orientou centenas de dissertações, teses e outros trabalhos.
Além de tudo que se poderia dizer da Professora Doutora Geraldina Porto Witter, que é conhecida nacional e internacionalmente pelos estudos que desenvolveu e pela sua vasta produção científica, é importante também lembrar que Geraldina é uma pessoa humana muito especial – todos os que com ela conviveram, especialmente seus orientandos, entre os quais eu me incluo, foram e são tratados como filhos muito especiais, pelos quais ela tem uma dedicação que vai muito além do previsto para esse tipo de relação. Todos usufruíram das maravilhas de sua Biblioteca (um dos maiores acervos particulares de Psicologia no Brasil). Alguns orientandos do exterior já residiram em sua casa enquanto elaboravam suas dissertações/teses e, muitos dos que moravam fora de São Paulo, compartilharam com ela e com seus familiares fins de semanas, almoços e jantares em função das exigências das orientações. Sem dúvida, tudo isso propiciou a oportunidade para que cada um desse o melhor de si nos trabalhos realizados. Tenho certeza que, em nome de todos, eu posso expressar, por nós, e pela contribuição ímpar à Psicologia Escolar, o nosso mais profundo agradecimento.
Santos: Como se deu a sua opção profissional pela Psicologia Escolar?
Witter: Para falar sobre isso é preciso voltar muito na minha vida passada. Quando adolescente hesitava entre medicina e geografia. Era por influência do contexto social e dos professores. O caminho seria o antigo colegial. Mas o que eu sabia é que gostaria de estar aprendendo algo que me ajudasse a aprender mais para poder ser útil aos outros. Mamãe temia que casando eu não continuasse os estudos, insistiu e lá fui eu para a antiga, sólida e eficiente Escola Normal, hoje Instituto de Educação Washington Luiz. Lá encontrei um outro mundo e especialmente a Profª. Maria Aparecida Arouca e ela mostrou-me quanto a Psicologia, em sua amplitude e diversidade, podia oferecer o conhecimento necessário para alcançar meus objetivos. Também na Escola Normal aprendi que ensinar é um meio de ajudar a outro a crescer e de crescer com ele, porque é muito reforçador ver o desenvolvimento de um aluno que se apoiou. Ganhei na ocasião uma Cadeira Prêmio (concedida ao primeiro aluno de cada turma que tivesse média geral em todos os anos superior a nove). Ingressei na carreira, casei, tive minha primeira filha (Telma) mas queria, precisava continuar a estudar. Achava fácil ensinar matemática (todos meus alunos aprendiam bem) mas era difícil fazer com que o domínio da leitura e escrita alcançasse o ponto desejado. Cerca de 15% de meus alunos não obtinham êxito. Fui á Universidade em busca de conhecimento para resolver isto. Não está a origem primeira do meu interesse pela área de Escolar. Na Universidade a Psicologia foi sempre sedutora para mim, todavia, nada tão forte como a certeza de que na escola se pode ajudar o outro a crescer, a fazer prevenção de problemas, preparar para que os obstáculos sejam superáveis. As raízes estavam firmes, continuam firmes, estou convicta de que se pudéssemos dar melhor educação, melhor escola teríamos muito menos problemas biopsicossociais. Certamente, psicólogos escolares competentes poderiam fazer esta diferença. Recebi muita informação na Universidade, tanto na graduação como na pós-graduação. Mas informação logo fica obsoleta, o que mais aprendi foi como buscá-la e como gerá-la e este é um saber para sempre. Era o que precisava para atuar na área que escolhi.
Santos: Conte-nos sobre o surgimento da ABRAPEE e qual o papel que ela deve ocupar no cenário científico e profissional da Psicologia Escolar no Brasil.
Witter: O nascimento da ABRAPEE surgiu como o da grande maioria das sociedades científicas e profissionais que tem alguma ciência ou ramo da ciência como suporte. Primeiramente é necessário que a área conte com uma institucionalização nas agências formadoras, uma tradição de gerar e usar (saber e fazer) conhecimento. A Psicologia Educacional era pioneira neste aspecto no Brasil bem antes de surgirem os cursos de Psicologia no Brasil, a pesquisa de produção científica mostra que é em Educacional e Escolar que se concentrava a maior parte da produção, e ainda que ocupa papel de destaque hoje. A atuação junto a escolas, delegacias e secretarias da Educação ainda que raro já acontecia mesmo antes da lei que criou a profissão. A participação em eventos era notável. Palestras, conferências, mesas-redondas, assessorias na área eram atividades freqüentes. O caldo cultural vinha sendo composto ao longo de mais de quarenta anos. Em um encontro da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto da qual participei juntamente com Solange M. Wechsler e Raquel S. L. Guzzo mais um grupo pequeno e entusiasmado de jovens, vários dos quais meus ex-orientandos, ficou estabelecido que se faria um esforço de reunir empenho em sociedades locais que posteriormente se aglutinariam em uma entidade nacional. Isto foi feito. Surgiu em Campinas a Associação de Psicologia Escolar e Educacional de São Paulo que organizou o primeiro encontro nacional (em Valinhos) durante o qual foi criada a ABRAPEE. Considero que a ABRAPEE tem cumprido satisfatoriamente o seu papel no que concerne o cenário científico organizando eventos e publicando Psicologia Escolar e Educacional, se fazendo presente em outros eventos e colaborando com outras entidades (SBP, CFP, CRP, US. Judas). Mas precisa se articular melhor com outras IES e promover eventos menores, encontros de pesquisadores de áreas específicas, talvez mesmo criar algum prêmio. No que concerne à profissão apesar de termos feito algumas campanhas, há muito por fazer, seria necessário sensibilizar aos prefeitos, face à municipalização do ensino, que podem melhorar a qualidade da educação contando com psicólogos escolares atuando nas escolas. Considerando a insuficiência de formação e a necessidade de educação permanente do psicólogo que já está atuando se deveria pensar em algo mais duradouro e consistente que os minicursos de congresso. É preciso também fazer chegar a eles conhecimentos mais atuais em fluxo contínuo. A nossa Associação tem que dar maior visibilidade ao psicólogo escolar e se empenhar para que sejam realmente psicólogos escolares e não outros atuando nas escolas, ou corre-se o risco dele ser mais um personagem inócuo ou pior na escola. Não é o que se quer. A escola precisa de psicólogos escolares competentes, dignos desta área.
Santos: Como você vê a contribuição da pósgraduação na formação dos pesquisadores brasileiros na área de Psicologia Escolar/Educacional.
Witter: A pós-graduação é imprescindível na formação do pesquisador e mesmo do profissional de alto nível. A pessoa interessada na área educacional encontra no Brasil vários cursos de pós-graduação na área específica ou em áreas conexas nas quais linhas de pesquisa podem também levá-la a ser uma produtora em Psicologia Escolar e Educacional. Todavia, os cursos ainda não atendem a demanda, há preconceitos, resistências à interdisciplinaridade e outras coisas que o tempo há de corrigir.
Santos: Trace-nos um paralelo entre a produção científica na área de Psicologia Escolar/Educacional no Brasil e no mundo.
Witter: Quem poderia responder melhor a questão é minha filha Carla, a qual estudou o tema em seu doutorado no IPUSP, sob a orientação do Dr. Samuel Pfromm Netto. Mas com base no trabalho dela, de alguns outros pesquisadores e meus pode-se dizer que a diferença é favorável a países do primeiro mundo, por razões óbvias, em visibilidade, quantidade, variabilidade de temas, interdisciplinaridade e predomínio de análises de dados de cunho quantitativo. A nossa produção tem sido mais veiculada internamente e de certa forma, isto atende melhor às necessidades do País, dos nossos psicólogos escolares, embora lhe dê menos visibilidade. Considerando os nossos meios de publicação e o número de envolvidos, para o quadro nacional o volume da produção é bom, todavia há muitos temas em que nada é produzido. A interdisciplinaridade é alardeada mas não se concretiza e metodologicamente há muito para melhorar na produção nacional.
Santos: Tendo em vista a nova LDB e as Diretrizes Curriculares, como analisa a perspectiva de formação e de atuação dos Psicólogos Escolares em nosso país?
Witter: Escrevi um capítulo no livro coordenado por Raquel S. L.; Guzzo – Psicologia Escolar: LDB e Educação hoje enfocando o psicólogo escolar face a LDB. Explicitamente este profissional foi, pode-se dizer, ignorado em sua grande possibilidade de contribuir para melhorar a situação educacional do Brasil. Todavia, nada impede que estados, municípios e instituições progressistas, que se preocupam em sanar e evitar problemas, abram espaço para incluir este profissional nos seus quadros. Cabe a nós conscientizálos disto, mostrar competência, conquistar um espaço que, por justiça, cabe ao psicólogo escolar e assim poder contribuir significativamente para melhorar o quadro que aí está. As novas Diretrizes Curriculares oferecem uma oportunidade nunca desfrutada para corrigir os “melhores currículos”, distorcidos quanto a enfoques e áreas profissionais. Viabiliza alcançar padrões modernos de gestão curricular, flexibilidade, interdisciplinaridade, atualização freqüente e a oportunidade de que todas as áreas, em que a IES tenha possibilidade, sejam adequadamente cuidadas, tendo base sólida científica. Vai depender da criatividade, competência e disponibilidade para mudança dos gestores e de corpo docente. Espero que as necessidades da educação brasileira sejam lembradas e que cuidem também de formar psicólogos escolares competentes. Neste aspecto acho que a ABRAPEE também pode contribuir com sugestões, cursos e orientações. Há muito por ser feito para superar as muitas décadas de defasagem.