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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  n.25 São Paulo dez. 2007

 

Perspectivas de atuação do psicólogo escolar na rede pública de ensino: um estudo exploratório em uma escola de Fortaleza

 

Working perspectives for a school psychologist within public schools: an exploratory study in a school in the city of Fortaleza

 

Perspectivas de la actuación de los psicólogos escolares en el sistema de escuelas públicas: un estudio exploratorio en una escuela en Fortaleza

 

 

Luciana Lobo MirandaI; Tiago Régis de LimaII; Paulo André Sousa TeixeiraIII; Flora Lima ChavesIV; João Paulo Pereira BarrosV

IDoutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFC
IIPsicólogo Graduado pela Universidade Federal do Ceará. Estudante do Mestrado em Psicologia da Universidade Federal Fluminense. E-mail: guttentak@yahoo.com.br
IIIPsicólogo Graduado pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: pajrc@hotmal.com
IVPsicóloga Graduada pela Universidade Federal do Ceará. Residente da Escola de Saúde da Família Visconde de Sabóia - Sobral/CE. E-mail: florachaves@yahoo.com.br
VPsicólogo Graduado pela Universidade Federal do Ceará. Estudante do Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Ceará, bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E-mail: jppbarros@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada durante as disciplinas de Psicologia Escolar I e II do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará - UFC, sob a supervisão da Prof. Dra. Luciana Lobo Miranda, em 2005. Tal pesquisa investigou as expectativas que gestores, funcionários e professores de uma escola pública de Fortaleza tinham acerca da atuação do psicólogo escolar na rede pública municipal. Os dados foram coletados através de grupo focal e analisados mediante análise de conteúdo. Constatamos a importância que é atribuída pelos sujeitos desta pesquisa a uma possível atuação do profissional de psicologia na escola, mesmo havendo uma heterogeneidade de expectativas a respeito. Pesquisas dessa natureza são relevantes para subsidiar a formulação de políticas públicas educacionais voltadas à melhoria do ensino público municipal.

Palavras-chave: rede pública e municipal de ensino; psicologia escolar; atuação do psicólogo.


ABSTRACT

This article presents the results of a survey during the disciplines of Psychology I and II of the School of Psychology course of the Federal University of Ceara - CFU, under the supervision of Prof.. Dr. Luciana Lobo Miranda, in 2005. This research investigated the expectations that managers, employees and teachers in a public school in Fortaleza had about the role of school psychologist in the public hall. The data were collected through Focal Group and analyzed by analysis of Content. We note the importance that is attached by the subject of this search to a possible role of the professional psychology at the school, even with a diversity of expectations on them. Searches of this nature are relevant to subsidize the formulation of public policies toward the educational improvement of public education hall.

Keywords: Network Service and Hall of Education; School Psychology; Expertise of the psychologist.


RESUMEN

Este artículo presenta los resultados de una encuesta en las disciplinas de la Psicología Iy II de la Facultad de Psicología de la Universidad Federal de Ceará - UFC, bajo la supervisión del Prof. Dr Luciana Lobo Miranda, en 2005. Esta investigación investigado las expectativas que los directivos, empleados y profesores en una escuela pública en Fortaleza tenía alrededor de la función del psicólogo escolar en la sala de público. Los datos fueron recolectados a través de Grupo Focal y analizados por el análisis de contenido. Tomamos nota de la importancia que se asigna por el objeto de esta búsqueda a un posible papel de los profesionales de psicología en la escuela, incluso con una diversidad de las expectativas en ellos. Los registros de esta índole son pertinentes para subvencionar la formulación de las políticas públicas hacia la mejora educativa de la educación pública pabellón.

Palabras clave: una red de servicios y Salón de la Educación; Escuela de Psicología; psicólogo de la Especialidad.


 

 

Introdução

Para entendermos a complexidade do sistema escolar brasileiro, especialmente da rede pública de ensino, é necessário empreendermos uma análise tanto histórico-estrutural quanto conjuntural. Na contemporaneidade, visualizamos um nítido processo de privatização1 do campo educacional, o que se configura numa política educacional de caráter neoliberal; uma das marcas fundamentais do neoliberalismo é o "progressivo desmantelamento do Estado como agência produtora de bens e serviços e como aparelho institucional orientado a garantir e promover os direitos da cidadania" (Gentili, 1999, p. 106). Dentro de tal contexto, vários autores destacam a necessidade de revisão dos paradigmas que sustentam a intervenção dos diversos profissionais da área da educação (Romaneli, 1991)

Diante de tal quadro, a psicologia, na condição de uma construção socialmente comprometida, não pode se eximir de contribuir para viabilizar alternativas garantidoras de uma educação que atenda às necessidades atuais da população. Tal contribuição pode se efetivar tanto na dimensão política quanto na teórica. Quanto à primeira, relaciona-se com a reafirmação e a defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade social, sendo, portanto, um dever do Estado (Brasil, 1988). Quanto à segunda, a contribuição aparece na medida em que o saber psicológico lança um olhar acurado sobre si e sobre o entorno em que se encontra, a fim de que se compreenda a importância atribuída ao psicólogo, às demandas e aos desafios que se lhe apresentam, assim como o suporte teórico-metodológico de que ele dispõe para intervir no contexto da escola, desempenhando assim um papel qualitativo.

Na tentativa de dar conta de algumas das questões supracitadas, o presente artigo almeja investigar a pertinência da atuação do psicólogo escolar na rede pública municipal de Fortaleza, tomando como referência as expectativas de gestores, funcionários e educadores de uma escola pública municipal a respeito da atuação do(a) psicólogo(a) escolar.

 

Formulação de políticas de educação no Brasil

As concepções e práticas educacionais que reconhecemos atualmente foram construídas ao longo do tempo e de maneira não-linear. Elas foram gestadas a partir das práticas governamentais e das demandas específicas dos tempos históricos, ou seja, no bojo das imbricações de fatores que perpassam o contexto macroestrutural e as produções subjetivas. Para se ter idéia, a noção de uma política pública educacional para todos e todas é deveras recente, segundo pesquisas de Romanelli (1991).

Efetivamente, o ensino público só foi estruturado em 1824, mas apenas o primário, e este ainda como opcional. Tivemos, em 1854, um avanço considerável na formulação das leis, uma vez que o ensino primário passou a ser obrigatório. As limitações na oferta e na qualidade do ensino foram, ao longo dos governos, amenizadas por meio das reformas educacionais. Na Primeira República, houve a tentativa inicial de reforma, a qual não chegou a ser implementada (ibid.).

Para esta autora, a crise na educação brasileira se dá exatamente em razão do descompasso entre as características na oferta de educação - esta compreendida nos seus aspectos quantitativos e qualitativos - e a demanda social exigida, uma vez que a realidade muda numa velocidade considerável.

É mais precisamente na década de 30 que esse descompasso veio a se agravar (Patto, 1984). No governo de Getúlio Vargas, houve uma grande ênfase na busca de um crescimento econômico, demandando do sistema educacional existente um contingente populacional preparado para o trabalho que outrora não era exigido. Criou-se, portanto, em 1930, o Ministério da Educação e da Cultura (MEC), evidenciando a preocupação emergente do governo com essas questões.

Remetendo-nos ao contexto da década de 90, percebemos um forte avanço do capital sobre a organização dos trabalhadores e uma intensa intervenção de mecanismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, fatores que repercutem de maneira decisiva na educação. O avanço do neoliberalismo no campo educacional só vem a se confirmar com as políticas educacionais brasileiras desse período, as quais têm sofrido agruras pela falta de investimento do Estado, o qual abdica de seu compromisso social para com tal setor, através, por exemplo, de concessões e parcerias público-privadas. Notoriamente, esses aspectos levantados têm implicações na rede municipal de ensino de Fortaleza, como se atestará a seguir.

 

Caracterização das escolas públicas municipais de Fortaleza

Além do levantamento histórico da situação das políticas educacionais em nosso país, avaliamos ser de suma importância também diagnosticar as escolas públicas municipais de Fortaleza. Mesmo não negando a perspectiva histórica, é fundamental ter conhecimento dos alcances, das limitações e das possibilidades que as sucessivas gestões vêm implementando junto ao serviço público de ensino. Ademais, não pretendemos fazer uma mera descrição de dados, mas compreender a lógica que produziu tamanho sucateamento, um descaso generalizado com a educação municipal - nosso foco de análise (Soares, 2004).

Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação e Assistência Social de Fortaleza (Fortaleza, 2003), a capital possuía, em 2001, um total de 380 escolas, entre patrimoniais e anexos. No ano de 2002, esse número cresceu para 405 escolas. Já em 2003, tínhamos um total de 450 escolas públicas municipais em Fortaleza. No entanto, mesmo com a diminuição paulatina dos anexos (em 2001 eram 236 e em 2003 reduziram para 73), estes ainda se configuram como um grave problema para a rede de ensino, uma vez que constituem prédios particulares alugados "provisoriamente", mas que não possuem, na maioria das vezes, uma estrutura mínima para um funcionamento adequado.

Outra questão que se coloca são as taxas de rendimento escolar. Conforme a secretaria mencionada, de 2001 a 2003, as taxas de aprovação subiram de 70% para 75%, enquanto a reprovação cresceu de 12% para 15%. Já os índices de evasão escolar se reduziram de 12,7% para 9,6%. No geral, esses dados mostram uma significativa melhoria no sistema de ensino. Porém, outras leituras podem ser feitas a partir dos mesmos indicadores. Uma delas refere-se ao sistema de aprovação automática, na qual o aluno passa de ano mesmo sem adquirir os conhecimentos necessários para sua progressão serial. Com isso, podemos inferir que os altos índices de aprovação englobam também esses estudantes, que passam de ano sem os conhecimentos necessários, produzindo aberrações como alunos de 8ª série que não sabem ler nem escrever. A "Pesquisa Nacional Qualidade da Educação - A Escola Pública na Opinião dos Pais", divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), revelou bem isso, na qual os pais criticam os métodos de avaliação e ensino utilizados, em geral, nas escolas públicas brasileiras.2

 

A psicologia escolar numa perspectiva de construção histórica

Após a menção ao panorama estrutural e conjuntural da educação pública, faz-se imprescindível, doravante, circunscrever as ações do psicólogo escolar que são apontadas na literatura, para melhor compreender de que forma ele vem respondendo às demandas educacionais e qual a relação existente nesse percurso hitórico-social.

Pesquisas demonstram que são diversificadas as representações que os psicólogos escolares têm de si mesmos (Rocha, 1999). Além da auto-definição, são levadas em conta, nesses estudos, as nuanças presentes nos discursos, ou seja, as afirmações, negações, contradições e outros. Rocha (ibid.) argumenta que a prática dos psicólogos no contexto escolar está pautada, prioritariamente, em três modelos: o clínico, o pedagógico e o institucional.

O modelo clínico é marcado pela "restauração das condutas consideradas inadequadas" (ibid., p. 184). Nota-se uma ênfase bem nítida num sujeito deslocado do seu contexto, buscando, a partir dos comportamentos/sintomas apresentados, uma explicação do evento e melhor adequação à lógica da organização escolar.

O modelo pedagógico amplia seu foco de atenção comparado ao clínico, anteriormente centrado no indivíduo, e passa a problematizar as relações, os vínculos significativos que os estudantes estabelecem e que influem em seu processo de ensino/aprendizagem. É exatamente esse processo que constitui o foco desse modelo.

Por sua vez, o trabalho institucional3 visa a dar uma maior abrangência ao olhar e, conseqüentemente, à prática do psicólogo escolar. Segundo Rocha (1999, p. 188), "é caracterizado como um trabalho geral, de grupo, de contextualização, de relações dinâmicas, de mobilização das instituições que se escondem nas organizações, favorecendo o pensar ou mesmo a democratização das relações".

Outros autores que estão de acordo com a perspectiva apontada por Rocha explicitam, contudo, diferentes fatores para melhor compreensão desse tipo de atuação, como a questão do fracasso escolar. A partir do levantamento de vários estudos na área, Angelucci et al. (2004) puderam inferir as explicações mais recorrentes sobre tal temática, afirmando-a como um problema psíquico, um problema técnico, um problema institucional e ainda como um problema político.

O fracasso escolar, entendido como problema psíquico, centra suas explicações na seguinte lógica: o sujeito não aprendeu (limitação intelectual) por causa de algum "problema emocional". As questões políticas existentes na escola são relegadas ao segundo plano, já que o estudante possui, a despeito disso, uma estruturação subjetiva que deve ser trabalhada, uma vez que encerra falhas em seu psiquismo ou ainda não alcançou a maturidade. A principal conclusão - e mais preocupante - desse tipo de enfoque é que "a pobreza dos alunos (como fator exterior à escola) é a principal causa do seu insucesso escolar" (Angelucci et al., 2004, p. 60). Meira e Tanamachi também reforçam a crítica a esse tipo concepção, afirmando que

[...] o processo de culpabilização do aluno, pela via da patologização dos problemas escolares, tem se fundamentado ao longo de nossa história em várias abordagens teóricas, que por diferentes caminhos expressam a mesma desconsideração pelas múltiplas determinações da educação. (2003, p. 29)

Outras argumentações são construídas a partir do fracasso escolar, este agora compreendido como um problema técnico. Sob essa ótica, a grande dificuldade estaria na metodologia de ensino equivocada utilizada pelo professor. No entanto, continua-se a explicação do "problema" do fracasso enraizada na díade professor-aluno, "ao restringirem à avaliação da criança e a intervenção na criança" (Angelucci et al., 2004, p. 63, grifo nosso).

Tematizando a questão política, percebemos que essa influencia diretamente na produção do fracasso escolar. O foco estria nas relações de poder existentes na escola, uma vez que esta reproduz, em seu interior, os ditames presentes na sociedade como um todo. Nesse caso, segundo Angelucci et al. (ibid., p. 64),

Há, portanto, uma ruptura epistemológica do conhecimento sobre a "criança fracassada, o professor incompetente, as famílias desestruturadas" para o conhecimento que incorpora a fala dos alunos, dos profissionais da escola, das famílias das classes populares, numa proposta de resgate da legitimidade de seus saberes, experiências e percepções.

 

A nova inserção do psicólogo escolar: para além do "indivíduo-problema"

Mesmo diante dessa multiplicidade de vertentes - muitas delas inseridas num contexto de sérias fraturas epistemológicas -, traremos também algumas concepções sobre o que poderia vir a ser um psicólogo escolar, bem como apontamentos acerca de qual seria o papel do profissional em destaque. Para isso, é importante o conceito de psicologia escolar proposto por Meira e Tanamachi (2003, p. 11):

Como área de estudo da Psicologia e de atuação/formação profissional do psicólogo, que tem no contexto educacional - escolar ou extra-escolar, mas a ele relacionado - o foco de sua atenção, e na revisão crítica dos conhecimentos acumulados pela Psicologia como ciência, pela Pedagogia e pela Filosofia da Educação, a possibilidade de contribuir para a superação das indefinições teórico-práticas que ainda se colocam nas relações entre a Psicologia e a Educação.

No bojo dos entraves conceituais apresentados na literatura, destacamos a concepção do papel do psicólogo apresentado por alguns expoentes da análise institucional. Fica evidente o redirecionamento do enfoque, outrora dirigido ao "aluno-problema".

Pensamos que o papel do psicólogo seja o de suscitar o aparecimento dos conflitos e contradições existentes no interior da sociedade e das instituições, resgatando as forças instituintes que a todo momento as instituições tentam capturar objetivando a manutenção do status quo. (Carvalheira et al., 1987, p. 57)

À guisa de uma superação das perspectivas tradicionais, compreendemos que o papel do psicólogo escolar, evidenciado na literatura, está longe de apresentar-se como um técnico de "queixas de aprendizagem", muito menos como uma variável neutra que intervém no contexto educacional. Ao contrário, é a partir da autopercepção do seu caráter político que poderá atuar como um real facilitador das questões que perpassam o cotidiano educacional. No entanto, nesse novo cenário, muitas outras variáveis estão postas, superando o enfoque "psicologizante" outrora (e ainda muitas vezes) evidenciado.

Ademais, o psicólogo pode atuar também enquanto um mediador ou facilitador de processos, investigando e intervindo junto aos professores, estudantes, funcionários, familiares e outros atores importantes para o universo educacional; outra possibilidade de atuação radica no acompanhamento do projeto pedagógico e de suas implicações no cotidiano escolar. Isso poderá ocasionar, segundo Meira (2005), "uma compreensão crítica do psiquismo, do desenvolvimento humano e de suas articulações com a aprendizagem e as relações sociais".

 

Percurso metodológico

No caminhar deste artigo, adotamos uma metodologia qualitativa, a qual permite o acesso a dimensões por vezes inatingíveis pela pesquisa quantitativa. A metodologia qualitativa objetiva compreender, e não quantificar, determinado fenômeno. Possibilita um aprofundamento de informações e uma melhor compreensão de problemas complexos. Ela rejeita a idéia de neutralidade científica aspirada pela modernidade; ao contrário, caracteriza-se por valorizar a relação pesquisador-pesquisado, por entender que o conhecimento se produz mediante tal interação. Circunscrevemos a epistemologia qualitativa de estudo também por corroborar com Gonzáles-Rey, quando este concebe a epistemologia qualitativa como:

Um esforço na busca de formas diferentes de produção de conhecimento em psicologia que permitam a criação teórica acerca da realidade plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa histórica, que representa da subjetividade humana. (2002, p. 29)

Em consonância com tal método, utilizamo-nos do grupo focal, utilizado quando se pretende conhecer uma determinada realidade tendo como referência o ponto de vista dos atores sociais nela inseridos. Ele permite o contato com percepções, sentimentos e atitudes dos integrantes e possibilita respostas sem limitações de escolha e o estabelecimento de uma dinâmica entre os membros do grupo (Gil, 1999). O grupo focal proporciona, também segundo esse autor, a obtenção de uma grande quantidade de dados e uma maior interação entre os entrevistados e o entrevistador, favorecendo a observação também da linguagem gestual do grupo. No dia 21 de maio de 2005, realizamos o grupo focal na própria escola. Este contemplava temáticas de interesse na investigação - tais como a leitura sobre a realidade da escola e a pertinência da atuação da psicologia em espaços como aquele -, contando com a participação de um gestor, sete funcionários e onze professores da escola municipal na qual realizamos a pesquisa.4

Os dados obtidos no grupo focal foram submetidos à análise de conteúdo. Esta, segundo Bardin (1977), caracteriza-se por ser um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que procura "estabelecer uma correspondência entre as estruturas semânticas ou lingüísticas e as estruturas psicológicas ou sociológicas (por exemplo: condutas, ideologias e atitudes) dos enunciados" (p. 41). Isso é entrar em contato com os sentidos da mensagem, fazendo uma correlação com suas dimensões psicológicas, políticas e culturais.

 

Contextualização da escola em estudo

A escola onde foi realizada esta pesquisa é patrimonial e municipal. Funciona durante os três turnos e realiza trabalhos de Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II, além da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no turno da noite. Conta com uma estrutura ampla, com sala de informática, quadra de esportes e um pátio espaçoso para as crianças brincarem. Nos períodos chuvosos, no entanto, há alagamentos de algumas salas, o que, por vezes, compromete o andamento das aulas.

Os professores e funcionários da instituição com os quais tivemos contato apontaram que a escola constitui um espaço de se construírem laços. Relataram-nos as constantes reclamações da população devido à limitação de vagas na escola, principalmente no período de matrícula. Denunciaram também o investimento insuficiente no ensino público, dificultando a contratação e qualificação dos trabalhadores, bem como melhorias na estrutura física das escolas. Alguns assinalaram a impossibilidade de trabalhar com educação inclusiva, já que, segundo eles, não aconteceu uma capacitação específica para isso. Essas dificuldades corroboram com a manutenção da gritante diferença entre as escolas públicas e as privadas, quanto ao funcionamento, à estrutura, aos investimentos, etc. É válido citar que essa leitura dos entraves do ensino público de forma mais ampla foi possibilitada pelo fato de muitos professores atuarem em outras escolas, além da pesquisada.

No que se refere à dinâmica escolar, foi recorrente a idéia da predominância de alunos ditos "rebeldes e desmotivados", bem como da sobrecarga de funções e de tarefas sobre os professores, que encaram o exercício da profissão como algo "estressante" e também se afetam negativamente com o pouco interesse dos discentes. Segundo os sujeitos que contribuíram para a pesquisa, a causa da "desmotivação" dos estudantes é a ausência de sentido em ir à escola e a "falta de limites". A participação dos pais se dá através de reuniões trimestrais. Também existe um Conselho Gestor que, teoricamente, conta com a participação de representantes dos pais, alunos, professores e funcionários; entretanto, esse espaço é subutilizado, de acordo com informações obtidas na escola, dificultando assim uma maior flexibilização da dinâmica escolar.

Gostaríamos de pontuar a aparente falta de comunicação entre os profissionais da instituição, visto que alguns não sabiam nem mesmo da existência e da função da psicopedagoga da escola. Outro fato de grande relevância foi a não referência, em nenhum momento do grupo, ao Projeto Político Pedagógico da Escola5 (PPP). É evidente que esse fato está situado num contexto maior, no qual o PPP é, muitas vezes, confeccionado como mero recurso burocrático, como uma obrigação ante a Secretaria Municipal de Educação.

 

Análise e interpretação dos dados

A partir das discussões verificadas no grupo focal, pudemos atestar a heterogeneidade da dinâmica escolar no que concerne aos discursos e às concepções nela produzidos. Essa pluralidade se expressa, inclusive, na compreensão e nas expectativas que seus diversos atores têm acerca da atuação do profissional de psicologia no contexto em questão.

Todos os participantes demonstraram a importância de que haja psicólogos inseridos nas escolas públicas municipais de Fortaleza. No entanto, existem diferentes expectativas em torno da atuação de tais profissionais, fato que se explicitará a seguir.

A maioria dos participantes espera intervenções que se assemelham fortemente ao que Rocha (1999) nomeia de modelo clínico. Para esse grupo majoritário, o trabalho do psicólogo dar-se-ia de maneira individualizada e centrada, sobretudo, nos alunos que se apresentam "desmotivados" e "indisciplinados", bem como nos que aparentam ter "dificuldades de aprendizagem". Essa perspectiva parte da premissa de que a responsabilidade pelos entraves verificados no espaço da escola se localizaria nos alunos, o que exigiria uma ação com a finalidade de modificar "comportamentos inadequados" e promover adaptações e "melhorias de desempenho".

Consoante a perspectiva supracitada, a atuação do psicólogo estaria calcada nos diversos problemas que surgem no cenário escolar e teria a função de resolvê-los. Tal idéia pode ser mais eficazmente explicitada mediante a leitura da frase elaborada por uma parcela dos partícipes do grupo focal - que fala de como se poderia delinear uma intervenção em psicologia na escola pesquisada. Isso porque, segundo os sujeitos em destaque, "O psicólogo poderia atuar na escola como ouvinte dos problemas de cada um (alunos, professores, funcionários e família)".

Denotamos que, a partir da perspectiva apresentada, a prática clínica do psicólogo não se centraria somente nos "alunos-problema". De acordo com esses participantes do grupo focal, seria, portanto, conveniente estender a atenção clínica também aos professores, familiares e funcionários.

Como visto alhures, esse ponto de vista hegemônico se aproxima intimamente da perspectiva tradicional da psicologia escolar, que articula o fracasso escolar a problemas psicológicos apresentados pelos alunos pertencentes a setores socioeconomicamente desprivilegiados. Conforme a célebre análise de Patto (1984), esse viés corrobora com a manutenção do status quo, pouco contribuindo com a melhoria da qualidade de ensino e com a construção subjetiva dos atores escolares. Em outra obra, Patto reitera essa assertiva:

[...] é no mínimo incoerente concluir que, a partir do rendimento numa escola cujo funcionamento pode estar dificultando, de várias maneiras, sua aprendizagem escolar, que a chamada "criança carente" traz inevitavelmente para a escola dificuldades de aprendizagem (...) a desvalorização social da clientela e o preconceito em relação a ela, certamente estão entre as principais idéias feitas e acriticamente incorporadas; longe de serem meras opiniões gratuitas, essas idéias ganham força ao serem confirmadas por um determinado modo de produzir conhecimentos, que alça opiniões do senso comum ao nível de verdades científicas inquestionáveis. (...) Como vimos, esse preconceito é estruturante de práticas e processos que constituem desde as decisões referentes à política educacional até a relação diária da professora com seus alunos. (1999, pp. 407-408)

Outra expectativa - manifestada com mais veemência por alguns professores - é a de que o profissional de psicologia possa dividir encargos do cotidiano escolar que, atualmente, recaem sobre o corpo docente, como atenção aos problemas emocionais dos estudantes, dentre outros. Por isso, a atuação psicológica manteria sua característica de se efetivar de forma isolada e fragmentada. Tal compreensão, a qual também converge com um modelo clínico de intervenção, está presente em uma outra frase elaborada no grupo focal. Senão vejamos: "O psicólogo na escola tiraria o acúmulo de responsabilidades que envolvem o professor, que se sente emocionalmente sobrecarregado com problemas que ultrapassam os atributos educacionais de seus alunos".

Embora discursos dessa natureza possam municiar análises que culpabilizam os professores, supostamente descompromissados com o trabalho, Patto (1999) nos dá elemento para pensar tal situação sob um outro espectro, o qual enfoca a (des)organização de muitos pontos do sistema educacional público brasileiro, cuja implicação seria a precarização das condições de trabalho de seus funcionários e das condições de aprendizagem de suas usuários. É exatamente isso que a citação a seguir denota:

[...] é um equívoco de graves repercussões tentar fazer crer que a causa da ineficiência da escola encontra-se num perfil do educador traçado a partir de considerações moralistas, comuns entre os tecnocratas: "são incompetentes", "não querem saber de nada". Os depoimentos das próprias educadoras ajudam a mostrar que suas reações encontram sua razão na lógica do sistema que as leva a se aproximarem da legislação em benefício próprio, constituindo, assim, verdadeiras "estratégias de sobrevivência" em condições de trabalho adversas (...) Não estamos, portanto, diante de falhas sanáveis num sistema formalmente perfeito, mas diante de um sistema organizado segundo os princípios que o fazem essencialmente perverso. (Ibid., pp. 411-412)

Apesar da prevalência de expectativas de um trabalho eminentemente clínico na escola, também foi possível entrarmos em contato com concepções que aproximam a atuação do psicólogo ao que Rocha (1999) denomina modelo institucional. Isso porque, de acordo com determinados participantes do grupo focal, o profissional de psicologia poderia atuar com "família, auto-estima e socialização para que possamos plenamente atingir nosso objetivo no processo de ensino-aprendizagem, tornando a escola um lugar mais prazeroso".

Dentro desse prisma, a atuação do psicólogo teria sua abrangência ampliada, visto que não mais se focalizaria tão-somente nos problemas existentes, além de trabalhar de forma pró-ativa junto aos diferentes segmentos pertencentes à rede relacional da escola, diferentemente do que prepondera no paradigma clínico. Assim sendo, alguns sujeitos argumentaram que a intervenção em psicologia seria útil para aproximar os diversos atores inseridos no âmbito escolar.

Segundo eles, isso se efetivaria, por exemplo, através: 1) da realização de encontros com os pais, no intuito de problematizar a aparente dicotomia verificada entre escola e família; 2) da promoção de encontros em que se possa dialogar acerca de temáticas como agressividade, drogas, sexualidade, discriminação, inclusão, etc; 3) da criação ou potencialização de espaços destinados à capacitação dos profissionais.

Essa perspectiva de atuação do psicólogo apontada por participantes do grupo focal se faz coerente com considerações de autores ligados ao viés institucional. O seguinte trecho elucida bem essa ampliação do enfoque, agora relacionado às interações presentes na instituição como um todo, apontando para perspectivas de coconstrução dos sujeitos e de transformação positiva do contexto escolar:

Viver o cotidiano da escola tem sido viver o desalento de um processo adaptativo e domesticador em relação ao mundo. Pouco se conhece acerca das crianças que a freqüentam. Pouco se faz pelas possibilidades de transformação coletiva e individual, enfim, tem-se a visão de um imenso espaço onde as pessoas não aparecem como sujeitos e, portanto, não se pode transformar. (Guzzo, 2005, p. 19)

Por conseguinte, guiado por essa perspectiva, o trabalho de um psicólogo escolar iria ao encontro de intentos semelhante aos que serão elencados a seguir: 1) favorecer a criação de espaços de diálogo entre professores, funcionários, coordenadores, alunos, familiares e membros da comunidade; 2) identificar e compreender as nuanças da instituição escolar, seus discursos, suas metas, seus programas, as etapas da formação escolar e os critérios de avaliação de ensino praticados pelas instâncias governamentais à frente das políticas educacionais; 3) estimular debates concernentes aos métodos e aos conteúdos seguidos pela escola, de forma a envolver a multiplicidade de atores escolares, com vistas à problematização e ao aprimoramento dos critérios que orientam a escolha daquilo que deve ser ensinado e aprendido.

 

Considerações finais

Como podemos evidenciar, as expectativas produzidas na escola pública pesquisada em relação à atuação do psicólogo ainda estão, em sua maioria, pautadas em atendimentos predominantemente clínicos, em enfoques restritos e atuações descontextualizadas. Além disso, em permanente contradição com esse tipo de representação, emergem também demandas de se trabalhar a escola como um grande sistema, assim como insurgem a necessidade da atuação junto aos vários atores - professores, alunos, famílias, funcionários, etc. - e a atenção deslocada do problema de indivíduos para a problematização das interações.

Para esta pesquisa, alguns desses espaços poderiam ser possibilitados, de forma mais eficaz, a partir da atuação de um psicólogo escolar. A supervisão dos grupos de professores, a capacitação permanente dos técnicos da escola em relação aos temas sugeridos nos grupos - agressividade, sexualidade, drogas, discriminação, inclusão, dentre outros -, o acompanhamento dos alunos - em seus aspectos inter-relacionais e pedagógicos -, a participação na elaboração e concretização do PPP, a realização de seminários com os temas emergentes no contexto escolar e uma atuação junto à articulação e ao fortalecimento do Conselho Gestor poderiam acrescentar e dar outro sentido à dinâmica escolar.

Situados nesse universo de representações paradoxais, cabe trazermos novamente à tona uma frase surgida no grupo da pesquisa, por compreendermos que ela se assemelha, significativamente, ao que propomos como uma atuação crítica e contextualizada do psicólogo escolar: "Família, auto-estima e socialização para que possamos plenamente atingir nosso objetivo no processo de ensinoaprendizagem, tornando a escola um lugar mais prazeroso".

Obviamente que outros estudos podem ainda contribuir a fim de que se tenha uma compreensão mais complexa a propósito da atuação do psicólogo nas escolas públicas municipais de Fortaleza. Contudo, investigar o que a escola pensa, de antemão, sobre essa inserção é fundamental para evitarmos imposições e ações que prezam ainda pelo enfoque exclusivamente individual.

Constatamos a importância que é atribuída pelos sujeitos desta pesquisa a uma possível atuação do profissional psicólogo na escola.6 Destarte, ressaltamos ainda que a pouca clareza quanto às atividades e possibilidades peculiares à atuação do psicólogo escolar facilita um espaço para construção e criação conjunta dessa atuação.

 

Referências

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1 Entendemos que o processo de privatização significa delegar responsabilidades públicas para organizações ou entidades privadas, de acordo com Gentili (1999).
2 Para ver a matéria completa sobre o assunto, consultar o jornal Diário do Nordeste do dia 20 de janeiro de 2005.
3 Outro fator importante para a compreensão de tal temática é a análise institucional, que apresenta também explicações peculiares para o fenômeno em estudo. Para tanto, faz-se também uma leitura macropolítica, considerando a história da educação, as formulações das políticas públicas, a estrutura social e seu conseqüente embate de classes; todos esses fatores são como que um lócus de formação dos processos institucionais presentes na escola (Rodrigues e Souza, 1987).
4 Reconhecemos a importância de incluir as impressões dos pais e estudantes da escola, bem como dos parlamentares que propuseram o Projeto de Lei citado. Vista a exeqüibilidade da pesquisa, optamos por não contemplar essas dimensões, ressaltando a possibilidade de realização de pesquisas futuras.
5 Vale ressaltar que, no grupo focal, um dos facilitadores tentou suscitar uma discussão nesse sentido. No entanto, a maioria dos profissionais não sabia ao menos do que se tratava o PPP.
6 Quando da realização do grupo focal, foi levantada também a possibilidade de haver um psicólogo em cada Secretaria Executiva Regional - SER, ao passo que se destacou a importância da inserção do psicólogo no cotidiano escolar.

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