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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975
Psicol. educ. no.28 São Paulo jun. 2009
O envolvimento da família na educação escolar dos filhos: um estudo exploratório com pais das camadas médias*
Family involvement in children's education: an exploratory study based on middle class parents
El envolvimiento de la familia en la educación escolar de sus hijos: un estudio exploratorio con padres de clase media
Luciana Bittencourt FevoriniI; José Fernando Bitencourt LomônacoII
I Doutora pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e Orientadora Educacional e Pedagógica do Colégio Equipe em São Paulo. E-mail: lufevorini@gmail.com
II Professor Associado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e membro titular da Academia Paulista de Psicologia. E-mail: jfblusp@usp.br
RESUMO
O objetivo deste estudo foi o de avaliar o envolvimento dos pais das camadas médias e médias altas na educação escolar dos filhos. Para isso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 21 pais cujos filhos estudam em escolas particulares. A análise dos resultados revelou pais e mães muito envolvidos com a escolaridade dos filhos, que afirmaram não delegar à escola tarefas como a formação de valores e o estímulo à disciplina. Algumas sugestões foram elaboradas para que a escola desenvolva uma parceria efetiva com as famílias de seus alunos: estabelecer relações simétricas e de corresponsabilidade com os pais, oferecendo a eles espaços de reflexão sobre as questões que vivenciam com seus filhos.
Palavras-chaves: família; crise da família; relações pais-escola; rendimento escolar.
ABSTRACT
The aim of this study was to assess the involvement of both middle class and upper middle class parents in their children's education. Semi-structured interviews were carried out with 21 parents whose children attend private schools. The analysis of the results has revealed that, because they are deeply involved in their children's learning, parents are willing to take an active part in teaching their kids positive values as well as the importance of discipline. Some suggestions have been made for the school to develop an effective school-parent partnership, establishing symmetrical relationships and co-responsibility with parents, and maintaining an open-mind dialogue around children's problems.
Keywords: family; family crisis; parent-school relationships; children's achievement.
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue evaluar el envolvimiento de los padres de clase media y clase media alta en la educación de sus hijos. Para eso fueron realizadas encuestas semiestructuradas con 21 personas entre ellas parejas y madres cuyos hijos estudian en escuelas particulares. El análisis de los resultados reveló padres y madres que están muy envolvidos con la escolaridad de sus hijos y que afirmaron no delegar a la escuela tareas como la formación de valores y el estímulo a la disciplina. Algunas sugestiones fueron elaboradas para que la escuela desenvuelva una sociedad efectiva con las familias de sus alumnos: establecer relaciones simétricas y de coresponsabilidad con los padres, ofreciéndoles espacios para reflexionar sobre cuestiones vivenciadas con sus hijos.
Palabras clave: familia; crisis de la familia; relaciones padres-escuela; rendimiento. escolar.
A partir de meados do século XX começam a ganhar visibilidade novas configurações familiares: pessoas vivendo juntas sem estarem casadas legalmente, vivendo sozinhas por opção, mulheres chefes de família, novas famílias compostas por pessoas que já foram casadas e com filhos de outros relacionamentos. A chamada família nuclear, composta por pai, mãe e filhos, tendo o pai como principal provedor financeiro e a mãe dedicada exclusivamente à educação dos filhos e à administração do lar parece não ser mais tão comum quanto era, principalmente entre as camadas médias e altas da população (Hobsbawm, 1996; Roudinesco, 2003, Bergamasco 2007; IBGE, 2007; Ferry, 2008). E esse fenômeno, se não é mundial, pelo menos tem acontecido "nos países ocidentais desenvolvidos" (Hobsbawm, 1996, p. 315).
No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007), esse fenômeno das novas composições familiares também acontece, mas um pouco mais tardiamente, após 1977, ano da promulgação do divórcio. E, segundo dados da pesquisa Datafolha publicada em outubro de 2007, "uma entre quatro pessoas no país é filha de um casamento que já acabou [...] em 1998, 78% dos entrevistados diziam que seus pais continuavam casados, contra 65% no ano de 2007" (Bergamasco, 2007, pp. 62-64).
Mas será que dados como esses são indicadores de que a instituição familiar está em crise? E se sim, quais as causas dessa crise? Muitos pensadores dedicaram-se a pensar sobre essa questão. Segundo Shorter (1975), por exemplo, quando a família rompeu com a ordem social mais ampla e passou a se constituir com base no amor romântico, a crise tornou-se intrínseca a sua própria constituição, porque o amor se sustenta em bases inconscientes e irracionais "sendo o amor o único cimento que mantém o casal unido, a família dissolver-se-á logo que ele desapareça" (pp. 12 e 13). Também Adorno e Horkheimer (1978), pesquisadores da Escola de Estudos Sociais de Frankfurt, com uma proposta de formular "uma teoria crítica da sociedade" procurando integrar as ideias do materialismo-histórico com uma compreensão humana proveniente da teoria freudiana, identificam uma crise na família.
Entretanto, para eles, a crise não é intrínseca à própria família, mas decorrente da relação que ela estabelece com a ordem social mais ampla. "A família não só depende da realidade social, em suas sucessivas concretizações históricas, mas também está socialmente mediatizada, mesmo em sua estrutura mais íntima" (p. 133). Para eles, a crise da família burguesa no início do século XX é resultante das transformações econômicas ocorridas no mesmo período. "A família cumpria cada vez menos sua função de instituição de aprendizagem e educação. Os pais já não tinham mais um patrimônio cultural e experiências que pudessem ser transmitidos" (Mandelbaum, 2008, p. 34).
O sociólogo norte-americano Christopher Lash (1991) partilha de ponto de vista semelhante ao de Adorno e Horkheimer sobre a crise da família: os mesmos aspectos que fizeram com que a privacidade e a família fossem considerados "refúgios seguros contra o mundo", também tornaram cada vez mais difícíl a manutenção de seu isolamento. Entretanto, ressalta um fator decisivo para o seu enfraquecimento: as políticas públicas e os serviços de bem-estar social. Educadores e reformadores sociais passaram a ver as famílias como empecilhos para o progresso social, uma vez que conservavam tradições, hábitos e costumes que atrasavam a constituição do Estado Nacional. Assim, o surgimento das profissões assistenciais, no início do século XX, fez com que a sociedade invadisse a família, tomando para si muitas de suas funções.
Hobsbawm também aborda as mudanças ocorridas na família a partir de meados do século XX. Todavia, não caracteriza essas transformações propriamente como uma "crise" e sim como uma "revolução cultural" que ocorreu com o avanço das sociedades industriais, em que a família se enfraquece porque o individualismo e o hedonismo passaram a prevalecer sobre os laços e mecanismos que ligavam os seres humanos em "texturas sociais" (p. 328).
Entretanto, outros pensadores contemporâneos fazem uma análise diferente dos novos arranjos familiares: são formas de reinventar o viver em família que só reforçam a importância dos laços afetivos entre o casal e entre o casal e seus filhos na sociedade contemporânea. Ferry (2008) afirma que é justamente a escolha livre e a afinidade entre os parceiros que permitem que a família tenha funções afetivas e educativas. Ela não só não está em crise como é o laço social que mais se intensificou nos últimos dois séculos. E Roudinesco (2003) aponta que o casamento se desfez de sua antiga sacralidade e se tornou um modo de conjugalidade afetiva, em que as pessoas podem se proteger das desordens do mundo exterior, e um "valor seguro ao qual ninguém quer renunciar" (pp. 198-199).
Mas como a escola, outra instituição responsável pela educação de crianças e jovens, reage diante dessas mudanças na família? Há um discurso recorrente entre educadores, reforçado por teóricos da sociologia e da educação, de que essa "nova" família parece não ser capaz de cumprir algumas funções educacionais que são a base da educação escolar e delega essa tarefa para a escola. Por exemplo, Arendt (1997) indica que há uma "crise na educação", tanto na família como na escola porque a essência da atividade educacional é a conservação do saber sistematizado da humanidade e, para isso, não pode abrir mão da autoridade e da tradição num contexto cultural que não é mais estruturado dessa maneira. Enguita (2004) também reconhece uma crise na família, entretanto, para ele, a escola faz hoje o papel de complementar a família como antes fazia a pequena comunidade.
Dado esse papel complementar assumido pela escola, diante de situações de insucesso acadêmico, as escolas e seus educadores tendem a responsabilizar as famílias de seus alunos por não assumirem a sua parte no processo educativo escolar (Carvalho, 2000; Marques, 2002; Szymanski, 2003; Polonia e Dessen, 2005). Todavia, por mais que pais ausentes e desinteressados possam gerar desinteresse e afastamento de crianças e jovens das atividades escolares, há, muitas vezes, por parte da escola, uma generalização indevida dessa explicação. É surpreendente como a responsabilização da família pelo fracasso escolar é recorrente no discurso de profissionais da educação. Szymanski (2003) diz: "É frequente ouvirmos depoimentos de professores ou membros da equipe escolar acerca de que as famílias são 'desestruturadas', 'desinteressadas', carentes e, no caso de comunidade de baixa renda, violentas" (p. 68).
Parece comum encontrar no discurso dos educadores a expectativa de que os alunos sejam oriundos de uma família nuclear tradicional, em que o pai é responsável pela sustentação financeira e a mãe se dedica com afinco aos filhos e às suas tarefas escolares, sem trabalhar fora ou trabalhando apenas por meio período (Carvalho, 2000; Souza, 1997; Patto, 1997). Dessa forma, professores e educadores revelam-se alienados das transformações sociais que acabaram interferindo na organização das famílias. E, ao se depararem com as dificuldades de aprendizagem e/ou de comportamento dos seus alunos, sem encontrar esse modelo de família, alimentam uma série de preconceitos em relação a elas, afastando-se do problema e eximindo-se de qualquer responsabilidade. Ao atuarem dessa forma, esquecem-se de que as dificuldades de aprendizagem e o fracasso escolar são produtos de múltiplos fatores, incluindo o funcionamento da própria instituição escolar (Patto, 1997; Perrenoud, 2001).
Em face dessa realidade, alguns estudos (Marques, 2002; Szymanski, 2003; Polonia e Dessen, 2005; Gasonato, 2007) enfatizam a necessidade de a escola se aproximar das famílias de seus alunos, buscando realizar um trabalho em parceria com elas. Essa aproximação pode permitir a quebra de preconceitos por parte da escola em relação às famílias e uma compreensão maior por parte das mesmas do papel da escola e da sua forma de trabalhar. Quando há essa aproximação, mostram os resultados de pesquisas (Marques, 2002; Polônia e Dessen, 2005), as consequências são bastante satisfatórias. Os pais sentem-se valorizados e tornam-se aliados dos professores, os quais, por sua vez, passam a executar formas de acompanhamento e auxílio sistemático aos alunos, permitindo que eles desenvolvam mais seu potencial.
O acompanhamento da vida escolar dos filhos pelos pais, segundo estudos, é um fator importante para a aprendizagem e para o sucesso acadêmico de crianças e jovens (Polonia e Dessen, 2005; Marques, 2002). Há, inclusive, pesquisas ressaltando a necessidade de a escola incentivar e favorecer a participação da família na vida escolar, porque identificam que a boa relação família-escola é um dos fatores que melhoram as condições de aprendizado (Lopez, 2002; Marques, 2002; Paro 2000; Bhering e Blatchford, 1999). Outras ainda mostram que, mesmo numa boa instituição escolar, com bons programas curriculares, a aprendizagem dos alunos só se evidencia quando estes têm a atenção e o acompanhamento dos pais (Polonia e Dessen, 2005).
Este trabalho procurou dar continuidade à reflexão sobre a relação família-escola e reforçar a importância de se estabelecer uma parceria produtiva entre essas duas instituições. Se, por um lado, a família, em suas novas configurações, não pode ser considerada como a única responsável pelo insucesso escolar de crianças e jovens, por outro lado, é razoável supor que sua aproximação com a escola só venha beneficiar e potencializar a aprendizagem acadêmica. Numa realidade escolar como a brasileira, marcada por inúmeras deficiências, comprometer - e não responsabilizar - as famílias com o acompanhamento escolar de seus filhos pode revelar-se como mais uma das possibilidades de melhoria da qualidade de ensino.
Objetivos
Este trabalho teve como objetivos:
1) Avaliar, por meio de entrevistas semiestruturadas, como pais, cujos filhos frequentam escolas particulares, concebem seus papéis no tocante à educação escolar de seus filhos e como agem no acompanhamento dos seus estudos.
2) Conhecer as expectativas dos pais em relação ao papel da escola na formação dos alunos.
3) Relacionar o ponto de vista dos pais com algumas ideias de pensadores e pesquisadores sobre a família e sobre a relação família-escola, procurando verificar se reconhecem ou não o cenário de crise de valores e de autoridade.
4) Propor, a partir dos autores estudados e da análise dos dados, algumas sugestões para a atuação das escolas juntos às famílias, de forma a tornar a integração entre essas duas instituições mais efetiva.
Método
Os participantes foram pais e mães cujos filhos estudavam em três escolas particulares diferentes na cidade de São Paulo. A opção de restringir a pesquisa às camadas médias e médias altas da população é justificada pelo fato de que esse segmento não tem despertado o interesse dos pesquisadores educacionais no Brasil (Nogueira, 1995), o que diminui as possibilidades de comparação com outros segmentos mais estudados, como os menos favorecidos economicamente. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas que foram gravadas e posteriormente transcritas e resumidas. O resumo foi enviado a todos os participantes para que lessem e, eventualmente, sugerissem alterações.
Resultados
Os participantes mostraram-se muito interessados e preocupados com a educação escolar dos filhos, foram criteriosos na escolha da escola, participam das reuniões de pais e eventos pedagógicos, além de procurarem os educadores quando têm questões específicas sobre os filhos. Resultado que é coincidente com outras pesquisas (Nogueira, 1991 e 1995; Marques, 2002; Paixão, 2007), que demonstram haver uma adesão muito grande dessa camada social aos valores, normas e exigências escolares. A expectativa de ascensão social por meio da escola torna esses pais e mães verdadeiros "profissionais" em acompanhamento escolar. Justamente por isso são também bastante exigentes em relação ao trabalho da escola e atentos as suas limitações. Como disse uma das mães: "Sou muito crítica [...] não existe a perfeição!".
Um dos principais critérios de escolha, mais importante até do que a qualidade de ensino, é a coincidência dos valores educacionais da escola com os familiares. Na percepção dos pais entrevistados, há escolas com a mesma qualidade de ensino ou mesmo mais próximas de onde moram e/ou mais baratas, mas com uma visão de educação diferente das suas que, por isso, não foram escolhidas. Também valorizam a composição social da clientela, pois se importam com quem serão os colegas dos filhos. Nas palavras de uma das mães "a gente escolhe a escola... A gente vê os pais, tem que ser meio a nossa turma".
Os pais participantes não revelaram ter expectativas de que a escola seja a única responsável pela formação de valores fundamentais de sociabilidade, pelo contrário, esperam que esse processo se dê de forma compartilhada. Um dos pais diz explicitamente: "A gente não vai delegar para a escola o papel de disciplinar os filhos e não ter controle nenhum sobre eles". Nesse sentido, os dados do presente trabalho estão de acordo com o que diz Enguita (2004): "A velha crítica de que as famílias não se interessam pela educação não faz o menor sentido (como afirmação generalizada) (p. 69)", evidenciando que esse discurso recorrente entre educadores está mais pautado em preconceitos do que em dados da realidade.
Apesar de os participantes apresentarem configurações familiares diferentes (casais, casais formados pelo segundo casamento do pai, mães separadas que moram sozinhas com os filhos, mães que moram com os filhos e um novo companheiro, pai que nunca morou com a mãe da filha e que, atualmente, mora com a filha e a atual esposa), esse fato parece não interferir no acompanhamento da escolaridade dos filhos e nem na atenção que dão a eles de uma maneira mais integral (vida afetiva e social).
É importante destacar que não foram todos os pais contatados que aceitaram participar - alguns não autorizaram que a direção fornecesse o número de seus telefones; outros disseram, por intermédio da escola, que não queriam ou não podiam dar entrevistas. E esse pode ter sido um viés particular na seleção dos participantes, pois, de alguma forma, apenas pais que sentem afinidade com o tema ou que estão mais preocupados e atentos à escolaridade e ao desenvolvimento dos filhos aceitaram conversar. Aqueles com tendência a delegar tarefas para a escola e apenas cobrar dela eficiência talvez não tenham manifestado interesse em colaborar com a pesquisa. Mas essa é apenas uma hipótese que não foi possível comprovar.
De qualquer maneira, é importante enfatizar que a afirmação de que a família vive uma crise e por isso não transmite valores fundamentais de sociabilidade, delegando essa tarefa para a escola, parece ser uma generalização indevida. Também não se pode dizer que isso não aconteça de forma alguma e que essa percepção por parte das instituições escolares é equivocada. Parece mais condizente afirmar que há famílias que estão envolvidas com a educação escolar dos filhos e que há famílias que não estão. Mas esse envolvimento parece não estar relacionado diretamente às novas configurações familiares ou ao fato de as mães trabalharem fora e se dedicarem com afinco a sua vida profissional.
Os dados do presente trabalho são coerentes com os estudos que indicam ser o acompanhamento da vida escolar dos filhos um fator importante para o sucesso das crianças e jovens (Polonia e Dessen, 2005; Marques, 2002), pois, do conjunto de todos os filhos dos entrevistados (28 crianças e jovens), apenas três foram caracterizados pelos pais como maus alunos, sendo dois com histórico de reprovação. O restante foi descrito como regulares, bons e excelentes alunos. Por outro lado, o caso desses três estudantes com dificuldades de aprendizagem sugere que não é apenas o acompanhamento dos pais e o fato de pertencerem às camadas médias e altas da população que determina o bom aproveitamento escolar. O fenômeno do fracasso escolar também acontece nas camadas médias e médias alta da população, como também foi verificado por Nogueira (2004).
O acompanhamento e encaminhamento das escolas a esses alunos com problemas de aprendizagem também merece atenção: costumam atribuir as dificuldades a fatores externos a elas, como problemas emocionais, neurológicos ou comportamentais e indicam uma série de profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos, etc. para que realizem um trabalho paralelo com esses alunos. Não que, eventualmente, dificuldades de aprendizagem não possam estar associadas a questões psicológicas, médicas, etc., mas o que chama a atenção é o fato de não se levantar a hipótese de que o próprio método de ensino ou outras práticas pedagógicas da escola possam não colaborar para o aprendizado.
Alheias ao fato de que o fracasso escolar implica múltiplos fatores, as escolas terceirizam o problema, fazendo com que os pais recorram a um arsenal de especialistas sem considerar a possibilidade de rever suas práticas. Vale destacar o depoimento de uma das mães cujo filho enfrentou muita dificuldade para se alfabetizar. Depois de buscar ajuda de muitos especialistas, decidiu mudá-lo para uma escola com outro método de ensino, e todas as dificuldades desapareceram. Nessa escola, menos pressionado, não só o garoto se alfabetizou como passou a acompanhar a turma. "Eu achava que meu filho tinha algum problema pedagógico {...} ainda coloquei em psicopedagoga, Kumon {...} depois eu vi que a antiga escola era o problema!"
Também verificou-se que o interesse dos pais pela escolaridade dos filhos acompanha toda a vida escolar. A idade dos filhos dos participantes variou de três a quatro anos (Educação Infantil) até 17 e 18 anos (3ª série no Ensino Médio). E relataram que as questões mudam, mas o interesse não. Enquanto, no início, atentam para questões como a alfabetização, por exemplo, no Ensino Fundamental II passam a se preocupar com o hábito de estudo e, no Ensino Médio, com escolha profissional, vestibular e drogas.
Em relação ao ensino, os pais esperam que os filhos tenham prazer em aprender, a curiosidade aguçada, uma formação ampla em todas as áreas do conhecimento, inclusive nas artes e nos esportes, mas que, sobretudo, desenvolvam o pensamento crítico. Portanto, são pais que atribuem à cultura e ao conhecimento uma importância própria e não os veem como algo utilitário, o que também coincide com outras pesquisas realizadas com essa camada social, com alto capital cultural1 (Nogueira, 1991 e 1995; Paixão, 2007).
Também têm a expectativa de que a escola promova uma interação saudável entre os alunos, de forma que possam manter uma boa convivência, desenvolver amizades sólidas e ter prazer em ir para a escola. Por outro lado, gostariam que houvesse a maior diversidade social possível dentro do ambiente escolar, o que não acontece em instituições privadas de ensino como as consideradas neste estudo. E aqui se evidencia uma contradição: se, por um lado, querem que o público da escola seja constituído por pessoas com os mesmos valores e as mesmas condições econômicas, por outro, gostariam que seus filhos pudessem conviver com pessoas de todas as camadas sociais. Ao proporcionar aos filhos um ensino de qualidade, limitam seus laços sociais. Mas como valorizam o conhecimento acima de tudo, entre a convivência com a diversidade e o bom ensino, optam pelo segundo.
Ainda duas outras expectativas importantes dos pais em relação à escola dos filhos foram detectadas: estabilidade tanto na proposta pedagógica quanto no corpo docente e capacidade de conhecer bem as potencialidades e os limites de seus alunos, ou seja, que sejam capazes de estabelecer um trabalho individualizado para cada criança. Até porque, segundo Nogueira (1998), nessa camada social há uma preocupação em escolher estabelecimentos de ensino que se ajustem às características dos filhos.
Não se verificou, nas críticas, uma convergência muito grande. Às vezes, um aspecto que era elogiado por uma das famílias da mesma escola era criticado por outra. Porém, houve uma crítica importante: o fato de não se sentirem ouvidos pelas escolas nas suas queixas e reclamações. Nem todos os entrevistados relataram ter tido esse tipo de experiência com a escola dos filhos; alguns, pelo contrário, elogiaram justamente o fato de serem acolhidos prontamente quando precisaram. Fato que só reforça sua importância na avaliação que as famílias fazem das instituições de ensino. Como não há a "escola perfeita", sua abertura e disponibilidade para receber críticas e, com elas, aprimorar sua prática é, na visão desses pais, fundamental para reforçar a confiança e estabelecer um bom relacionamento entre família e escola. De qualquer maneira, alguns dos participantes identificaram que as escolas têm uma tendência a se comunicarem com eles de forma unilateral.
E as reuniões de pais? O que os pais pensam sobre elas? "Chatas, muito longas"; "Se acompanha muito pouca coisa, são grandes, eles falam e a gente escuta"; "É bem no superficial"; "É o que dá para fazer"; "Particularmente não gosto muito das reuniões"; "Eu acho que é um blábláblá importante de ouvir"; "Eu acho um saco aquilo ali"; "Eu gosto, mas me canso"; "Eu sempre achei muito elucidativas, sempre foi muito interessante!". Algumas das respostas foram colocadas em destaque porque é notável como a "chatice" das reuniões de pais é quase uma unanimidade. Apenas uma das mães foi categórica ao dizer que são elucidativas e interessantes; os outros ou disseram explicitamente que não gostam, ou usaram termos indiretos como importante, superficial, etc.
Mas por que são chatas? Apesar de as três escolas organizarem as reuniões de pais de formas diferentes, as razões da chatice parecem recorrentes. A primeira delas é o fato de alguns pais "monopolizarem" as reuniões com questões particulares dos seus filhos ou com assuntos que não são do interesse de todos, sem que a escola intervenha. Outra razão é quando são enfatizados procedimentos e conteúdos e não a caracterização dos alunos e das turmas. Os pais se interessam pelo dia-a-dia das crianças e não querem aprender o que elas aprendem. Também não gostam quando apenas a direção ou a coordenação conduzem a reunião e não têm a oportunidade de terem contato direto com os professores.
Entretanto, a "chatice" das reuniões parece ser mais tolerada pelas mães do que pelos pais. Quando a entrevista foi com o casal, apenas um deles disse que vão juntos sempre; outros disseram que vão juntos quando podem, mas em geral a mãe costuma ir mais. Ainda houve um casal em que a marido nunca vai. O que é curioso é que, entre esses participantes, os homens mostraram prazer em compartilhar com as mulheres a educação dos filhos e quase todos eles participaram ativamente da escolha da escola e acompanham o aprendizado dos filhos. Contudo, a mesma disponibilidade não é encontrada para frequentar as reuniões de pais. Talvez por aspectos afetivos e psicológicos e/ou culturais e sociais, o cuidado com a prole ainda parece ser mais uma tarefa feminina do que masculina. Mas não cabe aqui o aprofundamento nessa questão de gênero.
A importância de comparecer às reuniões de pais, todavia, não foi questionada. Mesmo considerando-as chatas, pai ou mãe costumam ir à maioria delas para conhecer os professores, ter mais informações sobre os filhos e sobre o trabalho da escola e, assim, poder fazer um acompanhamento mais contextualizado. Mas, mais do que isso, alguns pais afirmaram que eles próprios aprendem quando participam de boas reuniões de pais, como se a escola, por meio das reuniões, também se voltasse para a formação dos pais. Citando as palavras de um deles "o pai acaba sendo educado também! [...] Se forem bem preparadas pela escola, elas funcionam como um processo de educação também para os pais!".
Discussão
É fato que o número de divórcios tem aumentado no Brasil, da mesma forma que nas grandes cidades da Europa e da América, surgindo assim novas configurações familiares. Mas isso não é indício de que as famílias estão em crise, de que os pais não se preocupam com os filhos e não se dedicam a eles ou de que essas "novas" famílias sejam prejudiciais ao desenvolvimento e ao aprendizado de crianças e jovens. Não são os novos arranjos em si que trazem prejuízos aos filhos, mas o modo como eles são conduzidos pelos adultos. Também é fato que a mulher entrou definitivamente no mercado de trabalho, o que impôs a necessidade de a família compartilhar com instituições educacionais parte do cuidado com os filhos.
Simultaneamente a esse processo, as famílias e o "seu jeito" de educar, pautado na tradição e na experiência pessoal, sofreram enorme interferência de especialistas em saúde, desenvolvimento infantil e educação (Lash, 1991). Hoje, como revelam os participantes desta pesquisa, em vez de pais e mães recorrerem à sabedoria e à tradição para lidarem com seus filhos, buscam os especialistas. "Perante os novos técnicos em amor familiar [...] amar e cuidar dos filhos tornou-se um trabalho sobre-humano, mais precisamente científico" (Costa, 2004, p.15).
Nesse sentido, a escola como instituição "especializada" em educação, se estabelecer uma relação estritamente técnica com os pais de seus alunos, impondo seu conhecimento a eles, só vai reforçar suas eventuais fragilidades e alimentar sua dependência dos especialistas. Mas se, ao contrário, estabelecer relações de reciprocidade e de respeito mútuo com os pais, considerando que ambos são responsáveis pela educação de crianças e jovens, pode fortalecer os valores e saberes dos pais, uma vez que o aprendizado de como ser pai ou mãe não acontece naturalmente.
O que se propõe, a partir dos depoimentos dos participantes desta pesquisa e de toda a literatura consultada, é que a escola promova e reforce essa relação de parceria com os pais, pautada na reciprocidade, na simetria e na corresponsabilidade. Szymanski (2000), por exemplo, propõe um programa de formação de pais mais voltado para as famílias desfavorecidas e fundamentado na concepção de educação problematizadora de Freire (1996). "Um olhar educativo para a família sugere que as práticas podem ser aprendidas e/ou modificadas segundo uma proposta educacional, e que os pais, enquanto educadores, podem ser sujeitos de um programa de formação" (Szymanski, 2000, p. 19).
Uma forma seria a escola oferecer, além das reuniões de pais já existentes, encontros em que os pais possam conversar e discutir entre eles questões relacionadas à educação dos filhos, num modelo semelhante ao proposto por Szymanski (ibid.). Vale a pena destacar que esses encontros não substituiriam as tradicionais reuniões de pais, porque, de fato, informar as famílias sobre os objetivos do trabalho pedagógico e de como ele se desenvolve é papel da escola. Afinal, ela tem uma função específica, diferente da família: a de transmitir o saber sistematizado da humanidade para as novas gerações.
As escolas também devem ficar atentas à maneira como se comunicam com sua comunidade. Tanto os entrevistados como a literatura consultada apontaram que, muitas vezes, a comunicação escola-comunidade é de mão única e ocorre principalmente para informar sobre problemas de aproveitamento e de comportamento. Esse fato aponta para a necessidade de as escolas considerarem que comunicar é um processo dialógico. Assim, não é preciso pensar em outras formas de se comunicar com a comunidade, os próprios recursos existentes podem se tornar mais eficientes, se o princípio da troca estiver presente.
Outra prática importante que aproxima os pais, não só da escola como do aprendizado dos filhos, é convidá-los para assistirem e participarem dos produtos de aprendizagem de seus filhos. Essas situações são oportunidades para os pais comparecerem à escola em função de aspectos positivos do trabalho. Mas esses eventos devem ser concebidos na perspectiva da socialização, pois socializar implica comunicar o que aprendeu, como aprendeu e por que aprendeu e não se restringe a uma exposição do conteúdo. A prática da socialização, na visão de Freire (1970), intrínseca ao próprio ato de educar, deve fazer parte do trabalho de toda a comunidade escolar.
Professores, orientadores e diretores de escolas, já bastante atarefados com a realização diária de suas atividades, ao lerem este trabalho, podem pensar "Mais uma coisa que a escola deve fazer!". A título de esclarecimento: a escola já faz diversas dessas atividades como reunião de pais, mostra de trabalhos, festas, etc. Trata-se de propor outra concepção na elaboração e realização delas: devem ser pautadas num caráter socializador e reflexivo e não meramente informativo e expositivo. Nesse sentido, este trabalho não sugere que a escola tenha novas e mais responsabilidades, mas pretende apenas fornecer alguns subsídios teóricos e práticos para que as escolas realizem suas atividades dentro da perspectiva da parceria.
A reunião de pais, por exemplo, pode ser pensada dessa forma e se tornar um espaço importante para reforçar os laços família-escola. O melhor é que tenha um número de participantes não muito grande, que permita a troca entre eles. Antes da reunião, a escola pode pedir aos pais que sugiram temas e questões para serem discutidas. Na própria reunião, é importante que a coordenação deixe claros os procedimentos para todos os participantes se manifestem. Estabelecer tempo e um número máximo de perguntas a cada um e orientá-los para que procurem a escola individualmente se todas as suas dúvidas não puderam ser esclarecidas é uma possibilidade para minimizar a tão criticada monopolização por alguns dos participantes. E a pauta proposta deve ser seguida, perguntas que não façam parte do que foi planejado podem ser levantadas se houver tempo, no final. Além disso, as reuniões mais bem avaliadas foram as que enfocaram o dia-a-dia das crianças na escola e não a exposição de conteúdos ou de procedimentos burocráticos.
Em escolas que organizam mais de uma reunião por ano, uma delas poderia ser organizada para que os pais troquem impressões entre si sobre questões que estejam vivenciando com seus filhos. As palestras, os debates, os encontros com especialistas sobre temas que não sejam estritamente ligados ao estudo, mas que são objeto de preocupação dos pais como internet, drogas, mercado de trabalho, etc., devem ser promovidas. Até o Ensino Fundamental I, quando há o professor polivalente, é importante que a reunião seja conduzida por ele e a coordenação se restrinja a questões mais amplas e institucionais. E, finalmente, uma última sugestão é oferecer uma forma para os pais avaliarem a reunião.
É importante ressaltar que o presente trabalho não está isento de limitações. A primeira delas, como já abordado anteriormente, é que os participantes foram pais que concordaram em ser entrevistados e que nem todos os contatados aceitaram participar, o que pode ter trazido um viés particular sobre o interesse pela vida escolar dos filhos. Uma segunda limitação foi a de que as escolas pesquisadas apresentavam, de certa forma, um perfil semelhante no que diz respeito às regras de convivência e ao trabalho com os alunos e, consequentemente, o perfil dos pais também se revelou semelhante. A análise qualitativa dos dados, por sua vez, é um trabalho em que a subjetividade do pesquisador se faz presente, portanto, é possível que outras leituras possam ser feitas dos mesmos dados. Por fim, este estudo teve um caráter exploratório, ou seja, não se pautou em hipóteses bem definidas a respeito da família e da relação família-escola, mas buscou suas respostas exclusivamente na fala dos pais, nesse sentido, outros estudos serão muito bem-vindos.
Referências
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Arendt, H. (1997). "Crise na educação". In: Entre o passado e o futuro. São Paulo, Perspectiva. [ Links ]
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* Este trabalho é uma versão resumida da tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da USP em 2009 e defendida pela primeira autora sob orientação do segundo autor.
1 Não cabe neste trabalho uma discussão sobre como caracterizar camadas médias e médias altas da população, uma vez que o enfoque é nas práticas educativas. Desse modo, o termo vai indicar "aquelas famílias que se caracterizam pela posse de um certo capital cultural e por ocupações de nível superior" (Nogueira, 1995, p. 14)