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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. n.21 São Paulo dez. 2005
A clínica-escola e o estágio em psicologia na área educional: fundamentos teóricos e prática profissional
Clinic-school and training in psychology: theoretical fundamentals and profissional practice
La clínica-escuela y las prácticas en psicología en la area educacional: fundamentos teóricos y la práctica profisional
Luiz Donadon LealI; Marilda Gonçalves Dias FacciII; Rosana Aparecida AlbuquerqueIII; Silvana Calvo TuleskiIV; Sonia Mari Shima BarrocoV
IMestre em Educação, psicólogo da Unidade de Psicologia Aplicada e professor colaborador do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: idleal@uem.br
IIDoutora em Educação, professora do Departamento de Psicologia e coordenadora da Área Escolar da Unidade de Psicologia Aplicada da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: mmfacci@wnet.com.br
IIIPsicóloga da Unidade de Psicologia Aplicada - Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: raalbuquerque@uem.br
IVMestre em Educação, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, doutoranda em Educação-Unesp-Araraquara E-mail: silvana@maringa.com.br
VMestre em Educação, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, doutoranda em Educação - Unesp - Araraquara. E-mail: soniashima@uol.com.br
RESUMO
O objetivo deste texto é apresentar o trabalho da área Escolar na Unidade de Psicologia Aplicada - UPA, da Universidade Estadual de Maringá. O estágio supervisionado é um espaço para que o psicólogo em formação contribua com a escola em seu objetivo de socializar os conhecimentos produzidos pela humanidade. Desta forma, tem primado pelo aprofundamento teórico e prático na compreensão dos fenômenos educativos em suas relações contextuais e históricas. As atividades oferecidas às escolas, professores e pais, e o atendimento às crianças com dificuldades escolares, realizado na UPA, aproximam os estagiários da realidade da escola pública e contribuem para sua formação, enfatizando a compreensão da subjetividade presente no processo pedagógico e a importância da escola na transmissão-apropriação dos conhecimentos científicos.
Palavras-chave: psicologia escolar; estágio supervisionado; clínica-escola.
ABSTRACT
The objective of this text is to present the work in the Educational area at the Applied Psychology Unit - APU, at the State University of Maringa - UEM. The supervised apprenticeship is a moment for the psychologist in formation to contribute to the school aiming at socializing the knowledge produced by humankind. Thus, it has distinguished itself for the theoretical and practical deepening in the understanding of the educational phenomena in their contextual and historical relations. The activities provided to schools, teachers and parents and the assistance to the children with educational difficulties, performed at APU, bring the apprentices closer to the reality of the public school and contribute to its formation, emphasizing the understanding of the subjective character present in the pedagogical process and the importance of school in the transmission-appropriation of scientific knowledge.
Keywords: School Psychology; Supervised Apprenticeship; School-Clinic.
RESUMEN
El objetivo de este texto es presentar el trabajo del área Escolar en la Unidad de Sicología Aplicada - UPA, de la Universidad Estadual de Maringá. La práctica supervisada es un espacio para que el sicólogo en formación contribuya con la escuela en su objetivo de socializar los conocimientos producidos por la Humanidad. De esta forma, se ha caracterizado por la profundización teórica y práctica en la comprensión de los fenómenos educativos en sus relaciones contextuales e históricas. Las actividades que se han ofrecido a las escuelas, profesores y padres, así como la asistencia a niños portadores de dificultades escolares, realizados en la UPA, acercan a los practicantes a la realidad de la escuela pública y contribuye para su formación, enfatizando la comprensión de la subjetividad presente en el proceso pedagógico y la importancia de la escuela en la transmisión-apropiación de los conocimientos científicos.
Palabras clave: Sicología Escolar; Práctica Supervisada; Clínica-Escuela.
Introdução
O objetivo deste texto é apresentar o trabalho desenvolvido na Unidade de Psicologia Aplicada-UPA, da Universidade Estadual de Maringá, no que se refere, especificamente, à área de Psicologia Escolar.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Psicologia, aprovadas em maio de 2004, em seu Art. 3.º instituem como meta central "a formação do Psicólogo voltado para a atuação profissional, para a pesquisa e para o ensino de Psicologia [...]". No Art. 5º, explicitam que a formação em Psicologia deve contemplar os seguintes eixos: fundamentos epistemológicos e históricos, fundamentos teórico-metodológicos, procedimentos para a investigação científica e a prática profissional, fenômenos e processos psicológicos, interfaces com campos afins do conhecimento e práticas profissionais. Esses eixos têm que ser contemplados e desenvolvidos durante os anos de graduação. No caso dos estágios supervisionados, no Art. 21, essa diretriz assevera que estes "visam assegurar o contato do formando com situações, contextos e instituições, permitindo que conhecimentos, habilidades e atitudes se concretizem em ações profissionais [...]. (Brasil, 2004)
No Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), os estágios curriculares com vistas à formação profissional de seus alunos vêm se desenvolvendo, ainda, nas áreas consideradas "clássicas" em psicologia: clínica, escolar e trabalho. Assim, o aluno cursa as disciplinas de Estágios Supervisionados das áreas "clássicas" - clínica, escolar e do trabalho - exigidas para a formação de psicólogos. Os estágios são supervisionados por professores com a formação em Psicologia e experiência na área específica em que os estágios são desenvolvidos. Compete aos professores supervisores "verificar pessoalmente a capacitação técnica de seu estagiário, supervisionando-o e sendo o responsável direto pela aplicação adequada dos métodos e técnicas psicológicas e pelo respeito à ética profissional" (Conselho Federal Psicologia, 1999, p. 22). As supervisões dos estágios curriculares são realizadas na Unidade de Psicologia Aplicada (UPA), Clínica-Escola da UEM. Essas três disciplinas contam, cada uma, com 136 h/a de supervisão em grupo e 204 h/a de atuação prática profissional em Psicologia, com prestação de serviços à comunidade.
Sabemos o quanto são importantes os projetos pedagógicos dos cursos de graduação, pois sua sistematização, segundo Reboredo (apud Meira, 2003), permite às instituições de ensino expor as concepções valorativas e os conhecimentos científicos e técnicos que deverão orientar a formação profissional. O Projeto Pedagógico Geral do Departamento de Psicologia da UEM está, atualmente, em fase de reformulação. No entanto, os trabalhos desenvolvidos nos estágios são regulamentados por projetos pedagógicos específicos de cada uma das áreas citadas acima, sendo que, aqui, deter-nos-emos no que é específico à área escolar.
De acordo com Reboredo (apud Meira, 2003), quatro elementos fundamentais devem ser considerados nos projetos pedagógicos: o conhecimento da realidade social e o compromisso com sua transformação; o estabelecimento de parâmetros que contribuam para a formação de indivíduos éticos; o conhecimento da história e trajetória institucional, possibilitando o resgate do passado, o desvelamento do presente e a projeção do futuro; o delineamento dos conhecimentos necessários a serem socializados e metodologias mais adequadas para alcançar os objetivos traçados. Tendo como norte esses princípios, o projeto pedagógico da área de Psicologia Escolar tem encaminhado e organizado as atividades de estágio no âmbito da clínica-escola.
A clínica-escola tem como desafio atual, conforme Güntert et al. (2000), conseguir realizar, com qualidade, dupla tarefa: assistência à comunidade e formação de profissionais. A análise dos programas e serviços oferecidos à comunidade, tomando-se por base a descrição dos procedimentos utilizados, de acordo com Salinas e Santos (2002), pode ser um bom parâmetro para avaliar se os objetivos de atendimento à comunidade e de formação profissional estão sendo cumpridos. Pesquisas que ajudem a desvelar a realidade dos atendimentos poderão, também, contribuir para o enriquecimento da formação do psicólogo por meio do modelo da clínica-escola (Carvalho e Telles, 2001). Além disso, o estudo das características da clientela (Santos et al., 1993) constitui um procedimento que possibilita analisar a adequação dos serviços que estão sendo oferecidos na clínica-escola às reais necessidades da população, assim como a realização de modificações nas estratégias de atendimento, de forma a torná-las mais apropriadas. Entretanto, a caracterização requer, necessariamente, a qualificação das queixas trazidas pelos clientes, visto que, por intermédio desta é possível elaborar procedimentos de avaliação mais precisos e formas de atendimento mais adequadas.
Um outro aspecto relacionado à clínica-escola, conforme cita Güntert et al. (2000), refere-se ao fato de que tem ocorrido um aumento na solicitação de serviço, acompanhado, ao mesmo tempo, de um alto índice de desistência da clientela nos atendimentos realizados nas clínicas-escolas. As causas das desistências têm sido atribuídas às interferências decorrentes da própria organização da instituição, tais como o tempo de espera para a realização da triagem e, ainda, o período de espera entre a triagem e o início do atendimento, acrescidos de outros fatores, como a incompatibilidade entre as necessidades do cliente e o serviço oferecido pela clínica-escola; o baixo grau de aderência dos pais e dos demais profissionais, por exemplo, do professor que encaminhou a criança ao tratamento (Güntert et al., 2000) e a troca anual do estagiário/terapeuta (Lhullier, 2000), no caso de atendimentos clínicos.
Todos os aspectos apresentados nesta introdução permeiam as ações desenvolvidas na clínica-escola, de forma a fazer dela, além de um espaço de aprendizagem para o aluno, uma instituição que, realmente, atenda e auxilie a comunidade que utiliza seus serviços.
Unidade de Psicologia Aplicada - UPA: a clínica-escola da Universidade Estadual de Maringá e a intervenção na área educacional
Criada em 1984, a UPA é a clínica-escola do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá - PR. Para possibilitar aos alunos de 5º ano a prática profissional em Psicologia Clínica, a UPA oferece à comunidade externa o serviço de psicoterapia individual e de grupo para crianças, adolescentes e adultos. A prática profissional da disciplina Estágio Supervisionado em Psicologia do Trabalho é desenvolvida em instituições públicas e em empresas privadas, e a da disciplina Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar, em escolas públicas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e de Ensino Médio.
A UPA atua, também, em serviços de extensão, ensino e pesquisa do curso de Psicologia. A clínica-escola é composta por um quadro de 26 professores supervisores, dois psicólogos escolares, dois psicólogos clínicos e um psicólogo do trabalho, além de duas fonoaudiólogas e uma assistente social, que completam a equipe técnica. O quadro de funcionários conta, ainda, com uma secretária, duas zeladoras e vigias. Os psicólogos clínicos oferecem atendimento psicoterápico aos estudantes do curso de Psicologia; a psicóloga do trabalho presta apoio técnico aos estagiários e às empresas em que os estágios são desenvolvidos, e os psicólogos escolares fornecem apoio técnico aos estagiários, organizam cursos de extensão, desenvolvem pesquisas e oferecem atendimento psicoeducacional às crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem.
O trabalho desenvolvido na área escolar tem como instrumento norteador o Projeto de Ensino denominado "Projeto Pedagógico da Unidade de Psicologia Aplicada (UPA), do Departamento de Psicologia - área de Psicologia Escolar", que teve início em 2000. Antes desse período havia um projeto pedagógico único que englobava as três áreas de atuação, conforme já mencionado. O projeto atual tem, como objetivos gerais: desenvolver atividades práticas relativas à atuação do psicólogo na escola; esclarecer sobre a atuação do psicólogo escolar como agente de transformação na dinâmica do processo ensino-aprendizagem; refletir sobre o papel do psicólogo no contexto educacional valendo-se de uma visão integradora da realidade; e conhecer o funcionamento geral da instituição escolar e as possibilidades de intervenção na mesma (Universidade Estadual de Maringá, 2000, p. 2).
Com esses objetivos traçados, pretende-se que os alunos aprofundem conhecimentos teóricos e desenvolvam uma prática que parta do pressuposto de que, para atuar no contexto educacional, é imprescindível analisar e compreender as relações complexas que são estabelecidas entre a psicologia e a educação.
Na clínica-escola da UEM, os referenciais teóricos adotados têm se pautado no behaviorismo, na psicologia genética e psicologia histórico-cultural, segundo a linha teórica do supervisor de estágio. O aluno de Psicologia, portanto, pode ter acesso a teorias que já foram estudadas durante os quatro anos anteriores da graduação e aprofundar conhecimentos teórico-práticos nessas linhas teóricas.
No caso específico do projeto pedagógico, o referencial teórico adotado pelas coordenadoras do estágio, desde 1998, tem por base a psicologia histórico-cultural, que tem Vigotski (1896-1934) como seu precursor, e a pedagogia histórico-crítica, preconizada por Demerval Saviani. Por essas perspectivas, entendemos que o objeto de estudo e atuação da psicologia escolar seja o encontro entre o sujeito humano e a educação (Meira, 2003, p. 55). Ou ainda, conforme Saviani (1991, p. 21), que o trabalho educativo seja o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Que se complementa com os princípios vigotskianos de que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento (Tuleski, 2002). Com base nesses pressupostos teóricos, analisaremos as atividades desenvolvidas na escola.
Voltando à história do trabalho realizado na UPA, especificamente na área escolar, vale ressaltar que, desde 1984, o trabalho tem se desenvolvido atendendo às escolas públicas da cidade de Maringá. Nesse período de existência, houve várias modificações, quer no modo como as supervisões se davam, quer nas atividades desenvolvidas junto aos alunos de Psicologia e à comunidade. Antes, a intervenção era realizada somente por meio do estágio nas instituições escolares, onde os alunos desenvolviam atividades pertinentes à atuação na área educacional. Com a contratação de um psicólogo escolar no ano de 1998, foram iniciados estudos sobre as demandas de atendimento psicológico nas escolas da região de Maringá, o que resultou na ampliação dos serviços oferecidos pela UPA à comunidade externa a partir desse ano.
Após a análise dos relatórios da disciplina Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar referentes ao período de 1984 a 1998, foi possível caracterizar os locais e as atividades de estágio. Depois do levantamento desses dados, novas ações foram implementadas na área escolar. Além dos estágios realizados nas escolas públicas estaduais, em que os acadêmicos desenvolvem o papel do psicólogo escolar em uma perspectiva institucional, vêm sendo oferecidas, sistematicamente, desde 1998, atividades complementares, desenvolvidas com os próprios estagiários de Psicologia, ex-alunos, professores de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio de Maringá, tais como: oficinas, cursos de extensão, eventos de extensão, atividades de orientação às escolas sobre temas pertinentes à Psicologia e à Educação, e implantação de um programa de atendimento individual e grupal a crianças com dificuldades escolares e que necessitam de uma intervenção diferenciada, juntamente com orientações a pais e professores.
Atualmente, a UPA atende 16 escolas públicas do município de Maringá, por meio do estágio curricular supervisionado, oferecendo e desenvolvendo atividades práticas relativas à atuação do psicólogo na escola. Tomando-se por base o reconhecimento da situação geral da instituição, de sua dinâmica e de suas relações e interações internas e externas, são planejadas intervenções nas demandas apresentadas, contribuindo para a reflexão e para a busca de soluções para problemas de aprendizagem, indisciplina, entre outros, cujas queixas são freqüentes nas escolas.
A análise dos relatórios da disciplina de Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar possibilita descrever as atividades desenvolvidas pelos estagiários, de acordo com a demanda da escola, como, por exemplo, no levantamento das atividades realizadas no período de 2000 a 2003 junto aos alunos, professores, equipe pedagógica, pais e funcionários, demonstrado a seguir:
Com alunos, são desenvolvidos grupos de apoio psicopedagógico para atendimento às dificuldades de aprendizagem, avaliação criteriosa e encaminhamentos para profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, assim como para ensino ou escola especial; observações, dentro e fora da sala de aula, de alunos
que são encaminhados para acompanhamento com queixas de comportamento ou indisciplina; sondagem diagnóstica; exames de leitura e escrita, no caso de crianças com problemas de escolarização; encontros com grupos de alunos para discussão de temas como adolescência, relações humanas, orientação profissional, entre outros, sugeridos pela escola ou pelos próprios alunos; encontros individuais para análise das queixas dos professores e atendimento individual para orientações em relação ao processo de escolarização.
Com professores, as atividades apresentadas com maior freqüência são os encontros temáticos de formação e treinamento, minicursos, reuniões com temas específicos, tais como: indisciplina, regras e limites, aprendizagem, atuação docente, adolescência, orientações com referência às queixas de dificuldades e distúrbios de aprendizagem. Também são realizadas pesquisas, palestras, reuniões com os próprios estagiários ou pesquisadores da UEM, conforme o calendário escolar e disponibilidade dos professores.
As reuniões com a equipe pedagógica têm como objetivos principais o planejamento das atividades dos estagiários na escola, assim como a organização dos encontros periódicos com professores e alunos, grupo de estudo e sistematização de trabalhos na escola, em que os conhecimentos da psicologia possam auxiliar o desenvolvimento das atividades pedagógicas.
Com pais, são realizadas reuniões, palestras e orientações, abordando temas solicitados pela escola ou pelos próprios pais; mini-cursos; entrevistas para coleta de dados de alunos, assim como entrevistas devolutivas, no caso dos alunos acompanhados pelos estagiários; ciclo de palestras e pesquisas com assuntos variados. Vale esclarecer que o trabalho com os pais está sempre atrelado às atividades desenvolvidas na escola de uma forma mais ampla.
Com funcionários, as atividades, em sua maioria, são pautadas por temas pertinentes às relações humanas e de trabalho, por meio de cursos, palestras, reuniões e encontros de treinamento, visando ao entendimento da especificidade da instituição em que estão inseridos.
O que delimita a área de intervenção do psicólogo escolar, portanto, está diretamente relacionado com a definição quanto à atuação da Psicologia que, segundo Tanamachi e Meira (2003), pode contribuir para que a escola cumpra sua função social. Sendo assim, de acordo com essas autoras, no encaminhamento de propostas e ações no processo educativo, é fundamental que haja o envolvimento de todas as pessoas envolvidas com a escolarização; que os professores se apropriem das peculiaridades de seus trabalhos e do trabalho dos alunos no que se refere aos problemas de escolarização; que os pais tenham conhecimento das capacidades e especificidades de seus filhos e da capacidade dos mesmos para aprender; que as crianças se apropriem de suas possibilidades de aprender; e que o psicólogo, nessas propostas, defina seu lugar e organize novos conhecimentos sobre a Psicologia e a Educação que auxiliem na apropriação do conhecimento por parte de todos que participam do processo de escolarização.
Sabemos que muito ainda necessita ser realizado para que a atuação do psicólogo escolar, como nos aponta Meira (2003), tenha um compromisso claro e bem estabelecido de ajudar a construir um processo educacional qualitativamente superior, tanto no interior das escolas quanto na própria universidade. Para isso, é necessário que vá deixando de ser o clássico "resolvedor" de problemas ou divulgador de teorias psicológicas, adotando uma postura, dentro de seus limites e especificidades, de auxiliar a instituição educativa a refletir e a implementar ações que removam os obstáculos que se colocam entre os sujeitos e o conhecimento, possibilitando o desenvolvimento do pensamento crítico e favorecendo processos de humanização.
O processo de humanização, na perspectiva da pedagogia histórico-crítica, deve ser o norte da escola. Para Saviani (2003), a escola tem como objetivo transmitir os conteúdos e oferecer os instrumentos necessários para o acesso ao saber. Duarte (1993) também considera que a educação é um processo mediador entre a vida do indivíduo e a história, pois o fato de o indivíduo humano ser singular, único, resulta de um processo social, histórico e concreto. Por intermédio da educação, portanto, o homem se apropria dos conhecimentos sistematizados produzidos historicamente, o que lhe assegura pertencer, enquanto um indivíduo singular, à categoria de ser humano. Nesse sentido, conforme afirma Facci (2004a), o professor deve ter como meta auxiliar no desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos alunos, levando-os a se apropriarem dos conhecimentos científicos que, apesar de produzidos pelos homens no processo histórico, precisam de sistematização prévia, pelo professor, para serem transmitidos na prática pedagógica.
Tal processo se dá no interior das instituições educativas, quer de ensino superior, quer de ensino básico. Conforme já mencionado, a comunidade interna e externa da UEM tem participado, sistematicamente, de eventos e cursos de extensão, previstos no Projeto Pedagógico, e elaborados e propostos pela coordenação da área escolar, juntamente com supervisores e psicólogos escolares da UPA. Esses eventos e cursos têm possibilitado o debate de temas relacionados ao contexto educacional, envolvendo pesquisadores, professores da rede pública de ensino da educação básica, acadêmicos e ex-acadêmicos do curso de Psicologia da UEM. Neles são aprofundadas questões relacionadas à psicologia e à educação e, além de complementar a formação dos alunos de Psicologia, busca tornar a UPA um espaço para o debate, aprofundamento teórico e discussão de possibilidades de atuação de psicólogos escolares e de educadores interessados em compreender os fenômenos educativos em suas relações contextuais. Os cursos têm contribuído para o desenvolvimento do estágio, assim como têm suscitado a necessidade de novas pesquisas e propostas teórico-práticas de encaminhamento das problemáticas enfrentadas no espaço escolar, pois entendemos, como Meira (2003, p. 59), que a Psicologia Escolar crítica pode e deve se dirigir à sociedade como um todo.
Assim, no período de 1998 a 2004, foram oferecidos, pela área escolar da UPA, vinte cursos de extensão, abordando os temas: "A escola e o processo de humanização: discutindo os temas transversais"; "Orientação sexual na escola: trabalhando os temas transversais"; "Problemas e distúrbios de aprendizagem"; "Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vigotski"; "Avaliação psicoeducacional na escola"; "Caracterização das alterações fonoaudiológicas para encaminhamento"; "Estatuto da criança e do adolescente"; "Políticas públicas da educação no Paraná e suas implicações na vida da escola"; "Educação previne doença mental? As posições psicanalíticas"; "Parâmetros Curriculares e o Banco Mundial". Alguns cursos e eventos repetiram-se, anualmente, para atender à demanda existente por parte de alunos e educadores, bem como para possibilitar e garantir aos alunos ingressantes do quinto ano a participação neles. Muitas dessas temáticas foram levantadas junto aos professores da rede pública de ensino, alunos da graduação e professores supervisores de estágio em Psicologia Escolar, sendo, também, avaliadas a cada final de ano letivo quanto ao alcance de seus objetivos. Esse espaço, criado no interior da clínica-escola para o debate de questões educacionais, busca o estreitamento dos laços entre a universidade e a comunidade escolar, tanto das escolas já atendidas pelo estágio, quanto daquelas que ainda não possuem estagiários em Psicologia Escolar.
De acordo com Tanamachi e Meira (2003), para que a Psicologia possa contribuir com a escola na sua função de socializadora do saber, é preciso constituir espaços e construir metodologias de trabalho, dentro e fora da mesma, fundadas em um movimento de ação/reflexão/ação, de tal maneira que todos os envolvidos reflitam sobre sua prática social e busquem elementos teóricos que a iluminem de modo qualitativamente diferente do senso comum, comprometendo-se com o desenvolvimento de projetos que traduzam em ações concretas uma compreensão crítica sobre si mesmo, sobre sua prática e sobre a realidade social na qual estão inseridos.
Com isso, rompe-se com a idéia do psicólogo escolar como um técnico e se torna possível pensá-lo como um elemento mediador que - junto com educadores, alunos, funcionários, direção, famílias e comunidade - poderá avaliar criticamente os conteúdos, métodos de ensino e as escolhas didáticas que a escola faz como um todo. Assim, ele pode participar de um esforço coletivo voltado para a construção de um processo pedagógico qualitativamente superior, fundamentado em uma compreensão crítica do psiquismo, do desenvolvimento humano e de suas articulações com a aprendizagem e as relações sociais. (Tanamachi e Meira, 2003, p. 53)
No que se refere, especificamente, aos problemas no processo de escolarização, foi implantado, em 2003, na clínica-escola, o Programa de Apoio Psicoeducacional, com o objetivo de atender crianças e adolescentes com dificuldades escolares que necessitem de uma intervenção diferenciada, juntamente com orientações a pais e professores. O programa prevê discussões dos casos em equipe multidisciplinar e estudos de novos procedimentos diagnósticos e de atendimento psicoeducacional, de forma a superar visões patologizantes e individualizantes acerca das dificuldades escolares que, em última instância, acabam culpando a própria vítima pelas mazelas que povoam o espaço intra-escolar. As atividades desenvolvidas com os alunos têm a finalidade de auxiliá-los no desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores, imprescindíveis para a aquisição do conhecimento científico.
A implementação desse modelo de atendimento associada problemas de aprendizagem tomou por base a análise dos dados apresentados nos Relatórios Anuais de Atividades (Universidade Estadual de Maringá, 1998, 1999, 2000) da UPA, referentes ao período de 1998 a 2000. Os dados registraram 509 triagens de crianças e adolescentes, sendo que 188 atendimentos (39%) foram solicitados pelas escolas e, desse total de crianças e adolescentes recebidos de escolas, 52 alunos (26%) foram encaminhados por seus professores com a queixa principal de problemas de aprendizagem.
A análise longitudinal dos dados apresentados nos Relatórios Anuais de Atividades (ibid.) revela um decréscimo no número de solicitações de atendimentos das escolas no decorrer desses três anos. Em 1998, o número de casos encaminhados pelas escolas correspondeu a 47% das crianças e de adolescentes atendidos pela UPA. Nos dois anos seguintes, esse percentual decaiu, respectivamente, para 43% e para 18%. Dentre os possíveis fatores que contribuíram para que esse decréscimo tenha ocorrido, dois parecem determinantes na redução da demanda. O primeiro foi a mudança na metodologia de registro dos atendimentos, ou seja, nos Relatórios Anuais de Atividades passaram a ser computados somente os casos que foram atendidos de fato, e não mais todas as solicitações de atendimentos. O segundo fator foi a mudança no procedimento de triagem em 2000, ou seja, ela passou a ser realizada somente quando da abertura de uma vaga para atendimento.
Os dados acima citados, compatíveis com estudos anteriores sobre índices de fracasso escolar e encaminhamentos de queixas escolares para atendimento psicológico (Souza, 1996; Campos, 1989; Patto, 1990, 1992; Boarini, 1992; Masini, 1986; Collares e Moysés, 1992) demonstram que razões socioculturais, bem como práticas escolares ineficientes e preconceituosas ainda são escamoteadas por explicações naturalizantes das causas do fracasso escolar, situando-as no indivíduo que fracassa e explicando-as como motivos orgânicos ou como peculiaridades subjetivas. Estes dados serviram de base para discussões internas com coordenadores e professores supervisores da área clínica, objetivando uma reflexão, tanto sobre a prática de encaminhamento realizada pela escola como também sobre a sua recepção realizada pela clínica-escola.
A redução dos encaminhamentos das escolas e dos atendimentos de problemas de aprendizagem registrada nos Relatórios Anuais de Atividades (Universidade Estadual de Maringá, 1998, 1999, 2000), no entanto, não representa a totalidade de solicitações de atendimentos, ficando registrada, de fato, uma aparente redução. Isso foi comprovado pelo levantamento de dados realizado por um dos psicólogos escolares da UPA durante a elaboração de projeto de pesquisa de mestrado (Leal, 2004), para o qual foram selecionados 25 casos de crianças e adolescentes encaminhados por escolas, mas que não haviam sido registrados e nem chamados para triagem, em função da falta de vagas para atendimento na UPA naquele momento. Em entrevistas realizadas com os professores e com as equipes pedagógicas das escolas que realizaram os encaminhamentos, ficou demonstrado que cerca de 88% dos alunos foram encaminhados em função da queixa de dificuldades de aprendizagem e, dentre esses escolares, 75% apresentavam também problemas de atenção.
Esses resultados, além de demonstrarem que não houve diminuição na procura por atendimento de problemas escolares, indicaram, também, a necessidade de compreensão do caminho percorrido na UPA pelas crianças com dificuldades de aprendizagem que foram aceitas para atendimento. Qual foi a "trajetória" da queixa de problemas de aprendizagem ao longo do atendimento realizado? No decorrer da triagem e da avaliação psicoeducacional, o que foi investigado sobre a queixa apresentada? A avaliação confirmou a queixa de dificuldades de aprendizagem? Quais foram os encaminhamentos e orientações realizados? Os problemas de aprendizagem foram resolvidos com o atendimento oferecido à criança?
A busca de respostas para essas perguntas, sua análise e estudo ainda continuam em andamento, mas já contribuíram de forma concreta para a implantação do Programa de Apoio Psicoeducacional. Determinou a necessidade de a clínica-escola, particularmente a área de Psicologia Escolar, voltar seu olhar, de forma mais intensa, para a demanda gerada pela escola pública que, recorrendo aos serviços de psicologia da Universidade, busca soluções para os problemas de aprendizagem. O objetivo proposto, portanto, no atendimento, é possibilitar a compreensão - da escola, da família, da criança e do adolescente encaminhados, do estagiário e demais profissionais envolvidos - de que a inteligência é construída histórica e socialmente. Significa entender que crianças, cujo acesso aos bens culturais (objetivos e simbólicos) encontra-se bloqueado, não são menos inteligentes que outras, mas apresentam um desenvolvimento conformado por condições concretas (Meira, 2003). Sendo assim, não é a patologização dos fatores socioculturais que possibilitarão o real desenvolvimento das potencialidades dessas crianças, e sim o desenvolvimento de ações pedagógicas alternativas, na escola ou em outra instituição educativa, que permitam o seu acesso aos instrumentos e signos, desenvolvendo as funções psicológicas superiores, mediadas em sua estrutura. Desloca-se o foco, do âmbito médico (clínico) para o âmbito educativo (escolar e social).
Os serviços assim propostos não se circunscrevem à postura que retira a criança da escola, do seu contexto e deposita nela a causa do insucesso escolar, pois se considera que o fracasso escolar está estreitamente relacionado ao fracasso da própria sociedade capitalista em lidar com suas próprias contradições. Concordamos com Tanamachi e Meira (2003), em que apenas uma fundamentação teórica consistente e crítica torna o profissional capaz de contribuir para o processo de desvelamento ideológico de uma série de idéias e concepções cristalizadas ao longo da história da Psicologia, que nascem, como demonstra Tuleski (2004), comprometidas com o estágio reacionário e não mais revolucionário da sociedade burguesa. Combater, em diferentes instâncias, as explicações psicologizantes, buscando novamente situar os problemas educacionais, que sempre são apontados como problemas dos próprios alunos, rompendo com o maturacionismo, tão predominante nas explicações sobre as dificuldades de aprendizagem, significa, antes de tudo, redimencionar as relações entre desenvolvimento e aprendizagem sob novos parâmetros teóricos.
É nessa perspectiva que a UPA tem procurado atender à demanda da comunidade nos estágios curriculares da área escolar e nas diversas atividades de extensão já relatadas, socializando informações na área de Psicologia e Educação, ampliando e possibilitando debates e serviço de atendimento aos problemas de escolarização. O que se pretende é ampliar ainda mais os serviços da Psicologia Escolar, contribuindo para a elaboração e apropriação de novos conhecimentos, por parte da comunidade escolar (pais, professores, alunos, funcionários e equipe pedagógica), no que se refere ao papel da educação na construção da subjetividade humana.
Entendemos, portanto, como Meira (2003 p. 60), que a questão mais importante não é o local de trabalho em si, mas a forma como se concretiza a atuação do psicólogo escolar:
Em síntese, defendemos que o melhor lugar para o psicólogo escolar é o lugar possível, seja dentro ou fora de uma instituição, desde que ele se coloque dentro da educação e assuma um compromisso teórico e prático com as questões da escola, já que, independente do espaço profissional que possa estar ocupando, ela deve constituir-se no foco principal de sua reflexão, ou seja, é do trabalho que se desenvolve em seu interior que emergem as grandes questões para as quais deve buscar recursos explicativos quanto aos instrumentos metodológicos que possam orientar sua ação.
Traçando algumas considerações
Os autores responsáveis pelo encaminhamento e pela coordenação dos estágios e elaboração do novo projeto pedagógico que norteia os estágios desde 1998, como já foi dito, adotam como referencial teórico a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica, o que os leva a compreender que o desenvolvimento do psiquismo humano não se dá de forma evolutiva, com base, apenas, em uma herança genética, conforme salientou Vigotski em diversos escritos, como neste:
É precisamente este mecanismo o que pode explicar e mostrar como o comportamento hereditário do homem, que constitui uma aquisição biológica geral de todo o reino animal, se converte em seu comportamento social, que surge sobre a base do hereditário, sob a influência decisiva do meio social. (1997, p. 33 - tradução nossa)
Antes de tudo, o desenvolvimento do homem, que implica a passagem da condição biológica à de sujeito cultural, é dinâmico, dialético e se realiza a partir de mediações socio-históricas. Desse modo, o desenvolvimento daquilo que o torna diferenciado de outros seres vivos, as suas funções psicológicas superiores, depende da educação, que o leva a assumir as características de uma dada época e civilização (Barroco, 2001).
Pela educação, os homens dominam ferramentas, instrumentos e técnicas, dirigindo sobre elas sua atividade criativa, transformando-as, aprimorando-as. Criam e transformam signos que lhes permitem "catalogar" o mundo e intervir sobre ele, modificando-o e sendo intrinsecamente transformados por esse processo contínuo, vivo. Podemos entender que "a educação é o domínio artificial dos processos naturais de desenvolvimento. A educação não só influi em uns ou em outros processos de desenvolvimento, senão que reestrutura as funções do comportamento em toda a sua amplitude" (Vygotski, 1997, p. 69). Assim, compreendemos o desenvolvimento humano como socialmente condicionado e vislumbramos quanto a educação, de modo geral, e a escolar, de modo mais específico, é decisiva para que os homens se desenvolvam numa ou noutra direção.
Isso nos remete à crítica a uma psicologia que naturaliza, em corpos e mentes de certos indivíduos, desmandos que antes pertencem às relações sociais, pautadas em classes antagônicas, que aos indivíduos isoladamente, frutos de um desenvolvimento tomado como evolutivo e individual. Assim, podemos pensar que o psicólogo tem uma ação de fato educacional quando
(...) explicita e explica aos indivíduos como eles passam a ser o que são, a assumirem determinadas características: alunos atrasados, alunos de sucesso, família desestruturada, pais relapsos, professores interessados e interessantes, ou o seu inverso, etc. Se educar implica favorecer aos sujeitos níveis cada vez mais elevados de consciência, indo para além das concepções ingênuas, é preciso pôr as histórias de vida, e as histórias institucionais em relação dinâmica e viva com a história dos homens. (Barroco, 2004, p. 72)
Nesse aspecto, e considerando a educação escolar em seus diferentes níveis e modalidades, pode-se dizer que muito há ainda para se fazer nos estágios supervisionados na área de Psicologia Escolar, de forma que o estagiário/psicólogo possa contribuir para que a escola atinja seu objetivo enquanto instituição socializadora dos conhecimentos científicos produzidos pela humanidade. A adoção desses referenciais teóricos, que em nosso ponto de vista se complementam, significa, portanto, antes de tudo, compreender os fenômenos humanos a partir do método materialista-dialético, apreendendo a totalidade do concreto em suas múltiplas determinações e a sociedade como em contínuo movimento (Kosik, 1976). As relações entre desenvolvimento humano, educação e sociedade, assim, são pensadas no interior dos processos de produção e reprodução do capital, de forma dialética e contraditória. Por esse modo, as implicações metodológicas do nosso trabalho junto à UPA visam a atuação do acadêmico e do profissional lidando com a totalidade e com as contradições. Conforme Barroco (2004, p. 72),
Trabalhar pelas contradições significa retirar dos homens gessos que os impedem de ser algo que ainda não são. Significa pensar com estagiários e com a escola que nem sempre uma dada ação resulta em uma resposta única e previsível, que a produção humana [de produtos materiais, de abstrações, de instituições, etc.] expressa não só os autores imediatos, mas a consciência e as possibilidades de uma época. Isso nos leva a superar a busca de culpados, e ao mesmo tempo chama-nos à responsabilidade, ao compromisso com a autoria coletiva.
Sob esses pressupostos e pano de fundo metodológico é que direcionamos a grande maioria dos cursos organizados pela UPA, onde autores, teorias e fenômenos, como problemas de aprendizagem e indisciplina, são analisados de forma contextualizada, a partir de seus determinantes históricos.
Entendemos, portanto, que a educação escolar, quer seja no interior da universidade, quer seja no interior das instituições básicas de ensino, constitui-se em uma instância fundamental para a socialização do conhecimento historicamente acumulado, assim, como Meira (2003, p. 20) nos diz:
Propomos que a apreensão da educação como instrumento mediatizado de transformação social e do homem como sujeito histórico que se insere dialeticamente na complexa trama social pode orientar o psicólogo escolar tanto na definição das áreas mais importantes que exigem sua intervenção, quanto na escolha das alternativas teóricas e metodológicas que possam concretizar suas finalidades profissionais.
É ainda importante marcar que a literatura atual sobre a Psicologia Escolar tem buscado, em muitos momentos, compreender como ocorreu a inserção da psicologia no espaço escolar, considerando o contexto histórico em que esta ciência foi constituída, mas, na maioria das vezes, a intervenção do psicólogo é ainda apresentada como um apêndice, desvinculada da relação entre psicologia-educação-sociedade. Na história da psicologia, o ideário liberal norteou grande parte da atuação dos psicólogos e, conforme relata Yazlle (1997), toda investigação científica, inclusive a análise dos fenômenos psicológicos, deveria focalizar a adaptação dos organismos ao meio e estudar as formas de controle dessa relação adaptativa.
Nossos apontamentos são apresentados num contexto em que, segundo Tanamachi (2000), muitos psicólogos ainda têm desenvolvido suas práticas seguindo tais perspectivas, enfocando a psicometria ou mesmo uma visão "naturalizante" e individualizante de problemáticas que se apresentam no contexto escolar. Facci (2004b) reforça essa posição quando afirma que, muitas vezes, os psicólogos escolares não conseguem perceber o quanto a psicologia contribui para a manutenção ou a transformação da ideologia vigente, ficando à mercê das teorias que naturalizam os fenômenos humanos, inclusive o processo de ensino-aprendizagem, tanto no que se refere ao sucesso como ao insucesso escolar. No entanto, ao mesmo tempo em que se tem um movimento de manutenção, diversos psicólogos também se contrapõem a essa visão de psicologia escolar e têm procurado construir uma leitura crítica da educação e da psicologia, tais como: Patto (1990), Tanamachi e Meira (2003), Facci (2004a, 2004b), Tanamachi, Rocha e Proença (2000), Tuleski (2001), Meira e Antunes (2003a, 2003b) e Barroco (2002), entre outros. Meira (2000), nesse sentido, assinala que já é possível observar alguns elementos que buscam garantir aos psicólogos escolares a possibilidade de contribuírem para que, nas escolas, sejam favorecidos os processos de humanização e desenvolvimento da capacidade do pensamento crítico.
Na escola, o estagiário/psicólogo deveria partir do pressuposto de que o psiquismo humano se constitui socialmente, o que possibilita a compreensão de que relações humanas e humanizadoras não emergem de forma espontânea ou natural no cotidiano das salas de aula, mas precisam ser intencionalmente construídas, como demonstra Meira (2003a). Partindo desse referencial, o psicólogo torna-se capaz de auxiliar os integrantes da instituição educativa a refletir sobre o fenômeno do fracasso escolar, quer seja em sua queixa comportamental, quer em sua queixa cognitiva, como uma síntese de múltiplas determinações, situando-o em um contexto histórico concreto, analisando-o dialeticamente e apreendendo seu movimento e as contradições resultantes.
Desenvolvimento e aprendizagem, assim, mantêm relações complexas e estão vinculadas desde o nascimento. Vygotski (1993, p. 239) esclarece que a escola deve ter como um de seus objetivos ensinar aos alunos as operações mentais necessárias para a apropriação do conhecimento científico. Assim,
É da compreensão das possibilidades de desenvolvimento de todos os envolvidos que poderão emergir os caminhos que poderemos trilhar com a criança, a família e a escola para fazer com que esta história escolar que está em um certo sentido paralisada pelo rótulo resultante desta queixa, possa ser movimentada em direção à superação das dificuldades. (Meira, 2003a, p. 31)
Consideramos, também, que quando se tem como meta partir de bases históricas, o conhecimento da história da psicologia e, especificamente, da psicologia escolar, o entendimento da função da escola e o papel do professor em processo contínuo de transformação ante as demandas sociais e políticas e, principalmente, a relação entre o processo de escolarização e a formação do psiquismo humano, são aspectos fundamentais para uma intervenção prática do psicólogo escolar.
Podemos afirmar, a título de finalização, que os trabalhos desenvolvidos na UPA, na área de Psicologia Escolar, têm primado pela busca de procedimentos/ encaminhamentos que auxiliem os estagiários e educadores a refletir e a sistematizar as atividades desenvolvidas na escola de forma a considerar os sujeitos (professores, alunos, pais, professores, funcionários) inseridos num contexto histórico determinado, influenciando e sendo influenciados pelas condições da realidade em que vivem, retomando, fundamentalmente, a importância da escola e da apropriação dos conteúdos curriculares para a formação dos seres humanos. Conforme Barroco (2001) enfatiza, as relações humanas, os comportamentos que surgem no contexto escolar serão pouco compreensíveis se não forem postos em relação com a história e com a dinâmica vigente em nossa sociedade. É essa visão de totalidade na compreensão de todos os fenômenos que pode auxiliar numa concepção crítica de psicologia. Nesse aspecto, só faz sentido uma intervenção quando fundamentada teoricamente.
Utilizando as idéias de Meira (2000), é necessário aprofundamento teórico para compreender as relações existentes entre a subjetividade humana, a formação do psiquismo e o processo educacional. Conforme defende Vigotski (2001), a psicologia tem a função de dar o embasamento psicológico à pedagogia. Ela deve contribuir para que a escola cumpra com sua função de socialização dos conhecimentos produzidos pelos homens. Esse aspecto não deve ser esquecido, jamais, numa prática de formação de psicólogos para atuarem na educação.
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