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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.8 n.2 Campinas dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Sexualidade e deficiência mental: revisando pesquisas

 

Sexuality and mental retardation: reviewing research

 

 

Silvia Nara Siqueira Pinheiro

Universidade Federal de Pelotas; Escola de Psicologia, Pelotas / RS.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A reunião de dados referentes à sexualidade das pessoas portadoras de deficiência mental tem sido largamente ignorada na realidade brasileira. Este artigo tem como propósito realizar uma revisão das pesquisas publicadas sobre os temas acima referidos desde o ano de 1971 até o presente momento. Procura, também, verificar a existência de instrumentos fidedignos e validados para avaliar a sexualidade nesta clientela. Nesta análise constatou-se: a presença de um pequeno número de pesquisas relacionando os temas; a falta de instrumentos brasileiros para investigar a área; a existência, na realidade estrangeira, da Escala para pessoas portadoras de deficiência mental: Sexualidade: Conhecimento, Experiência e Necessidades (SEX KEN ID). Nas pesquisas percebe-se que os portadores possuem pouco conhecimento e experiência sexual; tanto pais como profissionais não lhes fornecem a educação sexual. Conclui-se que se faz necessário adaptar instrumentos visando conhecer a realidade e deste ponto desenvolver programas de educação sexual.

Palavras-chave: Sexualidade, Deficiência mental, Pesquisas.


ABSTRACT

Gathering data regarding the sexuality of people who have mental retardation has been an area largely ignored in the Brazilian reality. This article aims to review published research about this theme from 1971 to this day. It also aims to verify the existence of accurate and valid instruments to judge the sexuality of this group. In this analysis it was found: the presence of a small number of articles in this theme; the lack of instruments to investigate the area; and the existence, in the foreign reality, of the Scale to People With Intellectual Disability: Sexuality, Knowledge, Experience and Needs (SEX KEN ID). In the research analyzed we concluded: the people who have mental retardation have few knowledge and sexual experience; neither parents or professionals provide them sexual education. We further concluded that it is necessary to adapt instruments that aim to explore the reality and from there develop sexual education programs.

Keywords: Sexuality, Mental retardation, Research.


 

 

Introdução

Em 1994, em Salamanca na Espanha, apoiado pela UNESCO, foi aprovado pela Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais o direito de toda criança à Educação. No seu item terceiro, a Declaração de Salamanca (1997) afirma que as escolas devem acolher todas as crianças, independente de suas condições físicas, sociais, intelectuais e que, desta forma, além de se garantir a educação, está se assegurando a construção de uma mudança de atitude da sociedade diante do portador de necessidades especiais, de uma atitude de discriminação para uma mais aberta, integradora, inclusiva. Falar de Inclusão requer que se fale também em interação e socialização. Abordar estes aspectos, necessariamente, nos leva à Sexualidade, pois esta abarca comportamentos sociais e interpessoais. Se realmente quisermos fazer cumprir a Declaração de Salamanca teremos de enfrentar a polêmica da sexualidade do portador de deficiência mental. Não podemos deixar este tema continuar sendo ignorado.

Sexualidade é um atributo de todo ser humano, não é algo que a pessoa tenha, é algo que se é, que o ser humano constrói ao longo de sua vida envolvendo uma série de manifestações. As manifestações da sexualidade são aceitas para a população em geral, mas quando se fala em portadores de deficiência mental estas manifestações encontram resistências, tornando-se incompatíveis, pois para muitas pessoas estes não possuem sexualidade (Dickerson, 1982; Lipp, 1988; Bernstein, 1992) e para outras, esta é primitiva, selvagem e incompleta (Amaral, 1994; Gherpelli, 1995).Muitas pessoas vêem o indivíduo portador de deficiência mental como alguém que não pensa e que está fora do mundo da sexualidade (Dickerson, 1982; Lipp, 1988; Bernstein, 1992), pois, para as famílias, ao menos na esfera da fantasia, seu filho é como uma eterna criança, sem padrões de crítica e valores que caracterizam o adulto. Em decorrência, imaginam que as manifestações da sexualidade na adolescência serão catástrofes inconcebíveis e incontroláveis (Krinsky & Assumpção, 1983; Oliveira, 1988; Assumpção& Sprovieri, 1993).

Segundo crença popular, deficiência mental e aberrações sexuais estão relacionadas. Fundamentando-se em manifestações sexuais como masturbação em público, exibicionismo, condutas homossexuais e na dificuldade dos deficientes em manejar seus impulsos sexuais, podendo levar à promiscuidade sexual (Reche, 1992). A visão que os profissionais têm da sexualidade do deficiente mental, em virtude dessas manifestações, é que a sexualidade é selvagem e incompleta. Para eles, essas práticas são irreprimíveis em função do impulso e por não haver sublimação, sendo desprovidas de afetividade. Os profissionais mostram-se tolerantes e favoráveis à vivência da sexualidade, ao mesmo tempo que acreditam na impossibilidade dessa experiência, projetando essa inviabilidade nas normas institucionais ou familiares (Amaral, 1994). A expressão da sexualidade pelos portadores de deficiência mental gera angústia na família e nos profissionais que trabalham com esta parcela da população.

Tanto a visão dos pais de angelicalismo como a dos profissionais de selvageria estabelece um sistema de defesa coletivo porque é ameaçador. A repressão instala-se e alicerça-se na necessidade de evitar a procriação, podendo também estar oculta nesses discursos a dificuldade que as pessoas têm em lidar com sua própria sexualidade (Amaral, 1994).           Os indivíduos portadores de deficiência mental são, geralmente, estigmatizados na área sexual. E isto não é surpresa, pois o retardo mental é visto historicamente como um defeito moral e de contaminação genética. Eles são sexualmente estigmatizados, até porque evidências sugerem que as pessoas percebem o sexo como possível somente para os indivíduos jovens, atraentes e saudáveis. A sociedade, por intermédio dos meios de comunicação, reforçam essa idéia (Abramson, Parker & Weisberg, 1988).

Na visão de Giami (1987), a sexualidade do deficiente mental por ser vista como difícil, é alvo de constante supervisão e de controle social. A reestruturação da sexualidade normal é vista como impossível para o deficiente a exclusão e o controle são a norma. A sexualidade do deficiente mental não se diferencia qualitativamente dos normais. Suas necessidades, experiências e emoções são iguais. A visão de que os portadores de deficiência mental têm maiores ou menores impulsos sexuais carece de fundamentação biológica, pois não existe uma sexualidade característica do indivíduo portador de deficiência mental. Sexualidade independe de deficiência, seja ela física ou mental (Lipp, 1988; Oliveira, 1988; Assumpção & Sprovieri, 1993).

Para McClennen (1988), as pessoas com retardo mental têm idênticas necessidades sexuais às dos não-retardados. O desenvolvimento sexual acompanha mais o cronológico do que o cognitivo. Quando os comprometidos intelectualmente apresentam comportamento sexual distante do normal, geralmente esse decorre da forma como eles têm sido tratados e não por serem deficientes.

Glat (1992), em pesquisa realizada com 25 homens na faixa etária de 13 e 36 anos e em 26 mulheres na faixa de 15 a 54 anos deficientes mentais leves e moderados, com o objetivo de investigar as informações e representações a respeito da sexualidade, concluiu que os adolescentes deficientes mentais apresentam os mesmos problemas que os jovens com inteligência normal; que a maioria desses, com exceção de portadores de alguma síndrome, apresenta desenvolvimento normal das características sexuais físicas e psicológicas e, por último, que recebem poucas informações a respeito do funcionamento do seu corpo.

Para Ribeiro e Nepomuceno (1992), o deficiente mental, ao ser visto como assexuado, depara-se com dificuldades de relacionamento; sua limitação cria barreiras para entender o desejo sexual e as pessoas a quem compete sua educação ou tratamento omitem as informações ou lidam de maneira agressiva e discriminatória frente ao comportamento sexual manifesto. Para esses autores, o adolescente que não possui comprometimento intelectual, ou seja normal, sofre por parte da sociedade restrições e limitações para expressar sua sexualidade. O adolescente deficiente mental, em função de suas características e do preconceito social, é mais tolhido, ignorando-se aspectos importantes do seu desenvolvimento como adolescente.

Este artigo tem como proposta avaliar as informações que estão disponíveis a respeito da sexualidade das pessoas portadoras de deficiência mental desde o ano de 1971 até o momento atual. Visa, também, identificar instrumentos de pesquisas validados e com fidedignidade que avaliem este aspecto em seus portadores.

 

Pesquisas junto a família e profissionais

Na literatura brasileira, encontramos os trabalhos de Assumpção e Sprovieri (1987, 1993) com profissionais e pais para obter informações a respeito de educação sexual destinada às pessoas portadoras de deficiência mental. Os autores verificaram que os pais tendem a não fornecer educação sexual para os filhos e, além disso, é comum delegarem esta tarefa para outros. Foram encontradas idéias distorcidas sobre a sexualidade tanto junto aos pais como aos profissionais.

Pinheiro (1996) realizou pesquisa com o objetivo de investigar nos pais e profissionais envolvidos com portadores de deficiência mental moderada aspectos relacionados à educação sexual, masturbação, relacionamentos e abuso sexual. Constatou que os pais encaram a sexualidade de seus filhos como mais um problema, e um grande grupo sonega-lhes informações por temerem que estas estimulem a sexualidade e sejam interpretadas como autorização para que mantenham relação sexual. Os profissionais discursam sobre a sexualidade demonstrando uma visão mais abrangente, reconhecendo-a como independente da deficiência, limitando-a nas questões relativas a casamento e procriação. Quanto à educação sexual, os profissionais expõem que os adolescentes transparecem que possuem necessidades e interesses de receberem orientação, cobrando-as, já que não as recebem no âmbito familiar.

Na literatura estrangeira encontram-se as pesquisas de Adams, Tallon e Alcorn (1982) que investigaram as atitudes das pessoas em relação à sexualidade dos indivíduos portadores de deficiência mental. Os resultados indicaram que os membros da comunidade não são mais liberais em relação às atitudes sexuais do que os membros das instituições.

Pesquisas feitas com pais e profissionais, sobre os tópicos autonomia, masturbação, relacionamentos afetivos (namoro, casamento), comportamento homossexual e educação sexual foram desenvolvidas por Fischer e Krajicek (1974). Numa pesquisa, junto a16 pais de adolescentes deficientes mentais moderados, cientificaram-se de que os pais de meninos preocupam-se com o comportamento homossexual e a prática da masturbação de seus filhos, enquanto os pais de meninas preocupam-se com o namoro.

Wolf e Zarfas (1982), em sua pesquisa no tópico referente à educação sexual, constataram que somente l5% dos homens abaixo de l5 anos e 47% acima dessa idade receberam educação sexual. Por outro lado, 39% das mulheres abaixo dos l5 anos e 6l% acima de l5 anos a receberam. Dos pais, 31% relataram que seus filhos receberam pouquíssima educação sexual; 4l% disseram que os filhos receberam a quantidade ideal, 3% acharam que foi muito (todos pais de mulheres) e 25% acharam que seus filhos eram muito novos ou muito retardados para compreender.

Heshusius (1982) realizou entrevistas informais com profissionais que trabalham com deficientes mentais, observando que, nas instituições, homens e mulheres dos l8 aos 40 anos eram colocados separados. Havia intenso supervisionamento, não eram permitidos contatos físicos (andar de mãos dadas, beijos, ‘ficar’ em local fechado), não era permitida nenhuma privacidade quando havia pessoas do sexo oposto e não forneciam educação sexual. O estudo comprova que as percepções e experiências de sexualidade e intimidade dos comprometidos intelectualmente têm sido amplamente ignoradas, não existindo evidências para que se diga que os menos competentes são mais libidinosos ou que expressam sua sexualidade de forma inapropriada. Ocorre que os profissionais não têm esse conhecimento e são bem mais conservadores com os deficientes. Aqueles, raramente ou nunca, permitem que estes tomem suas próprias decisões sexuais e, no que concerne à educação sexual, tem sido ultimamente ignorada.

Brantlinger (1983) desenvolveu um trabalho com sujeitos (pais, empregados em instituições residenciais, enfermeiras e estudantes de Ensino Médio) que mantinham contato com pessoas deficientes mentais. O trabalho foi realizado por meio de encontros que constavam de esclarecimentos sobre a sexualidade dos portadores de deficiência. Os resultados indicam que o treinamento dos membros das instituições sobre sexualidade é eficaz na produção de mudança de atitudes dos sujeitos frente à sexualidade dos portadores. Alguns pais pensam que quanto menos os deficientes souberem sobre sexo, menor será a chance deles agirem irresponsavelmente nessa área. Os jovens excepcionais precisam aprender a discutir sua sexualidade no contexto de suas vidas de modo amadurecido.

Para Dickerson (1982), é raro que os adolescentes e adultos comprometidos intelectualmente tenham a oportunidade de iniciar, desenvolver e manter relacionamentos baseados em seleção mútua, proteção, comprometimento, atração sexual e amor. Aos indivíduos portadores de deficiência mental tem se dado pouca orientação, suporte ou oportunidade para aprender como selecionar amigos, estabelecer relações, desfrutar de declaração, expressão sexual, experiências realizações, satisfações, parte intrínseca de uma vida normal.

Para Abramson e cols. (1988), muitos pais não querem que seus filhos recebam educação sexual, pois acreditam que essa irá estimular o despertar da sexualidade. O fato também é observado com o pessoal que trabalha nas instituições. Essa área vem sendo negligenciada, pois somente 7% dos estudantes deficientes recebem alguma forma de educação sexual na escola (Graff, 1983; Caster, 1988; Abramson & Parker, 1995).

Quanto à procriação e métodos contraceptivos, encontram-se os estudos de Goodman, Budner e Lesh (1971), Wolf e Zarfas (1982) e Chamberlain, e cols. (1984), constatando que a gravidez é uma preocupação entre os pais, que consideram seus filhos incapazes de cuidar dos futuros filhos. Aparece um número bastante expressivo de pais que é favorável à esterilização. Segundo os autores revisados não há consenso quanto ao melhor método a ser adotado, mas todos são favoráveis ao uso de algum método.

 

Pesquisas com os portadores de deficiência mental

Junto aos próprios portadores de deficiência, no Brasil, encontramos a pesquisa de Glat (1992, 1996), abrangendo deficientes mentais leves e moderados, com o objetivo de investigar as informações e representações a respeito da sexualidade. Constata a precariedade de conhecimentos a respeito de funções corporais, reprodução (40% dos homens e 35% das mulheres parecem não saber como se engravida), nascimento, métodos anticoncepcionais, doenças sexualmente transmissíveis, menstruação (todas mulheres sabiam o que era, mas apenas uma soube explicar por que perdia sangue todo mês). Ninguém tinha conhecimento sobre aids. A respeito da educação sexual verificou que 30% obtinham informações sobre sexo com a família, 18% com profissionais que trabalham com eles e os restantes as obtinham na rua, com colegas ou pela mídia. Independente de quem forneceu as informações, o que lhes é ensinado está muito aquém de suas necessidades. A mesma autora desenvolveu, em 1989, pesquisa com mulheres portadoras de deficiência mental no que se refere à percepção que estas tinham sobre a sua vida cotidiana.

Na literatura estrangeira, encontrou-se os trabalhos de Fischer e Krajicek (1974) com objetivo de investigar seus conhecimentos sobre sexualidade constatando a precariedade destes e a inabilidade no uso de alguns termos (vagina/pênis, masturbação). Heshusius (1982) pesquisou, na literatura, depoimentos de deficientes alfabetizados referentes às suas percepções e experiências de intimidade e sexualidade constatando desejo de contato sexual, medo e ansiedade deste contato e ignorância de fatos básicos nas relações sexuais. Brantlinger (1985) estudou em portadores de deficiência mental leve a extensão dos conhecimentos sobre tópicos sexuais e as atitudes em relação a vários aspectos da sexualidade, concluindo que o nível de conhecimento variou consideravelmente entre os estudantes mais informados e menos informados. Não existe estudante classificado como bem informado; todos os estudantes comunicaram que necessitam demais informações sobre sexualidade e a maioria estava sedenta para ter educação sexual na escola.

Gunn (1983) investigou a vida sexual dos portadores de deficiência mental encontrando gravidez, masturbação, confusão quanto à identidade homo e heterossexual e falta de informação quanto ao desenvolvimento da sexualidade. O autor concluiu que a família deveria receber orientação a respeito de sexualidade para poder entender, lidar e orientar seus filhos portadores de deficiência.

Fisher e Krajicek (1974) realizaram uma pesquisa com 16 (dezesseis) adolescentes deficientes mentais moderados, com o objetivo de investigar seus conhecimentos sobre sexualidade, constatando que (sobre identidade sexual) todos meninos e meninas foram capazes de se identificar em relação aos termos menino-menina ou homem-mulher. Contudo, o uso correto dos termos macho-fêmea trouxe mais dificuldades de identificação, principalmente quando aplicado em relação ao pai; sobre as partes do corpo quando a pergunta focalizava a discriminação das partes do corpo (vagina/pênis), meninos e meninas mostraram grande inabilidade para verbalizar, apropriadamente esses termos; sobre as funções do corpo no que tange à menstruação, 88% reconheceram o que é um absorvente, mas 50% conseguiram verbalizar por que era usado e 75% não sabiam em que sexo se usava. O termo masturbação foi totalmente excluído do vocabulário dos participantes; sobre as emoções não fizeram diferença ao identificar figuras representativas de abraços, beijos e não souberam explicar o porquê desses comportamentos nas pessoas e sobre gravidez/nascimento: conseguiram, com resultados exatos, selecionar uma mulher grávida entre duas figuras. Respostas para o tempo de duração da gravidez variavam de duas horas, uma semana, dez dias, seis semanas, oito meses, quatro meses e nove meses.

Junto aos portadores de deficiência e a família, o tema abuso sexual tem sido alvo de pesquisas. Chamberlain, e cols. (1984), Elvik, e cols. (1990), Tharinger, Horton e Millea (1990), Conway (1994), Furey, Granfield e Karan (1994), Furey e Niesen (1994), Furey, Niesen e Strauch (1994), Sundram e Stavis (1994) e Abramson e Parker (1995) constataram que o abuso sexual ocorre de diversas formas e em diferentes locais. Pode ser praticado por familiares, empregados das instituições como também pelos próprios deficientes. Em todos os trabalhos brasileiros e estrangeiros que investigaram diferentes áreas da sexualidade citadas até o presente momento neste artigo não foram encontrados instrumentos que tivessem passado por um rigoroso processo de padronização e que tivesse sido avaliado em suas características psicométricas.

Ampliando a revisão bibliográfica encontrou-se na literatura estrangeira o trabalho de McCabe (1993, 1994a e 1994b) com a construção da Escala sobre Conhecimento Sexual, Experiência e Necessidades (SexKen) designada para avaliar o conhecimento, experiência, sentimentos/atitudes e necessidades da população na área sexual. Existem quatro versões da escala: para pessoas da população em geral (SexKen), para pessoas com deficiência mental (SexKen-ID), para pessoas com deficiências físicas (SexKen-PD), e para pessoas que trabalham com deficientes (SexKen-C). Estudos foram realizados para avaliar a fidedignidade e validade das referidas escalas e os dados obtidos demonstraram que elas possuem boas propriedades psicométricas e que atingem seu objetivo (Szollos, McCabe,1995; McCabe & Cummmins, 1996; McCabe, Cummmins & Deeks, 1999).

McCabe e Schreck (1992) realizaram uma extensa revisão bibliográfica procurando instrumentos que abordassem a área da sexualidade do portador de deficiência mental no que se refere ao conhecimento, experiência sexual, sentimentos/atitudes e necessidades. Encontraram oito estudos, sendo que quatro para portadores de deficiência mental leve. Os outros abordavam uma defasagem intelectual maior. Desses trabalhos, a autora ressalta o teste de conhecimento e atitudes sociais e sexuais (SKAT) e que tece alguns comentários como o de ser um teste complicado em sua aplicação, não sendo exaustivo na sua investigação, contendo muitos itens carregados de juízo de valor que impedem a avaliação das atitudes e necessidades dos participantes e finalizando não possui um exame detalhado das atividades sexuais nas quais os sujeitos possam engajar-se. A autora neste artigo expõe que, antes de realizarmos programas de educação sexual, devemos investigar os reais conhecimentos, experiências, sentimentos/atitudes e necessidades dos portadores de deficiência mental para, depois, com base nestes dados, possamos realizar um programa que atenda às necessidades desta clientela.

Para atingir este objetivo, McCabe (1998,1999) isolou algumas áreas da sexualidade que, segundo ela, são necessárias dentro de um programa de educação sexual e por meio destas criou a escala. As áreas contempladas são: amizade; namoro e relação sexual; casamento; identificação das partes do corpo; sexo e educação sexual; menstruação; interação sexual; contracepção; gravidez, aborto e nascimento; doenças sexualmente transmissíveis; masturbação; homossexualismo e abuso sexual. Em cada uma dessas áreas são investigados conhecimento, experiência, sentimentos/atitudes e necessidades.

 

Conclusões

A revisão das pesquisas publicadas sobre os temas sexualidade e portador de deficiência mental levou-nos a constatar que existem poucos trabalhos envolvendo os temas. A não-existência de instrumentos brasileiros e nem de instrumentos estrangeiros adaptados para a nossa realidade com o objetivo de avaliar a sexualidade no portador de deficiência mental; a presença na literatura estrangeira da Escala para pessoas portadoras de deficiência mental: Sexualidade, Conhecimento, Experiência e Necessidades (SEX KEN-ID).

Grande parte dos trabalhos científicos está mais direcionada para investigar o pensamento de pais e profissionais e seu modo de proceder do que enfocar o portador em si, o que ele conhece, quais são suas experiências, necessidades e sentimentos diante da sexualidade. Os estudos sugerem que tanto pais como profissionais sentem-se despreparados, apresentando atitudes confusas e ambivalentes quanto à sexualidade dos filhos e alunos portadores de deficiência mental. Em decorrência, geralmente, não lhes fornecem educação sexual e quando o fazem fica aquém do necessário. As orientações sexuais, quando fornecidas, são para eliminar comportamentos julgados inadequados, não têm como objetivo o resgate da identidade sexual com privilégios e responsabilidades que implicam a sua vivência, nem tão pouco a possibilidade de oportunizar espaço para interagir, retirar dúvidas e expor seus pensamentos.

Como expõe Gherpelli (1995), os portadores de deficiência mental possuem limitações que os caracterizam e, se não os orientarmos a respeito das questões relativas à sexualidade, por si só não conseguirão entendê-las. Suas limitações referem-se ao baixo nível de leitura (quando são alfabetizados). A dificuldade na compreensão de terminologias e no conhecimento biológico; a pouca ou nenhuma mobilidade na comunidade, os amigos com quem poderiam trocar informações geralmente, também, são limitados intelectualmente; a menor capacidade de compreender e identificar as mensagens de sexo na vivência cotidiana e, por vezes, os modelos tomados (TV, filmes) são irreais e inadequados para o dia-a-dia.

Assim, os portadores de deficiência mental são pessoas com necessidades sexuais idênticas às de inteligência normal. Possuem, entretanto, conhecimentos precários a respeito de sua sexualidade, experiências limitadas e, na maioria das vezes, controladas por pais e profissionais. Diante desta realidade se faz importante o desenvolvimento de trabalhos de pesquisa investigando de forma sistematizada os conhecimentos, as necessidades, as experiências, os sentimentos e atitudes desta parcela da população em relação a sua sexualidade. Dessa forma, para que o portador de deficiência mental aprenda a manejar sua sexualidade como um adulto que demanda e tece considerações sobre esse assunto com privacidade e responsabilidade, faz-se necessária à criação de programas de educação sexual.

 

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Endereço para correspondência
Silvia Siqueira Pinheiro
Coronel Alberto Rosa, 154
96010-770 - Centro Pelotas – RS
Email: silviaspinheiro@terra.com.br

Recebido em: 12/03/04
Revisado em: 17/06/04
Aprovado em: 13/08/04